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A madrasta por Nicole Grenier

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Palavras: 8568
Acessos: 5080   |  Postado em: 13/09/2018

Capítulo 20

Júlia havia partido e eu só tomei conhecimento muitos dias depois. Fiquei arrasada, mas ao invés de me entregar ao desespero, resignei-me em deixar o tempo passar enquanto resolvia minha vida. Um dia ela seria minha, eu tinha certeza disso. Com essa convicção, me enterrei de vez no trabalho e fiquei esperando o mês de fevereiro chegar para resolver logo o assunto Augusto.

 

Minha mãe parecia não ter pressa de voltar para a França. Estava se aproximando de mim. Quase todos os dias ia para a cidade, a fim de almoçar comigo. Eu me abri para ela, mas com reservas, pois o que ela fez com Júlia, apesar de compreendê-la, ainda me revoltava. Na verdade, nunca a perdoei completamente por isso. Imaginar Júlia sendo humilhada sem merecer, me machucava demais.

 

****************

 

Faltando três dias para o natal, eu estava jantando em casa na companhia de minha mãe e tia Cláudia, quando ouço passos em nossa direção. Auguste na frente e o meu noivo a alguns passos atrás. Quando eu ouvi a sua voz, naquele sotaque característico de Lisboa, senti um bolo no estômago. O pouco que eu havia comido ameaçou sair do meu estômago. Empurrei o prato e coloquei os dois cotovelos sobre a mesa e pousei a testa nas mãos. Não consegui esconder a minha chateação. Eu havia falado com ele que iríamos realizar o casamento em Portugal, que não era para ele vir, e eis que ele me chega sem avisar, para atormentar ainda mais a minha vida.

 

Ele entrou na sala de jantar como se já fosse esperado. Virou-se para Auguste e reclamou com toda a arrogância.

 

-- Não estou vendo o meu prato, mordomo. Providencie um e rápido, pois estou faminto.

 

E só depois de sentar à mesa, pareceu notar a nossa presença.

 

-- Boa noite minha sogra, boa noite minha tia!

 

Olhou para mim, como a me estudar, sorriu ligeiramente, levantou-se e se aproximou. Percebi que ele estava diferente, um tanto nervoso e ligeiramente embriagado. Quando tentou me beijar, eu não consegui suportar, me levantei, pedi licença e sai da sala. Corri para o meu quarto, pois, se ali permanecesse, iria acabar discutindo com ele e eu não estava nem um pouco disposta a bater boca com quem quer que fosse, principalmente com ele.

 

*****************

 

-- Madeleine, a sua filha está a cada dia mais estranha. Pode me dizer o que está acontecendo.

 

Madeleine olhou para ele, como quem olha para um inseto e, com uma voz de extremo desprezo, lhe respondeu.

 

-- É perfeitamente compreensível que Sylvia esteja agindo assim, dessa forma "estranha" como você diz, Augusto.

 

Ele, depois de pousar o garfo e pegar a taça de vinho, olhou novamente para ela e arqueou a sobrancelha.

 

-- É? Diga-me por que, minha sogra?

 

Madeleine suspirou:

 

-- Em primeiro lugar, eu não sou sua sogra e, se dependesse de mim, jamais seria; e é compreensível porque ela lhe suporta - o que é uma autopunição, não há como negar -, e insiste em manter esse noivado ridículo, por causa da mesquinharia de seu pai e de suas chantagens baratas!

 

-- Chantagens? Eu nunca fiz chantagens com ela. -- Ele a encarou com os olhos brilhando de raiva -- Sei que não me tolera, mas sua filha me ama e eu a amo.

 

Madeleine gargalhou, levantando-se da mesa.

 

-- A sua estupidez me surpreende a cada dia, Augusto! Eu fico admirada! -- Virou-se para a cunhada -- Cláudia, com licença, vou ver minha filha.

 

***************

 

No sítio da tia em Mucugê, Júlia se distraia em meio a uma bela plantação de roseiras. Desde que chegara, se instalara ali, a fim de suportar a passagem dos dias. Estava acreditando que a sua história com Sylvia havia chegado ao fim, pois começava a achar impossível que ela conseguisse se livrar do futuro marido tão facilmente, como ela teimava em afirmar. E, além disso, a mãe, com certeza, iria fazer todo o possível para dificultar a sua vida.

 

Sentia o coração em chaga viva, e as lágrimas a cada dia brotavam dolorosas dos seus olhos. A tia estava deveras preocupada, mas devido à postura preconceituosa desta, Júlia teria que amargar a dor sozinha, pois nunca seria compreendida. Só encontrava um pouco de alento ao lado do filho.

 

Assim os dias foram passando, e, em meio às paisagens belíssimas da Chapada Diamantina, contempladas por seus olhos azuis constantemente nublados pelo doloroso e constante pranto, Júlia permaneceu por muitos meses ali, relembrando dos bons momentos que teve com Sylvia, vendo-a vez ou outra, esporadicamente e amargando uma cruel saudade.

 

*****************

 

A noite de natal chegou, e tia Cláudia, me vendo revestida por grande tristeza, convidou apenas alguns amigos mais chegados e uns poucos parentes mais próximos.

 

Eu acordei naquela terça-feira, indiferente a tudo e a todos. Depois que Júlia partiu, um manto de tristeza e abatimento me envolveu de tal forma, que a única coisa que me movia era o trabalho. O volume de serviço que demandava presidir o Grupo Leme de Barros era o que me dava forças para levantar todos os dias pela manhã. Mergulhar de corpo e alma nas pilhas de papéis e nas intermináveis viagens pelas fazendas aliviava minha alma e empurrava a lembrança de Júlia para um cantinho do meu cérebro. Mas, quando chegava a noite e me recolhia para tentar dormir, os olhos azuis, a voz suave e doce, o perfume embriagador e o corpo de deusa me tiravam o sossego e me arrebatavam nova enxurrada de lágrimas. Havia emagrecido sobremaneira, e tanto minha mãe quanto minha tia estavam deveras preocupadas.

 

Na última vez que tive Júlia em meus braços, acreditei-me capaz de suportar com firmeza a ausência dela, mas sabendo-a distante, em outro estado, não estava sendo nada fácil. O meu corpo gritava por ela, minha alma chorava desesperada de saudade. Estava me segurando para não ir atrás. Mas sabia que logo, logo, iria visita-la, nem que fosse apenas para poder pousar os olhos nela, sentir seu perfume e ouvir sua voz. Mesmo que fosse de longe, já serviria para aplacar a dor.

 

******************

 

Eu estava há bastante tempo, sentada numa cadeira na varanda e Augusto aproximou-se. Estava sozinha contemplando o céu estrelado. Os demais estavam no salão de festa e eu fugi para ficar quieta, sossegada.

 

-- Está aí, querida? Estava lhe procurando. -- Disse me oferecendo uma taça de vinho. -- Esse é do Porto, melhor que o fabricado pela família da sua mãe. -- Brincou.

 

Recebi e beberiquei o vinho. Estava realmente delicioso.

-- Posso me sentar com você?

 

Eu permaneci muda e dei de ombros. Ele sentou-se numa cadeira ao lado. Estranhamente, ficou também em silêncio. Minutos depois, vendo que a minha taça estava quase no fim, ele completou, pois havia trazido uma garrafa.

 

Eu mal percebia a presença de Augusto. Meus pensamentos estavam distantes, fixos na imagem da mulher que eu amava. Em cada estrela que brilhava no céu, eu enxergava o sorriso meigo e o olhar terno de Júlia. Meu peito sangrava de dor e minhas entranhas gritavam de saudades dela. Tomei um grande gole da deliciosa bebida e fechei os olhos. Uma leve vertigem me acometeu e meus olhos começaram a pesar.

 

-- Acho que bebi demais -- Comentei mais para mim mesma, pois a presença de Augusto era quase que completamente ignorada.

 

Ele segurou-me uma mão e levou-a aos lábios.

 

-- Hoje é natal, minha querida. Não faz mal extrapolar um pouquinho. Você precisa relaxar um pouco. Trabalha demais.

 

Tentei abrir os olhos para fitá-lo, mas não consegui.

 

-- Pode me ajudar a levantar Augusto. Estou sem pernas.

 

Ele, mais que de imediato, se prontificou.

 

Fazendo força para levantar, senti meus joelhos se dobrando e se não fosse ele, ali me apoiando, teria ido ao chão. Por fim, ele me pegou nos braços e me levou para dentro de casa.

 

-- Quer ir para o seu quarto ou para algum outro lugar, querida?

 

-- Para... o... meu quar...to.

 

Ele me levou atravessando as salas e subindo as escadas, como se carregasse o peso mais leve do mundo. Lá chegando, colocou-me cuidadosamente na cama. Tirou meus sapatos e me ajudou a trocar de roupa. Quando ele me colocou na cama, eu já estava praticamente inconsciente. Devia estar com o organismo muito fraco para embriagar com tão pouco vinho que havia tomado. Não conseguia mais abrir os olhos, por mais que tentasse. Sentia as mãos de Augusto no meu corpo, removendo minha roupa e, por mais força que eu fizesse para afastá-lo, eu não conseguia. Meus braços estavam pesados, não me obedeciam, até que depois de não sei quanto tempo, cai num buraco negro, só voltando a ter noção de mim mesma no dia seguinte à tarde.

 

******************

 

Augusto colocou Sylvia sobre a cama, sentindo seu corpo queimar de excitação. Não estava mais aguentando olhar para a noiva e não poder tocá-la. A febre do desejo o estava consumindo. Pôs-se a tirar a roupa dela e à medida que seus olhos vislumbravam o corpo perfeito, o desejo lhe enrijecia a parte íntima numa dor quase que insuportável. Suas mãos tremiam ao desnudar o corpo voluptuoso. Quando, finalmente, o deixou completamente despido, pôs-se de pé, admirando-o. Enquanto isso, tirava a própria roupa. Lentamente aproximou-se da noiva inerte sobre a cama, ajeitou-a numa posição conveniente para o seu intento, abriu-lhe as pernas o máximo que pode e deitou-se sobre ela. Tomou-lhe os lábios com fúria. Totalmente desprovido da razão e do bom senso, com a mente febril nublada de luxúria a possuiu feito um animal no cio. Ouví-la gem*r de dor, uma vez que estava completamente seca e inconsciente do que estava acontecendo, o deixava mais excitado ainda.

 

-- Meu amor! Que gostoso...! Como você... está aperta... dinha!

 

Resfolegando sobre o corpo indefeso, Augusto sentia-se vitorioso e viril. Para ele, o importante era o próprio prazer. Aquele corpo lindo e gostoso para ele, naquele momento, como para a maioria dos homens, era apenas mais um vaso para esporr*r a soda cáustica.

 

Depois de saciado, retirou-se de dentro da noiva, limpou o p*nis no lençol, alisou-o suavemente admirando-o mais uma vez, e, virando-se para a moça adormecida, disse:

 

-- Espero que o nosso filhinho seja lindo, meu amor! -- Sorrindo completou -- Não vai se livrar tão fácil de mim como pensa, querida!

 

Beijou-a suavemente nos lábios e saiu lentamente do quarto. Colocando a mão no bolso da calça, apalpou o vidrinho de sonífero.

 

 

****************

 

-- Júlia, minha filha, porque não me conta o que está lhe incomodando? Desde que aqui chegou, tem mostrado uma carinha tão triste!

 

-- Não é nada demais, tia. É que às vezes me pego lembrando de tudo que me aconteceu! Ficaram cicatrizes profundas...

 

-- Imagino! Agenor foi vitimado pelo vício e você quem mais sofreu as consequências. Mas procure esquecer meu bem, você ainda é bastante jovem, pode e deve refazer a sua vida.

 

Júlia olhou para o céu estrelado e se acomodou melhor na espreguiçadeira.

 

Ambas estavam na varanda da casa do sitio apreciando a noite, cujo céu estava salpicado de estrelas.

 

-- O alento que temos nessa vida, minha filha é que toda dor passa. O tempo é implacável contra todas as dores. É o melhor conselheiro e o melhor curador. Um dia, você olhará para trás e verá que tudo o que aconteceu, não mais a incomoda. Refaça a sua vida, minha querida.

 

Se a tia soubesse que para ela não havia mais nenhuma vida a ser refeita, uma vez que para viver novamente, teria que ser ao lado de Sylvia e isso, a cada dia, parecia-lhe uma possibilidade cada vez mais distante e inatingível. Piscou para expulsar uma lágrima. Bebericou a cerveja e suspirou profundamente.

 

Dona Dulce a olhou de soslaio. Estava desconfiada de que a sobrinha estivesse sofrendo por alguém e continuava imaginando ser o noivo da enteada.

 

-- E sua enteada, minha filha, já se casou?

 

Júlia retesou o corpo. Só o fato de ouvir o nome de Sylvia lhe disparava o coração e paralisava todo o corpo. Respirou fundo e deixou a voz escapar num sussurro.

 

-- Ainda não, tia. Creio que será em fevereiro.

 

Dona Dulce a estudava.

 

-- Imagino que você irá, não é?

 

Júlia tomou mais um gole da cerveja e demorou mais do que o necessário para responder. A simples menção ao casamento de Sylvia a deixava exasperada.

 

-- Não, tia! Eu não vou. A mãe da noiva estará presente... E...

 

-- Entendo, filha. Entendo. Desculpe-me ter perguntado... Eu... me esqueci.

 

Júlia se levantou, pois a conversa havia tomado um rumo que lhe revolvia as feridas.

 

-- Tia, eu vou me recolher. Estou um pouco cansada.

 

-- Está bem, querida. Boa noite.

 

Julia afastou-se sem ao menos beijar a tia. Estava tão imersa na própria dor que evitava todo e qualquer contato físico com as pessoas, com exceção de Antenor.

 

****************

 

Por volta das 14 ou 15 horas do outro dia, eu acordei. Minha cabeça pesava toneladas e uma fraqueza me dominava os membros. Afastei as cobertas e levantei. Ao dar os primeiros passos meus joelhos dobraram e eu fui ao chão. Se não fosse o tapete, certamente teria me machucado. Vagarosamente, me ergui e tomei a direção do banheiro. Aproximei-me do vaso, e quando me ajeitei para urinar e o líquido começou a sair, senti uma ardência tremenda. Franzi a testa estranhando. O primeiro pensamento que me veio à mente foi uma possível infecção urinária. Estava tão debilitada, comendo muito menos do que normalmente comia, que havia me tornado um alvo fácil para qualquer bactéria.

 

Em seguida, entrei no box e abri o chuveiro. Deixei-me ficar ali por longos minutos. O contato com a água morna me revigorou bastante. Comecei a me ensaboar e quando meus dedos tocaram a minha parte íntima, senti novamente a ardência. Apalpei cuidadosamente a entrada da minha vagin* e a senti dolorida. O meu coração acelerou de medo e me perguntei o que poderia ter acontecido, pois não me lembrava de nada que pudesse ter feito, que justificasse aquele incômodo. Resolvi, que se dentro de uns dois dias não melhorasse, procuraria um médico. Terminei o banho e me envolvi num roupão. Sentei-me em frente ao toucador e me pus a secar lentamente os cabelos com uma toalha. Não tinha ânimo para forçar a mente em busca de alguma lembrança, mas estava deveras intrigada por não me recordar de como vim parar no quarto. Depois de alguns minutos, entretida com meu cabelo, a visão da varanda me acudiu à mente. Augusto! Vagarosamente as lembranças foram surgindo, como se fossem rompendo um véu. Lembrei-me dele subindo as escadas comigo nos braços e me colocando sobre a cama, tirando meus sapatos, me auxiliando a trocar de roupa, mas depois não consegui ver mais nada, as lembranças se apagaram completamente. Forcei a mente, mas nada, nenhuma imagem sequer. Sacudi a cabeça de um lado para o outro, como para clarear as ideias, mas era como se eu tivesse chegado numa viela, num beco sem saída. Suspirei e comecei a me vestir.

 

****************

 

Depois de um ou dois dias, o incômodo na minha vagin* desapareceu e eu me esqueci completamente do evento. Afundei-me novamente no trabalho e ignorei a presença de Augusto. Minha mãe estava fazendo de tudo para ficar mais próxima de mim. Acompanhou-me algumas vezes nas viagens até as fazendas, e pude ver que estava fazendo um esforço enorme para não demonstrar desagrado, quando as circunstâncias nos colocavam em contato com os empregados. O jeito simples e "rude" das pessoas do campo a deixava sem saber onde colocar as mãos. Mas, em nenhum momento, foi indelicada ou desagradável. Às vezes, eu ria das caras e bocas de espanto que ela fazia, quando um ou outro empregado se dirigia a ela com perguntas tão francas e diretas: A senhora tem cara me menina, dona Madalena, nem parece que é mãe de uma moça adulta. Quantos anos a senhora já tem?

 

Eu dava um jeito de desviar a atenção do inquiridor, para que ela não se constrangesse em responder, pois, com certeza, aquele interrogatório era pior do que se ela estivesse num tribunal, na posição de ré. Não iria, de forma nenhuma, permitir que ela se sentisse numa situação delicada, pois tinha plena consciência do quão difícil estava sendo para ela, se deslocar para o meio do mato, num país quente. Minha mãe detestava o clima tropical, além de ser uma pessoa completamente urbana.

 

Assim, os dias se passaram e nós entramos no ano de 1969 sem nenhuma novidade. Para mim, foi uma noite como outra qualquer, me esquivei de participar do que quer que fosse. Tia Cláudia, como sempre, chamou os amigos e parentes próximos. Eu nem me dei ao trabalho de comparecer ao salão de festa e assistir à queima de fogos. Permaneci no meu quarto amargando a saudade de Júlia, que a cada dia, parecia aumentar. A ausência dela se agigantava dentro de mim de uma maneira que me tirava todas as forças. Eu estava vivendo como um autômato. Estava sendo levada pelo passar dos dias, sem sentir sabor de nada, cheiro de nada. Nada vibrava em mim, a não ser a dor da saudade dela. A ausência de ânimo, de estímulo parecia arrancar de mim o resto de forças que ainda supunha ter.

 

Tia Cláudia, na noite seguinte à virada do ano, entrou no meu quarto. Já era tarde, e ela sabia que eu estava acordada.

 

Aproximou-se e deitou-se ao meu lado, colocando minha cabeça em seu ombro.

 

-- Não precisa dizer nada, se não quiser, meu amor. Saiba que estarei sempre do seu lado.

Tente dormir tranquila, que vou ficar aqui com você. -- Deu uma risada calorosa e continuou

-- Vamos dormir juntinhas, sempre que você quiser.

 

As lágrimas desceram vagarosas a princípio, e o meu corpo começou a ser sacudido por um tímido pranto. Em seguida, o pranto se avolumou numa enxurrada que me fazia tremer todo o corpo. Tentei falar, mas minhas palavras foram sufocadas em meio aos soluços.

 

-- Chore, minha querida! Chore que lhe fará bem.

 

-- Oh tia! Ajude-me! Eu... eu não estou... suportando mais!

 

Ela me aconchegou melhor e continuou a me acariciar os cabelos.

 

-- Meu bem, rompa esse noivado. Se esse calhorda quiser tirar a própria vida, problema dele. Se o sovina do português o deixar sem herança, isso não lhe diz respeito.

 

-- Tia, eu... eu tenho medo de... que ele se mate... Não conseguirei viver com essa culpa.

 

Senti o corpo dela tremer num sorriso.

 

-- Minha filha, Augusto jamais atentará seriamente contra a própria vida! Não é o perfil dele.

 

Ficamos conversando até tarde e pegamos no sono, abraçadas. Fazia tempo que não dormia como naquela noite.

 

*****************

 

A última conversa que tive com Augusto, antes do nosso casamento, foi no dia 26 de janeiro, e eu deixei bem claro mais uma vez, que não o amava mais, que na verdade nunca o havia amado, como um dia pensei. Que o sentimento que nutria por ele, quando ainda morava em Paris, se transformou. A vontade que tive foi de dizer o quanto o desprezava, mas deixei para lá. Não queria prolongar a discussão. A simples presença dele estava me dando engulhos. Meu estado de embriaguez - o médico me recomendara, há alguns dias atrás, a não beber - me anestesiava e, mesmo tendo vontade de pisoteá-lo, não tinha disposição para feri-lo, mesmo com palavras.

 

Ele, como sempre chorou, esperneou e demonstrou o medo de que eu desistisse do casamento. Mas o tranquilizei, reafirmando mais uma vez, de que o casamento seria concretizado.

 

Depois de longos minutos, repetindo pela milésima vez, o que já havia dito, não aguentei mais vê-lo, um homenzarrão daqueles, chorando nos meus ouvidos. Expulsei-o da minha casa:

 

-- Dê-se por satisfeito por eu ainda me sujeitar a esse casamento para não lhe prejudicar, poderia simplesmente não me casar mais e pronto. -- Caminhando em direção aporta e abrindo-a finalizei a conversa. -- Agora saia, arrume suas coisas e volte para Lisboa, pois só nos veremos no dia desse maldito casamento.

 

--Sylvia... Sylvia, estou desconhecendo você.

 

Sua voz embargada prenunciava mais uma chuva de pranto.

 

-- Eu sei, você já me disse isso, agora, vá embora! Não quero ouvir mais nada. Não me faça perder a paciência, pois não quero ser indelicada com você. Poupe-nos de mais mágoas.

 

Ele me olhou com um brilho estranho no olhar. Secou as lágrimas com os dedos, me deu um sorrisinho de esgar e falou com a voz ainda tomada de soluços.

 

-- Não vai se livrar de mim tão fácil, como imagina, Sylvia! Eu sou um Siqueira! E não é assim que se trata um homem da minha estirpe!

 

Eu o empurrei para fora do meu quarto e bati a porta com força e a tranquei à chave.

 

Recostei-me na porta, inspirei fundo e, logo em seguida, dirigi-me a passos lentos para o quarto e me joguei sobre a cama, pois meu corpo todo doia. A tensão dos últimos meses estava acabando comigo. Estava exausta, entregue. Teria que dormir, amanhã seria mais uma segunda feira e muito trabalho no escritório me esperava. Fechei os olhos e minha cabeça rodou. Procurei uma posição confortável e fechei novamente os olhos e, mais uma vez, a imagem que me acompanhava obstinadamente, invadiu a minha retina e possuiu todos os meus sentidos.

 

***************

 

No café da manhã, estranhei quando tia Cláudia me deu a notícia de que Augusto havia saido cedinho dizendo que ia embora. Senti um alivio enorme. Cheguei a sorrir. Minha mãe também já estava sentada tomando o seu café. Olhou-me profundamente e disse:

 

-- Eu não entendo porque vai fazer isso consigo mesma! Rompa esse maldito noivado e arranje um rapaz a sua altura.

 

Ela nunca mais mencionou a minha relação com Júlia. Resolveu ignorar. Parecia-me que na cabeça dela, esquecendo-se do assunto, ele deixava de existir.

 

Eu a olhei e desviei o olhar em seguida. Se ela soubesse que, independente de herança ou chantagem, eu teria que me casar de qualquer jeito.

 

Coisa de dois ou três dias atrás procurei o médico, pois a minha menstruação estava atrasada há quase duas semanas. Como ela era extremamente regular, nunca atrasava, eu entrei em pânico. E quando o médico me disse que eu estava grávida, senti o mundo desabar sobre a minha cabeça e, somando dois mais dois, cheguei á conclusão de que a ardência na minha vagin* fora consequência de ter sido forçada por Augusto. Eu chorei nos braços do doutor José de Morais e lhe pedi segredo. Não iria contar para ninguém. Agora eu teria mesmo que me casar, se tivesse a criança sem estar vinculada a ele, seria um escândalo, eu não sabia se teria forças para suportar. Poderia até repercurtir sobre a empresa, e muitas familias dependiam da estabilidade dos negócios.

 

Tudo parecia conspirar para o segredo da minha gravidez, pois praticamente não senti enjoo. Só mesmo de manhazinha que sentia um leve incômodo no estômago, mas que logo passava.

 

O mês de janeiro estava chegando ao fim, e o meu casamento estava marcado para a segunda quinzena de fevereiro. Só de me imaginar entrando num avião para esse fim, sentia vontade de desaparecer. Ainda bem que eu tinha tia Cláudia que me dava apoio, que praticamente me carregava nos braços. Seu carinho, suas conversas antes de dormirmos permitiam que as minhas noites não fossem totalmente passadas em branco. Seu caloroso e confortável ombro me serviu de travesseiro por inúmeras vezes. Percebi que minha mãe sentia ciúmes, mas ela não tinha o instinto maternal de tia Cláudia. Raramente me abraçava.  Mas eu percebia uma enormidade de carinho se derramando dos seus olhos em minha direção.

 

**************

 

Vez ou outra Helena me dava notícias de Júlia. Meu Deus, como ela me fazia falta! Só de ver Helena nos corredores da empresa eu sentia o coração disparar, pois ela, sendo prima, me remetia à Júlia. Eu fazia uma força enorme para não perguntar nada, mas era impossível, não aguentava. Era só ver Helena que me aproximava, e muitas vezes, antes que eu abrisse a boca, ela se adiantava e me dava notícias.

 

Um dia em minha sala, enquanto examinava uns relatórios com Lisa, Helena entrou. Ela me sorriu e se aproximou da mesa. Transmitiu para Lisa a informação que havia sido solicitada e virou-se para mim.

 

-- Recebi uma carta de Júlia ontem!

 

Eu larguei as folhas de papel em cima da mesa e me acomodei melhor na cadeira. Olhei para ela e fiquei esperando.

 

-- Ela está cuidando do roseiral da tia. Está morando no sitio.

 

Nenhuma novidade. Já sabia de tudo aquilo, mas mesmo as velhas notícias tinham um poder de me desestruturar. Apesar de estar morrendo de vontade, eu não tive condições nem coragem de perguntar quando ela pensava em retornar. Lisa, percebendo meu estado de angústia, o fez.

 

-- Cuidando de roseiras! Deve ser uma atividade por demais agradável. Ela pensa em retornar quando, Helena?

 

Helena olhou para mim, e quase num sussurro deixou as malfadadas palavras escaparem de sua boca.

 

-- Ela não pensa em retornar por agora, não. Na verdade, pretende ficar por muito tempo.

 

Eu sabia que ela estava apenas dizendo o que minha madrasta havia lhe informado, sem nenhuma intensão de me machucar, mas o meu coração sangrou ao ouvir aquilo. Eu já sabia que ela pretendia ficar por tempo indefinido na casa da tia, mas era doloroso demais ficar ouvindo aquilo.

 

Desviei o olhar de Helena e voltei ao trabalho, pelo menos fingi me concentrar nos papéis.

 

Vendo o quanto eu havia ficado abalada, Helena pediu licença e se retirou.

 

****************

 

A primeira quinzena de fevereiro passou numa velocidade incrível. Nunca vi os dias passarem tão rápido. E quando dei por mim, já estava no avião, acompanhada de minha mãe, tia Cláudia, Lisa, e alguns parentes, com destino a Paris.

 

O meu casamento foi realizado na casa dos pais de Augusto. Celebramos apenas o civil com separação total de bens. Antes, porém, de oficializada a cerimônia, meu advogado verificou toda a papelada referente à doação dos bens a Augusto. Só faltava a assinatura do velho sovina. Assim que tomamos ciência de toda a documentação, ele assinou por extenso. Só me restava agora fazer a minha parte.

 

Seguimos para a sala onde seria formalizado o acordo. A família de Augusto me olhava atravessado, eu por minha vez, ignorava-a completamente. Queria logo acabar com aquela palhaçada. Ele, Augusto, era todo sorrisos. O cinismo ou imbecilidade dele me deixava admirada, pois quem não soubesse das circunstâncias do nosso casamento, imaginaria que ele era o homem mais amado da terra.

 

Ele estava muito bonito, não havia como negar, mesmo eu tremendo de raiva e nojo. Estava com um smoking branco impecável. O cabelo sedoso e muito bem escovado; e as faces coradas de uma alegria incontida. 

 

Só depois que rubriquei o livro foi que me dei conta realmente que estava casada com aquele homem podre. Aquele homem que eu julguei meu amigo; que eu julguei um tolo e até, inocente, ingênuo, mas que depois, descobri um mau-caráter, egoísta e oportunista. Quando olhei o meu nome: Sylvia Bordeuax Leme de Barros Siqueira, senti uma onda violenta de enjoo. Respirei fundo e me controlei. Em nenhum momento eu esbocei um sorriso sequer. A minha sogra me dirigia cada olhar, que se tivesse a capacidade de matar, eu já estaria morta.

 

Depois da cerimônia finalizada, como uma estátua, recebi os cumprimentos daquele bando de hipócritas. O único aperto de mão acompanhado de um abraço, que retribui de bom grado foi o de Cláudio. Ele percebendo o meu desconforto, discretamente, me arrastou para fora da sala.

 

-- Eu sinto muito, Sylvia! Sinto mesmo! Tentei demover aquele cabeça dura dessa ideia fixa de casamento, mas de nada adiantou. Mas também, o velho Siqueira é osso duro de roer.

 

-- Agora já está feito, Cláudio. Mas, com exceção da morte, não há nada nesse mundo que não possa ser desfeito, não é mesmo?

 

Ele me olhou com as sobrancelhas erguidas, depois deu uma risada.

 

-- Criatura, já está pensando em pedir a separação?

 

-- Tão logo seja possível. Prefiro morrer, a viver os meus anos com esse homem ao meu lado.

 

Ele ficou em silêncio me olhando, como se me estudasse. Depois de alguns segundos, apertou os olhos, balançou a cabeça, pegou as minhas mãos, beijou o meu rosto e sussurrou no meu ouvido:

 

-- A pessoa que ganhou seu coração, minha querida, é uma felizarda. Eu não sei quem é, mas, só pelo fato de ter lhe conquistado, sei que é uma pessoa maravilhosa!

 

Quando se afastou, olhou-me novamente no fundo dos meus olhos e sorriu. Depois introduziu outro assunto totalmente diverso

 

-- Estou pensando em dar um passeio no Brasil. Será que minha amiga aqui, me recebe lá?

 

Eu o abracei.

 

-- Tolo! Ainda pergunta? Minha casa será sempre sua casa. Pretende pesquisar alguma coisa ou é só um passeio mesmo?

 

Piscando um olho, me disse com a cara mais safada do mundo.

 

-- Pretendo sim! Pretendo estudar as beldades brasileiras. -- Olhou para cima e suspirou -- Minha cara amiga, o corpo da mulher brasileira sempre povoou os meus sonhos e instigou os meus desejos mais secretos, e agora eu pretendo realizá-los. E, associado ao prazer que terei nesse estudo de anatomia, analisarei também a alma.

 

Eu não pude evitar a gargalhada, e os Siqueira que estavam próximos nos olharam com cara de reprovação.

 

Como se surgido do nada, Augusto se aproximou e me enlaçou pela cintura. Meu corpo todo se retesou. Cláudio pareceu perceber.

 

-- Cláudio, meu amigo, você agora está diante do homem mais feliz do mundo!

 

Eu não consegui me conter e alfinetei.

 

-- Não precisa fingir para Cláudio, Augusto! Pelo menos uma vez na vida, seja verdadeiro.

 

Ele fingiu que não me ouviu, puxou-me mais para perto e beijou minha cabeça.

 

*****************

 

Horas depois, segui para a casa da minha mãe acompanhada pelo meu marido. Lá chegando, eu me tranquei no meu antigo quarto e dei vazão ao pranto. O quarto de hóspede já estava reservado para ele, mas ele não sabia disso. Caso tenha  suspeitado, não deu a entender, pois assim que chegamos ele teve a audácia de propor.

 

-- Vamos nos recolher, querida! Já está muito tarde e estou morrendo de saudades de você!

 

Eu não conseguir dizer nada, apenas movi a cabeça de um lado para o outro, dei-lhe as costas e subi as escadas, ignorando-o completamente.

 

*****************

 

Fiquei o restante do mês de fevereiro e a primeira quinzena de março em Paris e aproveitei para fazer uma revisão geral no meu estado de saúde. Agora eu teria que ter uma preocupação redobrada, pois carregava uma vida dentro de mim. Minha saúde estava quase perfeita, apenas com um pouco de anemia por não me alimentar direito.

 

Quando retornei para o Brasil, já estava com pouco mais de dois meses de gravidez. Contei para minha mãe e minha tia e pedi que não mencionassem para Augusto nem para a família dele. Não o queria por perto e, se ficasse sabendo da gravidez, iria se colar em mim.

 

Depois de muito conversar, exigir, brigar com ele, consegui retornar para o Brasil apenas com minha tia. Exigi que ele não me aparecesse mais. Ele chorou, esperneou, mas, como já tinha plenos poderes sobre sua herança, concordou. Ele agora poderia usufruir da liberdade que sempre quis.

 

****************

 

Após uma ou duas semanas do meu retorno da Europa, Helena entrou no meu escritório um tanto quanto apreensiva.

 

-- Sylvia, eu nem sei se deveria falar isso...Agora que você está casada...

 

Fiquei intrigada, pois ela estava visivelmente sem jeito.

 

-- O que tem para me dizer, Helena? -- Eu estava mudada. Aliás, muito mudada. Havia mergulhado num estado de mutismo, que só conversava com as pessoas ao meu redor, o estritamente necessário. Não estava também com muita paciência para rodeios, talvez devido, também, à gravidez.

 

-- É que vou tirar uns dias para... -- Ela passou as mãos pelos cabelos, nervosa.

 

-- Helena, por favor... Tenho muito trabalho aqui. Então vá direto ao ponto, seja o que for que tenha a me dizer.

 

Ela me olhou um tanto assustada, pois minhas palavras soaram ríspidas.

 

-- Vou para Mucugê, visitar Júlia!

 

Meu coração disparou e meu estômago enjoou de repente. Inspirei fundo e me recostei na cadeira. Eu sempre tinha que me apoiar em alguma coisa quando tomava um susto. Olhei para Helena esperando que ela continuasse.

 

-- Você tem algum... recado para ela?

 

A pergunta me pegou desprevenida. Nunca imaginei que ela fosse me fazer esse tipo de indagação. Que recado eu teria para ela, meu Deus? Que ela voltasse correndo para os meus braços, uma vez que a saudade não me dava tréguas. Que na minha cabeça não existia espaço para mais nenhum pensamento que não fosse ela? Que meu coração estava despedaçado, estraçalhado pela partida dela?

 

Soltei o ar dos pulmões e deixei um sorriso, um tanto quanto zombeteiro, dançar em meus lábios, pois de repente me senti irritada.

 

-- Não, Helena. Não tenho nenhum recado para a sua prima. Diga-me, o que eu poderia dizer a ela?

 

A mulher ficou sem graça. Eu realmentente estava um poço de impaciência.

 

-- Desculpe-me, Sylvia. Realmente agi mal ter vindo lhe falar sobre isso. Mas... é que imaginei...

 

-- Não precisa se desculpar, Helena. Sei que estava bem intencionada, mas acredito que sua prima não vai querer nenhum recado, nenhuma notícia minha, então...

 

-- Acho... Acho que ela gostará sim...

 

Eu meneei a cabeça em negativa.

 

-- Apesar de ter afirmado que estará sempre a minha espera, fez a escolha dela, Helena, ao se refugiar numa cidade distante. Não precisava ir para tão longe!

 

-- Ela...

 

-- Se ela consegue ficar longe é porque não devo fazer tanta falta, não é verdade?

 

Levantei-me e desviei o rosto para que ela não percebesse meus olhos marejando.

 

-- Sylvia... Desculpe-me! Foi um erro ter vindo falar com você sobre isso! Eu lamento muito. -- Sem saber onde enfiar as mãos, ela continuou - Júlia ela é... muito conservadora em alguns aspectos.

 

-- Eu sei, Helena. Agora, se não tem mais nada a me dizer, deixe-me a sós, por favor!

 

Ela, imediatamente, se colocou de pé e sussurrando um até logo, saiu.

 

Novamente me sentei e dei vazão ao pranto. Um turbilhão de sentimentos se agitava dentro de mim. Sentia saudades, raiva, vontade de bater em Júlia, de abraçar, de beijar, de possuí-la com amor e também com violência. Queria impingir-lhe dor, pela dor que estava me causando. Queria arrancá-la de dentro de mim, mas por mais que tentasse -- na verdade eu nem sabia como tentar --, mais ela aprofundava raizes em mim.

 

Perdi a noção das horas, ali debruçada na mesa chorando. Só depois de muito tempo, me lembrei de que carregava no ventre uma vida e, por puro instinto, enxuguei o pranto e voltei a me concentrar no trabalho.  Pedi um lanche, pois não havia almoçado. Mesmo estando sem fome, era forçada a me alimentar.

 

Alisei minha barriga suavemente e, sem poder evitar, um sorriso bobo se desenhou em meus lábios.

 

*************

 

Uma semana depois, Helena chega a Mucugê. Uma mulher parecidíssima com Júlia a recebe na porta da casa com um franco sorriso. Helena admirou-se com tamanha semelhança. Apesar de ser prima de Júlia, não era parente daquela mulher e, se bem se lembrava, só a tinha visto uma ou duas vezes na vida e há muito tempo atrás.

 

-- Seja bem-vinda, Helena!

 

Abraçaram-se e Helena a acompanhou casa a dentro.

 

-- Amanhã cedo a levarei até o sítio. Ela não quer sair de lá. Estou muito preocupada com minha sobrinha. Ela não me diz o que está acontecendo.

 

Helena continuou calada, ouvindo-a. Subiram as escadas em direção ao quarto de hóspedes.

 

-- Você sabe o que tanto a aflige, minha filha?

 

-- Não. Não sei, dona Dulce. Vim o mais rápido que pude, depois que recebi seu telegrama.

 

-- Ela não sabe que lhe chamei. Prefiro que continue ignorando, pois quando mencionei em convidá-la para vir, ela disse que você é uma pessoa muito ocupada e que não queria lhe incomodar.

 

Entraram no quarto.

 

-- Querida, tome um banho e descanse um pouco. Costumo jantar as sete, mas, se quiser comer alguma coisa antes ou depois, fique à vontade.

 

-- Muito obrigada, dona Dulce! Descerei para jantar com a senhora.

 

***************

 

No outro dia, por volta da nove horas, a rural de dona Dulce parou em frente à casa principal de seu sítio.

 

Helena desceu acompanhada da mulher, e se espantou ao enxergar a prima parada na porta. Aproximou-se lentamente, pois não estava acreditando no que seus olhos viam. Júlia estava magra e por demais abatida. Olheiras profundas e roxas contornavam seus olhos. O intenso brilho que antes se via naquele maravilhoso azul, não mais estava lá. Helena teve a impressão de que a vida havia abandonado o corpo da prima.

 

Já bem próxima, abraçou-a. Júlia desabou num choro convulsivo, e se entregou nos braços da prima. Sentiu como se todas as suas forças tivessem de repente desaparecido. Helena, naquele momento, era o apoio de que tanto estava precisando, pois sabia que podia confiar na prima. Helena teve que firmá-la bem, para que ela não caisse. Conduziu-a para uma cadeira na varanda e agachou-se a sua frente.

 

-- Tudo vai se resolver, meu bem. Fique tranquila!

 

Dona Dulce pediu licença às duas e entrou na casa.

 

Antenor irrompeu na varanda e se atirou nos braços de Helena.

 

-- Leninha! Veio buscar a gente?

 

Helena o tomou nos braços e sentou-se numa cadeira ao lado de Júlia. Beijou-o nas faces.

 

-- Se a mamãe quiser, eu os levarei de bom grado, pois estou morrendo de saudades de vocês.

 

-- Eu também! Titio veio?

 

-- Não, meu amor! Mas mandou um monte de presentes para você.

 

O menino pulou no colo dela, todo feliz.

 

-- Cadê?

 

-- Daqui a pouco eu lhe entrego.

 

Júlia os observava com os olhos ainda rasos d´água. Aquela criança era a única fonte onde encontrava forças para continuar vivendo.

 

A vontade de perguntar sobre o casamento coçava sua língua. Por fim não resistiu.

 

-- Ela se casou mesmo?

 

Helena a olhou penalizada. O estado da prima estava deplorável.

 

-- Casou Júlia! Mas não está vivendo com o marido. Ele ficou na Europa e ela voltou para o Brasil.

 

Fechando a cara falou entredentes.

 

-- É só uma questão de tempo para ele estourar novamente atrás dela.

 

-- E você prefere deixar o caminho livre para ele.

 

-- Você sabe o que penso sobre isso, Helena. Não posso ficar com ela dessa forma.

 

Helena deu de ombros.

 

-- Eu lhe entendo Júlia, mas andei pensando, se Sylvia amasse aquele homem, eu seria a primeira a lhe aconselhar a se manter afastada. Mas não é esse o caso, minha prima. É a você que ela ama, e você está desperdiçando um tempo precioso. Deixe um pouco de lado esse conservadorismo exagerado, e se permita ser feliz.

 

Júlia não disse nada e voltou a se sacudir num pranto agitado.

 

-- Eu não estou... aguentando de saudades! Todas as noites... eu sonho com ela, Lena!

 

Helena suspirou e deixou Antenor descer do seu colo, uma vez que ele já estava ficando inquieto.

 

-- Você vai ficar quantos dias aqui comigo?

 

Helena viu os olhos azuis suplicantes e seu coração ficou cortado de pena.

 

-- Duas semanas, meu amor! Não posso ficar mais que isso.

 

Abaixando mais o tom de voz, deixou as palavras sairem com um misto de ansiedade e medo.

 

-- Ela... Ela sabe que você veio para cá?

 

Helena ficou olhando para aquele rosto abatido, dilacerado de sofrimento, mas ainda assim, lindo!

 

-- Sabe. Inclusive eu fui falar com ela que estava vindo!

 

Júlia remexeu na cadeira.

 

-- Ela... perguntou por mim... Mandou-me alguma carta... algum recado?

 

Helena alisou-lhe o rosto e não foi capaz de segurar a lágrima que, contra a sua vontade, escorreu face abaixo.

 

-- Não, querida! Ela está demasiadamente ferida com o seu afastamento!

Júlia suspirou.

 

-- Ela está tão dilacerada de dor, que já está acreditando que você não gosta dela.

 

Júlia espantou-se, e o desespero que se revelou em seu olhar deixou Helena ainda mais preocupada.

 

-- Meu Deus! Como ela pode pensar assim! Eu sempre disse o quanto a amo e que a esperaria o tempo que fosse necessário.

 

Novamente uma enxurrada de lágrimas inundaram seus olhos.

 

-- Júlia, em certos aspectos da vida, apenas palavras não bastam. -- Helena tomou-lhe as mãos, e a olhando firmemente, aconselhou -- Eu acho melhor você voltar comigo e ficar do lado dela, antes que seja tarde demais. Esse afastamento seu Júlia, essa sua teimosia em ficar presa a essas convenções, pode esgotar a paciência de Sylvia. Ela é jovem, bonita, rica e...

 

-- O que você quer dizer com isso? Que ela vai ficar com o marido?

 

-- Não. Quero dizer que ela pode se cansar de ficar esperando você deixar de ser conservadora e voltar para a França, e você sabe, o que não vai faltar é pretendente para ela.

 

Helena sabia que estava sendo cruel, mas julgou ser necessário dar um susto nela para ver se a arrancava daquela inércia.

 

Júlia se remexeu na cadeira em busca de uma posição confortável e pôs-se muda e reflexiva. As palavras da prima surtiram um efeito, como uma queda num precipício. Pos-se a imaginar Sylvia indo embora e compartilhando a vida com outra pessoa e um frio glaciou lhe acariciou as entranhas. Helena observou as lágrimas descendo silenciosas sobre o rosto emagrecido. Um aperto confrangeu-lhe o peito, mas sabia que agira corretamente.

 

-- Vou entregar os presentes de Antenor, você vem, querida?

 

Júlia apenas negou com a cabeça e deixou-se ficar ali por um bom tempo.

 

**************

 

Com a presença de Helena, dona Dulce pode observar que o brilho tão característico, começou a voltar aos olhos de Júlia. Ela voltou a sorrir, mas, ainda assim, a tristeza maculava aqueles olhos de beleza rara. Até a comida ela havia voltado a apreciar, ainda que com reservas. Mas a tia temia que, quando a prima fosse embora, ela novamente voltasse a se refugiar na depressão.

 

Assim, as duas semanas que Helena se propunha a ficar na companhia de Julia, chegaram ao fim. No dia anterior à sua viagem, pouco antes de dormir, Helena virou-se para a prima e perguntou:

 

-- Então, você resolveu permanecer aqui mesmo, não é Julia?

 

Ela não disse nada e desviou as vistas.

 

-- Eu não lhe entendo. -- Helena deu de ombros, terminando de ajeitar as malas.

 

Júlia pigarreou e passou as mãos no rosto, como se tentasse se aliviar da angústia que a dominava.

 

-- Só de me imaginar voltando para São Paulo e me encontrando com Sylvia, sinto um medo horrível!

 

Helena sentou-se junto dela.

 

-- Medo de que, criatura? Ela está lá se corroendo de saudades de você. Vai te receber de braços abertos! E você, com medo.

 

Júlia derreou o corpo na cama e passou a observar o teto forrado com madeira pesada. Depois suspirou, e disse numa voz cansada.

 

-- Lena, as coisas agora são diferentes. Sylvia é uma mulher casada. Será muito mais pecaminoso me envolver com ela nas atuais circunstâncias. Entregando-me a ela agora, eu vou estar realmente assumindo o papel de amante. Vou ser a "outra" e isso eu não quero! Basta o que vivi com Antenor.

 

Helena acabou de fechar a mala e meneou a cabeça, resignada.

 

-- Faça como achar melhor. Mas eu vou contar a ela sobre o seu estado. Isso vou!

 

Júlia pulou da cama e a segurou pelos ombros.

 

-- Eu lhe peço, prima. Por favor, não faça isso! E se ela resolve aparecer aqui?

 

Helena olhou para aqueles olhos e percebeu um brilho diferente.

 

-- Tenho certeza que você adoraria se isso acontecesse! Estou certa?

 

Júlia afastou-se e se jogou novamente na cama.

 

--  Helena, por favor, não me pressione!

 

-- Eu não estou lhe pressionando. Só acho que você não deve ficar se enganando e fugindo da vida. O tempo passa, e quando você acordar, poderá ser tarde demais!

 

Júlia ficou séria e em silêncio. Depois de alguns minutos, voltou a falar.

 

-- Eu não posso ir agora, Lena. Ainda não estou pronta! Você não imagina como tenho me sentido, depois de tudo que aconteceu. A mãe dela me expulsando, ela se casando. Tudo isso me fez me sentir um lixo, Helena. Uma intrusa na vida dela, no meio daquela família. -- Encarou a prima -- Coloque-se um minuto que seja no meu lugar.

 

Helena a olhou penalizada. Ela tinha suas razões, mas não era necessário boicotar tanto assim a própria felicidade. Poderia muito bem, romper um pouco com as convenções.

 

**************

 

Mais de uma semana havia se passado, desde que Helena chegara de Mucugê. Eu, apesar da curiosidade me corroendo, não fui procurá-la e ela, muito menos veio ter comigo. Mas, também da forma seca como a tratei da última vez, era compreensível que se mantivesse a distância. Mas, a verdade é que eu não estava mais me aguentando de vontade de saber de Júlia. Olhei no relógio, e o horário de ir para casa já estava se aproximando. Respirei fundo e, controlando mais um pouco minha curiosidade, fui para casa.

 

Horas depois de haver chegado, tia Cláudia foi a minha procura no meu quarto. Eu estava deitada na cama, na tentativa vã de ler um livro.

 

-- Querida, posso entrar?

 

-- Claro, tia! -- Disse colocando o livro sobre o criado e me ajeitando melhor na cama.

 

Ela se aproximou e sentou-se ao meu lado, dando-me um beijo na testa. Sorriu para mim e, logo em seguida, pousou uma mão sobre minha barriga que já estava começando a ficar mais cheiinha.

 

-- E o meu bebezinho, aqui. Como está? -- Indagou com uma voz infantil e curvou-se para beijar minha barriga. -- Será uma criança linda! Só espero que seja inteligente como você, minha filha!

 

Gargalhei, pois entendi muito bem o que ela quis dizer.

 

-- Augusto é, verdadeiramente, muito bonito, mas a cabecinha... -- ela concluiu.

 

-- Tia, com o corre-corre na empresa, e eu me sentindo tão cansada, desde que chegamos de viagem, mal nos falamos.

 

-- Pois é, meu bem! Estou sentindo muito sua falta. Vim até seu quarto, para matar a saudade, lhe dar um beijo e lhe dar uma notícia.

 

Senti o coração disparar. Ajeitei-me novamente, recostando-me na cabeceira da cama e fiquei de prontidão para ouvi-la. Tinha quase certeza que era sobre Júlia que ela iria me falar.

 

-- Aconteceu alguma coisa, tia? Alguma coisa grave?

 

Ela me olhou dentro dos olhos e ficou uns segundos em silêncio. Segundos que pareceram séculos para mim.

 

-- Não aconteceu nada grave, minha querida. Mas pode acontecer!

 

Senti meu corpo gelar.

 

-- A senhora está me assustando, tia!

 

Ela ficou de frente para mim, tomou minhas mãos nas suas e disse com a voz firme e num tom que não admitia ser contrariada.

 

-- Acho que precisaremos fazer uma viagem, o mais rápido possível!

 

-- Desse jeito, tia, a senhora me fará abortar meu filho!

 

Ela me olhou e sorriu.

 

-- Essa criança está bem firme aí. Fique tranquila.

 

Meu coração já disparava e, vez ou outra, meu estômago contraía. Eu tinha quase certeza que toda aquela conversa se relacionava a minha madrasta.

 

-- Fale logo, tia Cláudia. Que viagem é essa? Do que se trata?

 

Ela apertou levemente minhas mãos.

 

-- Conversei com Helena ao telefone, faz uns dois dias, e ela acabou por me contar que o estado de Júlia é lamentável!

 

Eu remexi na cama e senti um nó subir na minha garganta. A contração no estômago foi tão forte que corri para o banheiro. Ela me acompanhou e me amparou enquanto eu vomitava.

 

Depois de alguns minutos colocando o pouco jantar que havia ingerido para fora, consegui respirar direito. Lavei o rosto, a boca e voltei para o quarto, com ela  me segurando pela cintura.

 

-- Calma, minha filha! É normal você reagir assim!

 

Depois que me sentei e normalizei a respiração, consegui perguntar.

 

-- O que ela tem, tia? Está doente?

 

-- Ela está se defiando, minha filha. Pelo que Helena me disse, parece que desistiu de viver. O que ainda a mantém aqui entre nós é Antenor.

 

Eu comecei a chorar, e minha tia me puxou para os braços dela.

 

-- Ela é muito teimosa, tia! Por que fugiu de mim? Por que não quis ficar comigo? Só por causa de Augusto!

 

-- Minha filha, aquela menina sofreu demais! Eu a entendo! Ela não quer viver eternamente como uma simples amante! Imagina, foi amante do pai e, depois se tornar amante da filha!

 

Eu me afastei dos braços dela e a fuzilei com os olhos.

 

-- A senhora acha que eu iria mantê-la na minha vida como uma amante, tia Cláudia? Eu vou me separar de Augusto. Só vou esperar a criança nascer. A senhora sabe disso!

 

-- Eu sei, meu amor! Mas, enquanto isso não acontece, se vocês ficarem juntas, ela será sua amante. Eu, se estivesse no lugar dela, não me incomodaria, mas a nossa Júlia é por demais conservadora, pelo menos nesse aspecto!

 

Deitei-me na cama e deixei as lágrimas saírem à vontade.

 

Ficamos conversando até mais tarde, e a conversa foi finalizada com a decisão de na próxima semana partírmos em direção a Mucugê. Ela iria pedir a Helena para comunicar a nossa ida à tia de Júlia.

 

O meu coração, até o dia em que partimos e lá chegamos não me deu um minuto de sossego. Vivi com ele disparado, antevendo o momento do encontro.

Fim do capítulo


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Comentários para 21 - Capítulo 20:
GRIPE
GRIPE

Em: 13/09/2018

Ahhhh!! Quando sai o próximo mesmo?!!

Eu normalmente não "saio da moita", mas vc merece todos os comentários positivos que nós leitoras tivermos para acrescentar, sua escrita é maravilhosa, sua história é super envolvente, as personagens tão bem desenvolvidas! E eu SEMPRE quero mais! Ao mesmo tempo que não quero, pq qnto mais capítulos mais próximo do fim, e eu simplesmente não quero que acabe!

Enfim, continue sendo essa autora sensacional que vc é, e obrigada pelo privilégio de disponibilizar sua história.

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Zizi
Zizi

Em: 13/09/2018

Mais um capítulo emocionante! Abraços

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