Capítulo 62 -- Você não é uma Aventureira?
A ILHA DO FALCÃO -- CAPÍTULO 62
Você não é uma aventureira?
Na manhã seguinte, Andreia se levantou. Sofia ainda dormia. Apesar de ter dito a amiga que estava bem, se sentia nauseada e com dores nas costas, por isso foi até o banheiro e lavou o rosto com a água gelada que saía das torneiras.
Olhou-se no espelho e franziu as sobrancelhas. Estava com olheiras profundas, desanimada e cansada, cansada demais para ser normal.
Quando voltou para o quarto, descobriu que Sofia tinha acordado, e a cama estava vazia. Caminhou até a janela e olhou para o céu cheio de nuvens escuras. O tempo havia mudado repentinamente. Ainda fazia calor, mas a chuva parecia iminente.
Estava tão perdida em seus pensamentos, que não ouviu a porta abrir atrás dela, nem percebeu que Sofia entrara no quarto, até que ouviu ela dar uma gargalhada.
-- Está pensando em fugir pela janela?
-- Olha que não seria má ideia -- abriu as malas e começou a colocar as roupas no armário -- Ainda não consegui digerir essa história de parteira.
-- Fique sabendo que devido falhas no sistema de saúde, acompanhado das desigualdades sociais e regionais presentes principalmente na zona rural, a figura das parteiras persiste até hoje. Mesmo tratando-se de um direito constitucional assegurado, boa parte das mulheres não tem acesso real à assistência institucional ao parto. Comunidades rurais na sua maioria, quer pela falta de assistência médica e pela distância dos centros de saúde, vivem em situação de isolamento, por isso o trabalho da parteira torna-se indispensável nessas comunidades.
-- Eu sei de tudo isso. Não desmereço o trabalho delas, apenas acredito que não há necessidade de colocar o meu bebê em risco. Qual é Sofia? Poderíamos ter ficado em um hotel na cidade -- ela fez um gesto impaciente com a mão -- E caso ocorra algum problema durante o parto? O que fará?
Sofia olhou para ela com os olhos marejados.
-- Sinto muito. A minha intenção era só ajudar e acabei sendo inconveniente -- lamentou-se Sofia, fungando.
Sofia sentou na cama e Andreia sentou ao lado dela.
-- Estou pensando em voltar.
Sofia olhou para ela assustada.
-- Voltar para a ilha?
-- Sim! Eu não fiz nada de errado, não tenho o que temer. Se a Natasha realmente me ama, ela vai acreditar na minha inocência mesmo que não tenha visto quem atirou nela.
Sofia ficou em silêncio por um longo momento. Parecia pensar no assunto.
-- Você não está em condições de fazer essa viagem novamente.
-- Podemos tentar -- disse cheia de entusiasmo.
Sofia franziu o cenho.
-- Agora, quem está dando uma de louca é você. O trabalho de parto pode se iniciar a qualquer momento e você mal consegue andar com o tamanho da barriga.
-- Mesmo assim prefiro arriscar -- Andreia estava decidida a enfrentar as consequências -- Não sei o que é pior, ter o bebê aqui no meio do nada, ou dentro de um avião.
-- Também não precisa escangalhar, né -- Sofia se levantou, sorrindo -- Vou conversar com o papai e ver se ele consegue descobrir o horário do ônibus que vai para a cidade. Já volto.
-- Acorda Natasha -- disse Talita, apertando a mão da empresária.
As pálpebras dela tremeram e se abriram. Tinha os olhos verdes, confusos.
-- Ei, sou eu -- disse Talita e sorriu -- Olá, Natasha.
-- Oi -- sua voz saiu como um sussurro fraco.
-- Olhe para mim -- pediu Talita, levantando a mão direita -- Quantos dedos você consegue ver?
-- Quatro -- disse ela bem baixinho.
-- Muito bem! -- disse Talita, feliz.
-- Onde estou? -- o olhar de Natasha se moveu pelo quarto -- Que lugar é esse?
-- Você está em um hospital de Florianópolis.
A informação fez Natasha ter um sobressalto.
-- Hospital? -- nesse momento ela tentou levantar o braço e percebeu o emaranhado de fios ligados aos aparelhos -- O que aconteceu? Não lembro de nada -- fez careta de dor ao se mover bruscamente.
Talita percebeu a expressão de dor no rosto de Natasha.
-- Está sentindo dor, Natasha? -- perguntou a médica.
-- Dói quando respiro -- as mãos se moveram lentas e tocaram o abdome -- O que aconteceu, doutora? Me diga logo -- insistiu, Natasha.
-- Você passou por uma experiência terrível, Natasha -- Talita murmurou, mansamente -- Você esteve desacordada por dois dias. Sua recuperação é um grande milagre. Nós a operamos e o projétil foi removido com sucesso.
-- Projétil? -- Natasha franziu o cenho, enquanto seu cérebro disparava. Projétil, pensou. Então, lembrou-se de estar na garagem da mansão, do click, do barulho surdo do tiro, da dor e em seguida a escuridão.
Cerrando as pálpebras com força, lutou para manter os olhos abertos, queria saber mais, porém, sua voz foi ficando fraca e dolorosa. Quando abriu a boca para falar mais uma vez, não conseguiu.
Talita voltou os olhos para Natasha e notou que ela adormecera. A empresária estava inconsciente havia dois dias e era de estranhar que ainda tivesse forças para falar. A médica abriu a porta com cuidado e saiu sem fazer ruído, fechando a porta atrás de si. Caminhou pelo corredor com seu passo rápido. Natasha deveria descansar bastante e se alimentar muito bem durante os próximos dias, a fim de que sua saúde se restabeleça por completo. Afinal, quando ela perguntar por Andreia, teria que contar a verdade. Então, ninguém mais conseguiria mantê-la na cama.
Andreia andava impaciente de um lado para outro do quarto. Sofia a observava em silêncio. Não demoraria muito até ela reclamar novamente de dor nas costas.
-- O seu pai está demorando.
-- Só faz dez minutos que ele saiu. Calma mulher, quanto desperdício de energia!
Andreia levou as mãos atrás das costas e fez uma careta.
-- Essa dor nas costas está insuportável -- reclamou.
-- Vem cá -- pediu Sofia, dando uma palmadinha no colchão -- Algumas mulheres percebem melhora quando se deitam de lado, com um travesseiro no meio das duas pernas ou colocado embaixo da barriga.
-- Será? -- a ruiva hesitou um pouco, mas depois aceitou o conselho da amiga -- Faço qualquer coisa para aliviar essa dor.
-- É desse jeito que você quer entrar em um ônibus? -- Sofia olhou para ela, preocupada -- Você não está em condições de fazer essa viagem.
-- Não vou ficar aqui sem notícias da Natasha -- o olhar irritado da ruiva deitada na cama voltou-se para ela -- Já que nos met*u nessa, vai ter que nos tirar.
-- Vou avisando, não sei fazer parto -- resmungou -- O Marlon que sossegue o facho.
Ouviram alguém batendo na porta. Andreia olhou rápido para Sofia.
-- Deve ser o seu Pedro.
Sofia se levantou. Foi atender a porta e se preparou para receber o pai, rezando para que não houvesse mais nenhum ônibus para aquele dia. Porém...
-- O Bastião disse que tem um ônibus que passa por aqui as 18:00.
Sofia olhou para ele de cara feia.
-- Que bela notícia -- ela disse, de forma irônica -- Acho melhor eu ir conversar com a parteira e pegar algumas dicas de como se faz um parto.
O senhor Pedro olhou para a filha sem entender o que estava acontecendo.
-- A moça está para parir?
Andreia se levantou da cama com dificuldade. Apesar da dor, estava sorrindo.
-- Obrigada, senhor Pedro. Estou bem, não se preocupe.
-- Tem certeza, Andreia? -- Sofia perguntou, num sussurro.
-- Absoluta! -- ela olhou a aliança que reluzia em sua mão esquerda. Quando voltou a erguer os olhos, esboçou um meio sorriso -- Não imaginei que a amasse tanto.
Seu Pedro deu um tapinha no ombro de Andreia.
-- Não se preocupe, minha filha. O filho do Bastião é doutor, e ele vai embarcar no mesmo ônibus que vocês.
Elas se entreolharam e, depois de alguns segundos, começaram a rir. Era sorte demais.
Muito depois, Natasha acordou assustada, o coração batendo descompassado, incapaz de saber onde estava. Apenas uma luz fraca iluminava o quarto e ela olhou em torno, dominada por fragmentos de um sonho.
Ela começou a tentar se erguer, mas alguém a deteve.
-- Calma, minha filha -- disse Elisa, pegando a mão dela e segurando-a com firmeza -- Está tudo bem agora -- ela murmurou e a acomodou de volta nos travesseiros.
-- Eu tive um sonho tão estranho -- balbuciou num fio de voz.
-- Quer me contar?
Natasha fez um gesto impaciente com a mão.
-- Depois eu conto. Agora eu quero saber como está a Andreia e o bebê. Ela está bem? O bandido não a machucou, não é mesmo? Ela não ficou muito assustada? -- Havia, em seu semblante sinais de preocupação e medo.
-- Calma! -- Elisa disse com um sorriso tímido. O momento que ela mais temia havia chegado. Não sabia como contar para Natasha que Andreia não estava mais na ilha. Conhecendo-a como a conhecia, sabia que a sua reação seria explosiva -- A Andreia e o bebê estão bem, mas...
Bateram de leve na porta e, sem esperar resposta, Carolina entrou no quarto.
-- Natasha! -- ela exclamou, com sincera felicidade -- Que bom te ver acordada e conversando.
Natasha olhou-a com muita desconfiança.
-- Não tem nada para me contar? Onde está a Andreia?
Elisa e Carolina entreolharam-se.
Observando o semblante sério de Natasha, Carolina percebeu que não adiantava protelar.
-- Você lembra o que aconteceu?
-- Lembro-me apenas de estar na garagem e ouvir o barulho do disparo e o explodir da dor da bala rasgando por minhas costas. No momento seguinte tudo ficou escuro e eu apaguei.
-- Então, você não chegou a ver quem fez o disparo?
-- Não. Não consegui ver quem atirou -- Natasha engoliu a saliva com dificuldade. Sua respiração entrecortada movimentava o peito -- Vou perguntar só mais uma vez. Onde está a Andreia?
-- A Andreia foi embora da ilha -- ela umedeceu os lábios com a língua, depois, continuou -- Eu cheguei a sua casa logo após o atentado e encontrei ela ao seu lado com a arma em punho. Achei melhor que ela fosse embora antes que a polícia chegasse e a acusasse de tentativa de assassinato -- Carolina tirou o casaco e o pendurou na cadeira ao lado da cama. Então, olhou para Natasha, e seu coração acelerou ainda mais. Os olhos verdes estavam vermelho sangue -- Aconteceu o que eu temia. Ela tentou te matar para ficar com os seus bens. Andreia só estava esperando assinar os papéis do casamento para colocar fim em sua vida.
Um furacão de raiva a sacudiu por dentro. Natasha não emitiu nenhum som, embora quisesse gritar. Em um movimento brusco ela agarrou o braço da irmã e apertou com tanta força que Carolina gem*u alto.
-- Estou impressionada com o seu sarcasmo -- disse Natasha, rangendo os dentes.
Elisa se aproximou da cama.
-- Acalme-se, Natasha -- a senhora a interrompeu, cuidadosamente -- Você acabou de passar por uma cirurgia delicada. Não pode se agitar dessa forma.
-- Impossível manter a calma, Elisa -- Natasha soltou o braço da irmã -- A sua sorte é eu estar presa a essa cama -- sua voz era um sussurro e ela fitou Carolina com uma mágoa profunda. Queria apenas ficar só para chorar e liberar um pouco da tensão e angústia que a oprimia -- Deus, tudo o que eu mais desejava era te encontrar. Minha irmãzinha, meu tesouro, que havia perdido. E agora que a tenho de volta, a sinto como se fosse uma estranha.
Lágrimas queimavam os olhos de Carolina quando olhou para Natasha.
-- Talvez você não acredite, mas eu só fiz isso para te proteger.
-- Me proteger de que, Carolina? Do amor da minha vida? Da minha razão de viver?
-- Ela tentou te matar -- insistiu a garota.
-- Cala a boca! -- berrou, Natasha -- Você não sabe o que é amar, porque você nunca amou ninguém de verdade. Você só fala essas coisas da Andreia, porque não sabe o que é sentir um amor incondicional. Aquele amor que tem o poder de nos fazer sentir completos mesmo que não pensemos nisso. Quando amamos alguém incondicionalmente, percebemos claramente como a pessoa é de verdade. E, é por isso que eu sei que não foi a Andreia que tentou me matar.
-- Eu só quis ajudar. Não falei nada para a polícia e permiti que ela saísse da ilha.
-- Ajudar? -- Natasha cerrou as mãos -- Faça-me o favor, Carol. Se você tivesse a mínima consideração por mim, teria protegido a Andreia. Ela está grávida. Droga! -- Natasha bufou, indignada -- Você sabe para onde ela foi?
-- Não faço ideia -- Carolina respondeu com a voz baixa e insegura.
-- O que? -- os olhos verdes assumiram um brilho raivoso -- Você expulsou a minha mulher, da minha ilha, grávida de nove meses e, nem sabe para onde ela foi?
Carolina continuava de cabeça baixa, calada.
Natasha suspirou fundo.
-- Por favor, para o bem de ambas, saia daqui -- ela disse, passando a mão sobre o rosto e esfregando os olhos -- Estou muito cansada.
Elisa puxou Carolina pelo braço em direção à saída.
-- Acho melhor você ir embora. Ela precisa descansar. Volte em outro dia.
-- Não, Elisa -- disse Natasha, de olhos fechados -- A Carolina não vai mais voltar aqui. Ela vai arrumar as malas e partir amanhã mesmo para a Ilha Carolina.
Todo o sangue pareceu sumir do rosto de Carolina naquele instante.
-- Você está fazendo uma grande besteira, Nat.
-- Nunca subestime a minha capacidade de fazer merd*, Carol.
-- Eu não vou para aquela ilha cheia de mosquitos, formigas e aranhas.
-- Você não entende? Eu não estou pedindo a sua opinião. Eu estou mandando -- Natasha quase sorriu -- Você não é uma aventureira? Então, vai adorar a sua ilha. A doutora Sibele e a Marcela, estão se divertindo horrores.
Uma onda de medo a assolou, e Carolina mal conseguia controlar a expressão.
-- E se eu não obedecer?
-- Volta a morar debaixo do viaduto. Porque na Ilha do Falcão, você só volta com a autorização da Andreia.
Trovões e relâmpagos cortavam os céus. Chovia forte naquela tarde de novembro.
Andreia parada junto à porta da casa recusava-se a acreditar em sua falta de sorte.
-- Esse temporal enrolou o dia inteiro, para cair justo na hora de pegarmos o ônibus -- Andreia resmungou baixinho e olhou para o relógio de parede.
Sofia percebendo a ansiedade da amiga, caminhou até ela.
-- Calma, Andreia. Vamos esperar até a tormenta cessar. Todo esse estresse não vai fazer bem a você.
-- Só falta meia hora, não vamos cons... Aiii... -- uma dor aguda e lancinante a fez gritar e contorcer-se. Andreia colocou a mão sobre a barriga enquanto um líquido quente, em grande volume, escorria por suas pernas.
Senhor Pedro percebeu a situação e correu em seu auxílio.
-- Vai chamar a sua mãe, minha filha. Parece que o bebê está chegando.
Fim do capítulo
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Anny Grazielly
Em: 14/09/2020
Que momento tenso... poxa, tanto que Nat queria a irmã perto e ela foi fazer besteira...
patty-321
Em: 16/09/2018
Aí q medo. Que sofrimento pra Natasha Carol conseguiu o queria: a raiva da irmã. Idiota. Tomara q a Andrea e o bb fiquem bem. Bjs
Resposta do autor:
Bom dia, Patty.
Enfim o nascimento do bebê. "A escolha dos pais com os quais o espírito vai encarnar (como filho) acontece justamente porque eles podem oferecer ao espírito a possibilidade de "ativar" determinados complexos de encarnações passadas. Isto significa que a criança terá naquela família as dificuldades e facilidades necessárias para ela cumprir aquilo que foi planejado antes de nascer (missão de vida)".
Beijão. Até mais.
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Mille
Em: 14/09/2018
Oh Vandinha
Esse capítulo mim deixou com lágrimas nos olhos.
E salva de palmas para a Natacha, adorei a altitude dela contra a irmã.
Rezar para o Marlon vi bem e logo ser resgatado para junto de Natacha e cia.
Bjus e até o próximo capítulo um ótimo final de semana
Resposta do autor:
Bom dia, Mille.
Natasha perdeu completamente a paciência. Tudo tem limite e o de Carolina acabou já faz tempo.
Como tudo para Andreia tem que ser dificil, o nascimento do bebê não será diferente. Profecia ou não, Marlon está chegando.
Até mais. Beijão.
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NovaAqui
Em: 14/09/2018
Natasha, eu amo você por ter tomado essa atitude com sua irmãzinha. Que mulher do mal. PQP
Espero que Marlon nasça bem.
Agora Natasha vai mover mundos e fundos para encontrar sua amada.
Esperar Natasha contar o sonho.
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Bom dia, NovaAqui.
"Quando quiser saber a verdade, olhe nos olhos, eles sempre mostram a verdade que nem sempre sai pela boca."
Carolina enganou-se redondamente. Ela pensou que fosse abalar as estruturas do relacionamento entre a irmã e Andreia. Porém, ela esqueceu do poder que tem o amor construido sobre a rocha. O verdadeiro amor não nasce ou aparece, ele é construído.
Até mais. Beijos.
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