Capítulo 26
Capitulo 26 - Caroline
Saímos da encosta do Douro, rumo à maternidade, que finalmente vou conhecer. No trajeto entre o taberna e o carro fomos de mãos dadas e pude perceber o quão leve Fernanda estava, como se tivesse retirado um peso das costas, passou comprimentando cada idoso de boina que estava na rua, mesmo sem conhecer nenhum deles. Assim que entramos no carro, que estava quentinho, consegui parar de tremer ou ao menos tremer menos. Depois desse almoço maravilhoso com ela, no carro, estávamos cheias de carinho uma com a outra, assim que entramos nos beijamos e demos risadas, como adolescentes apaixonadas em nosso primeiro beijo.
Definitivamente a Fernanda é fã de música, assim que ela ligou o carro para seguirmos nosso trajeto, ela acertou o rádio e colocou a playlist de músicas brasileiras que ela aparentemente sabe de cor e salteado cada uma, letra e melodia.
- Carol, sabe o que eu estou a pensaire? Olhe para o céu, vais voltar a nevar a qualquer momento. Tenho um certo receio de irmos para a maternidade e acabarmos a ficar ilhadas e presas lá. Sabes que as ruelas próximas ao hospital ainda são de terra? O que achas de irmos para Maçores e amanhã cedo te levo a maternidade, antes de voltarmos a Urros.
- Deus do céu, volta a falar portugues, por favor.
- Estou a falaire.
- Não xuxu, esse seu português de portugal eu não entendo nada. Quando você puxa bem o sotaque, igual fez agora, eu me perco e não consigo entender nada. Não que não seja lindo, é muito, mas eu não entendo nada.
- Estou a falaire… falar, que vai voltar a nevar em breve. As ruas da maternidade ainda são de terra, e eu estou com medo de ficarmos presas lá, sem conseguir voltar. O que achas de irmos a Maçores e amanhã cedo te levo até o hospital. O dia está a terminaire e a neve está prestes a caire. Tudo bem?
- Hahahaha. Estou a achaire que não vais me mostrar nunca esse hospital. - falei puxando bem o sotaque português - Mas tudo bem meu amor, podemos ir para Maçores e amanhã me mostra o hospital. Não tem problema algum.
- Claro que vou te apresentar o hospital. Mas se formos hoje, com essa neve que estas preste a caire, vamos ficar ilhada. Não que não seja uma boa ficar presa com você la - me olhou com uma expressão ao mesmo tempo sexy como indecifrável - mas nevando, vamos congelar fácil. - virou para a frente, calculando o trajeto e iniciando a locomoção do carro.
Definitivamente, com o frio que eu tenho, ficar presa em um hospital na neve e sem aquecedor seria um grande problema. Coloquei minha mao na perna da Fer e continuei fazendo um carinho bobo, enquanto ao fundo tocava a coletânea de musicas brasileira.
Fui a Maçores apenas uma vez, no sábado passado. Mas já posso reconhecer algumas partes do caminho. As tradicionais colinas esverdeadas, de tons amarelados, que ao fundo correm me encantando e me distraindo. A Fernanda apertou delicadamente minha mão, me puxando o olhar:
- Presta atenção nessa música princesa. Acho que vais gostar - ao fundo um som sertanejo, bem brasileiro estava tocando e pude então prestar atenção na letra, que era assim:
“A gente nem ficou,
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça.
O pouco que durou
O nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça.
Sei que pra nós dois um romance é
coisa delicada demais.
Não dá pra esquecer
O que vivemos antes um do outro.
Bem melhor a gente deixar rolar,
E se entregar, ver o fogo que apagou
Queimar de novo.
E ai quando vem me ver?
Tô aqui esperando você.
E nem dormi e a noite já passou.
Não consigo mais me dominar
Você me enfeitiçou.
E a gente nem ficou UÔU UÔU
Olha o que me causou UÔU UÔU
E a gente nem ficou,
A gente nem ficou,
Mesmo assim eu não tiro você da cabeça.
O pouco que durou
O nosso encontro me faz duvidar
Que um dia eu te esqueça.
Sei que pra nós dois um romance é
coisa delicada de mais.
Não da pra esquecer
O que vivemos antes um do outro.
Bem melhor a gente deixar rolar
E se entregar, ver o fogo que apagou
Queimar de novo.
E ai quando vem me ver?
Tô aqui esperando você.
E nem dormi e a noite já passou.
Não consigo mais me dominar
Você me enfeitiçou.
E ai quando vem me ver?
Tô aqui esperando você.
E nem dormi e a noite já passou.
Não consigo mais me dominar
Você me enfeitiçou.
E a gente nem ficou UÔU UÔU
Olha o que me causou UÔU UÔU
E a gente nem ficou UÔU UÔU
E a gente nem ficou UÔU UÔU
E a gente nem ficou.
- Prestou atenção na música Carol? - eu posso dizer que entendi o começo da música, mas no decorrer dela eu havia me perdido em meus pensamentos e no significado que ela tem.
- Acho que sim, acabei me perdendo em um dado momento. O que você quis dizer com ela?
- Vou colocar a tocaire mais uma vez para que entendas, por conta própria.
- Não Fer. Eu entendi a música, muito bem. Não entendi na verdade o que você quis dizer com ela. E eu te enfeitiçei? Sério, estou perdida?
- Ai princesa, não teves aula de interpretação de texto no Brasil? - deu risada de mim, fazendo carinho na minha mao enquanto dirigia e outra música já tocava ao fundo. - Vou colocar de novo para tocar e te ajudo.
Eu apenas olhei ela se movimentando enquanto apertava os botões e colocava novamente a música do Jorge e Mateus para tocar. A cada trecho da música que era importante e exigia minha atenção ela, sem tirar os olhos da estrada, apertava levemente minha mão.
- Conseguiu entender?
- Acho que sim Fernanda. Esse foi seu jeito de me dizer que está a fim de mim?
- Ai Deus, garota… eu estou gamada na sua, será que consegue entender? Cara, até encontrei uma musica fofa para te mostrar isso. Aproveita eu acho que faz anos que não lanço uma dessas para ninguém.
- Não posso te beijar com você dirigindo ped. E esse momento exige pelo menos um beijo. Não rola encostar o carro? - a Fernanda deu risada, mas não rejeitou a ideia. Rapidamente, mas com todo o cuidado com o transito, foi colocando o carro para a direita, enquanto dava risada ao mesmo tempo que estava tentando se fazer de séria.
Assim que o carro parou, ela rodou a chave, desligando ele. Manteve-se com as maos no volante, como se precisasse acelerar imediatamente, mas não saiu do lugar. Eu fiquei sem jeito, não sei exatamente os limites nem os medos da Fer, mas a minha vontade de beijar e agarrar ela é imensa.
Ela respirou, não que não estivesse respirando, mas respirou fundo, como um suspiro. Confesso que me assustei, não de medo, mas do que poderia sair dela naquele momento. Ela então fez o primeiro movimento desde que parou o carro, esticou a mão e desligou o som, mas sem desviar os olhos da estrada.
- Fernanda, você está me assustando. Falei que queria te beijar só, mas tudo bem, não precisa, podemos manter uma distância física. - ela continuou em silencio, respirando fundo e suspirando mais uma vez - Cacete, fala alguma coisa Fer! - minha paciencia estava lá, mas perdida no fundo do meu cérebro.
- Como eu posso falar se você não fica quieta Caroline. Calma. Tem ideia do quanto isso é estranho pra mim? - Ela jogou as palavras, irritada por ser obrigada a falar.
- Desculpa, tem todo o tempo Fer. Eu falo demais. - e fiz um carinho no rosto dela, leve, mostrando que eu estava ali, sem pressa, sem armas, apenas estando. Ela continuou respirando fundo, tentando se acalmar.
- Eu vou me machucar, sei que vou. Você é linda, delicada, forte, com um coração do tamanho do mundo e um profissionalismo que eu nunca vi em ninguém. Você é quem eu procurei por anos, em muitas pessoas. Pensei ter encontrado isso antes, mas fui claramente abandonada. Pensei ter encontrado isso na Milena e ela me largou por um curso, uma outra vida. Quando eu finalmente encontrei, você é casada, morando no Brasil. Sei que quando voltar pra lá, para resolver sua vida, vai ver sua esposa e vai ficar. Você apenas teve uma briga muito difícil com ela. Eu acabei de encontrar você entre as músicas que me levantaram e me protegeram por anos, não consigo ouvir uma música dessas sem pensar nos seus olhos ou sem desejar você. Não posso deixar o que eu sinto aparecer Carol, não posso me permitir isso. Você vai embora e não vai voltar, eu sei disso. Não posso te amar, não posso criar esperanças. Tem ideia disso? Eu te levei a MAçores, te levei na encosta do Douro, te coloquei dentro da minha casa, não posso te amar, não posso me quebrar de novo. Eu não vou aguentar. Não com você, não sonhando com você.
A Fernanda falou cada palavra sem olhar para o lado, continuou o tempo todo olhando para frente, evitando meus olhos. E o que eu mais desejava conseguir era ver os olhos dela, mostrar o quanto eu estava apaixonada por aquela medica linda, romantica, bruta. Demonstrar o quanto eu estava encantada por cada palavra e o quanto eu não quero machucá-la.
- Fernanda, olha pra mim meu amor.
- Não posso. Não quero olhar pra você.
- Fer, olha pra mim, por favor. - Com a minha mão, levemente puxei o rosto dela, trazendo ele para perto de mim, enquanto eu fui aproximando meu corpo, arrumando ele no banco do carro. Meus lábios tocaram no pescoço da Fernanda, e sem pensar em absolutamente nada, a não ser o quanto eu desejava ela, comecei a beijá-la. Sua pele estava quente apesar do frio que estava. A principio ela não participou, apenas sentiu meus labios em sua pele aquecida.
Suas mãos atingiram o coque que envolvia e segurava meu cabelo, soltando ele e permitindo que meus cabelos caíssem sobre nossos rostos. Pude sentir sua mão percorrendo meus pescoço e meu rosto, ora lá, ora cá, como se dissesse que sim, que me desse permissão ao toque. Suas mãos puxaram o meu rosto, buscando minha boca, querendo explorar algo que já era dela.
Seus lábios estavam absolutamente quentes, como se fosse um verão de 40º no Rio de Janeiro, sua língua pediu espaço, forçando para dentro da minha boca. A Fernanda estava com gosto de hortelã, pude sentir enquanto me perdia na leve dor que apertava em meu baixo ventre. No meu sex*, algo pulsava e desejava mais, desejava o toque dela, o cabelo puxado, o arranhão, a brutalidade.
Não pude conter esse meu desejo e cravei minha mão em seu couro cabeludo, exigindo um beijo mais intenso e áspero. Meu desejo estava a flor da pele e eu queria a Fernanda, quero o corpo dela. Puxei ela para o mais próximo que pude, exigindo o estreitamento dos nosso corpos. Quando ela saiu da minha boca e retornou ao meu pescoço não pude mais me segurar e gemi ao pé de seu ouvido. Não foi apenas um gemido, foi uma ordem para que ela seguisse em frente, um recado do quanto eu estava desejando e pronta para isso.
Por baixo da minha blusa senti sua mão procurando espaço, enquanto seus lábios voltaram a ficar colado nos meus. Sua mão gelada tocou minha pele, por baixo de muitos casados, fazendo meu corpo arrepiar. Não sou capaz de parar, de não desejar essa garota. Vai muito além de me sentir bem próximo a ela, vai além do desejo, é carnal, visceral.
Ainda com nossos lábios colados, alternando entre ch*pões e mordidas, passei minha mao por dentro de sua roupa também, arranhando levemente a pele da cintura. Fernanda retornou ao meu pescoço, cravando mais lambidas e beijos, enquanto eu buscava os botões do casaco grosso de frio que ela usava.
- Não podemos fazer isso no meio da estrada. - a Fer falou ao pé do meu ouvido, com a respiração ofegante, entrecortada
- Claro que podemos, já estamos - continuei procurando sua pele e mantendo seu pescoço cheio de beijos.
- Carol, chega.
- É só você parar. Será que consegue?. - Ela se afastou do meu corpo, quase que brutalmente, me tirando o chocolate que eu estava deliciando. Abriu o sorriso gigante, olhou pra frente, novamente para a estrada, mas sem perder o sorriso. Arrumou o cabelo bagunçado, colocando a franja de lado e fazendo um coque.
- Não acredito que parei o carro numa estrada para te dar uns pegas.
- Linda, convenhamos, quem deu o pega fui eu. Você estava ai toda com medo da vida, de tudo e todos. Fer, vem cá, olha pra mim - puxei delicadamente seu rosto, fazendo-a olhar pra mim - Eu não posso te prometer não te machucar, isso é impossível, mas acredite, se depender de mim, farei tudo para nunca deixar uma lágrima cair dos seus olhos. Essa é minha palavra, e eu costumo cumprir ela. Ah, e só um recado, eu tambem não tiro você da cabeça, “se pá”, você me enfeitiçou também.
- “Sepa”? - ela não conseguiu pronunciar a gíria, juntou as duas palavras, e fez uma carinha de quem não entendeu nada.
- “Se pá”, esquece, só quis dizer que você também me enfeitiçou, igual a musica. - Rolou um sorriso de orelha a orelha, seguido de um selinho. A Fernanda ligou novamente o carro se seguiu a viagem, rumo a Maçores, distraída, perdida em seus pensamentos, recebendo carinho na coxa enquanto cantarolava as musicas da playlist.
Pouco depois de voltarmos para a estrada a neve começou a cair. No começo como uma pequena serração, depois um pouco mais intensa, quase como chuva. Não demorou nem 15 minutos e já estávamos na estradinha de terra, quase em casa. Isso foi a nossa sorte, pois quanto mais perto estávamos, mais a neve foi tornando-se intensa.
Assim que a Fernanda embicou o carro no portão de entrada sua expressão mudou de leve e extrovertida, de quem estava feliz e cantarolando, para fechada e ressentida. Eu percebi a mudança no humor dela, mas tentei relevar, sei que algo estava errado. Quando passamos o portão e ela embicou para estacionar o carro, acho que entendi o porque da mudança.
- Quem é Fernanda? - Embaixo desta neve toda, em frente a casa havia um cavalo e uma pessoa falando com quem acredito ser a Dona Antonia. Por baixo de uma touca grossa, vários cachecóis e blusoes de frio, pude ver um cabelo loiro. Ou seja, pelo contexto todo, um doce que é a Milena. Definitivamente era o que eu não estava precisando, meu ranço dessa garota apenas é enorme.
- Quem é a única retardada de Portugal inteiro que sobe num cavalo com essa neve toda? Óbvio que é a Milena. Que saco! - ela bateu no volante, como se odiasse a situação, desceu do carro e bateu a porta. Não olhou pra mim em nenhum momento. Eu demorei alguns segundos a mais para descer, peguei minha mochila e a bolsa da Fernanda, desliguei o som do carro e sai, ainda a tempo de ouvir a conversa delas.
- Isto que a senhora falastes que ela não vem a Maçores pela semana. A senhora é ruim de mentira.
- Milena, por que “estais” aqui? E dona Antônia está certa, eu não venho para Maçores de semana, na verdade nunca venho para esse lugar.
- E o que estás a fazer aqui então?. - ela olhou pra mim e fechou o rosto como se tentasse mandar um raio laser para me equalizar. Juro que minha vontade foi de dar risada da cara dela - E ainda “trouxestes” seu novo cão de guarda? Qual seu nome mesmo querida?
- Ai Milena, me poupe de seu incômodo. Dona Antônia, como a senhora está? - Abracei ela, demonstrando a saudade que eu efetivamente estava. - A senhora não quer me passar aquele café delicioso? - Pude ver a expressão de Dona Antonia amenizar e tornar-se mais leve novamente. Ela sorriu, passou a mão entre as minhas costas e me conduziu para dentro da casa. Quando entrei olhei nitidamente para a Fernanda, que estava no patamar com a Milena, ainda sem iniciar uma conversa com ela. Tentei com o olhar avisar que a Fernanda teria esse tempo com a Milena, mas que era bom se resolverem, esse é o tipo de coisa que eu não tinha muita paciência.
- Pensei que não fosses mais vir aqui dra. Resolvestes ficar?
- Dona Antonia, sou dra apenas no centro cirurgico, para a senhora, sou a Carol. Sim, resolvi aceitar a proposta de morar aqui em Portugal e de coordenar a maternidade.
- Foi a Fernanda que te convencestes?
- Na verdade não, mas ela teve uma boa parcela em tudo isso.
- Tente não ficar nervosa com a menina MArcela, ela estas a perceber que perdeu a Fernanda.
- Eu estou tranquila Dona Antonia, não sou do tipo de pessoa que arruma briga por qualquer coisa. Mas falta de respeito eu não aceito - Sorri para a senhora que foi para a cozinha preparar o café.
- Queres um bolo junto? Ou um pastel de nata?
- Não precisa Dona Antonia, não quero incomodar a senhora, nem dar trabalho.
- Não me incomodas menina, fico aqui a semana toda sem cozinhar nada para ninguém, raramente a Fernanda aparece por aqui. As vezes faço comida e levo para os colonos que estão a colheire das oliveiras. Enquanto esquentas a água, pense em uma receita que queira.
- Hum, já que a senhora se propõe, sabe o que estou com vontade de comer? Bolinho de chuva. Não sei se voces comem aqui em Portugal, mas no Brasil tem sempre. Vou pegar uma receita para a senhora.
Assim que eu liguei meu celular, uma enxurrada de notificações e mensagens chegou, como resultado das horas que ele ficou desligado e sem sinal. Ignorei por alguns momentos, enquanto escrevia a receita do bolinho de chuva em um papel para entregar para Dona Antonia prepara-los.
- Essa é uma receita que eu peguei na internet, acho que deve ajudar a senhora. Enquanto isso vou aproveitar que aqui funciona celular e fazer algumas ligações. Tudo bem?
- Claro menina, não se preocupe.
Sai em direção a sala, onde ficava um notebook da Fernanda e a rede de internet. Como a curiosidade matou não só um gato como a humanidade, liguei o computador e fui lá na janela ver o que estava acontecendo entre as duas maricotas. Não fui capaz de ouvir a conversa, mas pude perceber que a discussão estava acalorada, com a Fernanda gritando e a Milena chorando. Sabe o que me assusta dessas duas? É que, assim como eu tenho uma história mal resolvida com a Chris, a Fer tambem tem algo mal resolvido com essa garota. Meu medo todo é eu voltar ao Brasil, me organizar, largar tudo e quando eu chegar aqui de volta, elas terem se acertado. Não que eu vá trocar tudo que tenho em São Paulo por causa da Fer só, mas saber que ela está me esperando em Urros é um grande incentivo.
Meu celular estava cheio de mensagem de paciente, de colegas de hospital e claro do Lucas e da Clara, mas nenhuma da Christiane. Não ter nenhuma mensagem dela ao mesmo tempo que é um alivio, dá uma sensação ruim, como se ela efetivamente tivesse me esquecido, mas sei que vou precisar lidar com isso, ela tendo me esquecido ou não, meu casamento acabou eu mereço uma nova chance de seguir em frente.
Liguei pra Clara e para a minha sorte no terceiro ou quarto toque ela já atendeu.
- Nossa senhora, quem é vivo sempre aparece! Tudo bem Carol?
- Nossa Clara, até parece que está sem falar comigo há 1 ano.
- Carol, para quem te via todos os dias e quando não via tinha que resolver pepino, uma semana é uma vida.
- Para de chorar que você está é gostando. Foi quase férias para você., sem ter que resolver meus problemas ou escutar meus pacientes reclamando, fala sério.
- Confesso que apesar da folga, prefiro você aqui perto me enchendo de trabalho. Esses médicos aqui são todos lerdos, o único que às vezes salva é o seu irmão. O resto… eles não sabem nada.
- Não reclama não, sabe que pode ficar pior. Sempre pode.
- Ai Carol, nem me fale dessa possibilidade. Como está em Portugal? Lucas me disse que você estava com uma portuguesa gostosa.
- E desde quando o Lucas é confiável em qualquer fofoca?
- Desde sempre dona Carol. E pela maneira como ele falou, eu bem que acredito que seja verdade. E outra, você merece e deve descolar alguém ai. Chega daquela mala sem alça.
- Gente, geral gostava dela. Foi só eu me afastar dela que ela ganhou mil apelidos.
- Gostar dela é uma coisa muito forte Carol. A Christiane sempre me odiou, tinha ciumes, me ligava sempre sendo grossa. E isso você sabia já.
- O pior é que é verdade, sabia mesmo. Discuti algumas vezes com ela por causa disso.
- Ela veio na aqui na clinica ontem - senti uma certa tensão na voz da Clarinha
- E… começou continua.
- Ela veio trazer uma moça pra uma consulta com o Dr. Arthur, ortopedista.
- Como era a mulher?
- Ai Carol, não devia ter falado isso pra você, desculpa.
- Clara, eu sei que ela está com alguém. E pra falar bem a verdade já desconfio de quem seja, só não achei que fosse ter a audácia de esfregar na minha cara levando ai na clinica. Era uma tal de Malu?
- Acho que era, o nome era Maria Luisa Lopes, fiz questão de gravar o nome dela. Ela veio de cadeira de rodas, acho que está com alguma fratura ou algo do tipo. Tinha um corpo bem definido, bombado, tinha cara de atleta. Depois que ela saiu o Arthur veio aqui e falou que era uma judoca, mas que tinha uma fratura muito complicada.
- Ai, bem que eu acredito na Christiane arrumando uma doente pra ela cuidar. Sem comentários.
- Como você está com isso tudo? Seu casamento, ela com outra pessoa.
- Ai Clara, tá foda. Eu to sendo mais forte do que nunca imaginei na vida. A Fernanda, a portuguesa, como você fala, é um amor de pessoa. Pensa uma borboleta dentro de um casulo. Ela está me ajudando muiot a superar a christiane, me mostrando que posso seguir em frente e tudo mais. Mas toda noite sonho algo com a Chris, sonho ela com outra pessoa, imagino ela rindo de mim e de tudo isso. Está difícil. Confesso que já esteve mais pesado, mas acho que estou melhorando um pouquinho a cada dia. Esse lugarr é incrivel, tem pacientes todo o tempo. Pensa em um lugar sem nada e que você chega e resolve o role todo! É assim aqui, eu cheguei e tinha uma fila de pacientes, pessoas que me procuraram por eu ser a unica ginecologista em 100 Km, é um absurdo, mas é real.
- Caraca, como assim, a unica médica em 100 km?
- Médico tem, mas ginecologista não. Peguei gravida que nunca fez consulta de pre natal, tumor basico que não operaram e está gigante. Nada muito diferente que o Brasil, infelizmnete.
- Tá, mas aí tem a portuguesa. Qual o nome dela mesmo?
- Fernanda. E acredite ela é brasileira. Nasceu no Brasil, fez faculdade ai, mas cresceu aqui e voltou depois da faculdade.
- O Lucas falou que ela é gostosa. Palavras dele
- O Lucas nem viu ela pra ele comentar nada. Mas posso te dizer que ela é um amor de pessoa, tipo amor assim não, ela é bruta, mal humorada, mas depois que sai a capa ela é toda fofa, protetora. O unico problema dela é a ex noiva que não sai de perto, mas isso dou o meu jeito.
- Será que alguem contou pra Chris disso? Que você está com alguem?
- Duvido muito, só você e o Lucas sabem. Mas “to nem ai”, ela falou que eu vim pra Portugal por causa de mulher, então deixa ela pensar no que quiser. Tirando a Chris da jogada, Clara, eu preciso que você reserve um voo pra mim.
- De onde pra onde e quando chefe?
- De Tras-os-montes para São Paulo. Primeiro voo que liberar. Preciso voltar para o Brasil. Clara, quando eu chegar ai vamos precisar conversar.
- Se você precisa conversar comigo e pediu um voo, juntos, pelo que eu te conheço, aceitou ficar em Portugal, estou certa?
- Não é que me conhece mesmo?! Me ofereceram ficar aqui em Portugal e assumir a gestão de uma maternidade e de um centro de oncologia. Clara, sabe a quanto tempo estou batalhando por isso e correndo atras ne?!
- Ai Carol, o pior que eu sei e te conheço a tempo suficiente para saber da sua competência e capacidade de assumir essa responsabilidade. Você merece esse cargo, de verdade. Vai voltar pra que então.
- Preciso assinar meu divorcio, dar entrada nele efetivamente. Passar as responsabilidades da clinica para o Lucas, passar sua faculdade pra ele, organizar minha casa, vender meu carro.
- Passar minha faculdade pra ele?
- Claro. Alguem precisa resolver essa parte e o seu curso você não vai parar. E sabe que quando se formar, se quiser, vem direto pra Portugal pra trabalhar comigo. Sabe disso né?! E se não sabia eu estou te contando agora.
- Achei que você ficando em Portugal eu iria parar meu curso por um tempo, tipo perder a bolsa que você me deu por trabalhar na clinica.
- Ve se pode… Você está no final do curso, não vai perder isso por causa do meu casamento furado. Jamais. Parece que não me conhece Clara. Vai, ve esse lance do voo pra mim e me avisa. Depois pego um pra voltar pra cá, por enquanto só pra ir para São Paulo, não sei quanto tempo vou ter que ficar por ai.
- Vou ver essa jogada e já te dou um retorno ok?! Vai estar com sinal no celular?
- Vou sim, estou na casa da Fernanda, aqui tem sinal.
- Hahahaha, já está até usando a internet da portuga, to sentindo firmeza nesse namoro ai.
- Para de bobagem, não estamos namorando. Ve a passagem e me retorna, por favor.
Desliguei o telefone e aproveitei o computador para mandar alguns emails, baixar alguns documentos e materiais de leitura. Dava para ouvir a voz das duas lá fora enquanto eu tentava de algum modo ver a neve caindo. O cheiro dos bolinhos de chuva da Dona Antonia já estavam preenchendo a casa e fazendo minha boca salivar. Sentei no sofa da sala e fiquei lá um tempo. Mandei mensagem para o Lucas, falando que aceitei a proposta de ficar em Portugal e estava apenas esperando a Clara marcar meu retorno.
Em um dado momento fez-se um silencio lá fora, não sei se pelo frio extremo ou se as duas simplesmente cansaram de discutir. Eu não tive vontade alguma de ir lá fora ou de me levantar para ver o que havia acontecido. Acho que na verdade eu estava com medo de olhar e encontrar a Fernanda ou matando a Milena, ou pior ainda, se agarrando com ela. Me mantive olhando para o celular, deitada no sofa, como se nada acontecesse lá fora.
A porta se abriu, mas o que me incomodou foi a rajada de vento que acompanhou. Quando levantei minha cabeça, vi a Fernanda de cara feia segurando a porta e esticando o braço, dando passagem para a Milena e pedindo para que ela entrasse.
- Para de bobagem Fefa, o cowboy não vai escorregar na neve, ele estas acostumado já.
- Esquece Milena, sem chance, não vais andar a cavalo nesta neve toda. Entra logo, antes que eu perca a pouca paciência que me resta.
- Cuidado chama paciência agora? Pareces que nunca me esqueceu, isso sim gostosa - Falou com a voz bem sexy, passando a mao pelo queixo da Fernanda, que tentou de algum modo puxar o rosto, como se negasse aquele “carinho”. Não sei dizer se a Milena falou isso para a Fernanda ou pra mim, a questão é que apenas falou depois que percebeu que eu estava no sofa olhando a situação. Talvez tenha sido o jeito dela de dizer: “ estou aqui” ou de tentar mostrar que ainda causava algum efeito na Fernanda. Não sei ao certo, eu tentei não demosntrar o quanto me senti desconfortável com a situação.
- Entra ai e fica quieta. Vou ver o que a Dona Antonia estás a cozinhaire, vem comigo Caroline? - olhou pra mim com uma expressão de “ Vem agora”. Pulei do sofá na mesma velocidade que ela seguiu para a cozinha, ou seja, rapido. Passamos pela cozinha e acabamos parando no patamar dos fundos da casa, do lado de fora, onde a neve ainda estava caindo fortemente.
- A cozinha ficou ali atras Fernanda.
- Sabes que não estou a ir na cozinha. Preciso conversaire com você. Mil desculpas por ter que colocar a Milena aqui em casa.
- Fer, a casa é sua, eu sou apenas visita, não mando em nada.
- Linda, sabes que é bem mais que uma visita, não sabes?! Assim que a neve amenizar ela vais embora. Não posso deixar ela em cima de um cavalo com gelo no chão. É apenas para evitar acidente. Me entendes não é?!
- Eu entendo e vou ser bem clara com você Fer, não sei o que temos, nem o que somos, respeito você acomodar ela, mas não gosto. Não vou ser gentil nem sociável com ela. E outra, ela mexe com você, não sei o quanto, mas mexe, então se resolve logo com ela. A única coisa que me impede de ficar ao seu lado é apenas você, então se decida.
- Quer que eu mande ela embora agora?
- Não, deixe a neve amenizar e você despacha. Saco zero com a Milena. E acabou o assunto, não vou me zangar. Nosso dia foi tão lindo lá na encosta do Douro que eu não vou deixar ela estragar nada ok?! - estiquei meus braços, puxando ela para um abraço, que rendeu um selinho e um novo olhar de recado.
- Menina, estas pronto os bolinhos que me pedistes.
- Sério Dona Antonia, conseguiu fazer? A senhora é muito show de bola. Vem Fernanda, tem bolinho de chuva.
- Sério? Não como bolinho de chuva tens uns 10 anos ou mais, eu adoro isso.
- Então venham, antes que esfrie. Fernanda, chame a Milena para comer tambem. Não vais deixar a menina sozinha na sala. Educação pelo menos. - A Fer me olhou como se pedisse autorização para tal façanha, mas realmente, o mínimo de educação é chamar a mala para comer conosco.
Sai daquele frio todo e me acomodei na cozinha, enquanto pude ver a Fernanda indo até a sala para chamar a Milena para comer conosco. A casa estava quentinha, com cheiro adocicado de bolinho no ar. A presença da garota foi chato, mas não chegou a atrapalhar a refeição. Eu e a Dona Antonia conversamos sobre a receita, mesmo sem eu entender absolutamente nada de culinária, a Fernanda em alguns momentos abria a boca para falar algo, mas sempre sem se prolongar muito. A Milena, por sua vez, observava cada movimento que eu ou a Fernanda faziamos, como se estivesse explorando o ambiente, sabendo até onde poderia ou não seguir. Não sei qual é a ideia dela, mas tambem não sei a que ponto estou preparada nesse momento para brigar por alguem.
Meu telefone tocou ao som de Fucking perfect, da Pink, acho que a unica musica que eu amo e escuto constantemente. Quando eu e a Fer batemos o olho na tela, percebemos que era uma ligação da Clara. Pelo pouco que conheço ela, acredito que ela tenha entendido que era sobre meu retorno ao Brasil, pedi licensa e me retirei da mesa, indo até a sala atender a ligação.
- Carol, descolei o voo que você me pediu. De tras os montes a São Paulo. O mais proximo terá 2 escalas, vai de tras os montes a Porto, de Porto a Recife e de Recife a São Paulo, chegada em Congonhas na quarta feira por volta do meio dia. Sai de Tras os montes amanha a noite, as 23h. Posso fechar esse?
- Pode sim Clara. Confirma esse voo. Me manda a passagem e tudo mais por email? Fico aqui em Maçores essa noite e amanha cedo vou pra Tras os Montes já. Avisa o Lucas por favor, fala pra ele se organizar pra me buscar em congonhas ou você. Quem estiver livre.
-Tudo bem Carol, organizo isso tudo e te mando. Aviso a Christiane?
- Jamais, não precisa. Quando eu chegar ai resolvo tudo. Fechado Clarinha, obrigada. Beijos.
- O que a Clara queria? - Foi a primeira frase que a Fernanda soltou, assim que eu entrei na cozinha, sem ainda nem ter entendido direito.
- Ela reservou meu voo, para amanha a noite, duas escalas. Devo chegar em São Paulo, quarta ao meio dia.
- Essa é sua ultima noite em Portugal - ela falou isso levantando da cadeira e olhando nitidamente nos meus olhos, como se precisasse da confirmação de seus proprios medos.
- É sim Fer, última noite em Maçores, Urros, Portugal. Amanha volto pro Brasil.
Fim do capítulo
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