Capítulo 25
CAPITULO 25 - CAROLINE
Entramos no carro da Fernanda e logo ela ligou o rádio, ou melhor, a playlist que ela tem. Enquanto ela sorria pra mim, tocava um rock ao fundo. Logo que a primeira música (“Numb, Linkin Park”) começou a tocar, me veio uma sensação tão gostosa de nostalgia, me lembrando da minha adolescência, de períodos alegres que vivi. Não pude pensar mais de meia vez, olhei para a Fernanda, acho que de um modo tão intenso que ela entendeu o recado. Nos beijamos ali no carro, mais um beijo calmo, carinhoso, cheio de tesão guardado, de interesse, de segredos, de cumplicidade.
- Caroline, acho que você está brincando com fogo! Como consegue me desajeitar assim?
- Eu?! Não “estou a fazeire” nada. Sou inocente.
- Aham, tá bom. Até parece. Chega de conversa e vamos indo que já estamos atrasadas.
- A maternidade fica longe assim, pra precisar ir de carro?
- Não muito, fica a uns 20 minutos de caminhada daqui, mas vamos primeiro em outro lugar, e esse precisa de carro.
- Não creio que tem motel nesse fim de mundo?! E você, toda… hum, formal, vai me levar num motel?
- Que?! - tadinha, ela realmente nem estava pensando nisso, foi pega de surpresa com a minha insinuação.
- Sem motel? Droga - falei dando mais corda e rindo da carinha dela de perdida.
- Claro que não Carol. Tenho casa pra isso. E outra, estou esperando seu tempo, mas se quiser mudo o caminho agora e vamos pra casa de pedra, como você chama.
- Não bobona, estava apenas provocando você. Não imagino você me levando para um motel na nossa primeira vez juntas. - Coloquei a mao na perna dela, como sinal de carinho. A Fer, romantica como está se mostrando, pegou minha mao e beijou as costas, como se estivesse me enchendo de carinho.
- Você é uma mulher muito especial, não posso queimar nosso primeiro sex* assim, na beira da estrada. Jamais.
- Fer, você tem noção do quão ambigua você é?! E isso me encanta. Você é capaz de ser bruta e toda bravona quando discute comigo, mas tão linda e serena, romantica quando fala da gente, do que podemos ter juntas.
- Princesa, não abusa muito da sorte, posso ser grossa o tempo todo se quiser.
- Não é isso, só estou dizendo que você é linda… e a cada dia me deixa um pouquinho mais apaixonada.
- Hahahah, apaixonada? - Mesmo dirigindo ela sorriu pra mim, serena, plena. E mais uma vez beijou minha mao. - Voltaremos a falar sobre isso quando voltar do Brasil.
- Você não vai mesmo comigo?
- Não posso ir Carol. Voltei agora de ferias.
- Se você quisesse poderia ir sim, só pedir com jeitinho.
- Não quero ir. Você tem que ir pro Brasil e decidir sobre sua vida sozinha, eu não posso interferir na sua decisão. Não posso estar do seu lado quando você ver sua mulher e decidir entre o Brasil e Portugal.
- Porque? Você acha que eu vou desistir da minha palavra?
- Todas fazem isso. Você vai fazer também. - Ela ficou séria depois disso, a boa música continuou tocando no carro, mas nossas vozes de calaram. O silêncio foi sepulcral, pelo resto da viagem, sem uma falar mais nada com a outra, apenas a mão da pediatra, que estava sobre a minha, fazia um carinho leve e quase que automatizado.
Seguimos pela estrada central e depois pelos pequenos becos de Urros ou de alguma vila próxima, não sei diferenciar. Quando o carro já não mais cabia, a Fernanda estacionou o carro na lateral de uma rua.
- Daqui teremos que ir andando, o carro não chega lá.
- Não chega na maternidade? Como vocês querem uma logística de remoção e chegada de emergências, sem espaço para carros?
- Carol - ela falou isso sorrindo, como se tivesse esquecido tudo que conversamos no carro e o silêncio sepulcral também - para de pensar um pouco em mulheres tendo filho e em trabalho. Vem! Eu vou te mostrar uma parte de Portugal que encanta qualquer turista ou morador. Pelo menos eu sou encantada por esse lugar.
- Não penso em trabalho todo o tempo. Onde estamos indo?
- Carol, princesa, apenas sente o vento, o cheiro e deixa rolar. Você vai gostar, eu prometo. - Me deu um beijinho, sorriu, segurou minha mao e me puxou enquanto andavamos. Não fomos muito longe a pé, andamos por umas 2 ou 3 vielas estreitas, cheias de casinhas de pedras nas laterais, com alguns idosos bem portugueses, de boina e bigodão sentados na frente das casinhas. Quando me acalmei um pouco de uma ansiedade crescente em mim, senti que realmente batia uma brisa leve no meu rosto e que ela trazia um cheiro leve, parecido com o de mar, mas misturado com terra molhada, não sei explicar, descrever. A mão da Fernanda estava quentinha e ela olhava longe, como se estivesse com os pensamentos a anos luz daquele lugar e deveria estar mesmo.
Depois de alguns breves minutos, andando pelas ruelas portuguesas, chegamos a um espaço aberto, onde o vento batia forte. O espaço para mim poderia ser definido como uma pedra, montanha, que terminava pro nada. Mas que era absolutamente lindo, mesmo eu estando longe da borda.
Antes da borda, havia uma casa de pedra, sobre a pedra ou montanha que estavamos. Dela saia uma chamine com um cheiro adocicado, que misturado ao cheiro de mar, me deu uma sensação perfeita. Acho que sem pensar, apertei a mao da Fer, que instantaneamente me retribuiu com um abraço protetor.
- Que lugar é esse Fer?
- Já te levo ali na beirada para você conhecer. Vamos passar antes na taberna, pedir nosso almoço, ai eu te explico tudo.
- Eu achei que você ia me levar para conhecer a maternidade.
- Nós vamos, mas você não pode voltar para o Brasil antes de conhecer esse pedacinho do ceu.
- Vou voltar pra Portugal, podemos vir aqui mais vezes depois.
- Claro princesa, tudo que você desejar. - Puxou delicadamente minha mao e entramos na casinha de pedra. Um senhor de bigodão e uma boina, mas bem elegante, acho que era o dono ou gerente do local, veio nos atender. Na verdade mesmo, atender a Fernanda, pois ele não falou nenhum momento comigo, no maximo olhou e sorriu. - Linda, senta aqui um pouquinho que eu já volto OK?
Eu claramente fiquei com cara de mínimos amigos, mas tentei me acalmar e deixar rolar. A Fer saiu com o português bigodudo para uma outra sala e eu me mantive ali no salão principal do restaurante. Era um lugar bem organizado, elegante, com diversas taças e talheres na mesa. Quanto vai me sair esse almoço? Juro que esse é o meu pensamento, pois aqui a refeição não deve ser nem um pouco barata.
Pedi para um outro empregado de mesa (garçom) um sumo (suco), eu estava praticamente em jejum e não tinha ideia de quanto tempo a Fernanda iria demorar conversando com o portuga. Aproveitei para olhar meu celular, ver se ele já estava com sinal, mas a sorte não estava ao meu lado, completamente morto de rede. Minha unica opção foi ficar esperando o suco e a Fernanda, seja quanto tempo ela demorar.
- Esse sumo está gostoso? - quase que eu me engasgo, com a Fernanda falando nas minhas costas, me abraçando.
- Ai que susto Fer.
- Hhahahaha - ela riu de mim, na caruda - Vamos lá fora, daqui a pouco nosso almoço fica pronto.
- Vamos comer lá fora? Na pedra.
- Princesa, se fosse pra comer dentro da casa de pedra, eu pediria em casa não?! Te trouxe para conhecer o Vale do Douro, um dos lugares mais lindos de Portugal. Vem, não faz eu te puxar lá pra fora.
Eu tomei o resto do suco e levantei da mesa, automaticamente a Fer ofereceu a mão dela, que eu não recusei. Saimos reto, andando por cima da pedra. Fomos em silencio ate a beirada do “morro”. Quando olhei para baixo, meu coração simplesmente parou, que imagem linda, que lugar maravilhoso. Eu estava sobre uma falésia, uma espécie de desfiladeiro, um paredão a margem do rio Douro. Lá em baixo eu podia ver o rio Douro correndo, velozmente, apesar dos quase 20 metros de altura que nos separavam. Na margem a frente, tambem havia uma falésia e sobre ela uma vegetação amarela, esverdeada. O vento que antes batia no meu rosto levemente estava mais intenso e o cheiro de mar misturado com terra estava nítido e eu fui capaz de compreender que era o cheiro do rio.
Eu estava apenas de maos dadas com a Fernanda, mas frente a essa cena maravilhosa, não resisti e me aconcheguei em sua frente, puxando seu braço sobre meu pescoço, que foi calmamente abraçado. Ela estava me aquecendo, me protegendo e conseguindo o mais fantastico de tudo, me apaixonando. Apesar dela me conhecer há umas 2 ou tres semanas, foi capaz de me oferecer um passeio perfeito, que aquela que me conhece a 13 anos foi incapaz de me proporcionar.
Meus olhos não foram resistentes como eu acreditava que seriam, nem meu coração lacrado com deveria. Meus olhos começaram a se encher de lagrimas, de água. Mas que bobagem, só por uma paisagem? Não mesmo, esse é um lugarzinho do ceu aqui na terra, se eu já estava facilmente apaixonada por Portugal, agora posso dizer que efetivamente me apaixonei não apenas pelas terras lusitanas, mas pela Fernanda.
- Gostou da paisagem Carol?
- Amei Fer, esse lugar é lindo. Sério, você não poderia ter me levado em um lugar mais lindo.
- Eu cresci em Portugal, conheço lugares perfeitos daqui. Fica aqui comigo, pra sempre, que toda semana te mostro um lugar novo.
- Me apaixonei definitivamente.
- Pela paisagem ou por mim? - ela falou isso na brincadeira, não na cobrança. Eu que estava de costas para ela e de frente para a outra margem do canyon, me virei, olhei nos olhos castanhos, sempre intensos e respondi, com a minha alma, coração e verdade.
- Pelos dois, principalmente por você. - A carinha de surpresa dela é algo que eu amo, e me encanto quando ela fez. Assim que ela ouviu minha resposta e metabolizou o significado dela, fez a cara de surpresa que ela é mestre. Seus olhos se encheram de água, como o meu estava. Ela me olhou na mesma intensidade e me beijou. Foi um beijo molhado, mas de lagrimas. Nossos labios se encostaram com intensidade e ficaram colados por um tempinho e quando se soltaram foram alternados por imensos sorrisos, das duas. Ela me abraçou novamente, me aproximando do seu corpo. Baixinho, ao meu ouvido disse:
- Tambem estou apaixonada por você Caroline. Só não me machuca, por favor. Acho que não suportaria mais uma decepção. - Levantei o rosto, e continuei olhando fundo nos olhos dela, o mais intimo que eu poderia, me perdendo dentro daquele marrom:
- Tem minha palavra! Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para te fazer feliz. Prometo princesa. - O princesa saiu como um elogio, sem nenhum cunho irônico.
Voltamos a ficar abraçadas, olhando a paisagem, sem falar nada. Eu beijando delicada e periodicamente o pescoço da Fernanda, por baixo do casaco quentinho que ela estava usando. Nos perdemos por minutos nesse carinho nosso, apenas “acordamos” quando o garçom veio nos chamar.
- Senhorita Ganate, seu espaço está pronto. “Podes me acompanhaire”? - Nos soltamos do nosso abraço e de maos dadas seguimos o garçom até a lateral da casa, em um espaço com grama, como um quintal, fora do restaurante, onde havia uma toalha no chão e algumas almofadas. Essa era nossa “mesa”, definitivamente iriamos comer ao ar livre, e eu estava adorando isso. Assim que o garçom nos deixou eu não aguentei a risada e soltei:
- Te falo que sou apaixonada e você me traz pra comer no chão Fernanda? Como assim dra?
- Hahaha, não é isso. É um espaço diferente - ela estava toda linda tentando se justificar
- Fica tranquila amor, eu adorei.
- Amor?
- Posso te chamar assim?
- Claro que pode, acho lindo. Mesmo. - Fomos novamente interrompidas, agora com a chegada das taças e do vinho num balde com gelo, por mais que só de ficar naquele vento, pra mim, já gelava até a alma, quem dirá o vinho.
- O que você pediu para comermos? Nem deixou eu pedir.
- Conversei com o chefe, ele indicou uma bacalhoada a moda da casa e um cozido a portuguesa, que vem com feijão, couve, batata, nabo, carne. E um bom vinho da região para acompanhar, um Porto.
- To bem de companhia. Seleciona o vinho, a refeição, o restaurante. Posso ficar mal acostumada com isso hein Dona Fernanda.
- Se depender de mim, vai ficar sempre mal acostumada. Nessa terra eu já passei mal bocados, hoje só tiro o melhor de cada momento daqui.
- Fer, não querendo cortar essa nossa conversa, mas aqui é bem caro. Quanto vai sair tudo isso?
- Quase uma ofensa você me perguntar isso Carol. Esquece a questão do dinheiro, depois eu acerto com o dono. Sem contar que tenho negócios com ele há anos, ele que conseguiu uma vaga pra gente aqui, a reserva espera mais de 4 meses pra ter espaço.
-4 meses?
- 4 meses sim linda. Sabia que esse é um dos lugares turisticos mais procurados da região do Vale do Douro? Nessa margem, a esquerda, está toda a nação portuguesa. Na outra margem está a Espanha. Você está efetivamente na fronteira entre os 2 paises, sem contar que aqui na epoca da colheita da uva é um lugar perfeito, lindo.
- Eu não tinha ideia de nada disso. Achei que fosse apenas uma paisagem exuberante de Portugal.
- Sim, é um lugar perfeito, mas tem muita história envolvida - fomos novamente interrompidas pelos garçons, que agora traziam os pratos efetivamente. Assim que os vasilhames foram posicionados no chão, em cima da toalha, eu não resisti e molhei um paozinho no azeite que tinha no fundo da vasilha, pode até não ser elegante essa cena, mas estava delicioso. A Fermanda me olhou encantada e fez exatamente o mesmo, dando risada.
- Não ri de mim, tá gostoso.
- Não estou rindo de você, apenas me lembrei de uma coisa, mas não importa. Me sinto tão jovem e leve com você. Obrigada por me proporcionar cada minuto. Se eu estivesse aqui com outra pessoa, nunca pegaria um paozinho com a mão, muito menos estaria sentada no chão com ninguem. Estou adorando essa experiencia.
- Porque não? Tão gostoso fazer essas coisas simples. É como comer feijoada, com uma pinga, sabado a tarde, num botecão de bairro. É uma delicia.
- Eu fazia muito disso no meu tempo de Brasil, na época da faculdade. Aproveitei muito esse periodo . Se serve Carol, fica a vontade - me entregou um prato - Perto da minha faculdade tinha um botecão - ela não conseguia falar direito a palavra.
- Serio? Na minha não tinha muito disso não, mas perto de casa tinha, eu ia bastante na epoca, com o meu irmão e com a - silencio.
- Sua ex mulher?
- Isso.
- Um dia você vai me contar o que aconteceu pro seu casamento acabar?
- Só se você me contar finalmente seus segredos
- Não tenho segredos Carol. Coisa boba.
- Fer, você tem pesadelos a noite, largou maçores pra viver em Urros em uma casa de pedra, tem alguma historia com a Milena - fiz uma cara de nojo, na verdade era ciumes disfarçado … ou não - sei lá, essas coisas. Eu não sei nada sobre você. O meu casamento apenas cansou e deixamos de nos amar e principalmente nos respeitar. Eu queria saber essas coisas de você, te conhecer um pouco mais. As vezes sinto que você sabe tudo sobre mim e eu não sei nada de você.
- Bobagem princesa. - me fez um carinho no rosto - eu apenas precisava saber se você era uma boa profissional para assumir a maternidade, apenas pesquisei sobre você por isso.
- E por que lá no começo, na base, você me odiava? Me tratava super mal?
- Não te odiava Carol.
- Mas me tratava super mal, quase me cumprimentava com um coice.
- Não era tão assim não. Até te salvei daquele mela saco que tava dando em cima de você.
- Aff, verdade. Cara escroto. Odeio homem desse tipo, que não sabe respeitar um não.
- Eu não suporto esse tipo de violência, nenhuma violência contra a mulher, independente de eu conhecer ou não. Então corto mesmo. Ainda mais você. Eu me encantei por você no momento que te vi sentada no sofazinho da base, tomando um cafe, antes mesmo da MArcela ir falar com você.
- Quando isso?
- Exatamente quando você chegou. Você chegou e eu fiquei te olhando de canto, depois você pegou um café e sentou no sofá. Tão serena, calma, mas de certo jeito assustada. Eu me encantei por você nesse momento. Mas eu sabia que você era casada e que em um mes iria voltar para o Brasil, ou seja, não poderia me encantar ou me apaixonar por você. Por isso tentei ser grossa.
- Tentou? Você foi bem grossa no começo. Conseguiu bem fazer isso. Eu te odiava, muito.
- Eu sabia que você estava me odiando e quanto mais você me odiava, mais eu sabia que eu estava afetando você. Me encantei no primeiro minuto. Me desculpa minhas grosserias, serio. Foi algum método de defesa.
- Está perdoada, só não precisa mais se defender assim. Medo, todos nós temos. Eu tenho o tempo todo, principalmente de me entregar a alguém, amar de novo. É tudo tão recente.
- Carol, nada que um bom sex* nosso não resolva seus medos. Fica a dica, só a dica mesmo.
- Posso te contar um segredo?
- Pode. Eu vou ter que te contar um meu?
- Só se você quiser.
- Tá, vou pensar. Me conta, guardo comigo.
- Sexo pra mim é uma coisa muito seria, importante. Na minha vida, eu dormi apenas com a Chris e com ninguém mais. - eu estava com um certo medo de contar isso pra ela, da reação. Não vou ficar feliz, muito menos calma, se a reação dela for dar risada ou falar que isso é bobagem.
- Que fofaaaa! Verdade?
- Sério. Pra mim sex* não é algo banal, para ser feito com qualquer uma, num lugar x, escondido, correndo. É o encontro de duas almas, o momento mais íntimo das duas, mais verdadeiro. - ela me deu um beijo antes mesmo de eu terminar meu texto.
- Achei lindo o que você falou. Prometo valorizar esse momento seu. Nosso na verdade. Não posso dizer que apenas uma pessoa passou pela minha vida, pelo contrario, tive alguns periodos que eu aproveitava cada noite para variar minha companhia. Mas juro que me acertei na vida.
- A quanto tempo você está solteira Fer? Sem ninguém? - A cara de incomodo dela me fez levemente eu me arrepender da pergunta - Não precisa contar se não se sentir à vontade pra isso.
- Sem ninguem é um termo muito forte Carol. Estou sem namorar sério, sem relacionamento há - ela parou um periodo, contando mentalemnte algumas datas - há uns 4 anos eu acho, por volta disso. Mas sempre tive meus rolos aqui e ali, mas sempre coisas rapidas.
- A última, de 4 anos atras foi a Milena?
- Carol! Que insistência com a Milena. Esquece ela. Que saco!
- Curiosidade ora. Pensa se fosse ao contrario, te levo em uma festa no Brasil, que você não conhece ninguem, te deixo largada sozinha depois que uma ex namorada apareceu. Volto bebada um tempão depois. Você não ia querer saber?
- O que você quer saber sobre ela? Vou te dar o direito de uma pergunta e acabou.
- Uma pergunta não resolve nada. Melhor nem brincar assim - fiz um bico que deve ter atravessado o rio e ido lá na Espanha.
- Aiiiiii - ela esbravejou de um jeito fofo - tá bom, até terminarmos o almoço você tem o direito de fazer perguntas. Uma por vez. E a cada pergunta que você fizer eu posso fazer uma outra pra você ok?!
- Adorei. Vou até colocar mais vinho na sua taça pra você se soltar.
- Não esquece que temos que ir na maternidade ainda Caroline.
- Ahh, eu dirijo o carro pra você, fica tranquila - Dei risada dela e um selinho antes de começarmos nosso “jogo”.
- Eu dei a ideia então eu começo. Não pode fugir da resposta ok?!
- Tá bom portuga. Manda.
- Por que seu casamento acabou?
- Já te respondi isso, nós cansamos uma da outra e o respeito acabou.
- Mas assim? Você traiu ela?
- Uma pergunta por vez. E nem faz essa cara de cão sem dono não. Minha vez - respirei fundo e soltei - por que você sabe muito sobre mim?
- Que pergunta é essa? Achei que ia perguntar da Milena.
- Melena depois. Agora essa… por que sabe tanto de mim, porque me pesquisou antes de eu chegar?
- Melena? Mancada !!! ( NOta: Melena é o termo médico para fezes com sangue).
- Não pode fugir da resposta Fernanda!
- Quando surgiu a ideia de construir a maternidade, pensamos em um nome forte pra gestão. A Marcela te indicou, e falou mil mundos sobre você e sua competencia. No começo eu achei impossivel alguem ser tão assim, responsavel, competente. Ai comecei a pesquisar sobre você. Minha vez agora - uma pausa para um gole longo de vinho gelado - Você traiu a louca?
- Não. Apesar que depende muito do que você considera traição. Eu nunca saí com outra pessoa, homem ou mulher. Mas por muitas vezes, eu troquei a Chris por pacientes, cirurgias e plantões. Chegava tarde da noite em casa, raramente encontrava ela acordada. Isso foi saturando com o tempo. Foi isso.
- Mas ela não fez nada? Tipo pra puxar você de volta e tals.
- Fernanda, mas que droga. Uma pergunta por vez. E é a minha vez bonitinha.
- Ahh, é que eu quero perguntar mil coisas.
- Temos todo o tempo para isso. Quem está patrocinando a construção da maternidade?
- Que raios de pergunta é essa? Sei lá, alguem com dinheiro - ela deu uma titubiada antes da resposta, olhando para o lado antes de falar.
- Sua vez.
- Ela fez alguma coisa pra te trazer mais pra perto, tentar salvar o casamento?
- A chris me cobrou muitas vezes quanto a eu chegar muito tarde. Convidei ela varias vezes para ir operar comigo, mas ela não aceitou. Por um tempo ela começou a encasquetar que eu estava traindo ela e começou a aparecer no consultorio do nada, o que estressou mais o relacionamento. Ela tentou me recuperar, acho que eu que desisti cedo de mais.
- Tá. Já tenho a proxima pergunta. Mas faz a sua.
- Quem exatamente tem o dinheiro para patrocinar a construção da maternidade?
- Eu já falei que não sei, deve ser alguma viuva da região, algum fazendeiro. Não me importo. Você se sente culpada pelo fim do casamento?
- Sinto que eu poderia ter cuidado mais de nós duas, ter trabalhado menos e tirado mais tempo para nós. MAs não sou a única culpada por isso, não mesmo. Se é uma viuva ou uma fazendeira que patrocina a construção do hospital, eu deveria avisar pessoalmente essa pessoa que eu aceito a gestão?
- Essa pessoa já está a par de tudo e concorda com você assumir o cargo. - A Fernanda estava percebendo ou sem perceber me contando o que eu estava imaginando mesmo - O que foi o ponto final do casamento, que fez você largar tudo e vir conhecer Portugal e o projeto?
- Nós entramos em uma serie de brigas, uma atras da outra. Eu sai de casa e fui morar no consultorio por alguns dias. Ela me ligou, pedindo pra eu voltar e conversar, eu fui. Quando cheguei em casa, o celular dela não parava de tocar. Era uma mulher mandando mensagem pra ela, falando que adorou o dia e que estava com saudades. Quando eu perguntei ela falou que não tinha ninguem e que se eu viesse para Portugal não teria volta. Eis que estou aqui. Fer, você conhece a pessoa que está patrocinando a construção do hospital?
- Pra que essa pergunta? É um projeto filantrópico. Se a pessoa quisesse aparecer, apareceria. Mas pra você ficar sem a pulga atras das orelhas, quem patrocina te conhece muito bem, te respeita e sabe da sua capacidade. Acredita que você seja a melhor escolha para a maternidade de Úrros. Você conhece com quem ela estava?
- Não. Só sei que chama Malu. O que faz ou quem é eu não sei. A Ana, melhor amiga da chris, a Clara, minha secretaria e o Lucas, os tres, me afirmaram que eu deveria seguir em frente e que a Chris já tinha seguido a vida dela. Por que você largou a sua casa em Maçores, com luz, internet, telefone e foi morar na casa de pedra?
- A casa de pedra fica mais perto do ambulatorio. Quantos anos voces namoraram ou ficaram casadas?
- Eu conheci ela no meu 4o. ano da faculdade, namoramos até o final do sexto ano. Pedi ela em casamento no ano seguinte. No total foram 13 anos juntas. Por que manteve a casa de Maçores mesmo morando em Úrros?
- A casa em Maçores é a sede da fazenda, não te levei pra conhecer, mas podemos ir lá. Aquela casa que ficamos é um espaço meu, de casa mesmo. Se andar um pouco mais pra cima na fazenda, tem uma outra casa, sede administrativa da fazenda e da fabrica. Namorou alguem antes da louca?
- Ah, namorar eu namorei, um tempo aqui, outro ali, mas nada serio serio mesmo. Fábrica? Que fabrica.
- A casa de Maçores fica dentro de uma fazenda de oliveiras, que dá o azeite de oliva. Ai todas as azeitonas que são colhidas na fazenda são transportadas para uma fabrica, para serem processadas e gerar o azeite de oliva, que é embalado e vendido. Esse restaurante aqui usa só o nosso azeite, você gostou do sabor?
- Nossa, maravilhoso. A comida é uma delícia e o azeite que eu coloquei no pão é divino, perfeito.
- Então, esse é o azeite produzido nas fazendas Ganate.
- Fazendas?
- Olha ai quem corta a vez. Uma pergunta só princesa. Minha vez, gostou de portugal de verdade ou foi apenas um refugio pra esquecer ela?
- Só vai fazer pergunta sobre ela?
- Minha vez, minhas perguntas, oras. Não tem restrição de tema.
- Eu vim para portugal procurando um refugio para uma puta briga de casamento. Esperando dar um tempo e poder voltar para a Chris. A ideia inicial era essa - eu estava achando um barato a cara de nojo ou desconforto a cada vez que o nome da Christiane era pronunciado para a Fernanda - mas com o avançar dos dias aqui eu fui me sentindo cada vez mais liberta, viva. A cada discussão que eu tinha com você eu conseguia sentir a raiva na minha pele, o calor, coisa que há anos eu não sentia. Com o tempo fui sendo capaz de perceber o que tinha embaixo da sua carapaça de mal encarada e fui me encantando, cada dia mais. Ai Portugal deixou se ser um refugio e passou a ser uma esperança, uma expectativa, uma realidade. E no final de tudo, acho que me apaixonei por Portugal, pelo pastelzinho de nata e por você. Pelo frio não, mas seu calor me faz querer ficar.
- Linda!!! Mandou bem nessa resposta. Vem cá me dá um beijo - Colamos nossos labios mais uma vez. Eu estava adorando essa conversa nossa, esse bate papo leve e efetivo.
- Me dá mais um pouco de vinho, para eu segurar as proximas bombas que virao dessa imaginação ai.
- Sua vez.
- Ah, verdade. Essas fazendas e fabricas são suas ou de sua familia? Como funciona?
- Serio que você quer saber disso? Carol, sou médica, não sou fazendeira ou empresaria, eu no maximo assino uns papeis.
- Não pode fugir da resposta.
- A maior porção das ações são minhas, detenho cerca de 80%. Mas de verdade, eu apenas assino uns papeis as vezes, eu deixo um empresário organizando tudo pra mim. É um cara da minha total confiança e periodicamente eu venho ver a produção e como está rolando tudo. Eu sou médica, meu lugar é em Úrros, onde as pessoas precisam de mim e não com a mao de óleo de azeitona. Minha vez, pastel de belem ou bacalhau com azeite Ganate?
- Hahahaha, jura que essa é a sua pergunta? Tá bom, pastel de belém da dona Antonia, o melhor de todos.
- Ela adorou você, falou pra eu te levar mais vezes em Maçores.
- Ela é o que sua?
- É meio que uma mãe. Ela é a pessoa que cuida de tudo, da casa, de mim. Ela trabalha em casa desde que sou pequena. Na verdade não lembro de mim sem a Dona Antonia. Digamos que ela que me criou praticamente. Qual seu maior medo?
- Andar de avião. Eu odeio. Toda vez que tenho que viajar naquele treco eu tomo remedio pra dormir.
- Então sem chance de eu te levar pra voar de aeroplanador.
- Nossa, não mesmo. Eu fico bem no chão, no maximo olhando para o céu. Se você é uma fazendeira, posso te caracterizar como patrocinadora da maternidade?
- Mais quanta insistência em assunto chato Carol.
- Não é insistência Fer, eu quero saber só.
- Que adianta você saber se eu patrocino ou não a maternidade? Isso não me torna sua chefe, nem eu dona do hospital.
- Então é você quem patrocina?
- Minha princesa Ardinia, que insistencia. Você é assim em tudo?
- Quando eu quero eu vou atras, até conseguir uma resposta.
- Eu não tenho nada pra fazer com o dinheiro que eu recebo dessa produçaõ de azeite, não tenho filhos, não sou casada. Pago os gastos da produção e manutenção de tudo. O que sobra vai pro hospital, foi o modo que achei para dar um dinheiro que não uso para um povo que precisa e que me acolheu. Satisfeita com minha resposta? Muda alguma coisa na sua vida?
- Não muda absolutamente nada. Mas me faz entender o porque você pesquisou sobre minha vida. Ganha um sentido nisso, um motivo. E se me pesquisou para assumir a maternidade, volto a pergunta, por que me odiava? Lá no começo.
- Eu não te odiava Carol, para com isso. Foi assim, a Marcela, que é quem cuida disso tudo e é a chefe dessa jogada toda, iria te convidar quando estivesse tudo pronto, a maternidade prestes a inaugurar, já que você participou de toda a montagem do projeto. Ai quando ela me avisou que você vinha antes, pra conhecer tudo e passar só um período, eu achei estranho e pensei que você não fosse boa o suficiente para assumir um hospital. Mas quando eu te vi lá na base, percebi que o problema seria muito maior, o problema seria eu me encantar por você e não te deixar ir embora um mes depois. Acho que esse ainda é o problema.
- Fer, vem comigo pro Brasil.
- Não Carol, não mesmo. Essa decisão deve ser sua.
- Eu já me decidi.
- Quando você ver a louca, quero que seja você e ela, sem eu interferir em nada. Por que se você voltar, eu sei que será sem pressão nenhuma minha, simplesmente porque quis e decidiu isso por conta própria.
- Por que você acha que eu vou desistir e ficar no Brasil?
- Como é aquela expressão do Brasil, gato frio tem medo de água? Caceta, não é isso. Ah, você entendeu.
- Gato escaldado tem medo de água fria?
- Isso.
- Quem te machucou? Por que pra você ter essa visão alguém já fez isso.
- Não importa quem foi. Já amei muito uma pessoa, ela decidiu que a vida seguia caminhos que não valeriam a pena me ter por perto. Simples assim.
- Foi a Melena?
- Não importa quem foi Carol.
- Então foi ela. Ela é a unica que eu conheço do seu passado. Se não fosse ela, não teria problema de você fala o nome.
- Mas você é insistente hein Dona Caroline.
- Não queria me conhecer, agora conhece, sim, sou muito insistente.
- Que te adianta saber se foi a Milena ou outra?
- É que eu prevejo que ela vai me dar trabalho. É o tipo de pessoa que eu tenho que saber as jogadas antes da guerra. Pelo menos sábado passado, lá na festa do pai dela, ela deixou claro que voltou do além tentando reconquistar você. E pela maneira como você ficou transtornada, ela tem boas chances nisso.
- Não fiquei transtornada. No máximo surpresa.
- Ah tá, ficou surpresa. Hum. Vocês conversaram o que na casa dela?.
- Aiiii, insistente e enxerida, isso sim.
- Tá bom Fernanda, não quer contar? Não conta. - eu fiquei brava mesmo, ela perguntou mil coisas sobre o meu casamento, mas não pode me responder sobre a Milena. Pra mim, isso mostra o quanto ela ainda sente algo por aquela garota. Olhei para as preparações que estavam na nossa frente e percebi que com essa conversa toda, acabamos comendo tudo. Até o vinho já havia acabado. Será que um dia serei capaz de conversar com a Fernanda sem brigarmos? Desde que cheguei a Portugal isso simplesmente não aconteceu nenhuma vez.
- Carol, não faz esse bico todo não, por favor, desculpa.
- Ah Fer, poxa, toda vez que a gente conversa dá em discussão. Você perguntou um montão de coisas sobre a Chris e eu respondi, de boa. Quando eu te pergunto da Milena, você sai pela culatra. E outra, para de falar que eu sou enxerida, insistente e outras palavras que você já usou hoje, eu sou desse jeito, não mudo por ninguém. Há anos eu assumi essa postura de não mudar por ninguém e não será hoje que eu vou deixar de ser assim por alguém, por mais que eu goste dessa pessoa.
- Desculpe, de verdade. Eu estou a tanto tempo sem confiar em alguém que você acaba me desafiando.
- Então se desafie, acha que pra mim é fácil? Abandonar o Brasil, assumir um cargo novo, um emprego novo em uma realidade completamente diferente da minha? Não é. Eu simplesmente estou arriscando e quanto a nós duas eu estou arriscando também, dando o braço a torcer.
- Peço mais um vinho ou peço a sobremesa, ou os dois.
- O que tem de sobremesa, já que você conhece o chefe e conseguiu uma super reserva com 4 meses de antecedência? - Falei isso fazendo uma careta, para quebrar o clima chato que foi criado, mas pra principalmente ela entender a ironia.
- Eu pedi um bolo dos reis para nós duas e sorvete do vale do Douro.
- Pede a sobremesa, se precisar pegamos mais vinho depois.
Ela acenou para o garçom, que veio rapidamente. Falaram em um sotaque português tão intenso que eu não compreendi absolutamente nada.
- Voces falaram em português? Eu não entendi nada.
- Não, eu falei com ele em Mirandês. Esse garçom nunca saiu dessa região, fala apenas o dialeto local.
- E você fala isso tambem?
- Arranho um pouco. Eu vim do Brasil pra cá com uns 5 anos, acabei aprendendo com os trabalhadores da fazenda, quando eu me perdia entre as oliveiras.
- Você nasceu no Brasil ou aqui?
- Nasci no Brasil e fiquei lá até uns 5 anos. Depois vim morar em Maçores com o meu pai - ela falou a palavra pai fazendo um entre aspas com os dedos - depois com uns 16,17 anos eu consegui voltar para o Brasil. Vivi lá até o final da minha residência em pediatria, quando o meu pai morreu e eu precisei voltar, pra assumir a produção do azeite. Assumir não, assinar os papéis. Eu não suporto números ou regras de administração, no máximo respondo pela produção, e olhe lá. A Milena que me ajudou a achar alguém pra assumir no meu lugar, eu não sabia de absolutamente nada.
- Foi aí que você conheceu ela?
- Não, eu cresci com a Mi. As fazendas eram juntas praticamente, por um período não tinha nem cerca entre elas. Nós crescemos brincando juntas, nadando no Douro, arrancando azeitona do pé e saindo correndo.
- E um dia percebeu que se apaixonou por ela?
- Não exatamente. Quando eu voltei da minha residencia, ai eu percebi a mulher que ela tinha se tornado e como era linda, e que a amizade que eu tinha por ela se tornou algo a mais.
- E depois disso?
- Meu maior empecilho de vida havia sido o meu pai, sempre foi. Com a morte dele não havia nada que me impediria de ser feliz, começamos a nos conhecer como mulher e acabamos namorando. Na semana em que eu pedi ela em casamento, ela sumiu do mapa sem deixar rastros depois de ter aceitado o pedido. Tempos depois eu descobri que ela havia sido selecionada para o programa de administração e economia de Cambrigde, na Inglaterra. E ela foi sem olhar para trás ou pensar duas vezes. Pronto, agora você sabe quem é a Milena e o que ela significou pra mim. Satisfeita?
- E sabado passado foi a primeira vez que você esbarrou com ela depois de tudo isso?
- Digamos que oficialmente sim. Depois que eu descobri que ela estava na Inglaterra, eu fui até la varias vezes. Apenas para olhar ela de longe e ver se estava bem. Mas de nos falarmos, frente a frente, sábado foi a primeira vez.
- E o que você sente por ela?
- Mágoa, raiva e desprezo. A Milena foi uma pessoa que eu amei muito, ela sabia de cada merd* da minha vida, o motivo de cada pesadelo e de cada cicatriz. Ela sabia mais de mim que eu mesma. Me sinto uma idiota pela maneira como confiei nela e principalmente como amei ela. Ela ter ido embora não é o que me machucou, mas machucou ela ter ido sem me contar nada, sem falar tchau, sem um ponto final, sem a honestidade que sempre houve na nossa amizade e no nosso relacionamento. Ela simplesmente sumiu e isso me machucou, me arrancou o coração do peito e realmente me magoou, muito.
O garçom nos interrompeu e entregou a sobremesa. A Fernanda me serviu e depois colocou um pedaço pra ela. Era um bolo, cheio de nozes e de frutas secas, com uma bola de sorvete ao lado. Comemos em silêncio, sem haver mais perguntas ou especulações, de nenhuma das partes. Eu havia definitivamente conhecido muito da Fernanda hoje e não era correto eu forçar mais a barra. Ela havia confiado em mim o suficiente e eu estava satisfeita.
Tentei e consegui não importuna-la mais, eu sabia ou ao menos tinha ideia do quão duro havia sido essa conversa para ela. Quando terminamos a sobremesa, ela levantou e me ofereceu as maos para que eu pudesse levantar tambem:
- Vamos na margem, eu quero te contar uma historia da região.
- Precisa ser na margem? Eu morro de medo de altura.
- Não vai cair linda, prometo. Mas tem que ser na margem, pra você olhar o rio enquanto eu te conto.
De maos dadas fomos até a beirada da falésia/ penhasco.
- Com muito cuidado, tenta olhar para o rio lá embaixo. Ele tem alguns riscos vermelhos correndo em suas aguas. “Consegues enxergaire”? - A Fernanda só pode estar louca, quer que eu fique dessa altura olhando a água do rio, procurando traços vermelhos. Até parece que tenho essa aptidão. Eu dei uma olhada rápida e fingi que consegui ver.
- Eu vi Fer, tem uns traços vermelhos mesmo. Tem razão.
- Para de mentir, você não viu nada.
- Fer, não vou ficar olhando pro rio lá embaixo, deve ter uns 20 metros de altura isso. Mas acreditando que eu vi os traços vermelhos, o que eles significam?
- Tem uma lenda sapatão aqui na região, que vem da antiguidade, vou ler no meu celular porque eu não lembro os detalhes minimos. A lenda é o seguinte:
A princesa Ardínia viveu no século X, no castelo de Lamego, quando esta terra, região do Douro, se encontrava sob domínio árabe. Era o período da reconquista da Península Ibérica aos árabes. A beleza da princesa era falada por todos os lados, mas nenhum cristão, aldeão ou nobre era capaz de conquista-la.
Um dia uma aldeã cristã, Dorothea, veio disfarçada a Lamego, tendo-se as duas se apaixonado em um amor proibido pela religião, pelo status e por serem duas mulheres. Depois de alguns encontros, as escondidas, no laranjal do castelo, ao luar, resolveram casar-se em segredo e planejaram fugir para longe viverem seu amor.
Mas o rei mouro, pai da princesa, não consentia no casamento da sua filha.
Numa noite de vendaval a princesa fugiu com sua amada para longe, escondendo-se em S. Pedro das Águias, onde casaram sob as preces pagas e viveram escondidas.
Mas a felicidade de Ardínia durou pouco. O pai, que saíra em sua perseguição, encontrou-a junto do rio Távora e, ao saber que se tinha casado, matou-a com a sua espada deitando o corpo à água do Douro. Dorothea quando soube da morte da sua amada, fez votos de nunca mais se apaixonar e alistou-se ao combate dos muçulmanos, tendo sido morta, bem perto junto a um pequeno rio, rio Tedo.
Diz o povo, que as águas dos rios Douro e Tedo, por vezes, aparecem vermelhas, porque o sangue dos amadas Ardínia e Dorothea ainda as tinge.
Também diz o povo que quando o castelo é envolvido pelo nevoeiro no Inverno, a alma da princesa esvoaça sobre ele, procurando sua amada.
- Fer, por que me contou isso? - ela segurou minhas mãos e olhou nos meus olhos, de um modo tão intenso que eu me perdi nos dela
- Sei que é apenas uma lenda, tenho consciência disso. Elas morreram por se se amar, foram punidas, mas mesmo depois de tudo isso, ainda tentam estar juntas, tingindo os rios e causando nevoeiro no castelo. Podemos ter nos conhecido há pouco tempo, mas sei que o que sentimos uma pela outra é intenso, verdadeiro e tem tudo para continuar. Quando você estiver no Brasil, decidindo sua vida, lembre-se de cada momento que passamos juntas, os bons e os ruins. Não posso te prometer nada além de mim, mas posso te prometer que sempre você terá o meu melhor. Se sua escolha for Portugal, sei que não significa exatamente ter me escolhido, mas isso nos dará mais tempo para nós conhecermos e eu te conquistar, mostrando que posso te fazer feliz. Você não poderia ir para o Brasil sem eu falar isso, não posso te deixar ir embora sem mostrar o quanto eu estou apaixonada pela sua força, garra, competência e pela pessoa simples que você é. Apenas lembre-se desse momento quando decidir seu futuro.
Meus lábios nem esperaram ela terminar a frase, buscaram rapidamente os dela. Assim como meus braços desejavam estreitar o espaço de nossos corpos. Como todo beijo nosso, leve, calmo, mas posso dizer que esse foi banhado á um sentimento delicioso, um coração apertado e um brilho no olhar que nos dava garra para encarar o futuro, pelo menos pra mim, deu gás para resolver minha vida no Brasil de cabeça erguida e de pulso firme.
Fim do capítulo
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Pipoca ramos
Em: 10/07/2018
Já me emocionei com mtas histórias mas me emocionar e chorar com um capítulo só foi a primeira vez.
Parabéns moça esse foi um capítulo e tanto.
A história por si só já é linda demais mas em casa capítulo vc se supera.
Bjs até o próximo capítulo
Mais uma vez parabéns
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