A Tradutora por Satinne
Capítulo 2 - Chérie
Há dias coletava todas as informações possíveis sobre Francis. Queria saber tudo que fosse possível sobre ele. Mais que isso, queria encontrá-lo. Fosse o caso, mostraria a ele que Chérie não era a única digna de amor.
Fez uma lista das pequenas pistas que encontrava no livro, reunindo o que pensava serem indícios de características e gostos pessoais de Francis e Chérie, para tentar identificá-los. Entretanto, sua pesquisa mostrava-se infrutífera e a editora também não informaria a identidade do autor.
Já tinha lido as cartas muitas vezes, especialmente a última, na qual Francis marcava um enigmático encontro com Chérie, para declarar-se de uma vez por todas, mas tal encontro nunca chegara a acontecer. Encarou isso como um possível gancho para uma continuação do livro, o que fazia sua convicção sobre a história oscilar. E se todo esse amor for apenas fruto da imaginação de um escritor e não uma história verídica?
Tentava espairecer, mas na hora de dormir pegou-se relendo trechos do livro “...tenho tanto para lhe dizer, Chérie, mas quando estamos perto, fico com a boca vazia de palavras e o coração cheio de emoções… Se soubesses que em pensamentos desenho seus contornos com as mãos…”. Inspirou profundamente e continuou: “Adoraria sentir seus poros arrepiando sob minha respiração. Em devaneios, desvendo todas as nuances da sua feminilidade. Em seu corpo, sou beija-flor e coleto os néctares do seu…”. Fechou o livro. A respiração estava curta e o rosto quente. Naquela noite, sonhou com mãos acariciando seu corpo. A essa altura, a aparência pouco lhe importava.
Duas noites depois, ligou para Susan, precisava distrair-se:
- Oi, Bri! Um momento, por favor - Susan retornou segundos depois - Pronto, pode falar.
- Estou atrapalhando você, Su? Parece que ouvi uma voz masculina ao fundo...
- Não, é só o Ivan que está aqui.
- Sério, Susan? Vocês tiveram uma recaída? - Ouviu uma risadinha da amiga do outro lado da linha.
- Não. Ele veio trazer o Lucca e acabou ficando para o jantar.
- Hmm… Bem, não liguei para xeretar sua vida, quero perguntar algo.
- Diga, querida.
- Tem planos para o final de semana?
- Vou passear com o Lucca na serra. Se não tiver planos, poderia vir conosco.
- Não seria intromissão minha?
- Imagine! O Lucca adora você. Leve o Lupi também, assim a família estará completa - gargalhou.
***
No dia combinado, Sabrina estava fechando o apartamento, quando a porta bateu e os números que identificavam sua residência tremeram, até que o 8, de 814, virou na horizontal.
- Preciso arrumar essa porta. Os números já estão frouxos e o oito vive caindo para o lado… - conjecturou enquanto aguardava o elevador.
A casa na serra era toda de madeira, muito aconchegante e convidativa, com móveis rústicos,cercada por vegetação nativa. Acomodaram as malas e saíram para explorar o local, passaram por uma cachoeira, mas não entraram na água, estava frio. A vegetação ao redor do lugar lembrava um bosque e o clima fresco aliado ao verde dava uma sensação de paz.
No final da tarde, Sabrina estava no deck, observando a paisagem, quando Susan aproximou-se, pousando uma xícara de café sobre o parapeito.
- Do que está rindo? - perguntou, sem conseguir decifrar o olhar da amiga, enquanto pegava sua xícara.
- Nada...
- Me deixou curiosa, Su… - tocou o pulso dela - Fala...
Susan olhou para a sua mão e seguiu com o olhar o caminho até seus olhos, dando de ombros.
- O jeito como você mexe no cabelo, enrolando a ponta com os dedos.
Sabrina sorriu e logo Lucca chegou correndo, perguntando o que teriam para o jantar.
- Jantar? Já? Não para de comer esse menino, Bri, precisa ver - disse rindo.
- Estou com fome, mãe! - falou risonho.
- Acho que está na hora de pensarmos mesmo no jantar - Sabrina fez carinho nos cabelos de Lucca.
- Sendo assim, que tal uma pizza sem orégano?
- Por que sem orégano, mãe?
- Porque sua titia Sabrina é alérgica, meu amor, o que significa que ela não pode comer.
Sorriu mais uma vez. Susan a conhecia como a palma de sua mão.
No outro dia, as duas mulheres passearam com Lucca e Lupi pelo vilarejo local e Sabrina percebeu olhares das pessoas da pequena cidade serrana.
- Lucca está agasalhado como um boneco de neve, mas você - Susan ajeitou-lhe o cachecol no pescoço - Precisa se cuidar mais.
Agradeceu tocando suas mãos e então percebeu um casal de idosos as observando com um olhar reprovador.
- Vamos indo? - Afastou-se de Susan, caminhando na frente.
Durante aqueles dias, Sabrina sentiu suas energias renovadas. Retornaram para casa e no decorrer daquela semana, após reuniões com a editora, entregou o trabalho de tradução do livro de Francis. Estava inquieta, como se algo tivesse passado despercebido, mas já havia revisado tantas vezes…
Passou na sua livraria favorita, circulou pelas prateleiras, até Ester surgir.
- Estava atendendo um cliente, mas a vi entrando e vim assim que pude… - cumprimentou.
- Poxa, Ester, fui trocada, é? - riu.
- Jamais… - inclinou-se - Ninguém pode saber, mas é minha cliente favorita - sorriu timidamente e emendou - Então, leu as Crônicas de Montralto?
- Não li, devorei! Que leitura maravilhosa!
- Também adorei. Soube que sairá a continuação.
- Jura? Me conta mais sobre isso? - tocou o braço da jovem, que ruborizou - Desculpe, você está trabalhando e eu jogando conversa fora, né, Ester?
- De modo algum... Na verdade, eu estava indo fazer meu intervalo. Pensei em tomar um cappuccino na área da cafeteria. Se quiser... Podemos continuar falando… Sobre… Sobre livros…
- Claro, vamos lá! - puxou Ester animada.
Um assunto deu vazão a outro e conversaram até o fim do intervalo de Ester. Despediram-se com um beijo no rosto e Sabrina foi para casa.
Na porta do prédio, uma surpresa desagradável.
- Christian, o que faz aqui? - irritou-se ao ver o ex.
- Você não atende minhas ligações, precisei vir pessoalmente! - Christian estava bem vestido e perfumado, parecia ansioso.
- Sinal que não quero falar com você! - Virou as costas.
- Sabrina, espera - segurou-a pelo braço - Podemos conversar?
Sabrina olhou para a mão dele em seu braço com a expressão fechada e o homem logo a soltou.
- Se quer conversar, use palavras, não atitudes como essa. E nós já conversamos tudo que era necessário.
- Mas eu ainda amo você!
- Guarde seus sentimentos dentro de você… - ao dizer isso, lembrou de Francis reprimindo seus sentimentos no episódio do bar.
Virou-se e entrou no prédio sozinha, repensando suas atitudes. De certa forma, havia agido como Chérie com Francis, dispensando-o. Chérie fizera-o sem saber, porém, Sabrina havia feito conscientemente. Apesar disso, a semelhança de situações a atraiu e sentiu identificação com Chérie. Não era a primeira vez que sentia essa conexão, também havia sentido algo ao reler um trecho que descrevia como Chérie mexia nos cabelos, logo quando estava enrolando uma mecha entre os dedos.
À porta do apartamento, outro fato lhe chamou a atenção: os números frouxos que deveriam formar o 814 de sua residência.
- Acabei esquecendo de arrumar… - Levou a mão ao número, que estava na horizontal, endireitando-o - Esse número oito, de lado, fica parecendo o símbolo do infinito… - estancou.
Moveu o número 8 lateralmente, depois moveu-o corretamente.
- Símbolo do infinito… Infinito… - lembrou do livro - Rua do Infinito… - sentiu um arrepio.
Entrou no apartamento com as mãos trêmulas, enquanto milhares de pensamentos lhe atingiam ao mesmo tempo… Rua do Infinito, o modo de mexer nos cabelos… Buscou a cópia do livro de Francis. Sua atitude mais cedo em relação a Christian, o modo como se sentia ao ler as cartas, a identificação com alguns acontecimentos, ainda que metafóricos… Folheou as páginas velozmente, juntando a elas suas anotações com as pistas a respeito de Francis. Era mais do que identificação, era reconhecimento. Estava descrita ali.
- Posso não ter descoberto quem é Francis… Mas acho que acabo de descobrir para quem são as cartas. Ou estou ficando louca… Ou eu sou a Chérie.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Photographer_SP
Em: 31/08/2018
Sabrina está querendo me matar de tanta curiosidade. ''Será ela a nossa Chérie''? Hummmmm.....
De uma coisa tenho certeza, Ester é apaixonante, hehehehehehehe
Tô muito animada acompanhando atentamente os passos desta bela história, envolvente, leve, quando começa a borbulhar minha mente fico ansiosa para saber mais e mais.
Parabéns Autora, continue a surpreender. Adorooooooo!!
Beijos e abraços
Resposta do autor:
Será?? Hehehe
Opa, Ester já tem torcida! Adorei!
Continue acompanhando... Bom saber o que pensas da história.
Tento escrever da melhor maneira possível.
Obrigada pela presença aqui.
Espero continuar surpreendendo. Haha
Beijos para vc!
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