Capítulo 8
Capítulo 8
Manoela abriu os olhos quando o despertador tocou com a sensação de que os acabara de fechar. Levou a mão aos olhos e os esfregou. Sentou-se na cama e sentiu a cabeça girar. Pensou estar doente, pois sentiu frio quando o edredom caiu do corpo. Verificou o ar condicionado na parede e viu que este não estava ligado. Levantou-se lentamente, abriu a cortina da janela e deixou o ar entrar. O vento gélido fez seu corpo tremer. Olhou para fora e viu um céu que prometia uma boa chuva, não havia sol e as nuvens escuras tapavam quase todo o azul. Dirigiu-se até o espelho e viu refletida a imagem de um rosto muito cansado. "amanhã é sábado, falta pouco" Pensou consigo mesma e ligou uma música baixinha. Tomou um copo de água na cozinha e verificou as horas no relógio de parede que mostrava 06h15min. Ainda tinha tempo para tomar um banho tranquilo. Não correria. A simples ideia de imaginar todo o movimento da corrida fez a cabeça latejar como reclamação. Ligou o som e escolheu a velha playlist para tocar.
Entrou na banheira e fechou os olhos. Ordinary World de Duran Duran ecoava pelo quarto. Manoela estava relaxada, porem sentiu em seus ombros os músculos tensionados quando passou as mãos para se lavar. Sua boca esboçou um sorriso, pois sabia exatamente qual era o motivo da tensão e esta, tinha olhos azuis.
Saiu do banho e foi para a cozinha preparar um suco de morango da fruta, e enquanto o liquidificador processava o conteúdo o celular vibrou em cima da bancada, rapidamente pegou o aparelho e o desbloqueou para verificar a mensagem. Suspirou desanimadamente quando viu a mensagem de Mariana lhe desejando um bom dia dizendo que estava morrendo de saudades.Balançou a cabeça quando se deparou consigo mesma ansiosa por uma mensagem de Laura que nem sabia se chegaria. Nesse instante a música Dangerous de James Blunt enchia a cozinha e Manoela sorriu. "Definitivamente você é" disse em voz alta para si mesma quando voltava para o quarto para se arrumar.
Vestiu uma camiseta branca sem estampa e uma jaqueta de couro preta. Colocou uma calça jeans preta que desenhava suas pernas e calçou uma bota preta de cano alto. Aproveitaria aquele friozinho para vestir a jaqueta que comprou e nunca usou, pois o clima de Goiânia nunca permitira. Pôs seus óculos escuros e quando colocou a mochila nos ombros o celular vibrou mais uma vez em seu bolso. "Vou passar aí pra te buscar, me espera na calçada que já estou chegando. Vou te levar pra comer o melhor enroladinho de queijo de Goiânia". Manoela leu a mensagem de Laura e rapidamente já se achava parada na calçada, não se passaram nem 2 minutos quando a Range Rover encostou e o vidro baixara.
- Vai desfilar onde ein? Laura dissera tirando os óculos escuros e mirando Manoela da cabeça aos pés.
- A culpa é do frio que deixa a gente mais elegante. Manoela disse fechando a porta do carro ao seu lado e colocando o cinto.
- A culpa é sua que é linda desse jeito. Laura disse recolocando os óculos escuros nos olhos para não encarar Manoela.
- É, não há como discordar de você Laura. Eu sou realmente linda. Um arraso.
- Acordou bem engraçadinha você né.
As duas pararam de frente a uma padaria simples que ficava bem próximo ao setor da faculdade e se sentaram a mesa. Uma senhora corpulenta e de sorriso largo se aproximou da mesa das duas e disse de forma alegre e quase histérica.
- Oi minha linda! Que saudade de você! Estava perguntando para a Larissa ontem quando você viria.
-Oi Tia! Laura respondeu se levantando e abraçando a mulher que estava de braços abertos.
- Como você tá linda! Cadê o Alê?
- Ainda não chegou, final do mês ele chega e eu venho aqui com mais tempo. Vim trazer minha amiga Manoela pra provar seu enroladinho de queijo. Laura disse se virando em direção a Manoela que ainda estava sentada.
- Ah, oi! Disse a mulher timidamente quando viu Manoela e logo voltou sua atenção para Laura - Vou buscar então os enroladinhos.
- Essa é minha tia Beatriz. Laura disse após se sentar novamente.- Bastante espontânea ela né?
Manoela tivera a impressão que a tia de Laura não gostou muito de sua aparência. Não pretendia contar a Laura, mas essa disse como se lesse seu pensamento.
- Toda a minha família é muito conservadora Manu. Desculpe-me pelo jeito dela para contigo. Alguém com seu estilo é quase uma abominação para eles. Eu não pensei que ela poderia estar aqui hoje, senão teria te trago um outro dia. Minha prima Larissa é quem costuma ficar por aqui.
- Não se preocupa Laura, tá tudo bem. Pessoas mais velhas tem mais dificuldade para abrir a cabeça e entender as coisas sob um ângulo novo. Eu sempre tento deixar essas coisas passarem, pois são insignificantes.
- Prova isso. Laura cortou um pedaço do enroladinho no prato e levou a boca de Manoela com o garfo. - Seja feliz.
- Meu deus do céu, que delicia! Manoela disse ainda mastigando com os olhos fechados.
Laura sorriu satisfeita. As duas comeram o enroladinho entre conversas aleatórias e logo Laura de despediu da tia.
- Vamos indo agora senão chegaremos atrasada Tia! Diz pra Larissa que mandei um beijo!
As duas seguiram de volta para o carro e alguns pingos de chuva começaram a cair quando entraram no carro. Após alguns minutos de silêncio, Laura disse como se verbalizasse o pensamento. Saiu quase como uma confissão.
- Eles não têm nada a ver comigo, sabe? Minha família toda, eu digo. Nunca fui apegada a eles. Fui embora para o Sul e confesso pra você que não senti falta de ninguém.
- E seus pais? Manoela perguntou curiosa.
Laura suspirou e esboçou um sorriso triste. Mirou a fila de carros diante de si que a impedia de seguir o caminho e disse:
- Meus pais são uma história complicada Manu. O que eu te digo é que não somos exatamente como uma família normal que se ama.
Laura olhou para Manoela e viu que essa continuava calada esperando que continuasse.
- Você tá mesmo interessada em saber as chatices da minha vida familiar? Disse vendo que Manoela ainda esperava que continuasse a falar.
- Eu estou interessada na sua história. Eles fazem parte, então eu quero saber.
Laura engatou a marcha e em seguida entrou na avenida da faculdade quando disse: - Eu te conto tudo se você almoçar comigo hoje. Pode ser?
- Pode sim. A gente já está em cima do horário mesmo. Manoela suspirou e disse em seguida - Eu não estou com o mínimo pique pra sala de aula hoje. Manoela disse num suspiro se recostando no banco de olhos fechados. – Pode ir que vou ficar aqui e tirar um cochilo.
- Haha! Seria seu sonho né linda. Laura estacionou com o carro e tirou a chave da ignição. Abriu a porta e desceu. Após alguns segundos abriu a porta do passageiro e Manoela ainda estava de olhos fechados. – Não me faça ter que te arrancar daí. Disse baixinho em seu ouvido.
Manoela abriu os olhos e viu a imagem de Laura parada ao seu lado com alguns flashs da luz do sol atrás de suas costas. "Como pode ser tão linda assim?" Pensou e desceu do carro logo em seguida. Correram para a entrada, pois os pingos de chuva começaram a cair com mais força.
As horas se arrastavam enquanto Manoela ministrava sua aula. A quantidade de alunos na sala reduziu consideravelmente o desempenho de todos. Percebia-se rostos cansados e a dificuldade para explicar o conteúdo intensificada quando a cada 5 minutos uma mão se levantava para lhe tirar uma duvida.
Terminou sua terceira aula e verificou anotado em sua agenda o cronograma restante do dia. Suspirou ainda mirando a folha de anotação. O curso de enfermagem era o curso com mais alunos matriculados naquela faculdade. Manoela já não dava aulas somente para o quinto período, foi designada para todos os semestres que Fernanda a conseguiu encaixar. Sua próxima aula seria para o 9º período que ficava no segundo andar. Era a sala que mais gostava de ministrar suas aulas, pois todos já tinham base do campo de trabalho e eram mais velhos. Não tinham tanta energia para fazer uma sala estremecer quanto os alunos dos primeiros semestres. Finalizou a aula e os dispensou entregando um artigo para que todos lessem em casa e que na próxima aula seria discutido em grupo. Enquanto caminhava pelas fileiras de carteiras uma aluna sentada ao canto a entregou um bilhete amassado e sorriu sem nenhuma timidez. Manoela o abriu diante dela que parecia não esperar essa atitude, pois de repente o sorriso desapareceu. No bilhete se lia: "Se eu sair desse semestre com notas baixas na sua matéria a culpa será sua. Você de óculos com esse jaleco branco não me deixa concentrar. Me liga pra gente se divertir qualquer hora dessas" na parte de trás da escrita se lia um número de telefone escrito cuidadosamente para que não houvesse chance de confundi-los.
- A única diversão que teremos juntas é dentro de sala de aula quando você prestar atenção no que digo e parar de escrever outra coisa que não seja o que eu pedir para você escrever. Manoela disse amassando o pedaço de papel e o jogando no cesto de lixo mais próximo. Entregou o restante das folhas para alguns alunos que ainda esperavam para poder se retirar. A aluna do bilhete se levantou e esbarrou em seu ombro com força em direção a saída.
- Os alunos agora resolveram te bater por você ser uma péssima professora? Nathalia, que viu a cena do lado de fora disse sorrindo abertamente quando o ultimo aluno saiu.
- Você está sempre no lugar certo e na hora certa né Nathalia. Manoela disse sorrindo também.
- Eu to aqui te esperando tem um tempão! Não sei que demora é essa pra sair. Por isso que Mari me ama mais do que ama você. Você ama mais sala de aula que mulher.O que foi aquilo ali que aconteceu?
Manoela contou o ocorrido para a amiga enquanto se dirigiam a sala dos professores e se acomodavam.
- Mano, como você consegue resistir? Aquela menina é linda, tem tempo que estou tentando achar um jeito de esbarrar com ela por ai. Mas acho que vou tentar outro método de abordagem, pois um esbarrão daquele me derruba. Disse e dava gargalhadas novamente diante de Manoela.
- Você é uma profissional de orgulho Nathalia. Sério. Quanto profissionalismo. Manoela disse revirando os olhos.
- Somos adultas já. Não há problema algum em duas mulheres que querem se divertir.
- Uma né. Porque o interesse só partiu de você até agora.
Manoela a observou enquanto contava um caso do dia anterior e que a garota não se calou durante um segundo no encontro das duas que fora marcado pelo aplicativo Tinder. Nathalia sempre tivera relacionamentos curtos e era sempre a outra pessoa quem cortava o contato. Não por ser uma péssima pessoa para se relacionar, mas porque se apegava demais e com pressa demais. A sua carência sempre lhe trouxera frustrações quando as coisas não lhe saiam como planejado e há tempos Manoela ouvia e consolava a amiga quando esses episódios ocorriam. E sempre que ocorriam usava de uma empolgação exagerada para encontrar uma nova pessoa. Que era o atual caso. Durante o mês de julho em que viajara, Nathalia ficara em Goiânia bastante empolgada com uma nova pessoa que Manoela nem se lembra o nome. Uma tal de Aline ou Amanda. Ligava para Manoela quase todos os dias para dizer que a tal mulher era perfeita e que dessa vez acertara o alvo. Mas por algum motivo a tal de Aline ou Amanda a deixou de procurar e diante da insistência de Nathalia em entender o motivo do afastamento, esta dissera que precisava de alguém mais bem resolvido e que Nathalia não lhe servia no momento. No dia do ocorrido atendeu a ligação da amiga aos prantos lhe contando o que aconteceu e Manoela teve que dedicar muito tempo e esforço para a consolar. E desde então, vê a amiga ignorando tudo o que aconteceu e fingindo que aquilo não havia lhe atingido "foi tristeza de momento" chegou a dizer uma vez quando Manoela lhe questionara se estava bem.
Mas mesmo diante de toda a bagunça emocional que a amiga trazia consigo, Manoela ainda conseguia enxergar muito nela. Tinha um universo para oferecer e o motivo de tanto sofrimento lhe parecia uma daquelas coisas da vida que você nunca entende. E que talvez, mais tarde, faça algum sentido.
- Vamos comer, Nathalia dissera após terminar de contar o encontro terrível e se levantando da cadeira.
Manoela se recordou que almoçaria com Laura e no mesmo instante ela aparecera na porta lhe lançando um sorriso. Olhou de Nathalia para ela e dela para Nathalia. Por mais que amasse a amiga não queria ela por perto durante o almoço. Queria retomar a conversa da manhã com Laura.
- Oi Laura! Quer ir almoçar com agente também? Nathalia perguntou e Manoela pode ver até um brilho em seus olhos.
Manoela olhou timidamente para Laura com uma balançar de ombros na esperança dela entender que Nathalia estar ali não fora planejado.
- Claro que quero! Vou adorar a companhia de vocês. Laura respondeu o convite e durante um segundo de distração de Nathalia lançou uma piscadela para Manoela que entendeu que tava tudo bem e que a conversa pendente ficaria para outro momento.
As três professoras de dirigiram a entrada da faculdade e se depararam com a ferocidade com que a chuva caía.
- Se arriscarmos correr até lá vamos chegar ensopadas, não vai rolar gente. Vamos dar um jeito de comer aqui na lanchonete. Tem uns pratinhos de comida legal lá.
Durante o almoço Nathalia conversou sobre diversos assuntos e conseguiu quase sempre arrancar sorrisos de Laura. Manoela apenas observou as duas mulheres conversando. Laura agora estava contando como foi se acostumar com o frio do Sul quando chegou lá há quase 10 anos atrás. Manoela olhava distraída para o suco de goiaba quando ouviu o nome Alexandre em meio à conversa. Levantou os olhos e encontrou os de Laura.
- E quando ele virá? Nathalia agora conversava desanimada sabendo que a mulher era casada.
- Se tudo correr bem, no final do mês estamos juntos novamente. Laura finalizou a frase e mirou o copo diante de si. Não encarou Manoela novamente, apenas balançou o açúcar no fundo do copo com a colher fingindo distração.
Os minutos restantes passaram rapidamente e todas retornaram para as salas. Manoela não vira mais Laura aquela tarde.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: