Capítulo 4
— HERNANDO!!! — o grito quase não saiu, embargado pelo choro e também pela embriaguez, talvez não tivesse ficado tão bêbada antes, com o sangue quente e com a adrenalina ainda em alta, mas agora, que estava mais quieta, o álcool havia pego de verdade no corpo da jovem design, ela sentia o estômago embrulhado e a garganta fechada pelo choro. Havia fugido de seu apartamento há poucos minutos, havia deixado Charlie em sua cama e havia demorado muito mais do que demoraria se estivesse sóbria para encaixar uma chave na fechadura da porta de Hernando, tinha a chave do apartamento dele, assim como ele tinha a do apartamento dela. — Hernando!! — agora a voz saiu mais baixa, ainda mais chorosa do que antes, soluçou enquanto caminhava pela sala, ou ao menos tentava fazer isso, estava tudo escuro, ela não sabia se era pelo o que havia acabado de acontecer, ou se era apenas culpa da bebida, mas sentia um verdadeiro pânico e seu coração batendo extremamente forte dentro de seu peito era um verdadeiro incômodo, assim como suas mãos tremendo e suando bem mais do que o normal. — Eu não to respirando, Hernando! Hernando! — estava desorientada, extremamente desorientada e isso realmente estava deixando-a absurdamente nervosa, aquilo nunca havia acontecido com ela, ela já havia bebido muito, já havia chorado horrores uma vez por causa da bebida, ou esquecido até do próprio nome, mas nunca havia se sentido em tanto pânico como estava se sentindo daquela forma. — Hernando! Eu não to conseguindo ver, Hernando! — falou novamente e soluçou com o choro, sentia-se tremer dos pés a cabeça, as lágrimas salgadas chegavam a própria boca e levou as mãos a cabeça como se isso fosse ser capaz de parar todas aquelas sensações perturbadoras.
Quando Hernando apareceu assustado na sala, ligando rapidamente as luzes, ele deu de cara com uma Mia completamente encolhida, em pé, no meio da sala, vestida com um hobby mal fechado o que evidenciava que ela nada vestia por baixo da vestimenta. O moreno sentiu o coração pular dentro do peito pelo susto que lhe atingiu e saiu andando a passos realmente rápidos em direção a amiga.
— Mia! O que houve? — perguntou ao acomodar a mulher em seus braços e a apertar contra o seu peito na tentativa de lhe dar qualquer conforto já que ela se mostrava completamente desesperada, claramente perdida, já havia cuidado muito da mulher após suas bebedeiras, mas nunca havia a visto daquela forma. Drew viera logo atrás do namorado, ainda arrumando a cueca que havia acabado de vestir, tão assustado quanto Hernando, parou ao lado dos dois e levou a mão aos cabelos da morena, sequer a tocara, mas claramente a via tremer, não sabia se pelo choro inconsolável, ou por frio. O casal trocou um olhar preocupado, ainda mais quando Mia empurrou um pouco Hernando.
— Eu acho que... — ela olhou em volta, estava pálida, principalmente os lábios carnudos que tinha, Hernando não precisou de muito mais pra entender o que iria acontecer.
— Balde! — falou para Drew, os olhos arregalados e no segundo seguinte Drew saia às pressas pela sala em direção cozinha e Hernando segurava Mia a levando até o sofá da sala.
— Mia, respira fundo, respira, se acalma. — o moreno falou enquanto se ajoelhava na frente da morena assim que a sentou no sofá, as mãos grandes foram passando pelos cabelos bagunçados da morena, os colocando completamente para trás antes de ver Drew voltando às pressas com um balde em mãos, fora praticamente instantâneo quando Hernando pegou o balde e o colocou na frente de Mia, a morena se desfez em tossidas agonizantes ao por pra fora tudo o que agitava tanto o seu estômago.
— Ela está muito bêbada. — Drew falou enquanto sentava-se ao lado da amiga e segurava os cabelos escuros dela pra que não sujasse enquanto, sentia nojo em ver aquilo é claro, tanto que mantinha o cenho franzido ao manter os olhos desviados, olhando para qualquer ponto da sala que não fosse para aquele balde.
— Sim, mas não é só isso, aconteceu alguma coisa. — Hernando falou com seriedade. E olhou para Mia quando ela tossiu com força mais uma vez, com praticamente a cabeça enfiada dentro daquele balde, sentiu pena por um momento, estava extremamente preocupado com ela e isso estava completamente estampado em sua expressão. Quando a morena ergueu a cabeça, viu o rosto banhado pelas lágrimas, sujo pela própria maquiagem e isso fez o moreno suspirar. — Respira fundo. — ele pediu e a morena o fez, devagar, respirou fundo, de forma bem lenta. — Amor, vai pegar uma toalha, por favor. — pediu ao olhar para o namorado. Drew apenas acenou de forma positiva com a cabeça e soltou os cabelos de Mia antes de erguer-se do sofá e saiu andando a passos rápidos, não tanto quanto anteriormente.
— Eu fiquei pensando nela, Hernando. Eu pensei nela o tempo todo. — soluçou mais uma vez, sentia-se completamente perdida quando voltou a falar. — Eu me toquei pensando nela, Hernando. Enquanto trans*va com o Charlie. Eu sou a pior pessoa do mundo, Hernando, eu sou uma mulher suja, eu sou horrível, eu sou um lixo Hernando. — ela falava com um desespero tão grande que isso fez Hernando ter vontade de rir, tanto que um pequeno sorriso surgiu nos lábios do homem, por que ele havia entendido o que havia acontecido. Ele sabia que todo aquele desespero e todo aquele drama eram provenientes do álcool, principalmente também o efeito do seu nome sendo repetido tantas e tantas vezes. — Eu não consigo deixar de pensar nela, ela fica na minha cabeça o dia inteiro, eu não consigo deixar de pensar naquele... — tossiu mais uma vez e sentiu seu estômago e garganta doerem quando mais uma vez enfiou a cabeça dentro daquele balde.
Drew voltava com a toalha e aproveitou também para passar na cozinhar e trazer junto um copo cheio com água gelada, caminhou devagar de volta para a sala vendo que Mia mais uma vez vomitava e não ia precisar no momento nem da água e nem da toalha.
— Ela já falou algo? — perguntou antes de sentar-se ao lado da morena mais uma vez, deixou a toalha sobre o próprio colo e o copo de água ficou em sua mão enquanto olhava para o namorado.
— Aparentemente ela transou com o Charlie enquanto pensava na dançarina. Ela finalmente aceitou que gostou. — Hernando falou em tom baixo e olhou para a amiga por um breve momento, em todos aqueles anos que se conheciam, já havia cuidado muito dela naquelas situações, assim como ela também já havia cuidado dele e por isso mesmo sequer se importava de estar ali, segurando um balde para que ela vomitasse.
— Eu não queria, Hernando! — ela levantou a cabeça enquanto falava isso, a expressão contorcida em puro choro, em qualquer outra situação o rapaz provavelmente estaria rindo, tirando fotos e gravando aquela situação para que no dia seguinte pudesse caçoar da amiga pelos dias que viessem a seguir, mas agora ele sabia que não havia espaço para brincadeiras, por que sabia o quão afetada a morena estava.
— Está melhor? — Hernando perguntou enquanto ainda segurava o balde, mas logo ajeitou-se um pouco para ficar mais confortável e viu Mia acenar de forma positiva com a cabeça. — Tem certeza que não vai vomitar no meu tapete? — perguntou novamente, uma sobrancelha arqueou-se e Mia voltou a concordar com a cabeça.
— Tome e beba um pouco de água. — Drew ofereceu a morena a toalha que logo fora aceita e em seguida a água que fora tomada poucos goles. O balde fora deixado de lado antes de Hernando erguer-se e ajudar a morena a fazer o mesmo. A envolveu pela cintura e manteve-se ao lado da morena quando começou a andar em direção ao quarto. — Vamos tomar um banho, você vai se acalmar e então vamos conversar e não adianta reclamar.
Dar banho em Mia naquela situação nunca era difícil, após passar mal ela sempre, sempre ficava depressiva de alguma forma e absurdamente quieta por que se sentia mal, então aceitava tudo o que Hernando pedisse ou mandasse e isso nunca mudava, todas as vezes que ela dera PT na casa do amigo era sempre daquele jeito, botava para fora tudo o que não tinha no estômago, depois disso apenas aceitava pacificamente todos os pedidos do amigo que apenas tinha a intenção de cuidar dela e nada além disso e ela mais do que ninguém sabia muito bem disso, mesmo bêbada.
Estava completamente encolhida na banheira e nua enquanto sentia o carinho em seus cabelos, estava começando a ficar sonolenta, ainda mais com Hernando lavando seus cabelos com tanto cuidado como sempre fazia.
— Eu trouxe um remédio pro estômago, apenas por precaução. — Drew entrou no banheiro sem qualquer receio ou aviso, carregava em mãos uma pequena ampola de remédio apropriado para o estômago que prometia alívio imediato. Abaixou-se ao lado da banheira, sequer notava a nudez de Mia, com o polegar retirou a tampa da ampola e entregou à morena. — Beba de uma vez.
Mia acenou de forma positiva com a cabeça antes de pegar a ampola e a deitou um pouco a cabeça para trás para virar o líquido, engoliu em um único gole e fez uma careta quando o gosto forte tomou conta de sua boca, Drew sorriu enquanto pegava a ampola vazia e então ergueu-se.
— Me chame se precisar de algo. — ele falou e trocou um breve olhar com Hernando que apenas sibilou um “obrigado” para o namorado antes que ele saísse.
Hernando estava sentado na beirada da banheira, com as pernas dentro da mesma e com Mia sentada entre elas, lavava os cabelos escuros da morena com calma por que sabia que nada mais a acalmava tanto a não ser um bom carinho nos cabelos. Ela não havia falado mais nada desde que havia entrado naquela banheira, apenas estava ali, encolhida. A morena ainda sentia-se tonta, mas nada comparado a antes, talvez tudo fosse culpa do pequeno surto de culpa que tivera.
— Sabe... Eu não aceitei que eu gostava de homens tão facilmente. Eu sempre disse que eu não era preconceituoso até perceber que eu realmente não era, não com outras pessoas. Mas comigo... Eu tinha preconceito comigo mesmo. — a voz grave do rapaz soou calma quando ele pegou o pequeno chuveirinho acoplado a banheira, ligou a água do mesmo e o trouxe para cima da cabeça da morena para terminar de lavar os cabelos da morena. — Eu não me aceitava. Eu não aceitava que eu podia gostar de uma pessoa semelhante a mim, ou seja, do mesmo sex*. Eu me senti sujo, me senti a pior pessoa do mundo. — continuou no mesmo tom de voz, a mão grande deslizava pelos fios macios enquanto a outra apenas segurava o chuveiro. — Eu sei que você não quis trans*r com o Charlie pensando nela. Até por que eu sei muito bem o quanto você gosta de trans*r com o Charlie. — deu uma pequena risada e bem breve antes de continuar. — Mas não foi culpa sua. Foi culpa do seu autopreconceito e isso é muito normal. E vai continuar se você não aceitar quem você verdadeiramente é. Sentir atração por uma mulher não é o fim do mundo, as pessoas não vão julgar você e nem te odiar, você não vai se tornar uma pessoa diferente. Você sempre teve isso dentro de você, só faltava à pessoa certa aparecer para despertar. — desligou o chuveirinho e o colocou no apoio ao lado da banheira antes de segurar os cabelos de Mia com ambas as mãos e espreme-lo para tirar o excesso de água. — E você precisa se aceitar para se sentir bem. — completou ao erguer-se e puxar uma das toalhas que estavam penduradas, a abriu completamente e parou ao lado da banheira esperando que Mia levantasse.
A morena parecia completamente presa em seus próprios pensamentos, mas ainda assim devagar apoiou as mãos nas bordas da banheira e com alguma dificuldade conseguiu erguer-se, saiu já sendo amparada pelos braços de Hernando, ele a envolveu com a toalha com calma e deixou que ela segurasse a toalha contra o próprio corpo antes de se afastar da morena e pegar uma toalha menor, pacientemente cobriu a cabeça da morena com a toalha e começou a secar os cabelos molhados antes de guiar a amiga para o quarto. Foi em completo silêncio que Hernando terminou de cuidar de Mia e no fim de tudo, a cama de casal serviu para três pessoas.
Mia estava com a cabeça extremamente cheia, mas isso sequer a impediu de simplesmente apagar ao lado de Hernando e de Drew e de fato, simplesmente apagou, sem sonhos, sem visões, sem qualquer sensação e principalmente sem a imagem da mulher mascarada. Era tudo o que ela precisava.
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O sol batendo contra o seu rosto em algum momento daquele dia a incomodou, mexeu-se na cama de forma preguiçosa, encolheu-se embaixo das cobertas enquanto franzia o cenho e ia virando o corpo para o outro lado na tentativa de escapar da luz excessiva. Não conseguiu. Odiava o fato do quarto de Hernando ser extremamente iluminado quando amanhecia, diferente do seu, ela fazia questão de por cortinas em todas as janelas por que gostava de um quarto bem escuro. Ainda com o cenho franzido abriu os olhos devagar e respirou fundo, estava tão confortável naquela cama quentinha que sequer tinha vontade de sair. A primeira coisa que viu quando seus olhos se acostumaram com a claridade, fora um copo em cima do criado mudo com um post-it colado. A morena respirou um pouco fundo enquanto esticava a mão esquerda e o puxava, conhecia aquela letra.
“Eu espero que esteja se sentindo bem. Você deu o maior PT de madrugada e me deixou assustado. Estou preocupado com você. O Charlie apareceu te procurando de manhã, contei que você passou mal e veio pedir ajuda. Fale com ele depois. Suco de laranja na geladeira, analgésico logo ao lado do copo. Precisamos conversar. – Nando”.
A morena sentou-se devagar na cama e levou a mão aos cabelos negros, os dedos emaranharam-se entre os fios desalinhados e os jogou para trás como sempre fazia enquanto via o corpo com água até a metade e ao lado, dois analgésicos. Sua cabeça não doía tanto e seu estômago estava intacto, lembrava de ter tomado remédio para o estômago na noite anterior. Na verdade, ela lembrava de tudo, não era o tipo de bêbada que esquecia todas as merd*s que havia feito e definitivamente ela já havia desejado muitas vezes que ela fosse. Por que odiava ter que lembrar de algumas coisas e agora era uma dessas vezes. Pegou o copo com água e ambos os analgésicos e os jogou na boca antes de virar a água em goles longos. O relógio marcava pouco mais de duas horas da tarde.
Assim venceu a preguiça e enquanto abraçava o próprio corpo caminhou até a cozinha de Hernando, que certamente estava trabalhando, pegou um dos copos limpos na cozinha e ao abrir a geladeira o encheu com um gelado e bom suco de laranja, era o que sempre tomava quando estava de ressaca. Estava alheia a tudo, a mente rebobinando tudo o que havia acontecido na noite anterior e principalmente as palavras de Hernando que simplesmente a calaram por uma noite inteira até aquele momento. Respirou fundo pela milésima vez naquela tarde, apoiou-se no balcão da cozinha e olhou para o copo já pela metade, estava vestida apenas com alguma camisa de Hernando.
— E você precisa se aceitar para se sentir bem. — repetiu em um sussurro as palavras que Hernando havia dito na noite anterior, balançou a cabeça de forma negativa e franziu o cenho antes de virar o líquido amarelado em alguns goles. Logo então lavou rapidamente o copo com um pouco de água antes de colocá-lo em cima da pia e saiu andando a passos calmos do apartamento do amigo para ir de volta para o seu.
Entrar de volta em seu apartamento e principalmente em seu quarto fora como um choque de realidade, mais lembranças da noite anterior e do que ela havia feito enquanto trans*va com Charlie. Balançou a cabeça de forma negativa e então, sentiu-se suja. Tão suja que o seu primeiro ato fora arrancar a camisa que usava e ir direto para o banheiro, para debaixo do seu chuveiro.
— O que você ta fazendo comigo? — perguntou em um sussurro, os olhos fixos no ralo do banheiro que colhia toda a água que caia do chuveiro, a pergunta direcionada a quem estava tomando conta de sua mente cada vez mais: A dançarina mascarada. Naquela altura do campeonato ela não podia simplesmente negar que havia gostado e céus, como ela havia gostado do que havia acontecido e era isso que tanto a irritava, que tanto a fazia sentir-se suja e perdida. Era o fato de ter gostado tanto de algo que não deveria gostar.
Seu banho durou muito mais do que normalmente durava, mas saiu do banheiro, de certa forma, renovada, com uma toalha enrolada no corpo e outra nas mãos enxugando o cabelo, voltou para o quarto e só então notou a bagunça de suas roupas da noite anterior jogadas no chão, olhou para a cama bagunçada e lembrou-se que devia uma explicação a Charlie. Fisicamente sentia-se bem, provavelmente por der colocado pra fora tudo o que havia bebido na noite anterior e certamente se não o tivesse feito sequer teria conseguido levantar da cama.
Não tinha o porquê ir trabalhar mais naquele dia, mas precisava sair de casa e distrair a mente. Assim que vestiu a lingerie largou a toalha molhada sobre a cama e secou os cabelos molhados com o secador, mantinha os olhos fixos no próprio reflexo enquanto secava os longos cabelos negros em frente ao espelho, tinha um semblante sério, ela não estava em seu estado normal e sentia que isso estava causando um grande impacto em seu humor. Quando enfim o cabelo estava completamente seco, cobriu as olheiras e a expressão cansada com uma simples maquiagem e um batom vermelho que iluminava o seu rosto. Quando enfim, com cabelo e maquiagem prontos, adentrou o closet mediano que havia sido instalado em seu quarto depois de uma reforma em seu apartamento. Vestiu um shortinho mais curto, mas ainda assim solto, uma camiseta com uma estampa de alguma série que gostava. Sentou-se no banquinho acolchoado que ficava bem no meio do closet e começou a calçar os tênis de cor branco que sequer precisavam de meias para serem usados. E quando os calçou ergueu-se do banquinho e virou-se em direção ao espelho, nunca teve problemas em vestir roupas mais despojadas como aquela, mais relaxadas. Adorava o conforto que sentia com elas, mas naquele momento, o pequeno sorriso que tinha nos lábios sumiu com os pensamentos absurdos que invadiram a sua mente.
E de repente, uma necessidade de sentir-se completamente feminina tomou conta de si e então, aquela roupa tornou-se extremamente desconfortável em seu corpo, a sensação fora tão desconfortável para si que a morena praticamente arrancou as roupas de forma bruta do próprio corpo. Sentou-se no banquinho mais uma vez e escondeu o próprio rosto nas mãos quando respirou fundo, estava sentindo-se verdadeiramente perdida com as mudanças que estava tentando enfrentar. Como iriam enxergá-la agora? Como iriam olhá-la na rua? Iriam julgá-la? Eram tantas perguntas que rondavam em sua cabeça que ela simplesmente não conseguia apenas ignorar aquilo e deixar de lado algo tão bobo como uma simples roupa. Para satisfazer a necessidade absurda que sua mente havia criado, acabou saindo de casa com um vestido soltinho e de alcinhas, a cor branca, quase cinza, com uma estampa de flores negras que cobriam todo o tecido do vestido. Os seios ficavam levemente avantajados devido ao decote discreto, as alcinhas finas impossibilitavam o uso de sutiã, o que era até um alívio. Os saltos nos pés não eram tão altos, mas eram deveras confortáveis, um de seus preferidos.
Mesmo a tarde estando em sua metade, iria almoçar fora. Precisava disso. O restaurante preferido ficava próximo, assim dirigiu por pelo menos dez minutos, mesmo com o transito, para chegar ao local desejado. O silêncio no carro fora completamente absoluto, contrariando o costume que tinha de sempre ligar o som do veículo assim que entrava mesmo. Estacionou na rua do restaurante, a poucos metros de distancia e desceu do carro apenas com o celular e as chaves do carro em mãos. Saiu andando a passos calmos, recebendo a brisa gostosa que fazia naquela tarde. O restaurante de fachada sofisticada tinha uma belíssima placa com as letras bem desenhadas formando o nome “Palermo”. Era um restaurante Italiano fundado a bons anos atrás, um dos que mais faziam sucesso na cidade.
A morena baixou o olhar de forma incomodada, estava se sentindo observada, ou talvez julgada? Por pessoas que passavam ao seu lado na calçada, balançou a cabeça de forma negativa com a sensação desagradável e assim que chegou a grande porta de vidro na frente do restaurante, a mesma fora gentilmente aberta por um homem bem vestido, um dos Maîtres que trabalhavam no lugar. O sorriso largo e simpático do homem fez Mia sorrir de volta.
— Srta. Palermo! Já estávamos comentando hoje mesmo que fazia um tempo que você não vinha aqui. — ele falou de forma calorosa e ao mesmo tempo divertida, o que arrancou uma pequena risada da morena que prontamente aproximou-se do homem para depositar um beijo carinhoso em seu rosto. — Seja bem vinda, menina, vamos, vou lhe levar a sua mesa preferida.
— Você é sempre um cavalheiro, Matt. — a morena falou, ainda com um sorriso largo nos lábios e deixou que ele lhe guiasse. Olhou um pouco em volta, a hora do almoço já havia acabado a muito tempo, então o restaurante estava parcialmente vazio, muito diferente de como ficava no horário de almoço, praticamente lotado todos os dias. O restaurante de sua família era um grande motivo de orgulho para ela, por mais que não tivesse seguido a profissão do pai para tomar conta daquele lugar, havia sido bem apoiada pela família. Novamente sentiu-se observada e o desconforto mais uma vez tomou conta de si. — Matt, por favor, pode me dizer se tem algo de errado comigo? Batom borrado talvez? — perguntou assim que chegou a mesa do canto, colada a uma das grandes janelas espalhadas pelo restaurante. Matt a olhou levemente confuso e claramente a avaliou para poder responder aquela pergunta de maneira eficiente, o homem com cabelos já grisalhos semicerrou um pouco os olhos antes de enfim, falar:
— Não sei por que a pergunta, menina, mas você está impecável. Como sempre, se me permite dizer. Exatamente como sua mamma! Duas mulheres sempre impecáveis. — ele balançou a cabeça de forma negativa como se isso fosse algo que sequer podia ser discutido, o que arrancou uma risada gostosa dos lábios da morena.
— Você é um fofo, Matt. Mas falando na mamma, ela está? — indagou enquanto deixava o celular e as chaves do carro sobre a mesa antes de sentar-se em uma das cadeiras da mesa, ajeitou-se logo em seguida antes de cruzar as pernas e apoiar os cotovelos na mesa.
— Não, ela saiu mais cedo pra resolver um problema com um dos fornecedores. Deve estar chegando a qualquer momento, ela vai adorar ver você. — Mia sorriu de forma larga assim que ouviu as informações sobre sua mãe e acenou de forma positiva. — Mas então, como deseja começar hoje? Um café?
— Um café seria perfeito. — sorriu em agradecimento de forma carinhosa. O conhecia desde que era apenas uma criança, quando vinha naquele restaurante, que na época nem fazia tanto sucesso, apenas para ver o pai cozinhar e aprender a cozinhar com ele. Mia era uma ótima cozinheira, assim como todos da família e trabalhou ali por um tempo para juntar dinheiro para seus próprios luxos antes de dedicar-se completamente a faculdade.
Atualmente não era sempre que tinha tempo de vir ali a lazer tirando as vezes que saia do trabalho por um curto período de tempo para almoçar rapidamente antes de voltar para a sua empresa mais uma vez. Fora uma boa economia no começo, quando começou a morar sozinha, não precisava gastar com comida e Hernando também era beneficiado com isso já que era considerado como alguém da família. Então, Matt sabia muito bem do que Mia gostava.
A morena respirou fundo e olhou em volta mais uma vez, por mais que maître do restaurante tivesse dito que não havia nada de errado com ela, ela ainda sentia-se observada, julgada talvez? Era como se todos ali estivessem enxergando o seu pecado, que soubessem que ela havia beijado uma mulher e gostado. Balançou a cabeça de forma negativa para tentar espantar aqueles pensamentos e pegou o celular em cima da mesa, haviam diversas mensagens, mandou uma rápida para Charlie já que sabia que ele merecia uma explicação melhor e explicou que havia passado mal por conta da bebida e não queria que ele presenciasse a situação.
“Me encontra no Palermo assim que você ficar livre.” Enviou a mensagem para Hernando antes de deixar o celular de lado. Queria ver sua mãe e afundar-se nos braços da mulher que sempre seria o seu refúgio. Seu café viera rápido e logo, mais uma vez, estava sozinha na mesa. Mia tinha nacionalidade Italiana, por mais que nunca tivesse vivido de fato na Itália. Havia nascido lá e pouco depois seus pais haviam se mudado, era por isso que sequer tinha sotaque, ia sempre em festas importantes para visitar algum parente e adorava, falava fluentemente o idioma e seguia parte dos costumes. Assustou-se brevemente com a presença de alguém ao seu lado e logo em seguida um prato sendo colocado em sua frente.
— Espaguete ao pesto, com queijo extra. — a voz grave e conhecida fez um sorriso largo aparecer nos lábios da morena. Em seguida recebeu um beijo estalado no rosto e um na testa, ambos transbordavam carinho. Os olhos focaram-se no homem semelhante a ela, a diferença era que Frederick tinha os cabelos mais claros, um castanho claro, quase caramelo, havia puxado a mãe, enquanto Mia havia puxado ao pai, mas ainda assim, os dois eram extremamente parecidos, com grande ênfase nos olhos azuis.
Vestido com uma dólmã de cor preta, tinha em uma das mãos a bandana que sempre usava para cobrir os cabelos para poder cozinhar. Ao contrário de Mia, ele havia seguido os passos do pai e havia tomado o posto como Chef principal do restaurante, o que assinava o cardápio e comandava a cozinha. Sua mãe continuava a comandar a administração do lugar desde que havia fundado aquele lugar com o falecido patriarca da família. Ele sentou-se na única cadeira vaga da mesa, sendo ela apenas de dois lugares, então ficando de frente para a irmã, tinha um olhar terno, os dois sempre foram extremamente unidos.
— Você sempre acerta em cheio. — sorriu de forma orgulhosa enquanto pegava um dos garfos já dispostos à mesa e calmamente ia enrolando um punhado do espaguete antes de levar a boca, definitivamente aquilo era tudo o que ela precisava para ter um dia bom. Sempre chegava ali e quase nunca pedia algo, seu irmão assim que sabia de sua presença no restaurante, preparava por si só um prato para a morena e ela sequer sabia qual seria, mas gostava de tudo o que o irmão cozinhava. Um dos garçons que trabalhava no restaurante apareceu logo em seguida, a bandeja de prata tinha uma pequena jarra de suco de laranja e um copo, os quais foram colocados a mesa logo em seguida. — Obrigada. — sorriu para o funcionário. Não era novidade alguma que sua bebida preferida era suco de laranja. Pegou o copo que havia sido servido pelo garçom e deu um pequeno gole.
— Eu te conheço bem o suficiente. — ele deu de ombros enquanto apoiava os cotovelos na mesa apenas para observar a irmã em silêncio por algum tempo, como se estivesse escolhendo que palavras falar a ela.
— De nada. — ela falou repentinamente enquanto comia, os olhos azuis ergueram-se do prato para encontrar os do irmão e arqueou uma sobrancelha. — Está me olhando como um cachorro arrependido. Sei que vai agradecer por eu ter ido te buscar novamente e não ter contado a mamma que você fez novamente. — deu de ombros enquanto levava mais uma garfada a boca e pouco depois pegou o guardanapo de tecido bem dobrado sobre a mesa e o levou aos lábios os limpando brevemente para poder falar melhor. — Por mais que eu devesse ter contado, por que você sabe que isso já passou dos limites.
— Você vai novamente começar a me dar bronca por isso? — ele reclamou, a expressão mau humorada fez Mia apenas dar de ombros enquanto voltava a comer, ambos voltaram a ficar em silencio, por mais que se amassem sempre brigavam por qualquer coisa que fosse e isso estava ficando cada vez mais frequente com as atitudes que Fred andava tomando. Ele continuou em silêncio, mas claramente parecia ter algo a dizer. — Você sabe que eu tenho amigos lá...
— “Amigos”, aquele lugar nojento não é um lugar que se encontra amigos, Fred. Eu não duvido que noventa por cento dos que frequentam aquele lugar são bandidos ou casados. Céus, toda vez que entro lá eu sinto medo de ser assaltada só com o olhar de alguns. — ela falou, acabando por gesticular de forma exagerada com ambas as mãos, o que levou Fred a rir com o exagero da irmã.
— Eles me disseram o que a dançarina fez com você naquele dia e...
O homem parou de falar de repente quando fora interrompido pela crise de tosse que Mia tivera com as palavras do irmão, estava terminando de mastigar a comida quando ele havia começado a falar, seus olhos encheram-se de lágrimas e imediatamente pegou o guardanapo e tampou a boca com um pouco de força para amenizar o barulho das tossidas e não chamar tanta atenção para si. O irmão prontamente lhe ofereceu o copo de suco para que ela desse um gole e Mia imediatamente aceitou dando alguns goles seguidos e então pigarreando para aliviar o incomodo na garganta.
— Céus...
— Calma, você me assustou. — o homem reclamou e acabou rindo logo em seguida enquanto olhava para a irmã, mas balançou a cabeça de forma negativa, enquanto Mia estava completamente sem chão por saber que o irmão já tinha noção do que havia acontecido naquele dia.
— O que você sabe? — ela perguntou de forma um tanto ríspida, mas sentia o rosto inteiramente quente e sabia que estava corada e não era pouco, céus, nunca sequer iria imaginar que alguém iria contar aquilo para o seu irmão.
— Eu sei o que aconteceu, Mia. E eu realmente quero me desculpar com você por ter feito você passar por isso, eu jamais imaginei que isso podia acontecer. Ainda mais ela, aquela dançarina é intocável, ela não chega perto de ninguém. Você ta sendo muito invejada, céus, até eu to te invejando. — Frederick começou a falar como se aquilo fosse a coisa mais extraordinária do mundo e claramente a cada palavra que ele dizia, ele parecia se empolgar de certa forma com o assunto. — Me diz, ela beija bem? Você deu um...
— Pelo amor de Deus, Frederick! — a morena o bronqueou em um tom mais elevado quando jogou com força o guardanapo no rapaz a sua frente, se era possível que ficasse ainda mais corada, ela não sabia, mas sentia seu rosto simplesmente queimar como fogo. — Céus, você devia estar me defendendo e não querendo estar no meu lugar, seu escroto. Aquilo foi uma falta de respeito sem limites, aquela... Aquela... — sequer conseguiu pensar em algo para xingar aquela mulher se é que conseguia fazer isso. Fechou ainda mais a expressão com a risada do irmão. — Eu juro a você que se me ligarem novamente pra ir buscar você lá, eu não vou, Frederick! Eu vou mandar a mamma no meu lugar! — ela rosnou de forma claramente ameaçadora enquanto apontava o garfo para o irmão que, por sua vez, ergueu ambas as mãos como se estivesse se rendendo, por mais que no fundo Amelia sabia que iria acontecer novamente.
— Me desculpe, eu só estava te zoando. — ele brincou, ainda soltando uma pequena risada com a reação da irmã.
A morena respirou de forma irritada enquanto voltava a comer, ou ao menos tentava fazer isso, sua mente rondava sobre as palavras ditas por Fred, como assim aquela dançarina era intocável? Queria tanto perguntar, queria tanto perguntar quem ela era e ao mesmo tempo repreendia-se ao máximo para não fazer tais perguntas. Mas pelos próximos minutos que segurou-se ao máximo, sentia-se completamente torturada até finalmente ceder. Pigarreou para chamar a atenção do irmão antes de cautelosamente começar a escolher as palavras.
— Sobre... Hm, a dançarina. Me deixou curiosa o fato de você ter dito que ela é intocável, sendo que naquele dia praticamente me atacou. — falou, tentando ao máximo deixar transparecer que ela não estava se importando com aquilo, por mais que seu interior inteiro fervesse, clamasse por mais informações e aquilo era tão intrigante que a estava deixando confusa, não sabia que sentia toda aquela necessidade de saber de alguém.
— Então... — Fred deu uma pequena risada ao puxar o prato da irmã para o meio da mesa e pegou o garfo da mão dela para enrolar um pouco de macarrão e levar a boca logo em seguida, Mia pouco se importou com a atitude do mais novo, não era uma novidade. — Ela é conhecida como A Dançarina Mascarada, e eu realmente demorei pra acreditar que vocês simplesmente se pegaram lá na frente de todo mundo...
— Nós não nos pegamos, ela me atacou, eu não gosto dessas coisas.
— Não? — Fred pareceu surpreso com a resposta da irmã, mas deu uma risada pequena, que causou certa confusão em Mia. — É por que você sabe, você vive com o Hernando e vive em baladas gays, eu achei que você curtia, até por que deve rolar muito disso e tal...
— Uma coisa não tem haver com a outra, Fred. Mas você se importaria, se... — a morena justificou com a mão de forma discreta, se recusando a completar aquela frase.
— Se o que? Se você curtisse mulher? Cara, eu achei que você já curtia, então da na mesma. — ele deu de ombros enquanto pegava o copo de suco da irmã e dava um gole rápido antes de colocá-lo sobre a mesa.
Mia tinha ambas as sobrancelhas arqueadas, surpresa com tais revelações, definitivamente não era algo que ela esperava, que já pensassem aquilo dela a muito tempo e ela nunca imaginou tal coisa.
— O que? Ficou surpresa? Você anda rodeada de viados, Mia. É impossível não pensar. — o rapaz falou como se aquilo fosse a coisa mais obvia do mundo e a expressão de Mia parecia não mudar. Ele ignorou. — Bom, continuando. Ninguém sabe o nome dela, ninguém sabe como é o rosto dela e olha que eu já tentei descobrir, aquela mulher é como um sonho inalcançável. Ela simplesmente aparece do nada, faz aquele show maravilhoso e então some das nossas vidas. Ela nunca ficou com qualquer marmanjo, por mais que eu também já tenha tentado.
— Você não tem vergonha de falar isso, seu bastardo? — a morena falou de maneira levemente irritada, mantinha o cenho franzido, repentinamente sentindo-se incomodada por ver o irmão falando da dançarina daquela forma. Fred rolou os olhos com a pergunta da irmã e relaxou na cadeira, apoiando as costas no encosto da mesma enquanto olhava para a irmã com uma expressão entediada, isso a fez rolar os olhos antes de continuar na intenção de sanar suas duvidas da forma mais discreta possível. — Ia tentar ficar com ela pra que? Pra chorar no colo dela atrás da Maggie? — viu um reflexo de irritação passar pelos olhos do mais novo e antes que ele abrisse a boca a morena ergueu as mãos imediatamente. — Ok, ok, desculpe, eu exagerei. — desculpou-se rapidamente por saber como o assunto sobre a ex noiva do irmão o atingia. — Mas enfim... Como assim ela aparece do nada lá? Ela não é uma das garotas que ficam pra lá e pra cá?
— Não, ela não trabalha lá, ela não fica lá, ela só aparece pra dançar e nem tem dias fixos, mas ela vai muito nas sextas feiras. Isso eu sei por que já vi muito ela nesses dias. — o rapaz falou e deu de ombros enquanto apoiava o próprio queixo sobre sua mão, os olhos azuis, intensos assim como os de Mia, fixos nela, era como se estivesse pronto para avaliar as reações que Mia teria com aquelas informações.
A morena ainda tinha o rosto corado, ela simplesmente não conseguia disfarçar suas reações quando se tratava justamente daquela mulher, mas o que Fred havia lhe dito era tão, mas tão intrigante que só via aguçado ainda mais toda a curiosidade de Mia, céus, era tanto que ela sentia um certo incômodo pela absurda vontade de saber um pouco mais sobre ela.
— Isso é estranho. — limitou-se a dizer isso e baixou um pouco olhar, focando os olhos no prato ainda com um pouco de espaguete, começou a mexer na comida com o garfo, a cabeça a mil por hora, o cenho levemente franzido e o coração levemente acelerado, estava tão, tão confusa. E Frederick notava que tinha algo de errado com a irmã, notou isso a partir do momento que ela começou a fazer perguntar demais sobre a mulher que havia a beijado, ele mais do que ninguém sabia o quanto Mia odiava locais como os quais ele frequentava, sabia bem por que tinha que aguentar ligações imensas com ela reclamando sem parar quando tinha que ir buscá-lo tarde da noite, mas desta vez nada disso aconteceu. O que já era deveras estranho e ali, vendo-a claramente pensativa, só o fazia ter ainda mais certeza de que realmente havia algo de errado com a irmã.
— Mia... — ele a chamou de forma cuidadosa, como sempre fazia quando estava prestes a dizer ou perguntar algo delicado. — Você está bem?
— O doce amor entre irmãos. — a voz grave e conhecida de Hernando repentinamente soou ao lado dos irmãos. Mia tinha os olhos levemente arregalados e a expressão um pouco surpresa ainda com a pergunta do irmão, mas olhou para Hernando que claramente percebeu que havia algo de errado ali.
— Nando! — Fred ergueu-se de onde estava e trocou um rápido abraço com o amigo da irmã e afastou-se um pouco da cadeira onde estava para ceder o lugar para o Arquiteto.
— Fred, recuperado da última vez? — Hernando brincou, o sorriso levemente divertido nos lábios o que arrancou do Chef de cozinha uma boa risada.
— Pronto para outra. — olhou para Mia nesse momento, e o que esperava – alguma reclamação da irmã – simplesmente não veio. Outra coisa que o deixou surpreso, ela estava com a cabeça levemente baixa, sequer conseguia ver os olhos dela. Isso o preocupou, por isso decidiu retirar-se Hernando estava ali para, provavelmente, ajudá-la em algo. — Bom... Eu vou voltar para a cozinha, não quero que a destruam e eles são muito capazes de fazer isso sem mim. Eu vou mandar trazer sobremesa pra vocês. — Fred falou de forma educada, claramente um pouco mais diferente do que antes, mas ele logo aproximou-se de Mia e deu um beijo no topo da cabeça dela como sempre fazia e então, partiu de volta para a cozinha.
Hernando apenas despediu-se de Fred com um aceno caloroso assim como um sorriso largo, mas quando o irmão mais novo de Mia ficou longe o suficiente, o arquiteto enfiou as mãos nos bolsos da calça e olhou para Mia de forma serena, terna, antes de sentar-se na cadeira de frente para ela.
— O que aconteceu? Quando eu cheguei você estava com um olhar aterrorizado. — falou em tom baixo enquanto apoiava o queixo em sua própria mão e cruzava as pernas embaixo da mesa de forma confortável.
— Ah, nada demais. Só a surpresa de lembrar que eu sou péssima de esconder o que estou sentindo, então o Fred percebeu que não estou bem. — deu de ombros, não tinha por que enrolar a resposta ou omitir qualquer coisa que fosse, não para Hernando. Pegou o copo de suco em cima da mesa e deu um novo gole, a comida não fora mais tocada, havia perdido a fome. — Ele sabe o que aconteceu naquele dia, aparentemente contaram a ele. Eu não sei se ele associou. Mas acredita que ele achava que eu era gay? — riu sem muito ânimo enquanto começava a esfregar lentamente a ponta do dedo pela borda do copo e mantinha os olhos fixos ali.
— E você é? — Hernando perguntou em tom baixo, mantinha a expressão completamente neutra, a mesma expressão que sempre fazia quando estava lá apenas para ouvir os desabafos da amiga, era como se quisesse deixar mais do que claro que não a julgaria ou qualquer coisa do tipo independente de qual fosse o desabafo.
— É confuso. Digo, eu não esperava. Você sabe, eu nunca senti atração por mulheres. Eu realmente nunca senti. Mas ela... Ela realmente mexeu comigo. Mexeu muito mais do que eu sequer poderia imaginar, me deixou de pernas bambas com pouquíssimas coisas. — respirou um pouco fundo e parou o que fazia para poder olhar para o amigo, estava finalmente enfrentando o que vinha atormentando sua mente há dias. — Mas não é fácil de aceitar algo tão novo. — riu sem muito ânimo antes de continuar no mesmo tom de voz baixo. — Antes de vir pra cá, eu vesti uma bermuda, tênis e camiseta, como você sabe que eu adoro me vestir. Mas simplesmente não consegui sair de casa desse jeito por achar que não parecia feminina. Seria como dar mais força ao sentimento. — desviou o olhar e olhou em volta, o restaurante bem arrumado e um tanto vazio naquele horário lhe trazia certo conforto. — Então cá estou eu de vestido, saltos e maquiagem como uma menininha iludida. Iludida até o momento em que o Fred começou a falar da dançarina e eu senti meu coração quase sair do meu peito e minha curiosidade tirar toda informação possível dele. — Mia tinha a voz claramente irritada, mas estava irritada consigo mesma, por notar-se tão fraca por uma mulher. Sentiu o toque em sua mão e desviou o olhar para ver a mão pequena sendo envolvida por ambas as mãos de Hernando de maneira carinhosa, sentiu o calor e a maciez delas e aquilo lhe deu um conforto tão, tão gostoso que a fez soltar um suspiro, como se esse suspiro fosse capaz de tirar todo o peso que sentia nos ombros.
— Se acalme, você já deu um passo a frente, você já admitiu o que sente. Todo esse sentimento ao redor é consequência da sua insegurança, Mia. Você é maravilhosa, você pode estar vestida exatamente como um homem, mas toda a sua graça grita o quão feminina você é. — Hernando ia falando de maneira calma, até lenta, para que a morena entendesse muito bem tudo o que ele estava falando e no fim não restasse qualquer duvida que fosse. — E a sua roupa não vai definir se você gosta ou não de uma mulher. Não tente mudar quem você é por causa disso. Você é linda, você é feminina e você é Bissexual, Amelia.
©
Uma música qualquer soava no quarto, o dia já havia amanhecido a algumas horas, mas Mia havia acordado não fazia muito tempo, havia tomado um café da manhã bem reforçado, desta vez sem a companhia de Hernando. Só tivera a companhia dos próprios pensamentos. O dia anterior fora crítico para a sua vida, as palavras de Hernando ecoavam em sua cabeça sem parar e de certa forma, aquilo fora o conforto que ela precisava para se sentir ao menos um pouco melhor e menos confusa. Ou como Hernando diria... Ela estava realmente começando a se aceitar.
Assim que puxou completamente a calça preta bem justa em seu corpo e atacou o botão logo após subir o zíper e virou-se de lado em frente ao espelho, ficando levemente nas pontas dos pés para ver como a calça ficava, era bem justa em suas curvas então dava uma boa levantada em seu bumbum, o que claramente a deixava satisfeita. Ainda sem sutiã caminhou pelo quarto e na cama pegou a camisa de alcinhas de seda e a vestiu rapidamente, a ajeitou em seu corpo e ajeitou os próprios seios, a camisa ficava bem justinha em ambos os seios e não precisava usar sutiã, algo que Mia adorava. Colocou a camisa por dentro da calça antes de sentar-se na cama para calçar o par de saltos e assim que o fez ergueu-se com facilidade e voltou a olhar-se no espelho.
Ainda não sentia-se segura consigo mesma, era como se ainda sentisse que tinha algo de errado com quem ela era, mas em comparação a como se sentia ontem, ela estava muito melhor. Não podia deixar-se abalar pelas próprias confusões, precisava seguir com a vida que tanto havia trabalhado para construir. A maquiagem que usava era leve, assim como o batom de cor clara que cobria os lábios, os cabelos levemente ondulados e bem cheios estavam soltos. Deu meia volta e pegou sobre a cama o blazer vermelho com mangas ¾ e o vestiu rapidamente, ajeitou os cabelos rapidamente antes de enfim pegar o celular sobre a cama e sair andando a passos calmos, olhou a hora no visor do aparelho, tinha tempo o suficiente. Na sala pegou a maleta que carregava o notebook e alguns documentos e também a chave do carro e enfim, partiu.
Naquela manha Hernando havia ido embora mais cedo, tinha uma reunião logo cedo, ao contrário de Mia que só atenderia clientes daqui à uma hora, por isso se deu ao luxo de dormir um pouco mais e de aproveitar um delicioso banho de banheira assim que acordou. Precisava dar um pouco mais de atenção a si mesma. Dirigiu tranquilamente para o trabalho, por mais que não fosse a maior fã de dirigir. Quando parou no estacionamento do prédio em que trabalhava e desceu olhando a hora mais uma vez enquanto andava até o elevador, respirou fundo, tinha tempo o suficiente, iria dar para adiantar alguns trabalhos. Parou no elevador e após apertar o botão do andar respirou fundo enquanto sentia o elevador subindo lentamente, assim que a porta abriu saiu andando a passos calmos, o seu primeiro instinto fora olhar para a bem arrumada área de espera perto da grande janela, continuou andando em passos calmos, mas sentiu o coração acelerar imediatamente.
Os olhos azuis estavam completamente focados naqueles cabelos de cor castanho escuro, a pele levemente bronzeada e aqueles lábios carnudos, sua mente imediatamente projetava a dançarina mascarada, sequer notou quando parou de andar e manteve os olhos fixos, surpresos naquela mulher até então desconhecida. E ela pareceu sentir que estava sendo observada e ergueu os olhos da revista que tinha em mãos, os olhos dourados ergueram-se de forma intrigada, mas quando encontraram-se aos azuis de Amelia, pareceram levemente surpresos.
Um sorriso pequeno desenhou-se no canto dos lábios carnudos da desconhecida e uma sobrancelha arqueou-se levemente como se silenciosamente perguntasse a Mia o que ela queria por estar olhando tanto. E retribuiu o olhar com imenso fervor, como se fogo estivesse sendo trocado entre as duas. Os olhos de Mia desviaram-se rapidamente dos olhos da desconhecida e encararam os lábios carnudos mais uma vez, eram tão, tão parecidos. Só podia estar enlouquecendo.
— Helena? — uma voz feminina chamou a atenção de ambas as mulheres e a até então desconhecida olhou em direção de onde o seu nome fora chamado e encarou a amiga. Já Mia sentiu o rosto corar e pigarreou de forma desconfortável.
— Bom dia. — acenou para ambas com a cabeça e saiu andando a passos realmente largos, quase como se estivesse fugindo dali o mais rápido possível e sentia muito bem o seu coração machucando-lhe de dentro para força e uma bola formar-se em sua garganta, culpa da ansiedade.
— É ela, Aly. — Helena falou, ambas as sobrancelhas arqueando-se de forma surpresa quando encarou a amiga sentada ao seu lado, ela que havia interrompido aquele momento de olhares trocados de forma tão intensa.
— A garota que você anda pintando? — Aly perguntou, o cenho franzido enquanto ajeitava-se um pouco na poltrona.
— Alyson? — a voz grave de Hernando soou no ambiente e o homem vinha andando, um sorriso largo desenhado nos lábios. — Me perdoem a demora, mas podem vir, eu tenho um projeto incrível pra mostrar para vocês.
Fim do capítulo
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NandaSulivan
Em: 13/04/2019
Com todas essas incertezas sobre sua sexualidade, és que surge nossa Mascarada, agora com nome, Helena...
Agora vou começar , a conhecer também.
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lay colombo
Em: 17/07/2018
Parece que encontramos nossa dançariba
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Leh Moura
Em: 14/07/2018
AAh adoro história com essa pegada. Difícil é achar uma que não "pesa a mão".. mas vc até agr ta maravilhosa. o/
Nem aguentei e já fui no outro site pra ver se tinha mais capítulo.. E porra! Que segundo encontro (dança) foi aquela mulher?!?!?!??!
Continua!!!
Não para!!!
Resposta do autor:
Olha, fico realmente feliz que estejam gostando!!
UASHUASHAUSHAUSHAUSH Mas olha só, cês tão mesmo danadinhas indo procuras nos outros sites ein? hahahahaha Foi bem quente não é? Até eu fico ansiosa por um novo encontro delas depois daquilo.
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Thayscarina
Em: 14/07/2018
AAnsiosa pelo próximo capítulo que venha logo
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