Clarisse encara a paisagem, as flores lutavam para florescerem novamente e deixar tudo colorido. Ela estava preocupada, desde que Rodolfo aparecera, sua vida com Amélia estava estranha, a italiana parecia arredia e seus momentos foram ficando mais raros. Isso fazia uma semana, e hoje ela pedira para se encontrarem novamente no coreto delas.

Clarisse aperta o xale pois àquela hora da manhã, o sol ainda não esquentou, apesar de estar no céu iluminando tudo, foi quando viu Amélia caminhado lentamente até o coreto. Os raios de sol batiam em seus cabelos loiros os deixando quase transparente, seus olhos azuis estão baixos encarando o chão e Clarisse repara que ela trás a viola de Daniel nas costas. Ansiosa Clarisse começa a descer os primeiros degraus e aguarda o amor da sua vida impaciente.

Quando as duas se encaram, Amélia sorri timidamente, mas Clarisse apenas desce o restante dos degraus e se joga nos braços dela, que a segura firme , e mais uma vez o castanhos se perdem nos azuis e as bocas se juntam. O beijo é doce e saudoso, depois Clarisse abraça pelo pescoço e diz baixinho:

- estava com tanta saudades de tu.

- também amore mio. Vem...

E Amélia a segura pela mão e as duas sentam-se no meio do coreto, Clarisse entrelaça seus dedos e pergunta um tanto temerosa:

- porque fugiste de mim essa semana Amélia? E por causa daquele rapaz?

Amélia solta-se dela para poder pegar a viola e coloca sobre o colo, amena diz:

- sim Clarisse...Mas então percebi que não posso desistir de tu, eu te amo e acredito no nosso amor.

Clarisse alisa carinhosamente o rosto da italiana e diz segura:

- não quero saber de nenhum homem na minha vida Amélia - e se aproxima mais e quase sobre os lábios dela - tu es minha e eu sou tua, nada vai me nos separar.

- acredito em tu, e por isso que quero cantar essa música para ti.

E Amélia beija rapidamente a boca dela e depois começa a dedilhar a canção gaúcha que Daniel ensinara a ela, e quando Clarisse ouviu a melodia com a letra cantada pela voz suave e cheia de sotaque de Amélia, simplesmente chorou, porque ali, naquela simples canção estava o amor delas traduzido.

"A primeira vez que eu vi você meu grande amor,

Não quis acreditar e mesmo assim aconteceu...

A primeira vez que eu vi você...O vento pela rua assobiava o chamamé...

A primeira vez que eu vi você,

Senti no teu olhar a luz do entardecer,

Aprendi sonhar antes de adormecer,

E a vida foi chegando de uma vez...

E,o amor se fez, quem me dera ter você mais uma vez...

E, o amor se fez, essas coisas só acontecem uma vez...

Pois quando o amor se faz,

A gente não esquece mais

Nasci nos olhos dentre os suspiros

O bem-me-quer se desfolhou

Vai batendo o coração porque encontrei meu grande amor

Marquei o dia marquei a hora

No calendário que o amor fez

A estação da paixão e a minha primeira vez"

E antes de Amélia terminar e segundo refrão, Clarisse não aguentou mais, a beijou e as duas acabam rolando pelo chão rindo felizes, porque são jovens, porque se amam, porque a vida é maravilhosa.

As duas voltam de braços dados para o casarão, e se prestassem a atenção saberiam o que acontecia com elas, mas as pessoas não estavam fazendo isso, porque estavam ocupados recebendo o convidado. Assim que entram na sala, estacam chocadas, pois bem ali na sala, está quem elas menos queriam. Assim que Rodolfo avista Clarisse, abre um sorriso cheios de dentes que Amélia sentia vontade de quebrar todos, o Senhor Oliveira praticamente arranca Clarisse de seus braços e a leva junto dele.

Amélia percebe o olhar de súplica que a amada lhe dar, mas simplesmente ela não conseguiria ficar no mesmo ambiente que todos eles, então educadamente pede licença e se retira. Quase corre para a cozinha, os olhos marejados de lágrimas não derramadas.

Chica que estava de costas, toma um susto com a entrada intempestiva de Amélia, se vira para a guria alterada e pergunta preocupada:

- mas o que há?

- Chica, ele vai chiedera di sposarlo... o que io faço?

E como se suas pernas não aguentasse mais desaba sobre a cadeira, a viola sai rolando do seu ombro e com um estrondo cai no chão. Chica não estava entendendo nada, então apenas senta junto a ela e pergunta confusa:

- não entendi nada do que tu falaste Amélia, se concentra e me diz as coisas em "purtugues".

Amélia encara sua amiga desesperada, e diz novamente:

- ele vai pedi-la em casamento Chica, aquela bellimbusto ( janota) quer casar com mia Clarisse, e io non posso fazer nada.

E Chica fica estarrecida, como assim Amélia e Clarisse estão de caso e ela não vira. Por um momento não sabe o que falar, mas a italiana parecia que perdera o coração e a alma, que ela apenas diz carinhosa:

- escuta prenda, vamos com calma sim, ele só veio visita-la.

- ele quer isso Chica, desde o ano novo e agora...

- ela não precisa dizer sim Amélia.

Amélia a olha esperançosa e agarra sua mão como se Chica fosse sua salvação:

- será? Mas o signore Oliveira non vai obriga-la?

Chica tem quase certeza que se ela recebesse uma boa oferta de casamento, ele aceitaria sem hesitar, mas também conhecia Clarisse e continua tentando tranquilizar Amélia:

- ela vai bater o pé, se o que vocês tem e sério, Clarisse não casa Amélia.

- mas...

- sem mais, agora limpa esse rosto e chega desse "chororo" prenda, tenha fé que tudo vai dar certo.

E Amélia acreditou nela, mesmo Chica duvidando de suas próprias palavras.

Clarisse está constrangida, furiosa e perdida ali naquela sala com seus pais sorrindo feito insanos e ouvindo as palavras daquele homem. Afinal o que acontecera, estava há menos de uma hora nos braços do seu amor, fazendo juras de amor eterna, e agora está ali, sendo cortejada por Rodolfo. Uma pergunta é feita mais de uma vez, até que Dona Bernadete toca discretamente o braço dela, que sai do transe e diz:

- sim.

Senhor Oliveira a encara com a expressão fechada e diz sério:

- o senhor Villas Boas lhe fez uma pergunta.

A contra gosto encara Rodolfo, e pela primeira vez o observa com atenção. Ele é um homem bonito, tem olhos azuis escuros e um sorriso franco e cativante, cabelos loiros que parecem ser enrolados, mas estão aplastados na cabeça. Encara-o sem falar e ele sorri mais abertamente e pergunta novamente:

- gostaria de saber se gostaria de caminhar comigo amanhã? Pode ser por aqui mesmo.

- não acho...

Mas antes que ela pudesse responder, Dona Bernadete se mete dizendo:

- claro que ela pode senhor Villas Boas.

- só Rodolfo, por favor.

Então ele se levanta e simpático cumprimenta os pais de Clarisse e pegando na sua mão diz com certa emoção:

- não vejo a hora de encontrá-la.

E sai acompanhado do seu pai, Clarisse sente náuseas e começa a sair da sala, mas antes que o faça, o Senhor Oliveira a faz parar, e não tem outra alternativa do que encarar os pais.

- ele vai fazer o pedido Clarisse.

E seu coração vai ao chão e gaguejando ela diz:

- mas... mal o conheço...

E Dona Bernadete diz calmamente:

- e por isso oras, que vão sair amanhã.- se aproxima da filha e tocando o seu sinal continua com piedade - filha tiraste a sorte grande, o senhor Villa Boas é filho de um rico cafeeiro paulista, de boa estirpe. Imagina isso, no seu primeiro ano de debute.

- sim Clarisse, e chega desse assunto - diz enfático seu pai.

- não vou me casar!

Foi o grito desesperado que ela deu, não casaria nunca com ninguém, porque no seu coração estava já casada com sua mulher. E sem falar mais nada sobe as escadas implorando pela sua Amélia e deixando os pais estarrecidos com sua rebeldia.

Fim do capítulo