Capítulo 3
— Leila?
— Nicole é o nome profissional, digamos assim. — A loira estava tímida e um bocado acuada de pé junto ao parapeito da varanda, fazia frio.
— Por que você faz isso? — Andrea perguntou sem rodeios, ainda sentada no banco de troncos.
— Me prostituo? Porque dá uma grana boa.
— Você gosta?
— Não, é impossível gostar de fazer isso.
Leila sentia os olhos de julgo sobre si, estava triste por decepcionar a garota extrovertida.
— Há quanto tempo?
— Quase quatro anos. — Deu um último gole no café. — Mas venho pensando em largar.
— Por que não larga? Algum cafetão ameaçando?
— Você é bem direta, gosto disso em você. — Tentou brincar. — Eu sustento meus pais, dou conforto a eles, coisas que eles nunca tiveram. Hoje em dia é a única coisa que me segura nesse mundo.
— Você mentiu sobre biomedicina?
— Não, sou formada mesmo. Trabalhei na área, fui demitida, só consegui empregos que pagavam mal, recebi um convite para descolar uma grana extra, o extra virou profissão temporária, o temporário virou quatro anos.
— Quantos anos você tem?
— Faço trinta no mês que vem.
— É uma boa hora para repensar.
— É... Eu sei. Estava fazendo isso quando você chegou.
Veio um silêncio, ninguém desejava aquilo, mas veio e veio gélido.
— Quando você estiver pronta te levo pra casa. — Leila voltou a falar, num tom grave.
— Não, você veio pra ficar, vou de ônibus, me viro.
— Eu te levo, só me avise quando. Tome o café sem pressa.
A menção a fez olhar a caneca, bebeu um pouco e ergueu-se do banco, indo até o parapeito também. Usava um grande moletom cinza emprestado.
— Eu preciso ir agora?
— Não, você pode ficar o tempo que quiser.
— Então posso ficar mais um pouco com você?
Leila fora pega de surpresa, não resistiu a um esboço sincero de sorriso.
— Claro, claro que pode.
Andrea deu aquela olhadinha meio safada, meio curiosa na direção de Leila, que estava bem ao seu lado.
— Obrigada por não roubar meus órgãos.
Leila riu aberto.
— Obrigada por não me dopar e fugir com meu carro. Sabe, eu adorei nossa noite. — A loira comentou de mansinho.
— Tudo?
— Tudo, toda a noite. Fazia tempo que não me sentia assim.
A visitante deslumbrou-se um pouco com a vista, observando ao longe.
— Leila... — Murmurava para si. — Leila. Leila??
— Ãhn... Sim.
Andrea virou-se para ela.
— Você também tem nome de música da Legião Urbana!
— Tenho sim. — Respondeu aos risos. — Destino?
— Não é destino. — Andrea aproximou-se, a fitando de perto. — É que você é irresistível, e tá sendo irresistível de novo.
Trocaram um beijo. Dois, três... Entraram.
Passaram a manhã, o meio-dia, a tarde. Passaram o dia na cama.
***
— E aqui estamos novamente, na frente do seu prédio.
— Só que desta vez tenho que entrar. — Andrea dizia com a voz sóbria.
— Você casa dentro de uma semana, tem muita coisa pra cuidar.
— Na verdade menos de uma semana, me caso sábado à tarde.
— Posso aparecer na igreja?
— Não recomendo.
— Nos veremos algum dia?
Andrea tomou a mão dela e colocou sobre sua perna, afagando.
— Acho que não. A noite de ontem acabou agora.
Leila apenas concordou balançando a cabeça.
— Espero que tenha se divertido na sua despedida de solteira.
— Mais do que poderia imaginar. — Riu e a puxou para um último beijo.
***
Não se viram no dia seguinte, nem no outro, mas trocavam dezenas de mensagens. Na terça à noite a mensagem de Andrea foi incisiva.
— Quero te ver.
Leila despencou Serra abaixo e levou Andrea para seu grande apartamento ainda naquela noite. Mal dormiram, ambas sentiam a ampulheta escorrendo a areia do tempo e queriam aproveitar cada grão.
— Sua colega de apartamento não vai achar estranho você ter passado a noite fora? — Leila tinha a noivinha aconchegada em seu peito, nua, percebendo o sol nascendo lá fora.
— Ela não se mete na minha vida.
— Quando você vai começar a morar com seu marido?
— Sábado.
— No dia do casamento? E a lua-de-mel?
— Gastamos demais agora, vamos viajar no verão para o litoral.
Leila ficava com um nó na garganta quando lembrava do casamento, mas tentava se manter impassível.
— Acha que poderemos nos ver essa semana de novo?
— Não vai voltar para o chalé?
— Posso ficar por aqui. — Era um convite.
— Amanhã. Você tá livre amanhã?
— Pra você, com certeza. — Brincou.
Andrea preocupou-se pela primeira vez, ergueu-se um pouco ficando por cima dela.
— Isso é como mais um programa para você, não é?
— Não, claro que não. — Respondeu um pouco zangada. — São coisas completamente diferentes.
— Você sabe separar?
— Andrea, não tem nada a ver, não enxerga? Você fez amor com a Leila, e não sex* com a Nicole.
— Desculpe, não quis te ofender, te ofendi?
— Não. Mas se você insistir nesse papo saiba que você me deve uma boa grana. — Riu.
— Quanto você cobra?
— 1200.
— Por noite?
— Por hora. Mil nas horas seguintes.
— Uau... É tipo estacionamento de shopping?
Leila gargalhou.
— Tipo isso.
Andrea a beijou.
— Quanto custa um beijo?
— Pra você é de graça.
— E um orgasmo? — Disse descendo a mão entre as pernas dela.
— Nada. — Respondeu num gemido.
— Estou pensando em faltar essa manhã de trabalho... — Falava entre beijos no pescoço.
— Não vou me opor.
Ela faltou a manhã de trabalho.
Se viram novamente na quarta, dessa vez o sono acumulado fez a luxúria se findar no início da madrugada.
Na quinta Andrea tinha ensaio do casamento, se viram novamente na sexta.
— Não poderei dormir aqui, minha cunhada vai me buscar no meu apartamento amanhã cedo. — Andrea comunicou após algumas horas na cama.
— Tudo bem.
— Preciso ir agora, mas quero um beijo de despedida.
Leila lhe beijou, depois tomou seu rosto entre as mãos carinhosamente, lançando um olhar carente.
— É isso que você quer, Andy?
Ela não respondeu.
— Tem certeza? Aí no fundo do seu coração, você tem certeza?
— Não. Mas é o certo.
— Me diga que não sentiu nada.
Andrea desviou o olhar.
— Não posso falar isso...
— Andy. Olhe pra mim.
Ela obedeceu.
— Se mudar de ideia, estarei te esperando naquela estrada atrás da igreja. Vou te esperar até as seis, estarei de moto, com um capacete extra.
— Não me faça essa proposta...
— Você entendeu? Estarei esperando até as seis. Se você não aparecer até as seis, vou embora te desejando o melhor casamento do mundo, e que você encontre a felicidade com o Marcos.
***
Leila parou sua moto na estrada quase deserta às cinco, o horário marcado para a cerimônia religiosa. Aguardou com notável ansiedade por longos sessenta minutos.
Fim do capítulo
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