Capítulo 15
Terça-feira! Acordei antes do despertador de meu celular, mas por incrível que pareça, o fato de meu organismo ter me feito acordar mais cedo e perder alguns minutinhos de sono não me tirou o humor, e olha que geralmente isso me deixa irritada.
Quando a música do meu alarme preencheu o quarto, eu já havia retornado do banheiro e estava de frente para o guarda roupas, enrolada em uma toalha, dividida entre três opções de roupa. De repente senti uma enorme vontade de caprichar no visual.
Sorri torto ao me dar conta do que o meu inconsciente estava fazendo. Era claro, eu estava com vontade de me vestir bem pra impressionar uma pessoa.Engraçado como as vezes a cabeça da gente funciona de um jeito autônomo, de um modo que você tende a demorar um pouco para compreender o que o inconsciente tá fazendo.
Quando finalmente decidi a roupa que usaria, já tinha perdido um bom tempo e tentei me apressar no restante da produção. Fiz uma maquiagem leve e usei um perfume diferente, mais um dos meus favoritos.
Antes de deixar o meu quarto na direção da cozinha mandei uma mensagem para Adele lhe desejando um ótimo dia. Nomesmo instante ela me respondeu, com um pequeno e carinhoso texto.Li e reli algumas vezes com um sorriso persistente, ela havia me deixado com cara de retardada encarando o aparelho celular. Adele era uma mulher extremamente carinhosa e atenciosa, era uma fofa.
-- Bom dia. – cumprimentei minha mãe com um beijinho na bochecha – Como a senhora está?
-- Bom dia. Estou bem minha filha.
-- Está mesmo se sentindo melhor?
Ontem quando estava no apartamento da loira, minha mãe havia me ligado. Estranhei desde o início já que minha mãe não tinha o hábito de me ligar para saber onde eu estava. Mas o que mais me deixou intrigada foi o modo como ela falava comigo, sua voz tinha um tom de aflição e ela insistia para que eu fosse para casa o quanto antes.
Acatei ao seu pedido por mera preocupação, conhecia muito bem dona Ester para saber que tinha algo acontecendo. Quando cheguei em casa, conversamos um pouco, ela desconversou e não quis me falar por qual motivo tinha pedido para que eu fosse para casa, mas com um pouco mais de insistência ela acabou soltando que de uma hora para outra sentiu uma angustia, uma aflição lhe apertar o peito e que sentiu necessidade de ter a filha em casa, segura.
Tratei de acalmá-la, o que foi um pouco difícil, mas depois de um chá de camomila ela pareceu mais tranquila e aceitou dormir.
-- Estou sim. Mas e você, o que houve para ter acordado tão cedo?
-- Antes do alarme. – constatei – Sabe quando você está ansiosa, se sentindo feliz e com um grande e bom alvoroço no peito?
-- Sei. – sorriu largo e me entregou a garra de café – Isso no meu tempo se chamava paixão, mas como a geração de vocês hoje é diferente, não sei se é esse o nome. Mas acho que sentimento não muda, não é?
Minha mãe falava e eu ouvia, mas era como se não estivesse absorvendo de verdade. Olhando para ela senti minhas bochechas corarem, e ela sorriu mais largamente. Ah a minha mãe e esse seu olhar vigilante que tudo percebe. Mais um estalo em minha cabeça – puff! – e mais peças se encaixando.Paixão...
Encontrei em dona Ester e na sua experiência de vida um feixe de luz que podia me ajudar a compreender e até me desprender de sentimentos que não eram nada nobres e valorosos. Eu ainda tinha muito medo, e a situação com a Daniele me fez enxergar motivos para realmente ter medo. As pessoas enganam, e pelo que parece eu sou uma pessoa muito tola e fácil de ser ludibriada.
-- Ainda não sei se é paixão mãe. – comecei.
-- O que sente por essa moça? – perguntou sentando na cadeira ao meu lado.
Ah, notei que muito provavelmente ela achava que o alvo de minhas dúvidas era Daniele, porém, achei por bem não contar-lhe ainda sobre Adele, afinal, seria demais para a cabecinha dela.
-- É uma coisa muito boa sabe?Quando estou com ela sinto como se eu tivesse encontrado o meu lugar no mundo, me sinto em paz, e tenho uma enorme dificuldade de deixar os braços dela.
-- Meu amor eu acho que isso são sim fortes indícios de uma paixão, mas é você que tem chegar nessa conclusão. Avalie direitinho o que sente.
-- Tenho medo mãe.
-- Ah minha filha, nem todas as mulheres são como Rebeca, então tente separar as coisas, e tente enxergar enxerga-lascomo as duas distintas mulheres que são. Se você sempre se deixar afetar pelas dores e marcas do passado você vai ser sempre uma prisioneira do que aconteceu e não vai conseguir viver nenhum outro relacionamento em toda a sua plenitude.
-- Ainda é difícil de esquecer. E a cicatriz acabou de ser aberta novamente por Daniele. – pensei.
-- Então faça o seguinte: não pense, apenas viva a cada dia. Viva um dia de cada vez, e com o tempo eu sei que ela vai conquistar sua confiança e o seu coração, e você terá certeza do que sente por ela.
Viver a cada dia me parecia uma boa ideia.
-- A senhora é uma mãe incrível sabia? Uma mãe que todo mundo pediu a Deus. – levantei e me coloquei atrás de sua cadeira abraçando seu pescoço.
Minha mãe era realmente uma mulher incrível. Me acolheu e me acalentou na descoberta da minha sexualidade. Nunca em toda a minha vida cogitei ter uma conversa daquele tipo com ela, onde ela me dizia o que fazer em um relacionamento com outra mulher.
-- Eu é que tenho a filha que sempre pedi a Deus! – deu tapinhas em minhas mãos e beijou minha bochecha – Agora coma, está sempre com pressa e não tem se alimentado direito que eu sei.
A conversa com a minha mãe me deixou ainda mais animada e com uma sensação de leveza no peito. Eu realmente não queria parar pra pensar se o que eu sentia por Adele era paixão, preferia me apegar ao fato de que eu a queria e que ela também me queria.
Mais uma vez eu tive que correr para chegar à parada antes do ônibus. Passei a catraca esbaforida e procurei um acento ao fundo, do lado da janela. Sentei e rapidamente coloquei meus fones de ouvido com o intuito de evitar qualquer tipo de tentativa de conversa comigo. Não queria mais dar brechas para encontrar mais uma Daniele por aí.
Mais uma vez havia chegado cedo à revista. Cumprimentei os poucos funcionários que já estavam por ali e me encaminhei diretamente para a “sala zen” para guardar meus pertences. Entrei na sala distraída enquanto retirava de dentro da minha bolsa meu celular e uma pequena bolsinha onde eu carregava alguns pen drives. Caminhei para os armários e coloquei minha bolsa no primeiro que encontrei livre.
Senti um cheiro característico no ar, fechei os olhos e o aspirei. Logo em seguida senti um corpo se encaixar logo atrás do meu. Se eu não conhecesse aquele cheiro teria me assustado, mas tudo o que aquele corpo conseguiu foi me arrancar um sorriso e um suspiro.
-- Bom dia loira.
-- Bom dia meu anjo. – ela sussurrou no meu ouvido – Como sabia que era eu?
-- Seu cheiro.
Adele cruzou seus braços na frente de minha barriga e deu um pequeno beijo atrás de minha orelha. Se tinha uma sensação de aconchego melhor do que aquele eu desconhecia totalmente. Me virei pra ela e avistei aquele sorrisinho de lado para logo depois ver ela fazer o que tirava o meu juízo: morder o cantinho do lábio inferior.
-- Não faz isso. – falei tentando esconder no meu tom de voz o efeito daquela mordidinha de lábio.
-- Isso o quê? – perguntou arqueando a sobrancelha.
-- Isso. – apontei para a sua boca – Não morde o lábio assim.
-- Por quê? – seu sorriso agora era malicioso.
-- Porque me provoca coisas Adele. – sussurrei.
-- Que coisas? Boas ou ruins?
-- Boas, claro que boas. No entanto, bastante inapropriadas quando se está em público.
-- Foi sem intenção, é um cesto. Mas prometo tentar não fazer na sua frente, pelo menos não em público.
-- Esta terminantemente proibida de dar essa mordidinha na frente de qualquer outra pessoa. Caso não saiba, é uma cena provocante, e não quero ninguém se sentindo provocada por você. – eu falava de brincadeira mas tinha uma pontinha de verdade.
Ela deu uma gargalhada sonora e voltou a enlaçar minha cintura.
-- Tudo bem, só farei pra você, e quando estivermos em um lugar reservado.
Adele capturou meus lábios e eu me senti derreter inteira nos braços dela. Será que eu podia parar o tempo agora, no meio desse beijo?
Enlacei seu pescoço e juntei mais os nossos corpos. A loira me beijava com gosto, como se estivesse com saudade, e eu a beijava da mesma forma porque estava sim com saudade dos seus lábios sobre os meus. Suas mãos quentinhas e possessivas estavam espalmadas no final de minha coluna, rente ao bumbum. Sua boca tinha sabor de morango e sua pele exalava uma mistura de fragrâncias, entre elas, o seu cheiro característico.
O beijo foi perdendo volume e parando aos poucos, e apesar do ar me faltar, eu queria continuar. Nos unimos em um abraço onde eu podia sentir o calor que emanava do corpo dela, e ficamos assim por uns instantes. Ela beijou minha testa e deu um pequeno beijo em meu pescoço.
-- Você está linda Bia. E eu adorei esse perfume.
Internamente me senti vitoriosa, havia alcançado o meu objetivo de chamar a atenção dela ao caprichar no visual. Por fora eu dei apenas um sorriso.
-- Gostou mesmo?
-- Adorei.
-- Você também está linda, muito linda.
-- Ocasião extraordinária, tenho uma reunião as 10h.
-- Você sempre está linda Adele.
Ela sorriu de lado e eu percebi que se policiou para não dar a famosa mordidinha de lábios. Não sei o que seria de mim se ela fizesse isso em um lugar onde estaríamos a sós. Podem achar que é bobagem, que é algo que todo mundo faz sem perceber, mas quando ela fazia me instigava e me dava vontade de agarrar ela.
-- Tem algum plano para o almoço? – perguntou serena.
-- Não, nenhum. Estou com a agenda livre. – brinquei.
-- Aceita almoçar comigo?
-- Vou adorar!
-- Então tá combinado, eu passo aqui pra lhe buscar.
-- Tá bom.
Nos beijamos mais uma vez e antes de nos despedirmos de vez a loira colocou uma chave em minha mão e me encarou com um sorriso. Na chave a etiqueta tinha o número do armário de ordem 05. Estava pronta para perguntar o que significava aquilo quando ela me dá mais um selinho e se afasta sem dizer mais nada.
Encarei a porta por onde ela saiu e encarei a chave em minha mão. Balancei a cabeça negativamente e fui até o tal armário. O abri e encontrei uma rosa vermelha junto de um envelope pequeno na cor vermelha.
Sorri e alcancei a rosa tirando-a do armário com cuidado. Tão linda. Peguei o envelope e o abri, de lá tirei um cartão. Uma letra redondinha e perfeita brincava de enfeitar aquele papel.
“Esta rosa é tão delicada quanto você, a sua beleza, no entanto, se torna inferior diante de você. Eis bela meu anjo, por dentro e por fora, e eu sou completamente encantada por ti. Na verdade, sou apaixonada! Será que a senhorita me daria a honra de sua presença?”
Voltei a atenção para o envelope e lá havia um convite cheio de detalhes em dourado para uma festa beneficente da revista. Seria na próxima semana em um grande salão de eventos da cidade. Adele queria que eu fosse sua acompanhante em um evento onde o pai dela estaria?
“Por favor, pense com carinho a respeito. Eu adoraria te ter ao meu lado, me faria muito feliz. Ah, guarde a chave desse armário com você, será a sua caixa de correio, e outras coisas poderão aparecer dentro dele. Beijos meu anjo.
Com carinho, sua Adele”
“Sua Adele” – repeti mentalmente essa parte várias vezes.
Terminei de ler e levei o cartão ao rosto, não foi surpresa nenhuma encontrar o cheiro dela impregnado naquele papel. Voltei a abrir o armário onde estavam meus pertences e guardei o envelope com o cartão e o convite dentro de minha bolsa. A chave do armário 05 eu coloquei no bolso de minha calça, e a rosa levei comigo para a mesa – junto de um pequeno copo com água.
Coloquei-a ao lado do monitor e encarei-a sorrindo. Onde foi que aquela mulher maravilhosa havia se escondido esse tempo todo? Era a primeira vez que eu ganhava algo do tipo. E apesar de ser uma única rosa vermelha, tinha um significado e uma importância absurda.
Sentei e comecei a mexer nos papeis que havia sobre a minha mesa. Estava envolta em uma bolha só minha, estava tão silenciosa e tinha tanto de Adele dentro dela que eu não estava muito atenta ao mundo do lado de fora.
-- Ei sapa astronauta! – Júnior sussurrou em meu ouvido.
Assustei-me com a proximidade daquela voz que quebrava o silêncio em minha bolha.
-- Sapa o quê?
-- Astronauta, porque você está literalmente no mundo da lua.
-- Desculpa, estava distraída.
-- Percebi.
-- O que foi?
-- Ah nada, só queria te importunar. – deu uma pequena gargalhada.
-- Chato. Júnior?
-- Hum?
-- O que você sabe sobre a festa que vai rolar na semana que vem?
-- Ah meu amor, é uma festa gigantesca, onde só rola a nata da sociedade, patrocinadores da revista, colaboradores, e gente da alta. O Jack criou esse evento tem uns 3 anos, e tem como objetivo angariar fundos para duas instituições que dão atenção a crianças e idosos carentes e portadores de doenças crônicas.
-- Você já foi a alguma?
Júnior gargalhou alto e eu lhe dei um tapa na tentativa de conter a reação espalhafatosa e nada discreta dela. Fiquei envergonhada por todos na redação estarem olhando para nós.
-- Desculpa, é que foi quase uma piada. Nós, reles mortais não somos convidados. Só damos as caras quando é a festa de final de ano, ai todo mundo se mistura. Essa é uma festa fechada para a diretoria e alguns convidados especiais.
-- Entendi.
Saber disso me desanimou um pouco porque tinha certeza de que me sentiria deslocada no meio de um apinhado de gente esnobe e importante. Conversaria com Adele e declinaria ao convite com gentileza. Uma festa como aquela não era lugar para mim.
Sem falar que aparecer ao lado de Adele em uma festa como aquela ia dar o que falar dentro daquela redação, e definitivamente eu preferia fugir de confusões. Acho que as pessoas não veriam com bons olhos uma relação entre uma funcionária e a filha de um dos donos, talvez eu me saísse como oportunista e consequentemente protegida deles justamente por ter uma relação com a inglesa. Não! Eu não queria isso.
A manhã se passava tranquila e de forma produtiva. Ainda pela manhã havia sido lançado o concurso cultural: teríamos que fazer um artigo que pudesse ser produzido como uma reportagem sobre algum esportista que estivesse em alta. É claro que eu participaria, mesmo sabendo que para dar conta de mais essa eu provavelmente teria que levar trabalho para casa.
Jack passou pela redação e nos cumprimentou com sua habitual gentileza e sorriso espontâneo. Júnior e eu notamos quando ele se demorou um pouco mais em mim e deu um sorriso ainda maior em minha direção. Júnior sussurrou “Ganhou o sogrão!” e eu me senti como um pimentão. Será que Adele tinha falado algo sobre a gente com ele?
Tinha que conversar com ela a respeito disso. Momentaneamente eu não queria que as pessoas soubessem de nós. Não sei como ela receberia isso, mas sei que isso era o certo a fazer por enquanto.
Só que ai, para quebrar completamente meus planos de não assumir uma relação com ela agora, ela aparece do meu lado, com aquele sorriso galante me chamando para almoçar. Sutilmente olhei para os lados procurando olhares curiosos sobre nós. Para nossa sorte, havia poucas pessoas na redação justamente por ser horário de almoço.
Júnior que ainda estava em sua mesa e atrás de Adele, me sorriu descaradamente e levantou os dois polegares fazendo um sinal de positivo de forma afetada. Rolei os olhos pra ele e fiz cara de brava, o que fez seu entusiasmo de antes dissipar.
Acompanhei Adele até o carro pensando nas coisas e em como teria essa conversa com ela. Fiquei introspectiva ate o instante em que ela parou ao lado do carro e abriu a porta me dando passagem. Sorri para ela. Existia algum modo de ficar chateada ou qualquer outra coisa nesse sentido quando a pessoa em questão era Adele?
Já dentro do carro, protegidas pelo insulfim e com aquela sensação borbulhante dentro de mim, eu segurei seu rosto com ambas as mãos e beijei seus lábios. Agora seu hálito estava fresco e tinha sabor de menta. Era sempre uma surpresa aquela boca.
-- Onde quer almoçar? – ela me perguntou quando nos afastamos.
-- Hoje você escolhe.
-- Tudo bem.
Deixamos a revista e ganhamos as ruas conversando sobre trivialidades, e vez ou outra eu me perdia em pensamentos e conjecturas. A festa. Jack. A revista. Em dado momento ela percebeu minha dispersão e ligou o som do carro, preenchendo o ambiente e deixando de falar.
Encarei-a com um certo receio de tê-la chateado de alguma maneira. No entanto, eu não estava conseguindo bloquear aquele monte de pensamentos e mantê-los longe de mim.
Depois de algum tempo estacionamos na frente de um restaurante conhecido na cidade. A especialidade da casa eram comidas tradicionalmente brasileiras e regionalizadas. Sorri de lado só de imaginar qual prato Adele pediria.
Novamente a loira abriu a porta do carro e me estendeu a mão. Segurei-a e soltei assim que ela trancou a porta do veículo. Enquanto caminhávamos na direção da entrada elegante do restaurante ela tentou segurar minha mão, mas eu, em um impulso retirei rapidamente. A loira ao meu lado baixou a cabeça e suspirou pesado. Senti-me culpada.
Como previsto, Adele se serviu de feijoada. E eu fiquei extasiada vendo saborear seu prato favorito. Ela fazia a mesma carinha que fez no seu apartamento ao me falar sobre o seu gosto. Vendo-a ali, comendo feito uma criança sorridente cheguei a uma conclusão: eu não faria nada que pudesse magoá-la.
-- O que foi? Estou suja? – perguntou ao me pegar no flagra.
-- Não. Estou apenas te olhando.
Ela sorriu a abaixou a cabeça, mas tive tempo de perceber o rubor em sua face.
-- Adele, você contou alguma coisa ao seu pai?
-- Ao meu pai? Sobre o quê?
-- Sobre nós.
-- Ah. – ela levou o guardanapo aos lábios e se empertigou na cadeira – Não contei nada a ele. Só pedi um convite para a festa e ele me perguntou quem eu levaria, e eu disse que queria te convidar.
-- Não contou nada a ele?
-- Não Bia, eu não contei. Por quê?
-- Ele me olhou de um jeito diferente hoje, não sei, mas acho que ele suspeita de algo sobre a gente.
-- Isso te incomoda? – notei em sua voz uma pontinha de tristeza.
-- Um pouco.
-- É por isso que você está estranha comigo?
Mais uma vez no dia me senti culpada. Estava deixando minhas neuras chegarem até a Adele, e isso não era certo.
-- Desculpa, não foi a minha intenção.
-- Pode me falar o que está acontecendo?
Suspirei e encarei o restante da comida em meu prato. Tentei escolher as palavras e um jeito de ser coerente sem magoar os sentimentos da loira.
-- Estive pensando em algumas coisas. – encarei-a – Não sei se você vai me entender, mas peço que tente. Acho melhor eu não ir a festa da empresa Adele. Eu acabei de entrar na revista, e muito provavelmente as pessoas me olhariam torto ao saber que nem bem cheguei e já quero sentar na janela. As pessoas iam fazer especulações quando me vissem ao seu lado, e eu sei que isso despertaria rumores negativos quanto a minha capacidade de estar ali dentro e até mesmo de empenhar meu trabalho. Me acusariam de aproveitadora e coisas do tipo. E é justamente por isso que eu gostaria que déssemos um tempo, e não expuséssemos a nossa relação. Pelo menos não agora.
A loira me olhava sem esboçar nenhuma reação. Não falava e nem mesmo piscava, apenas me encarava. O silêncio dela começou a me incomodar, e eu desejei mais que nunca ter o poder de ler pensamentos.
-- Adele?
-- Tudo bem. – ela finalmente falou.
-- Está chateada comigo?
-- Não. Tudo bem. Eu te entendo.
-- É só por um tempo.
Ela balançou a cabeça em uma afirmativa e empurrou o seu prato para o lado. Outra vez culpada!
A partir dali foi ela que ficou diferente comigo. A Adele de sorriso gentil e fácil havia sumido, e em seu lugar agora estava uma Adele sisuda, séria. No caminho de volta para a revista ela se e manteve em silêncio e pouco me olhava. Seu semblante era triste e isso fazia meu peito comprimir. Mas eu estava certa de que o melhor seria aquilo, e não voltaria atrás, tentaria apenas amenizar a situação com a loira.
No estacionamento nos despedimos com um selinho rápido, iniciativa dela. E eu não tentei fazer diferente, daria um tempo para ela. Tinha ciência de que talvez ela estivesse se sentindo triste e frustrada. Ninguém gostava de viver escondido, e pelo pouco que conhecia dela, sabia que esse não era exatamente o estilo dela.
E assim a semana foi transcorrendo. Adele já havia voltado a ser a Adele de sempre, com aquele sorrisinho de lado. Não voltamos a conversar sobre não contar sobre a nossa relação, no entanto, ela estava respeitando a minha decisão.
Almoçávamos todo dia juntas, mas ela não subia mais para me buscar, me esperava sempre no estacionamento coberto, na última e mais distante vaga. Íamos a restaurantes distintos, um dia ela escolhia, e outro eu que fazia.
Adele se continha quando estávamos em público, evitava segurar minha mão ou demonstrar algum tipo de afeto mais íntimo. Só não conseguia evitar ainda as mordidinhas que ela dava nos lábios quando estava constrangida ou quando estava absorta em pensamentos. Também não conseguia evitar os olhares intensos e provocantes que ela me lançava.
A loira estava mais controlada do que eu, porque pra mim às vezes era bem difícil não falar de modo carinhoso ou buscar sua mão sobre a mesa, por exemplo. Estávamos a salvo dentro do carro, e era lá dentro que nos entregávamos a um momento mais íntimo e mais quente. Eu só faltava engolir a Adele com meus beijos.
Era duro segurar a vontade, e eu sei que ela se divertia ao me cortar em momentos que eu simplesmente não conseguia me segurar, como no dia em que a agarrei dentro do banheiro do shopping. A chance de alguém conhecido, ou alguém da revista nos ver naquele ambiente era quase nula, mas era com um sorriso safado nos lábios que ela dizia “Não podemos fazer isso aqui!”.
Pura malvadeza dela! Acho que ela estava me castigando, e juro que havia momentos em que eu achava que estava fazendo uma grande merd* e tinha vontade de jogar tudo para o alto. Que se danassem os outros, eu estava com aquela mulher e pronto. No entanto, ainda não conseguia...
Hoje eu havia escolhido um restaurante no shopping porque queria passar na farmácia depois do almoço.
-- Anjo, qual a sobremesa que você mais gosta? – ela me perguntou quando terminamos nossa refeição.
-- A mais simples de todas: sorvete.
-- Vamos tomar um sorvete?
-- Não me acostume mal Adele! Você faz todas as minhas vontades, assim você vai me estragar, e me engordar.
-- Gosto de te ver com esse sorriso satisfeito bailando nos lábios.
Adele me olhou daquele jeito que me assanha toda.
-- Para de me olhar assim ou eu vou te agarrar aqui, na frente de todo mundo.
-- Não podemos fazer isso aqui.
-- Chata. Quero retirar o que eu disse... – falei e cruzei os braços sobre os seios, fazendo biquinho.
Ela gargalhou gostosamente e me arrancou um sorriso que eu não queria deixar escapar. Mas não tinha jeito, saiu.
-- Ainda não é o momento.
-- Gosta de me provocar não é?
-- Eu...
-- Adele! Meu Deus!
Uma voz feminina pronunciou o nome de Adele bem atrás de nós. A loira se virou rapidamente e sorriu ao encontrar uma mulher de cabelos castanhos, vestindo um vestido solto e floral, com os braços carregados de sacolas. A mulher caminhava com um sorriso na direção da mesa que estávamos.
-- Lívia! – a loira falou com entusiasmo e se levantou.
As duas se cumprimentaram com um abraço que pra mim pareceu bastante demorado, e eu já estava para chamar a atenção de Adele, que parecia ter me esquecido no instante que viu aquela mulher.
-- Faz tanto tempo que não nos vemos.
Acompanhei com os olhos semi cerrados a mão da mulher que se alojou no ombro da loira.
-- A última vez que nos vimos foi na festa da My Spriter, ano passado. – disse Adele.
-- Um ano! Bastante tempo. – em seguida ela deu uma risadinha que me arrancou uma careta.
-- Verdade.
-- Precisamos marcar alguma coisa, colocar o papo em dia. Como nos velhos tempos.
O olhar que a mulher lançava na direção da MINHA Adele não era nada inocente. Eu podia jurar que a qualquer momento ela arrancaria um pedaço da loira. Não gostei disso. Não gostei dessa mulher e nem da necessidade que ela parecia sentir de falar e tocar Adele.
-- E põe velhos nisso. Ah, deixa eu te apresentar – ela tocou em meu ombro e eu levantei – Essa aqui é a Ana Beatriz, minha...
-- Funcionária da My Sprinter, não é mesmo? Acho que já a vi na redação quando fui visitar meu pai.
-- Lívia é filha de um dos sócios do meu pai. – Adele me explicou – Mas a Bia não é...
-- Prazer viu, querida? – a mulher chata cortou o que a loira ia dizer.
-- Prazer. – respondi entre dentes.
-- Será que posso me sentar com vocês?
-- Ah...claro.
Nem ousei responder nada, porque se eu fosse abrir a boca provavelmente não sairia nada educado e proveitoso. Sabe quando você não vai com a cara da pessoa? Pois é, eu não havia gostado dela, nem um pouco.
A praça de alimentação estava relativamente vazia, por que ela não ia procurar outro lugar pra se sentar? Tinham tantas mesas vazias, era só escolher uma que fosse bem longe da nossa, só isso.
Para me irritar mais ainda a dondoca pegou a cadeira vazia e colocou o mais colado possível na cadeira de Adele, e essa pareceu incomodada com aquela aproximação. As duas conversaram por um tempo enquanto eu me mantinha na missão de manter o controle e não tirar aquela mulher de vez de cima da minha garota.
Adele não estava à vontade com a situação, e me olhava o tempo inteiro, dava pra ler um pedido de desculpas. Quase levantei às mãos para os céus quando a tal Lívia disse que ia embora. Mas não sem antes tocar desnecessariamente Adele.
-- Você vai à festa? – perguntou já de pé, colocando os óculos escuros no rosto.
-- Vou sim, meu pai faz questão da minha presença.
-- Então nos vemos lá. – beijou o rosto dela e balançou a mão na minha direção com um olhar de desdem.
Fechei os olhos e respirei fundo, quase precisando contar de 1 até 100. Não gostei mesmo do jeito daquela mulher, seus olhos e seus gestos eram carregados de cinismo, egocentrismo e todos os ismos que imaginar. Ela olhava sim para Adele com um olhar de fome, e eu achava praticamente impossível que ela não tivesse percebido as segundas e terceiras intenções da outra.
Ou talvez não, talvez Adele não tivesse mesmo se dado conta das intenções daquela mulherzinha, afinal, às vezes ela era meio avoada e um tanto ingênua em alguns momentos. Será que...?
-- Você já teve alguma coisa com essa mulher? – dei voz à pergunta que martelava em minha cabeça.
-- Lívia e eu? Não! Nunca aconteceu nada entre a gente. A Lívia só foi uma pessoa muito próxima quando cheguei aqui, e por ser filha do sócio do meu pai, acabamos nos aproximando. Mas nunca rolou nada.
-- Ela é afim de você.
-- O quê? Não, ela não é a fim de mim não. Eu a conheço há quase seis anos. Ela tem esse jeito meio afetivo demais, e que às vezes me deixar desconcertada, mas é o jeito dela.
-- Ela parece um polvo pra cima de você Adele!
-- Anjo? Você está com ciúmes?
Sim! – pensei. Ultimamente a droga desse sentimento tem me visitado com freqüência. Eu não costumava ser assim. Acho que eu estava um pouco insegura.
-- Não. – menti.
-- Está com ciúmes sim.
-- Não estou não. – falei emburrada.
Ela sorriu e levantou, pegando sua cadeira e colando-a junto a minha. Em seguida passou os braços por meus ombros e me puxou para junto dela. Não resisti e me aconcheguei ao corpo dela.
-- Só tenho olhos pra você Bia. – disse beijando minha bochecha – Você fica ainda mais linda com ciúmes, mas não precisa. É só você, entende?
Mandei tudo para o quinto dos infernos e busquei sua boca em um beijo suave. Ela sorriu dentro do beijo, mas não ousou me afastar e interromper o momento, no entanto, por via das dúvidas, segurei seu rosto para que ela não fugisse.
-- Qual vai ser o traje da festa?
-- Black tie. Por quê?
-- Curiosidade.
Não falaria para ela, mas, eu iria nessa festa de qualquer jeito. Nem em sonho eu deixaria aquele polvo humano, cheia de sorrisinhos perto da minha garota. Eu iria, e que seja o que Deus quiser. O que tiver que enfrentar, eu enfrento!
Samanta, eu preciso de você. – pensei.
Continua...
Fim do capítulo
Olá meninas! Tudo bem?
Gente, esse capítulo ficou um pouco grandinho, me empolguei um pouco. Caso não tenham gostado do modo como ficou o capítulo, do tamanho ou da coerência dele, podem me dar um feddback, digam o que acharam com toda a sinceridade do mundo.
Então, Bia achou melhor não expor a relação delas por medo dos comentários maldosos e a reação das pessoas no trabalho. Acham que ela está certa? E Adele tá certa em "castigar" ela? Essa festa promete hein?
Uma boa leitura meninas! Até o próximo.
Beijos
Comentar este capítulo:
LeticiaFed
Em: 05/09/2018
Querida autora, um capitulo nuuunca sera grande demais, pode postar sempre assim ;)
Adele fofa como sempre e Bia se mordendo de ciumes. Otimo!
Entendo um pouco a Bia. Realmente a maldade rola solta junto às fofocas no emprego. Vai ser dificil pra ela evitar o falatório de que é aproveitadora e de que tudo o que conquistar sera fruto não da competência mas da “madrinha”. Mais toda a desconfiança dela com as traições. Seria bom mesmo esperar um pouco. Só que...é a Adele, pô! Ahahaha
Está ótima a história, de verdade. E...volta logo!
Beijo!
Resposta do autor:
Olha lá Leticia, não fala assim que eu me impolgo de verdade, e daqui a pouco tem um capítulo ai de quase 30 páginas (tá bem perto disso).
As vezes um pouco de ciúme é bom, faz a gente enxergar algumas coisas que a gente deixa passar despercebido ou simplesmente não quer enxergar.
É, um falatório é algo que vai ser bem difícil ser evitado, não vão perdoar e vão colocar a prova o profissionalismo e a capacidade dela. O que resta a ela é ter um bom gingado pra dar conta direitinho disso caso aconteça, mas se bem que com a Adele do lado, vai ficar menos penoso. No trabalho é sempre essa coisa chata mesmo, oh canto pra ter gente fofoqueira que quer dar conta da vida de todo mundo. Será que elas vão conseguir manter a relação delas longe do falatório?
Obrigada pelo carinho Leticia.
Beijos
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Elizaross
Em: 05/09/2018
Bia ciumenta é tudo de bom.. kk
Quero ver essa festa logo...
autora #voltalogo
Resposta do autor:
Oi Eliza, tudo bem?
Mesmo ciumenta ainda rica fofa né?
Essa festa promete hein? O que você acha que vai rolar?!
Volto logo logo, prometo.
Beijos
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MariFeijolle
Em: 04/09/2018
Polvo humano kkkk. Adorei !!
O cap ta ótimo ,Diva.
Pode até postar ligo outro se quiser ( sorrisão ) .
To amando *-*
Resposta do autor:
Eu já conheci um polvo humano kkkkk. Você já?
Que bom que você curtiu o capítulo, ainda bem! Ufa!
Juro que não vou demorar a postar outro capítulo, e torço para que lhe cause um sorrisão. Continua coladinha aqui comigo ta? Te “vejo” no próximo.
Beijos
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