Comentários são bem vindos!!
Boas leituras.
Café amargo
A porta se abriu e, por um instante, congelei. Não, não era a porta do banheiro, era a porta do apartamento!
Um homem razoavelmente alto, de barba bem feita, um pouco acima do peso e com as laterais da cabeça puxando para um grisalho entrou, tirou uma mochila azul marinho das costas e colocou sobre o sofá. Então, levantou os olhos e me viu. Um silêncio se abateu, quando resolvi me levantar.
— Oi, sou a Sabrina, eu trouxe a Marta pra casa... – comecei a me explicar.
O homem me olhou dos pés (meu sapatênis vermelho parou seus olhos por um instante) à cabeça (meu cabelo raspado em uma das laterais também teve o mesmo poder que os pés), apertou os olhos como que tentando ler meus pensamentos, deu uma risadinha e disse:
— Sabrina. Ok. Sou o Paulo. Onde está a Marta?
Como que para me salvar do que estava acontecendo – ou para piorar a situação – a porta do banheiro se abriu e Marta saiu, nua, com o cabelo pingando no chão, me olhando com aqueles olhos apertados e mordiscando o lábio inferior. Obviamente nem em sonho imaginou que estávamos acompanhadas. Mas estávamos!
— Hã-hãm – pigarreou o tal do Paulo. E eu ali, congelada.
Foi como aqueles filmes onde a cena acontece devagar. O sorriso de Marta foi se desfazendo, os olhos apertados foram se abrindo, e a cabeça girando devagar na direção do som, mas olhando para mim, até completar a meia-volta para girar os olhos para a mesma direção da cabeça. E eu ali, congelada!
— Paulo! O que você está fazendo aqui? – disse, voltando para dentro do banheiro e esticando a mão para pegar uma toalha, derrubando várias coisas no caminho.
— Eu moro aqui, esqueceu, querida esposa? – disse ele, e sorria de uma forma muito estranha.
— Você não mora mais aqui, vamos nos separar, saia! – dizia quase aos gritos Marta, procurando não fazer escândalo.
Vi na oportunidade uma excelente hora de dar o fora, então levantei minhas palmas em sinal de paz e falei:
— Ok, pessoal, é isso aí, vou indo porque amanhã eu trabalho. Foi um prazer conhecê-los, fiquem de boa, paz! – e fui me dirigindo à porta, quando senti uma pegada no meu braço.
— De forma alguma, Sabrina – disse Paulo – fique, a noite ainda é uma criança! Vamos nos divertir, como se não houvesse amanhã – e riu.
Marta, que agora contava com uma toalha dignamente enrolada em si, colocou-se entre mim e o marido, soltou sua mão do meu braço e disse:
— Paulo, deixe de ser adolescente. Não vai rolar, esquece! Eu e você já era, ela é minha – e me puxou para trás de si. Vá atrás da sua namoradinha de vinte e cinco anos, essa aqui é minha!
— Você é assim mesmo, né, Marta? – disse Paulo – você e suas aventurazinhas de fim de noite. Ou acha que eu não sei das coisas que aconteceram durante todos esses anos?
— Eu nunca te traí! – gritou Marta, agora a plenos pulmões – nunca escondi que sinto atração por mulheres, mas nunca te traí! Eu sempre te amei, sempre te respeitei. Você que nunca respeitou o fato de eu ser bissexual, com suas fantasias a três!
Meu coração parou. Eu sabia! Era bom demais pra ser verdade. Não bastassem as mulheres héteros que vão ter sua “experiência” lésbica comigo no papinho do “se eu experimentasse, seria com alguém como você” e depois me dar um pé na bunda dizendo que “ah, é maravilhoso mas... falta alguma coisa...”, agora uma bissexual! E eu já tinha ouvido horrores das bissexuais; trans*ndo com todo mundo e espalhando doenças por aí.
— Você ser bissexual, por mim, tudo bem – falou Paulo – inclusive acho que podemos nos divertir nós três – e, se dirigindo a mim, perguntou – o que você acha?
— Não, eu to fora – falei – e to indo embora agora mesmo – olhando para Marta, continuei – com licença?
— Não, quem vai é ele! Você fica!
Aí foi demais pra mim. Pulei por cima do sofá, caí sentada e falei:
— Quer saber? Vocês são dois loucos, meu Deus, entendo perfeitamente porque estão se separando! Que vida é essa? Um trai, volta pra casa, trai, volta pra casa. A outra aceita de volta e agora sai por aí pegando o que aparecer! Me desculpem mas não vai dar, não mesmo!
— Tá vendo? – diz Marta para Paulo – olha o que você fez. Estávamos tendo uma noite muito boa, que por sinal começou porque você disse que ia embora e eu fui beber – e olhando pra mim com o indicador apontado, falou pausadamente:
— E você não pense que tudo que falam de bissexualidade por aí é verdade. Eu não pego o que aparecer, muito pelo contrário! Me admira você, lésbica assumida, ter esse tipo de preconceito! Aquele B da sigla de vocês é o que, mesmo? Eu sou bissexual sim, me interesso por pessoas e não por sex*. Se você fosse homem, eu te acharia interessante do mesmo jeito. Essa mania de ficarem faltando com respeito e pedindo respeito é horrível, saiba disso. E tem mais, eu vou é dormir porque vocês dois acabaram com a minha noite. Muito obrigada! – e entrou por um corredor onde, alguns segundos depois, uma porta bateu.
Paulo me olhou puxando a boca para baixo, numa careta, e disse:
— Então é isso, Sabrina, levamos uma bronca – e riu com a mão tapando a boca. Depois dessa confusão, só me resta te oferecer um café. Aceita?
E cá estou, tomando um café amargo nesse apê de fim de rua com ninguém mais ninguém menos do que o marido da mulher que eu ia pegar!
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: