Bianca

Caminhando rapidamente e já imaginando quem era comecei a falar:

- Cella meu amor, desculpe ter saído sem avisar e ter demorado a ligar, mas é que aconteceu uma coisa...

- Bianca, não é a Marcella. – A voz era masculina, séria, rouca e fria, além de ser desconhecida para mim.

Imediatamente olhei para o visor do celular tentando ver o número, mas estava aparecendo número bloqueado o que me deixou intrigada.

- Quem está falando? – Perguntei desconfiada

- Você não me conhece, mas isso não é importante porque eu conheço você. – Respondeu a voz misteriosa

- Se você não disser seu nome agora eu vou desligar. - Ameacei

- Eu não faria isso. Você vai querer escutar o que tenho pra te dizer. E creia, estou falando muito sério. – A voz ficou ainda mais sombria.

Imediatamente parei de andar.

- Como assim? O que você quer? – Minha voz saiu com dificuldade.

- Ah assim está bem melhor. Agora preste bem atenção. Quando chegar ao quarto de Emília encontrará um vaso, um igual foi posto na casa de Marcella, mais precisamente foi colocado no quarto da avó dela e o mesmo bilhete foi deixado nos dois, e saiba que é verdadeiro. – Continuou

- Não sei sobre o que você está falando. – Retruquei já ficando preocupada.

- Mais vai saber. Suba para o quarto. Eu ligarei em cinco minutos e continuaremos a nossa conversa.

Dizendo isso ele desligou o telefone, minhas pernas pareciam de gelatina de tanto que tremiam. Com muito esforço me movi em direção ao elevador.

Assim que cheguei ao quarto vi no criado um vaso com girassóis, mas a visão das flores ao invés de me causar alegria por sua beleza, me trouxeram medo. Peguei o cartão e li o que estava escrito e no mesmo instante um calafrio me percorreu, aquilo era uma ameaça de morte! Além disso deixava claro que Marina havia sido assassinada. Coloquei a mão na boca como se quisesse sufocar um grito.

O celular tocou e meu sangue gelou. Antes de atender olhei para ver quem estava chamando e novamente aparecia número bloqueado. Fiquei tentada a não atender, mas sabia que seria pior. Precisava saber o que aquele homem queria.

- A..Alô – gaguejei

- Pelo visto já leu o recado. Viu também o presentinho que deixei pra você? – Disse com ironia

Olhei novamente para o criado e vi que ao lado do vaso havia uma seringa e um vidrinho com alguma coisa que parecia água suja. Fechei os olhos e o quarto pareceu rodar. Meu Deus!

- Você ainda está ai? - Perguntou diante do meu silencio.

- Si.. Sim. – Mal consegui falar

- Então já sabe o que isso significa?

- Você infectou a Milli?

- Sim.

- Como pode? Ela é uma criança?

- Não me importa! Para conseguir o que quero faço qualquer coisa. Então ouça atentamente: se afaste de Marcella.

- Como assim?

- Quero que você saia daquela casa, mas tem que ser de uma forma que ela não desconfie de nada. E mais que ela não vá te procurar. Entendeu?

- Porque isso? – Estava ficando cada vez mais desesperada

- Porque você está atrapalhando nossos planos, só isso.

- Quem são vocês?

- Não te interessa! Já disse. Apenas afaste-se. Estou avisando para seu próprio bem. – Tornou com a voz gélida.

- E se eu me recusar?

- Bom, você já teve uma prova do que somos capazes de fazer. Dessa vez foi apenas um recado, na próxima vez pode ser que não haja tempo de ir para um hospital.

- Isso é uma ameaça! Posso avisar a polícia. – Teimei

- Eu se fosse você não faria isso. Com certeza se arrependeria. Agora acho bom você ir até o orfanato e se desfazer da caixa de bombons antes que outra criança resolva experimentar algum. E lembre-se que eu não estou brincando. Agora é a hora de usar a cabeça e não o coração.

Em seguida desligou e me deixou ali parada com o celular na mão sem saber o que fazer.

- Bi é você? – Perguntou Milli com a voz fraquinha.

- Sim sou eu meu amor. Você está melhor? – Respondi dando um beijo em sua testa.

- Estou. Mas minha barriga ainda dói. - Resmungou

- Eu sei meu bem. Mas logo você estará novinha em folha.

- Tomara. Já me basta o braço engessado e não poder enxergar. – Reclamou

- Ei, pare com isso. Nunca foi de ficar reclamando de sua falta de visão, porque isso agora?

- É que o fato de não poder ver fica ainda pior quando estou doente. – Ela disse com lágrimas nos olhos

- Imagino, minha querida. Mas daqui a pouco você melhora. – Disse enxugando seus olhos.

- Promete?

- Sim, a doutora Suzana que é quem está cuidando de você, me garantiu. Ela é muito boazinha. Daqui a pouco vem te ver e você mesma pode perguntar para ela.

- Tá bom Bi.

- Olha eu preciso dar uma saidinha, mas eu volto logo. Tudo bem?

- Não vai demorar muito?

- Não. Eu preciso passar em casa pegar uma muda de roupa pra poder ficar com você de noite. E vou até o orfanato pegar um pijaminha pra você também.

- Ok. Estou com sono, acho que vou dormir mais um pouco.

- Isso mesmo. Durma que logo estarei de volta.

Dando um beijo na menina sai para fazer o que o “homem desconhecido” havia me pedido. Sabia que o certo seria ir até uma delegacia, mas e se alguma coisa pior acontecesse? Teria como suportar a culpa? Melhor seria pensar antes de agir.

Cheguei ao orfanato e fui para o quarto da garota onde encontrei a caixa de bombons e rapidamente coloquei na bolsa junto com o frasco, a seringa e o cartão que tinha pegado no hospital, ainda não tinha decidido se a jogaria tudo fora ou se mostraria para Marcella pra que juntas decidíssemos o que fazer. Ainda estava bem confusa em relação a tudo e além do mais pensar em me afastar de Cella me matava. Peguei umas roupas para Milli e fui para casa. Quando chegasse lá veria o que ia fazer.

Assim que entrei dei de cara com Amanda que estava acompanhando uma moça para a saída. Ela passou por mim com um olhar de desdém e eu ouvi quando dispensou a mulher informando que ela começaria às sete da manhã do dia seguinte. Estranhei. Teríamos uma nova funcionária? Enfim, eu veria aquilo com Marcella depois. Subi as escadas apressada. queria ver dona Maria Thereza pra saber como ela estava e se realmente tinha recebido as flores.

Bati à porta esperei que ela autorizasse e entrei. A senhora estava sentada na poltrona perto da janela, lendo e quando me viu abriu um sorriso sereno.

- Bianca, minha querida. Estava me perguntando porque ainda não tinha vindo me dar um beijo.

- Desculpe vó, mas é que eu sai bem cedo. Fui até o orfanato. – Beijei sua testa.

- Ah sim. E como está nossa querida Milli?

Travei. Será que eu devia contar para ela tudo o que tinha acontecido? Então meu olhar encontrou o vaso que estava ainda no chão aos pés da cama e tremi. Então era verdade. Fosse eles quem fossem tinham conseguido entrar na casa. Percebendo a direção do meu olhar a senhora falou.

- Alguém me trouxe essas flores, mas não sei quem foi. Tinha um cartão, mas minha neta não me deixou ler. Na verdade, apesar de serem bonitas eu preferia que tirassem daqui. Não gosto da sensação que elas me causam. Só que tudo parece estar estranho aqui em casa hoje. Então ninguém veio ao meu quarto ainda.

- Todos estão muito ocupados pelo que pude perceber. – Tentei tranquiliza-la.

- Sim, eu entendo, mas gostaria de saber o que está acontecendo. Marcella quando entrou aqui já estava com uma cara de poucos amigos e quando leu o cartão sua expressão ficou ainda pior.

- Eu vou procurar saber o que está acontecendo e volto pra te falar.

- Mas e a menina? Você não me disse como estava.

- Está um pouco adoentada, mas logo ficará bem.

- Nossa! Tadinha. O que ela tem?

- Um pouco de diarreia.

- Ah, coisas de criança.

- Sim vovó. Logo passa. Eu vou descer, mas assim que puder eu volto.

- Faça isso querida, pois estou bem preocupada.

Fui para meu quarto para me trocar, estava bem aflita. Será que Cella tinha falado com a central de segurança para saber se as câmeras tinham registrado quem trouxera as flores? Se tivesse feito isso quando enviassem as imagens poderíamos descobrir quem era.

Quando entrei no quarto um perfume feminino que eu desconhecia invadiu minhas narinas como se alguém tivesse acabado de sair dali, em cima da minha cama havia uma caixa de presente com um lindo laço dourado. Sorrindo fui pegá-la. Cella era tão atenciosa, por certo era um agrado por nossa linda noite. mas ao abrir a caixa meu sorriso desapareceu imediatamente. Dentro dela estava outro recado.

“Só para você saber que estamos de olho. Não brinque conosco. Se não fizer o que mandamos a consequência será terrível, não só para você, mas para todos da casa. Lembre-se que somos profissionais e você não passa de um ser descartável. Olhe pela janela e entenderá o que pode acontecer”

Larguei a caixa como se fosse uma cobra que estivesse em minhas mãos e fui para a janela, na piscina boiando estava uma das bonecas de Maria Eduarda. Meu coração deu dois saltos e quase parou. Aquilo era uma mostra de que a pessoa tinha estado dentro da casa por um período não muito curto, inclusive entrado no quarto da bebê.

Quem poderia ser Meu Deus? Quem estaria tão interessado em me separar de Marcella a ponto de ameaçar crianças inocentes? E o que eu deveria fazer? Precisava conversar com Cella para saber quais as providencias ela estaria tomando quanto as câmeras.

Fui até o banheiro peguei duas aspirinas pois a cabeça estava explodindo literalmente, arrumei algumas peças de roupa em uma bolsa de mão e desci. Na sala encontrei Ágatha brincando com Dudinha que ao me ver veio correndo em minha direção.

- Oi meu docinho. – Disse pegando a criança no colo e dando vários beijinhos na ponta do seu nariz.

- Oi Bi. Vem brincar. – Ela falou rindo.

- Daqui a pouco tá bom?

Olhei para a governanta e perguntei.

- Ágatha, alguém esteve aqui hoje? – Perguntei sem saber se ela me responderia, afinal eu também era uma funcionária da casa perante eles.

- Fora o senhor Bernardo que já foi embora, a doutora Stela está com dona Marcella e com um senhor que chegou a pouco no escritório.

Só de saber que Bernardo tinha estado lá já imaginava o humor em que Cella estaria, e o fato de a advogada ainda estar na casa era prenuncio de más notícias.

- Sei, mas fora essas pessoas, mais alguém?

- Não Bianca, ninguém de diferente. Ah, espere, a Amanda entrevistou uma pessoa para ficar no lugar de Maria enquanto se recupera, pelo que ela me informou a moça começa a trabalhar amanhã.

- E de resto? Veio alguém da floricultura? Ou trazendo alguma encomenda?

- Não que eu tenha atendido. A dona Marcella também me perguntou isso, mas falei com o Carlos e com a Luciana e ninguém recebeu as flores das quais ela me perguntou. Ela já havia perguntado para Amanda e ela também não recebeu ninguém fora a nova cozinheira. Além do pessoal da casa, só o jardineiro e o moço que limpa a piscina estiveram aqui na parte da manhã, mas hoje era o dia deles virem fazer a manutenção mesmo.

- E faz tempo que eles estão fazendo esse serviço?

- O João que cuida da piscina já faz mais de um ano. E o Chico está conosco tem uns dois anos que foi quando o antigo jardineiro morreu.

- Certo. Se acaso se lembrar de mais alguém por favor me diga. É que Dona Maria Thereza está me perguntando sobre o vaso que está no quarto dela, quer saber quem trouxe e eu prometi descobrir.  Por falar nisso ela quer que o retirem de lá, não gostou das flores.

- Tudo bem Bianca. Se você ficar com a Duda eu vou até e pego o vaso. Preciso ver como andam as coisas na cozinha também.

- Eu cuido dela até que a Marcella saia do escritório, assim você fica livre para fazer suas coisas. Milli não está muito bem e prometi voltar para ficar com ela, mas antes preciso falar com a Cella sobre isso também pra ver se ela me libera o resto do dia.

Comecei a brincar com a pequenina, pouco tempo depois a campainha tocou, logo Ágatha entrou na sala trazendo consigo uma moça bem jovem, muito bonita, seus longos cabelos escuros soltos emoldurando o rosto moreno, mas que tinha um peculiaridade que me fez ficar a encarando de boca aberta.

Fim do capítulo