Maldita soledad
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DEPARTAMENTO DE POLICIA FEDERAL CIDAD DEL MÉXICO
— E mais uma vez demos batida em um alarme falso, a casa era de um senhor de 92 anos que mora com uma cuidadora, vasculhamos e não encontramos nada, absolutamente nada fora do normal. É como se quisessem nos enganar. ‘’EL MONDRAGON’’é muito mais esperto do que podemos sequer imaginar — Disse com sua voz empossada a Agente especial do DEA, Melanie Simons.
Com seus 1,89 de altura. Sua magreza esbelta, voz grossa e jeito bravo de falar que impunha um certo respeito. O meio em que trabalhava fez a agente usar dessas artimanhas para lidar com os colegas de trabalhos machistas que a cercava. Seus traços eram fortes, cabelos cacheados no meio das costas que usava na maioria das vezes soltos, salvos em situações que exigiam o contrário ou em dias de extremo calor o que não era muito raro no México.
Até onde se sabia da agente Simons, como costumava ser chamada, era incorruptível e com um currículo ilibado. Esteve à frente comandando várias operações antidrogas nas fronteiras do EUA e México, e tinha sido chamado pela própria policia federal mexicana para prender ‘’EL MONDRAGON’’, traficante por trás das vendas e distribuição de 70% da droga usada e exportada do México. Ninguém sabia quem era, e até pessoas que foram presas acusadas de fazer negócios com ele disseram que jamais o viram pessoalmente, que toda a negociação era feita por meio de intermediários e laranjas. ‘’ EL MONDRAGON’’ poderia nem mesmo existir, mas algo aguçou os extintos da Agente Simons e no fundo ela sabia que ‘’EL MONDRAGON’’ não era apenas uma lenda urbana. Seus extintos não costumavam falhar.
Depois de mais um dia cansativo de batidas que não deram em nada, Melanie foi para o pequeno apartamento cedido pelo governo do México. O lugar não tinha muito luxo, mas era bem confortável e até melhor que seu apartamento minúsculo de Manhattan. Depois do trabalho, ainda tinha que se arrumar para uma festa que o presidente da república, alguns figurões locais e empresários dariam para homenagear policias pelos êxitos obtidos na luta contra o narcotráfico. Ela foi uma das convidadas e oradora para a entrega das homenagens aos policias mexicanos.
Um banho e a cama quentinha era tudo o que seu corpo pedia, mas a sua ausência na festa poderia ser interpretada como uma falta de educação. E estremecer as relações ainda mais com os policias mexicanos neste momento era tudo o que ela menos precisava. Ela tinha que ter os policiais atuando ao seu lado, tendo em vista que a chegada do DEA na cidade do México causou um certo desconforto e desconfiança, tanto com os civis quanto com os militares. Os policiais locais se sentiram menosprezados e inferiorizados com o pedido de ajuda a militares americanos. E esse tipo de situação nem sempre era fácil de lidar.
Inflar um pouco o ego deles era uma das táticas para deixar as relações mais amenas e ela não poderia perder essa oportunidade de fazê-lo.
Se desfez do uniforme e tomou um demorado banho para amenizar cansaço e desanimo. Um coldre de perna discreto munido com uma 22, um salto médio, cabelos coque alto e um vestido preto já estava de bom tamanho. Não era adepta a vaidades, mas uma festa que o Presidente de um País estaria exigia um pouco mais de sacrifício. Passou meio desajeitada a maquiagem que aprendeu num curso ultrarrápido de blogueirinha de YouTube e, voilà. Até que ao seu ver estava bem apresentável.
Acostumada ao um certo conforto e ergonomia que os coturnos traziam, aqueles saltos se tornaram um verdadeiro inferno particular. O que fazia ela xingar muito por dentro enquanto dirigia num trânsito complicado pelas ruas largas da Cidade do México.
A cada pisada no acelerador, freio e embreagem a fazia soltar um: Puta que pariu, de ódio, pelo fato de não estar dirigindo um carro automático como eram as viaturas. Depois de mais de 45 minutos de sofrimento, ela chegou aonde seria a festa. Uma casa de eventos de alto padrão e bem afastado do centro da cidade. Após se identificar na portaria dirigiu por mais uns 2 quilômetros propriedade à dentro. Era um lugar lindo, com uma iluminação requintada e um jardim extremamente bem cuidado. E a primeira coisa que viu ao chegar na casa de eventos foi, uma infinidade de carros de luxo importados, muitos seguranças vestidos de pretos. Ainda dentro do carro, deu uma ultima checada na maquiagem para confirmar se ainda se mostrava minimamente apresentável. E mais uma vez se xingou internamente por não ter incrementado o visual.
Tentou inutilmente se abstrair da vergonha e dos pensamentos pesados contra si mesma, respirou fundo e desceu do carro. Caminhou a passos lentos até a porta de entrada e logo avistou o chefe de inteligência polícia federal mexicana. Era bom ver um rosto familiar àquela altura do campeonato. Roberto Mendonza sempre fora muito prestativo e educado com ela, um homem bonito, bem apresentável e bem CASADO. Uma pena. Dizia a si mesma.
— E como estava o trânsito, agente Simons. — Ele foi dizendo enquanto estendia a mão em cumprimento.
— No centro da cidade estava bem complicado, por pouco penso em desistir de vir— Respondeu, em um espanhol completamente rudimentar.
— Poderia ter aceitado a minha carona para virmos juntos, para mim seria um prazer— Um instante de silencio inquietante e extremamente embaraçoso se fez no ar.
— Imagina, eu jamais lhe daria trabalho além do necessário. — Respondeu Simons, tentado reverter aquela situação.
Foram caminhando passos apressados e desajeitados até o imenso e requintado salão de festa. Um garçom passou por eles e Mendonza logo pegou duas taças da chadornney. ofereceu umapara a agente. Naquela altura do campeonato e com o grau de desconforto, uma taça de bebida não seria nada mal.
— Tem gostado de sua estada no México, Senhora Simons?
— Senhorita, por favor— Retrucou imediatamente Melanie— E sim, tenho gostado bastante daqui, aos fins de semana sempre que posso vou surfar nas praias do interior. São muito lindas.
Uma mulher loira, de olhos expressivos e com um vestido azul extremamente bem cortado e lindo foi se aproximando da dupla, com uma cara de poucos amigos.
— Deixa-me lhe apresentar, Agente Simons, esta é Beth. Minha esposa— Tratou logo de ir dizendo Mendonza.
Um climão se instaurou mais uma vez, mas, logo ela tratou de cumprimentou a mulher. Com o seu melhor sorriso, e a mesma retribuiu à altura. Se despediu do casal com a desculpa de ir cumprimentar um amigo também americano, se afastou sorrateiramente, mas não sem antes pegar uma outra taça de bebida, desta vez de Bourbon cowboy.
A bebida foi fazendo seus músculos relaxarem. O que fez com que as dores causadas pelo salto e pelo cansaço sem amenizar. E de repente se sentiu bem e até um pouco mais animada.
A música ao fundo era até descontraída para ocasião: Bruno Mars-Granade. Totalmente diferente do que pensou, achou que, por ser uma festa formal só tocaria aqueles jazzes monótonos. Foi uma surpresa bem interessante e não seria a última da noite. Com a bebida já em vasto efeito, porém não bêbada, conseguiu se entrosar com alguns policias do departamento em que trabalhava em sua estada no México. A expectativa da noite era bem grande por duas chegadas: A senadora Alejandra DellValle e é claro, o presidente da república. Chegadas essas que, já tinha até rendido piadas internas entre Simons e os demais policias.
Depois de mais ou menos duas horas ela chegou, Alejandra DellValle despontou na multidão. Acompanhada de seu marido, sorridentes, o casal conversou com algumas dezenas de repórteres e jornalistas que os cercavam. Eles respondiam as perguntas sempre simpáticos e solícitos. Mas o que mais chamou atenção, não foi a aparição do casal quase perfeito dignos dos filmes de hollywood. E sim, em particular Alejandra DellValle e seu vestido de algumas centenas de milhares de dólares. Vestido de gala vermelho colado ao corpo e com tecido de calda que se arrastada pelo imenso tapete do saguão. Maquiagem perfeita, vestido perfeito, saltos perfeitos que dava a impressão dela já ter nascido neles.
Não havia um homem naquele salão que não reparava a sua beleza e pensavam o quão sortudo era o marido dela. Os dois passaram pelo grupo que Simons estava, e deram um singelo cumprimento balançando a cabeça.
A chegada do presidente foi praticamente ofuscada pela chegada dela se não fosse pelo excesso de seguranças que os cercavam, a chegada do presidente e sua esposa seria desapercebida.
Algum tempo depois, o cerimonialista deu inicio oficialmente ao evento, tendo em vista que todos os principais convidados já haviam chegado. A esta altura do campeonato Simons, já havia dado uma freada no consumo de álcool, qualquer coisa além daquilo poderia ser perigoso a sua imagem e colocar em risco o seu discurso. A primeira a falar no palco foi justamente Alejandra, sua desenvoltura diante do público era admirável. Nítido de uma pessoa já acostumada com os holofotes. Suas expressões corporais sempre na medida certa, era bastante gesticuladora.
Em sua vez de subir ao palco se aproximava, a única coisa que deixou a situação desconfortável complicada para Simons foi o idioma. Espanhol não era seu ponto forte e tinha muita dificuldade com o espanhol do México, falado um pouco mais acelerado que o espanhol da Espanha, por exemplo.
Uma das últimas palavras que entendeu da voz da Alejandra , foi seu nome a chamando para subir ao palco. Um sorriso amarelo, tentando disfarçar a timidez e o medo de falar em público. Simons, se dirigiu a passos acelerados ao palco. E com um espanhol quase que arcaico conseguiu agradecer a cooperação de toda a policia e prometeu dar o seu melhor para contribuir de alguma forma com a nação mexicana. O sacrifício e empenho para falar/aprender o idioma era nítido e bem quisto pelos anfitriões. O que arrancou risos involuntários e descontraídos em alguns momentos da plateia ali presente.
***
Voltei para casa com uma jovem, mais uma do meu pequeno acervo pessoal de prostitutas. A cafetina que me atendia sabia exatamente de como eu gostava, jovens acima de 22 anos, que saibam se portar, saibam conversar e claro corpo de top model. Nada mais e nada menos que isso.
Essa noite em especial tinha sido difícil, foi mais um daqueles eventos públicos que eu tinha que fingir um casamento, responder pela milésima vez ao repórter o fato de, em 10 anos de casamento ainda não ter filhos, nem biológicos e nem adotados. Fui orientada a ter filhos, isso faria bem para a minha imagem. Mas trazer uma criança para toda essa loucura era algo completamente fora de cogitação.
Os carinhos e o sex* com a moça começaram na parte de traz do carro, mas os toques essa noite estavam estranhamente desconfortáveis, todas as tentativas dela me machucavam de alguma forma. Não estava legal.
— Vou te deixar em casa, ok? — Disse, enquanto tentava livrar dos seus beijos entusiasmados.
— O que houve, eu fiz algo errado? — Respondeu atônita.
— Não, imagina. Eu não estou me sentindo muito bem. Estou cansada, a noite foi agitada.
A insistência nas caricias me fez com que soltasse um grito de: Pára, em um tom mais enfático e beirando a grosseria. O que fez a jovem subitamente se afastar. Com o olhar visivelmente medrontado. Bati no vidro do motorista e dei a ordem que nos levasse até a casa da jovem. O trajeto foi silencioso e uma nuvem de mal-estar pairava.
— Desculpa, não quis ser grossa com você— Disse segurando os braços dela enquanto ela descia do veículo.
— Não precisa se desculpar, Alejandra, não gosto de te chatear e você sabe disso — Respondeu a moça, com a voz quase chorosa.
— Eu te ligo amanhã com calma, e te busco de manhã na faculdade pra passarmos o dia juntas na fazenda. O que me diz?
— Seria maravilhoso, Leja. Só eu e você o dia inteiro juntas. Seria um sonho.
Já na fortaleza DellValle, o motorista manobrou a SUV LIMO no estacionamento interno, os seguranças fizeram o pente fino pelas dependências da casa antes de eu descer. Era como um ritual, meu pai me fez prometer que seria assim todos os dias enquanto eu pudesse. As ameaças que eu e ele recebíamos por conta do combate de frente com o narcotráfico eram diárias. Ameaças que iam de estupro a assassinato a sangue frio. Depois de alguns minutos dentro do carro recebi o aceno de confirmação de uns de seguranças. Tudo limpo, eu finalmente poderia entrar na casa.
Já na privacidade do meu quarto, fui direto ao criado mudo, peguei uma pequena bolsa e de dentro dela retirei um saquinho com o pó branco. Depositei o pó cuidadosamente em uma bandeja em cima do criado, tirei da carteira, cartão de crédito e uma nota de dólar. Encarreirei em um tamanho considerável a substancia, fiz um canudo com a ajuda da nota e inalei, meu nariz ardeu em chamas, minhas pupilas dilataram imediatamente. Uma súbita euforia tomou conta do meu corpo. Cocaína afegã, a melhor que eu já experimentei em toda a minha vida, ‘’mimo’’ de uma aeromoça pelo qual tenho muito apreço e sempre que podia me trazia a substância.
Tirei vagarosamente o vestido, os saltos e só de lingerie fui até a vitrola. Coloquei a agulha no disco e Mercedes Sosa ecoou no último volume em todas as direções. Minha vontade era de gritar, chorar, mas aquilo não fazia sentido algum. Esse ritual se tornou cada vez mais frequentes, a depressão tinha me pegado de jeito e as coisas só pioraram depois que ele pai morreu. Mercedes nunca foi minha cantora favorita, mas sempre foi a do meu pai. Ele ouvia todas as noites enquanto fumava charutos cubanos (vício que o matou de câncer nos pulmões). Meu pai carregava intrinsicamente no olhar a frustração de não ter tido um filho homem, e não ter para quem repassar com mais afinco o seu legado. Tudo que me ensinou foi a contragosto e por muita insistência minha. As aulas de tiro, direção defensiva, matemática financeira. Ele não perdoava o fato de não ter tido um filho homem e eu também não. Tequila, cigarros mentolados, pó, prostitutas universitárias de luxo eram as minhas principais diversões e companhias. Mas já fazia algum tempo que aquilo tudo já não eram mais o suficiente. Olhei pela janela e consegui ver os primeiros raios de sol, os coqueirais ao fundo e a vista para a praia.
O pó deixou de fazer efeito mais rápido que de costume, fui tomada por um sono quase de morte. E de certa forma isto me preocupou, tinha que me drogar menos. Já fazia algum tempo que usava com frequência maior, e em mais quantidade para obter o mesmo efeito e isso nunca é bom sinal. Controlei a vontade de inalar novamente e me deitei.
Fim do capítulo
https://www.youtube.com/watch?v=Uf9u7JjX5jA
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anny silva
Em: 16/10/2018
Seu conto começo muito bom espero que não pare de escrever pois ja tem uma leitora viu rsrsrs.
Esperando o próximo capitulo.
Resposta do autor:
Olá Anny, estou muito empolgada escrevendo essa história. Seu comentário serve como incentivo..Vai ter mais Alejandra sim, teve dito.
bjoxx, Meiryan.
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