A viagem para New York demorou menos de 10 horas. Não consegui dormir um minuto sequer. A minha cabeça era cheia de imagens e lembranças da tia Alex e da Lu. O amor das duas. O quanto a tia Alex venera a minha madrinha. O quanto ela ria das minhas piadas, até mesmo quando eu me insinuava para a sua esposa, ela sempre falava “Só depois de eu morrer AnaLu”. Era meio macabro, mas a tia Alex nunca foi uma pessoa convencional.

Eu só queria chegar logo e abraçar a minha Lu. Na verdade, ela não é minha, mas uma pessoa pode sonhar né? Eu percebi que era completamente louca pela Luiza quando eu beijei pela primeira vez. Foi quando eu tinha 13 anos durante as minhas férias em Búzios. A minha prima Summer me puxou para um canto da praia e acabamos nos beijando. Foi bom demais, mas eu só pensava em como seria beijar a Luiza. Sei que isso nunca vai acontecer. Ela me vê como uma pirralha sem noção que fica toda hora falando cantadas de “pedreiro” para ela. Tia Alex que sempre gargalhava com tudo que eu dizia.

Então o que me restou foi aproveitar a vida. Desde cedo eu sabia que gostava tanto de meninos quanto de meninas. Fiquei com vários garotos e garotas. Mas nunca foi apenas por ficar. Nunca me achei promiscua. “Uiii AnaLu falando difícil... promiscua...”. Sim eu me zuo o tempo todo. Mas voltando, sempre que eu fiquei com alguém tinha um porquê. Algo nessa pessoa me tocou lá no fundo. Alguma coisa me atraiu. Era um sorriso, ou o jeito, algo no olhar, no falar...

Já a Luiza, nossa.... velho a Luiza.  A Luiza é “A” Luiza mano! Sabe aquelas pessoas que estão em um patamar acima do nosso, reles mortais? Luiza Nadge. Gostosa, fofa, charmosa, simpática, talentosa, cheirosa, querida, linda, já falei o quanto ela é gostosa?

Se eu contar que tenho um fichário cheio de fotos de revistas que ela aparece você vai me achar patética? Fora as inúmeras fotos no celular. Quando eu olho para ela o meu coração acelera, eu presto atenção em tudo que ela faz, fala, come, o que gosta, o que não gosta... Eu sei todos os filmes e séries que ela fez. Todos os desfiles que participou. Todas as coleções que desenhou. Sei todas as preferências dela. Sei que ela já foi namorada da mainha e tia Alex me contou até de uns outros rolos ai. E quando eu to perto dela.... velho a coisa fica pior porque não é apenas tesão. Claro que ela gostosa para caralh*, acho que já disse isso né? Aquela bunda e aqueles seios. Porr*! Eu fico tipo aquele gif da cachoeira, tá ligado? Me dá um calor.

Mas o que eu mais gosto de fazer é apenas ficar olhando para ela. Fico horas vendo ela desenhar. E quando ela não tá perto eu assisto várias vezes os seus filmes, séries, entrevistas...

Eu sei ler todas as suas expressões. Acho lindo quando franze a testa quando esta preocupada, quando morde a ponta do lápis quando está pensando o que desenhar, quando ela ri e a risada sai tipo um porquinho esganiçado... acho lindo.  E eu fico ali completamente boba olhando para ela. E quando eu tô perto dela eu perco o foco e acabo falando demais, falo tudo que me passa na cabeça, por isso ela leva tudo na brincadeira.

Na verdade, se eu estou estressada eu perco totalmente a barreira entre o pensamento e minha boca. Sai cada merd* que quem me conhece já tem uma lista de micos.

Estávamos na alfandega do aeroporto J.G. Kennedy e eu não conseguia parar de olhar para a cabeça da mulher a minha frente. Sabe aqueles cabelos tipo patronesse de chá beneficente? Que parece uma peruca? Um cogumelo acaju gigantesco? Olhei para mainha e ela estava segurando o riso.

— Mainha vai ali perguntar se ela por acaso deixou o papai smurf sem teto. – falei sem parar de rir.

— Vai você perguntar pra ela como ela conseguiu embarcar no avião com capacete. – gargalhamos e mamãe nos xingou reclamando que parecemos duas crianças.

Mesmo que Papy tenha nos enviado o jatinho, a alfândega é para todo mundo junto. Então estávamos esperando na fila porque tinha chegado um avião e tinha umas quinhentas pessoas. Tá bom, exagero. Esse é meu maior defeito, exagero em tudo.

Fui até a maquininha para passar o passaporte e meu ticket com meu nome e fotografia saiu com um X gigante na cara.

— Mainhaaaaaa que emoção! Sou paquita da XUXA! – começamos a cantar a plenos pulmões “Marquei um X, Um X, Um X no seu coraçãoooo”. Mamãe nos xingou novamente e disse que era capaz de não nos deixarem entrar no país e que era pra gente se comportar porque eles são frescos e me proibiu de abrir a boca.

O papel de AnaBea veio também com um X e João Sapien, porque ele é o cara que sempre sabe tudo, na sua sapiência disse que era porque somos “de menor”. Então temos que passar por uma fila separada junto com a família.

Olhei pra mainha mostrando o X da AnaBea e falei: “Vou pintar um arrrrco-iris de enerrrrrgiiiiiiiiiiiiia....”. Dona Nanda só não me acompanhou porque mamãe a puxou pelo braço e olhou feio.

Sabe o que foi melhor de tudo? As pessoas sem X tinham que entrar em uma fila gigantesca e nós fomos a um guichê vazio onde mamãe falou com o oficial, deu nossos passaportes.... Me segurei pra não falar nada, mas queria chegar pra ele e falar “What’suuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuup” mas me controlei.

Apenas quando entramos no taxi que a ficha caiu e eu lembrei o que viemos fazer ali. Não era mais uma visita. Não era para vir passar uns dias com as minhas gatas. Não mano. Tia Alex morreu. O clima da cidade estava sombrio. A neve cobria tudo de branco. Era lindo, mas um “ânus”. “Uiiii ânus.... ta falando bonito AnaLu”.

“Ah AnaLu porque você não gosta de neve? É tão lindo!!”. É lindo mas é um cú! Tu escorrega nas calçadas, aquilo gruda e depois quando tu entra nos lugares “saporr*” derrete e tu fica toda molhada, e todos os lugares tem calefação. Parece que tu tá no deserto. Sai pra rua morre de frio. Não meu amigo, não é como nos filmes onde as crianças felizes correm e fazem boneco, anjinhos e essas coisas. Tu faz isso no primeiro dia, fica encharcada e tua mãe não deixa fazer mais. Sabe o que é pior que neve? Lama com neve. E além de molhada você fica toda suja e os “nativos” viram a cara para você como se fosse um indigente.

Chegamos até o apartamento da minha tia e enquanto o taxi estaciona eu vejo a minha Lu atravessando a rua como se não visse nada a sua frente. Assim que desci do carro falei para mamãe que iria atrás da Luiza. Mamãe ficou preocupada porque estava muito frio e o Central Park era gigante, mas eu sabia exatamente onde ela estava. Caminho alguns minutos e a vejo sentada em frente ao “Strawberry Field” um mosaico no chão feito em homenagem ao John Lennon. Meu coração fica quebrado em mil pedaços por notar o quanto ela estava mal. A minha Lu estava sentada no frio, sem se importar com a neve que caia, quase sem casaco, olhando para frente, e o seu olhar... Porr* velho, seu olhar era o mais triste que eu já vi na minha vida. Mano, eu só queria correr e coloca-la nos meus braços e dizer que tudo vai ficar bem.

— Ô Gostosona, quer pegar uma pneumonia? – tiro meu casaco e coloco nos seus ombros, ela tremia e nem se dava conta. Sento ao seu lado e ela me abraça forte com o rosto no meu pescoço. Eu era alguns centímetros mais alta que ela e sempre me gabei disso chamando-a de baixinha.

— Vocês vieram! – ela fala com voz anasalada de encontro a minha pele.

— Como a gente não iria vir Lu? As mamães estão te esperando. João e a AnaBea também. Eu vi você aqui pela janela e vim te buscar. Vem, vem pra dentro. Você vai ficar doente.

            Eu quase carrego ela para dentro do seu apartamento. Ela não me larga nenhum minuto, nem mesmo dentro do elevador. Fiquei olhando para os botões dos andares se ascenderem e apagarem. Às vezes olhava para o espelho e via nosso reflexo refletido e só pensava em como a gente ficava bem juntas. Muitas vezes quando andávamos por ai alguém perguntava se a Lu era minha irmã mais velha. Acho que o nossos olhos verdes que chama a atenção. Mesmo que o verde dos meus olhos seja quase azul e o dela como duas esmeraldas.

            Enfim quando chegamos até a cobertura minha família a tira dos meus braços. Senti na hora a falta do seu calor, mas sei que o carinho deles é o que mais ela precisa nesse momento. Aproveitei e fui cumprimentar o Papy e a vó Theodora. Os pais da Lu também estavam ali e o tio Tavinho. Papy pediu para chamar meus irmãos e eu vou até a sala e a cena que eu vejo me corta o coração. Minha Lu  sentada no meio das mamães chorando desesperadamente. Chego pertinho e fico observando com uma vontade gigante em coloca-la no meu colo e ficar fazendo cafuné até ela melhorar.

— Você quer que a gente faça algo? Bote esse monte de gente pra fora? – Mainha pergunta a ela.

— Não consigo entender essa cultura deles de ter que vir, trazer comida e ficar comendo e bebendo na casa da pessoa que só quer ficar sozinha com o seu luto. – mamãe fala incomodada com a quantidade de gente sem noção.

— Tia Lu quer ir a algum lugar, sair daqui? – AnaBea pergunta.

— Dinda eu posso pegar algo se você quiser – João fala.

— Puta que pariu gente. Deixem a tia Lu respirar. –  sem cerimônia me atiro entre Mainha e ela. No mesmo momento ela volta a sua posição preferida naquele dia, com o rosto no meu pescoço. — João e AnaBea o Papy pediu a vocês que fossem até a cozinha para ajudá-lo com as bebidas.

— Ah tá, e você não? –  AnaBea reclama.

— Hellow??? Tô aqui fazendo cafuné na MINHA madrinha! – todos foram para a cozinha me deixando sozinha com a minha Lu. Olho a foto que emoldurava quase toda uma parede. Era um nu da Luiza abrindo uma janela. Não é pornográfico nem nada. Super bem feito. Tia Alex como ótima fotógrafa que era captou o momento da lua-de-mel delas na Grécia. Luiza abria uma janela nua, e na foto viámos sua silhueta em preto e branco. Linda demais! -  Tia Lu, me deixa de herança essa foto? – falo maliciosa, é uma brincadeira entre nós duas.

— Ju você não presta mesmo. Tenho idade pra ser a sua mãe menina! Me respeite! – ponto para mim! Consegui tirar um sorriso dela.

— Oshi graças a Deus que você não é! Senão eu iria para o inferno pensar as coisas que eu penso – falei zuando e ela riu mais ainda.

— Só você para me fazer não pensar em toda situação. – sorri calmamente.

— Olha!! Já consegui tirar um sorriso de você! A tia Alex não iria gostar de ver você desse jeito! Ela iria querer que você ficasse bem! Lembra o que você prometeu a ela!

— Eu sei, mas eu sinto tanta falta dela – novamente as lágrimas corriam livremente pela sua face.

— Lu, vamos pensar nas coisas boas? Em como a tia Alex te amava, em como vocês foram felizes por todos esses anos... Vai ter saudade sim! Vai chorar se sentir perdida... mas você tem a gente. A sua família que te ama demais!

— Tá parecendo o mestre dos magos ou o chinês do karate kid! Cadê a minha afilhada? – sorrimos levemente. — Obrigada meu amor! Eu amo todos vocês!

— Mas eu um pouquinho mais né? – pergunto zuando novamente.

— Analu vamos pro hotel? Lu, depois a gente volta tá. Viemos direto do aeroporto e eu tô um trapo. – Clarinha fala. —Vamos dormir um pouco e depois voltamos.

— Vou ficar mamãe.

— Deixa Clarinha, eu quero que Ju fique. Ela tá conseguindo fazer com que eu me esqueça um pouco da dor.

— Olha lá eihn? Sabe que essa daí é espaçosa como a Mainha dela!

— Mamãe! – me finjo de indignada.

— Não estou mentindo. – mamãe abraça a abraça. - Lu,  o que você vai fazer daqui pra frente.

— Só sei que vou voltar para casa. Nada mais me prende aqui. – meu coração deu um salto! É possível a gente estar triste e feliz ao mesmo tempo? Eu estava triste com a morte da tia Alex mas explodindo de felicidade por saber que a minha Lu iria voltar para casa.

Fim do capítulo