Francis. Esse nome não lhe saía da cabeça. Releu um trecho do livro em que estava trabalhando:

“Eu já quis ser astronauta, professor, motorista... De todas as coisas que eu já quis ser na vida, o sentimento que se sobressai hoje é o de pertencimento. Hoje, eu apenas queria ser seu, Chérie”, absorveu aquelas palavras refletindo sobre o amor não correspondido de Francis, autor do livro que fora contratada para traduzir.

Havia recebido da editora o novo material de tradução e estava absorta, dissecando cada palavra e nuance do texto, que mexia demais com suas emoções, mas não sabia dizer porquê.

Inteiramente composto por cartas em francês, o livro narrava, em ordem cronológica, o amor de Francis por Chérie, que desconhecia seus sentimentos. Havia optado por manter o apelido dado pelo autor à sua amada, no lugar de traduzir “Chérie”. Francis contava de modo romântico e bem humorado o modo como havia conhecido Chérie, ainda na escola, porém, a paixão só havia surgido depois, na fase adulta. Devorou as páginas, acompanhando as tentativas frustradas de Francis em se declarar, o jeito que descrevia as batidas desreguladas de seu coração  “como uma bússola sem eixo" ao chegar na Rua do Infinito, onde Chérie morava e a maneira como observava o jeito dela de mexer no cabelo. Quase foi às lágrimas quando Francis narrou uma das tentativas de declarar-se para a amada:

“Marcamos às 20h, em um bar próximo à sua casa. Não gosto muito de bares, mas você escolheu o lugar. Eu estava voltando de viagem, há dias sem vê-la, então, se quisesse me encontrar na Muralha da China, eu estaria lá.

Cheguei primeiro ao bar. Havia decidido revelar meus sentimentos a você naquela noite. Não tinha nenhuma pretensão, claro, talvez você nunca olhasse para mim com outros olhos. Mas ainda assim, eu havia escolhido minha roupa cuidadosamente, arrumado meu cabelo e usado meu melhor perfume. Sentei em frente ao bar, pedi um whisky para acalmar e você não demorou a chegar, precedida pelo seu perfume e linda como sempre. Era o momento, eu precisava falar, precisava dizer a você o que eu sentia.

Mas você precisava de um amigo para ouvi-la. Então, respirei fundo e coloquei para dentro todos aqueles sentimentos que me consumiam. E escutei, pacientemente, deslizando o dedo sobre a borda do copo  de whisky, enquanto você narrava com mais detalhes do que eu gostaria sobre o rapaz que havia conhecido. Um jornalista muito interessante e bonito, segundo me disse. E que havia lhe beijado…

Eu estava tentando parar de fumar, mas não aguentei a ansiedade e acendi um cigarro. Quando você se inclinou e sussurrou no meu ouvido para confidenciar que sairia do bar para encontrá-lo e que estava pronta para avançar um passo na relação, dei a primeira tragada. É engraçado como, mesmo com o coração quebrado, eu ainda conseguia amá-la”.

Lamentou por Francis, mas não culpava Chérie, afinal, ela não sabia do amor que o amigo nutria. Por outro lado, queria que alguém lhe amasse assim também. Seu último relacionamento havia terminado em razão da infidelidade do ex-noivo, Christian. A decepção foi tanta que pensou que nunca mais conseguiria relacionar-se com outra pessoa novamente, mas hoje sentia-se menos fechada a essa possibilidade.

No dia seguinte pela manhã, ao sair para passear com seu cão, a vizinha do andar de cima segurou a porta do elevador para que entrasse. Observou-a discretamente, pensando se Francis seria assim na vida real, gentil com as pessoas como a vizinha do andar de cima. Riu com os próprios pensamentos, despedindo-se dela com um sorriso tímido.

Passeou com Lupi na coleira, observando os homens na rua. Como seria Francis? Careca como o porteiro do prédio ao lado? Ou talvez baixinho como o dono da padaria? Seria musculoso, magro?

Deixou Lupi amarrado ao poste e entrou na livraria da esquina, sua favorita. Em poucos minutos, a atendente aproximou-se:

- Sabrina, guardei um exemplar das Crônicas de Montralto para você… - ela sorriu.

- Não acredito que você conseguiu! - sorriu de volta. O livro estava esgotado.

- Falei que conseguiria. Reservei para você, sabia o quanto estava ansiosa para tê-lo - deu um sorriso acanhado dessa vez.

Sempre atenciosa a Ester. Sabrina agradeceu, pagou pelo livro e saiu com Lupi.

Parou para tomar um suco perto da casa de Susan, então ligou para a melhor amiga:

- Bom dia! - ela atendeu animada.

- Su, vem tomar um suco comigo? Estou perto da sua casa...

- Vou levar o Lucca comigo, viu?

- Claro, traga seu filho, sim. Mas hoje não era o final de semana do pai dele?

- Era, mas o Ivan desmarcou - suspirou - O Lucca ficou tão tristinho…

- Então venham logo, estou com o Lupi e o Lucca adora ele.

- Perfeito, logo mais estaremos aí.

Susan chegou com o filho e o garoto divertiu-se com o cachorro, haviam escolhido uma mesa na calçada onde ele podia brincar com Lupi, enquanto Susan lhe contava que precisou remanejar sua agenda para ficar com Lucca, já que o pai do menino não viera buscá-lo.

- Hoje eu vou ao aniversário da Alison, sabia? - Lucca contou empolgado, voltando à mesa.

- É uma amiguinha da escola - Susan explicou.

- Mas Alison não é nome de menino? - Sabrina levantou uma sobrancelha.

- Acho que alguns nomes são de menina e menino ao mesmo tempo - Lucca explicou a seu modo, encolhendo os pequenos ombros.

Sabrina não soube o que dizer, tinha a mente longe.

Voltou para casa ainda pensando em Francis. Dispensou as ligações de Christian, ele com certeza não seria o Francis da sua vida. Decidiu pesquisar mais sobre esse autor, mas não encontrou muita coisa. Pessoas que usam pseudônimos dificilmente querem ser encontradas. Só lhe restava conjecturar a respeito dele, seu verdadeiro nome, aparência, humor...

De repente, um pensamento lhe assombrou: estaria apaixonada pelo autor do livro, o qual nunca havia visto sequer uma foto? Era possível apaixonar-se por alguém pelo modo que a pessoa escrevia? Descobriria mais sobre Francis, nem que para isso precisasse investigar.

Fim do capítulo