Capítulo 2
Acordei com batidas na porta do meu quarto. Era minha mãe, e eu não respondi, fiquei quieta ouvindo-a me chamar para o almoço. Almoço? Alcancei o celular ao meu lado e olhei as horas, já eram mais de meio dia. O remédio realmente teve o efeito esperado, apaguei cedo e acordei tarde.
-- Filha? – minha mãe voltou a chamar.
-- Oi.
-- O almoço está pronto, estamos lhe esperando. Pedro está acompanhado, e disse que tem uma novidade para nos contar.
-- Tá certo mãe, só um minuto e eu já me junto a vocês.
-- Tudo bem.
A minha mãe, era o tipo de mulher que assistia a vida passar. Desde que se separou do meu pai, ela vive só, e diz que a sua vida sou eu, Diego e Pedro. Por um lado eu não me conformava com isso, era injusto ela dedicar toda uma vida aos filhos e se anular por isso. Já por outro lado, eu tinha certo receio de vê-la com alguém e essa pessoa magoá-la. Era meio complicado, um dilema para mim.
Dona Ester era uma pessoa calma, e tranquila até demais. Hoje o meu irmão mais novo, o Diego – de 19 anos de idade – vivia literalmente as suas custas, porém, a folga dele acabava sobrando para mim em dívidas, contas para pagar e suprimentos para a casa. Pedro ajudava como podia, mas quase sempre isso resultava em uma briga entre a gente. Não aceitava o fato de ele pôr dinheiro em casa quando nem o meu irmão fazia isso.
Meu irmão me tirava do sério. Era o exemplo perfeito de jovem da geração “nem nem”, nem trabalhava e nem estudava. Aliás, ele não fazia nada de útil, vivia apenas de extorquir minha mãe, que fazia das tripas coração para dar a ele tudo o que ele queria. Ah como me irritava essa situação.
Pulei da cama quando me recordei que minha mãe havia dito que Pedro estava acompanhado, isso era uma coisa extremamente rara de acontecer. Tomei um banho rápido e vesti uma roupa leve e confortável deixando o quarto logo em seguida.
Ao me aproximar da cozinha ouvi a voz animada de Pedro e uma voz feminina que eu não conhecia.
-- Boa tarde! – cumprimentei a todos.
-- Boa tarde. – me responderam de volta.
Sentei à mesa, no lugar que geralmente eu ocupava, de frente para Pedro, e o encarei. Ele estava com uma cara de banana que nunca vi na vida. Ao lado dele estava uma garota, morena, de sorriso doce, expressão amável. Ela olhava para meu primo com um olhar apaixonado, bobo.
Servimo-nos e mantivemos uma conversa amena durante o almoço. Minha mãe, como exímia doceira que era, nos serviu com uma sobremesa maravilhosa, que rendeu muitíssimos elogios a deixando sorridente e contente.
A morena que descobri se chamar Natália trabalhava na mesma empresa que Pedro, e nos foi apresentada como namorada. Eu fiquei imensamente feliz por meu primo. Ainda mais por enxergar o olhar apaixonado que um lançava ao outro. Quando e como Pedro arrumou uma garota daquela, se apaixonado, e eu não vi? Ah claro, estava mergulhada na minha própria escuridão, claro que não veria. Cega!
Após o almoço fomos para a sala, onde estendemos a conversa mais um pouco. A garota, a namorada do meu primo era uma ótima pessoa, e eu havia gostado muito dela, e tinha que ser assim, eu tinha que dar o meu aval para o cabeção namorar.
-- Gente, eu queria conversar sobre mais uma coisa com vocês. – disse Pedro chamando a nossa atenção.
-- Fale meu filho.
-- Primeiro eu queria dizer que amo muito vocês, até você Diego. – disse brincando com meu irmão - Eu amo muito a minha família, mas eu preciso aprender a andar sozinho, a encarar a vida de frente, por minha conta.
-- O que quer dizer com isso? – perguntei já sentindo uma leve apreensão.
-- Então, eu estou me mudando.
-- O quê? – perguntei saltando da poltrona que eu ocupava.
-- Calma maninha. – disse ele vindo me abraçar – Primeiro me escuta, tá?
Me agarrei a ele e maneei a cabeça em sinal positivo.
-- Essa semana, eu recebi uma proposta de emprego, e ontem fui bater um papo com o gerente da parada. Antes eu tava meio cabreiro, com um pé atrás, principalmente porque a oferta é para trabalhar em Curitiba, e eu não queria deixar a Natália para trás. Mas conversando com o Wilson, descobri que ele tinha os mesmos planos para ela, portanto, Natália e eu estamos nos mudando para Curitiba no próximo mês.
Senti meu primo me abraçar mais forte. Aquela notícia caiu como uma bomba para mim. Como eu ficaria sem ele naquela casa? Queria que ele tivesse vindo conversar primeiro comigo, não queria ter sido pega de surpresa, assim, dessa maneira.
Meu egoísmo estava brotando de cada poro de meu corpo, mas eu não estava conseguindo engolir o fato de ficar sem ele. O que tornava tudo mais ameno, mais tranquilo naquela casa era ele. Minha mãe e meu irmão juntos tiravam o pouco de juízo que eu tinha, eles me estressavam e faziam com que eu me sentisse como uma espécie de escrava para eles.
-- Tão rápido? – perguntei meio engasgada.
-- Não é tão rápido Bia, estamos no início do mês, e isso nos dá quase um mês até a mudança. Ainda temos alguns detalhes a acertar.
-- Eu fico muito feliz por você meu filho! Que Deus lhe guie nesse novo caminho, e quando quiser nos visitar, quiser nos ver ou simplesmente as coisas não derem certo, estaremos de portas abertas para você, ou melhor, para vocês. – disse minha mãe com lágrimas nos olhos abraçando o filho.
Apesar do egoísmo, eu consegui ver que aquele passo que no momento parecia gigante demais, era necessário para ele. E ficando um pouco mais calma eu consegui parabeniza-lo pelo reconhecimento e pela empreitada. Ofereci-me para ajudar no que fosse preciso.
Depois daquele almoço e das notícias cheguei a ficar um pouco mais triste do que eu já estava antes. No entanto, prometi não falar nada que fizesse Pedro mudar de ideia, ou deixar que transparecesse o meu real sentimento com a sua mudança.
O resto do sábado e o domingo foi como era de costume, fiquei trancada em meu quarto, dividida entre leituras no meu celular, e músicas. No entanto, com o fiel compromisso de não acessar nenhuma rede social para não cair na tentação de buscar Rebeca. Desde que terminamos eu evitava saber qualquer coisa a respeito dela, era mais saudável para mim.
No domingo, apesar de saber que lutaria para conseguir dormir, optei por não tomar o meu querido comprimido. Tive medo de apagar e isso acabar me atrasando para a reunião com o Jack.
Na segunda, meu celular tocou às 05h30min da manhã. Era hora de acordar. Praticamente não havia conseguido pregar o olho, mas, diferente das outras vezes, a minha insônia foi causada pela ansiedade e pelo nervosismo. Estava com a mente e o coração a mil por causa da reunião. Durante a noite minha mente trabalhava o tempo inteiro imaginando várias e várias coisas.
Tomei um banho gelado para me deixar mais esperta e em seguida vasculhei meu guarda roupa em busca de uma roupa que estivesse aos pés de uma vaga como aquela.
Apressada, deixei meu quarto e fui até a cozinha falar com a minha mãe. Declinei ao seu pedido de sentar a mesa para um café da manhã e sai de casa sem comer nada. Não estava com fome, meu apetite andava meio escasso.
Ia descendo a rua de casa quando vi o ônibus vindo, no final da avenida. Corri de forma desajeitada, destinada a não perder aquele ou demoraria horrores até o próximo. Ainda bem que o motorista se compadeceu de minha corrida desenfreada e me esperou. O agradeci por isso e passei a catraca para sentar-me ao fundo, em uma janela. Adorava ver o movimento do lado de fora do ônibus.
Estava distraída, procurando o celular dentro de minha bolsa quando uma moça sentou ao meu lado. Olhei-a rapidamente e voltei a minha tarefa: encontrar meu celular.
-- Moça? – chamou-me.
Demorei alguns segundos ainda remexendo no fundo da minha bolsa, - que mais parecia o guarda-roupa de “As Crônicas de Nárnia”- até que processei o seu chamado e olhei-a finalmente.
-- Oi.
-- Acho que isso aqui é seu. – disse me estendendo um aparelho celular que achei muito parecido com o meu.
-- Não, o meu eu acho que...
Foi ai que me dei conta, o aparelho que ela me estendia era o meu. Mas como?
-- É seu. Você deixou cair quando correu para pegar o ônibus. Arranhou um pouco, mas acho que não foi nada muito sério.
-- Muito obrigada. – agradeci pegando o fujão – Sou meio desajeita e desastrada quando preciso correr.
Ela sorriu largamente confirmando o que eu acabara de dizer. Eu era realmente horrível nisso. Na época em que freqüentava academia procurava a esteira que ficasse longe do reflexo de algum espelho, porque era horrível me ver correr. Cruzes!
-- Meu nome é Daniele. – me estendeu a sua mão.
-- Ah! – aceitei o seu gesto – O meu é Ana Beatriz.
-- Gostei do seu nome.
Sorri meio sem jeito.
-- Como soube que o celular era meu? Eu não te vi...
-- Mas eu estava logo atrás de você. – ela sorriu mais uma vez e eu percebi como o seu sorriso era atraente – Na verdade, eu estava correndo logo atrás de você.
-- Desculpe pela visão.
-- Que visão? – me perguntou meio confusa.
-- Ah, nada não. – encerrei o assunto, meio constrangida.
-- Seu jeito é meio engraçado.
-- Eu sei, sou atrapalhada, cômica.
-- Eu diria que é fofa.
Ok. A desconhecida ao meu lado estava me cantando, ou era impressão minha? Senti-me constrangida mais uma vez e girei o corpo para frente tentando encerrar qualquer assunto que viesse a surgir. No entanto, a garota ao meu lado parecia realmente interessada em conversar.
Passado o meu constrangimento, não me importei mais por estar em uma conversa com uma mulher que eu não conhecia. Conversamos sobre várias coisas, mas evitamos assuntos íntimos e pessoais. Dela eu só sabia o nome e algumas coisas que pude perceber no meio da conversa. Ela era legal, sorridente e bem humorada.
No meio do caminho descobrimos que estávamos indo na mesma direção. Era um bairro nobre de Fortaleza que eu pouco conhecia, e Daniele foi de grande ajuda já que estava indo para um endereço bem próximo para onde eu estava indo, e fez questão de me deixar na frente do edifício.
-- Esta entregue. – disse parando a minha frente na calçada do prédio.
-- Tem certeza de que não te tirei do caminho ou te atrasei?
-- Tenho certeza. Foi um prazer ter a sua companhia.
-- Obrigada. Pela companhia, e pelo fujão aqui. – balancei o celular na altura dos olhos.
-- Não precisa agradecer. Espero esbarrar com você por ai. Ou você pode atravessar essa praça e me encontrar naquele prédio – apontou para a estrutura do outro lado da praça - Trabalho lá.
-- Se tudo der certo hoje, nos encontraremos qualquer hora.
-- Vai dar certo!
Ela se aproximou de mim de forma sutil, mas mesmo assim o movimento me assustou, na verdade, me pegou de surpresa, o que me fez encará-la, sem conseguir mover um músculo. Daniele parou a centímetros de mim, me fazendo sentir novamente o seu perfume. Ela sorriu de lado e depositou um pequeno beijo no canto de minha boca, se afastando rapidamente em seguida e gritando “É pra dar sorte!”.
Fiquei olhando a mulher se afastar enquanto sentia o meu coração bater descompassado. Esperei que ela olhasse para trás, mas ela não o fez, e depois que ela sumiu de minhas vistas eu ainda levei alguns segundos para reagir e entrar finalmente no prédio.
Olhei o relógio em meu pulso, marcava 8hs.
Na recepção me apresentei para a mulher do outro lado do balcão e após um telefonema ela me entregou um crachá com a logomarca da revista, onde tinha escrito logo abaixo “visitante”, e me indicou o elevador. 8º andar. Só de pensar já sentia minhas pernas tremerem, eu tinha medo de altura.
Quando as portas metálicas se abriram no andar indicado, dei de cara com mais uma recepção, onde novamente me identifiquei, e a mulher apontou para algumas cadeiras me pedindo para aguardar um instante.
Sentei e peguei o celular dentro da bolsa. Lembrei de Daniele e isso me arrancou um sorriso. Ela tinha um jeito tão...
-- Senhorita d’Ávila?
-- Sim?
-- O senhor Evans está a sua espera.
Levantei-me sentindo meu corpo tremer e andei ao lado da moça na direção de uma porta branca onde tinha escrito “Diretor Executivo”. Agarrei a alça de minha bolsa e respirei fundo.
-- Pode entrar. – ela disse abrindo a porta e me dando passagem.
Adentrei a enorme sala e dei de cara com um homem alto, loiro, de olhos azuis e sorriso muito parecido com o de Adele. Ele vestia uma camisa social branca com os pulsos fechados e uma calça social de linho, cinza.
Ele se adiantou até mim com um sorriso gentil.
-- Então a senhorita é a salvadora da pátria? – me estendeu sua mão.
-- Farei o possível para que sim, Sr. Evans.
-- Ah, sem formalidades, me chame apenas de Jack. Sente-se. Me conte sobre você.
Sentamo-nos nas poltronas que estavam mais ao canto da sala, posicionadas uma de frente para a outra, e ele me deu total liberdade para falar sobre mim. Não sou muito de falar, mas quando me sentia à vontade eu tagarelava sem me dar conta.
Contei-lhe sobre a minha paixão por esporte – apesar de ser péssima na maioria que eu me metia a fazer – e como isso influenciou na minha escolha pelo jornalismo. Contei que estava no 5º período da faculdade, e que essa era a segunda que eu tentava, pois já havia iniciado o curso de designer gráfico e largado em meados do 3º semestre. Contei também da minha incansável busca por um estágio na área, mas, que não estava fácil.
Depois começamos a falar de coisas mais particulares e por fim entramos na parte “objetiva” da reunião: metas, objetivos, carga horária, funções e salário. Quase cai da cadeira quando ele me falou em números o que eu ganharia por mês. Cheguei a lembra-lo que ainda não era formada, porque ele parecia ter esquecido. Pelo menos foi o que pareceu diante da oferta que me fez.
Sabe quando alguém logo de cara te passa a impressão de que você vai se dar bem com ela? Eu estava me sentindo assim em relação ao Jack. Não sei bem, mas ele fez com que eu me sentisse em uma conversa com um amigo, e não em uma entrevista de emprego.
Na presença dele, dava para compreender perfeitamente o jeito de Adele, eles eram muito parecidos, não só na aparência, mas no modo de falar, de sorrir, de gesticular e se expressar. Será que isso era coisa de britânico?
-- Ana Beatriz, eu gostei de você. Cheguei a ler algumas coisas de sua autoria, e confesso que além de ter me agradado bastante, me surpreendeu. Por enquanto eu prezo mais a competência do que o diploma. Competência e talento eu vi que você tem de sobra. Quero você aqui, na redação, mas claro, se você aceitar.
Preciso dizer que só faltei dar pulinhos de alegria?
-- É claro que eu aceito. Isso é um sonho pra mim, ainda nem acredito que estou aqui. – calei-me percebendo que havia me empolgado.
Jack sorriu antes de continuar.
-- Então estamos acertados! Você é a mais nova contratada. Você começará em estágio probatório, mas que fique claro que isso é por mera formalidade, no fundo sei que isso não é necessário. O valor será o que já falamos antes. Só tenho uma coisa a te pedir.
-- Pode falar.
-- Será que você pode começar amanhã, por favor?
-- Claro!
Ao fim da reunião sai mais do que apressada e rumei na direção da minha antiga empresa, precisava pedir demissão.
Não foi difícil chegar a um acordo com a minha antiga chefe. Apesar de ficar triste com a minha saída repentina, ela não colocou nenhuma objeção, e tratou de acertar tudo para que eu não saísse prejudicada.
De lá, voltei correndo com a minha documentação para o RH da revista. Sai do departamento com tudo acertado para começar no outro dia. Nem imaginava que as coisas pudessem ser resolvidas assim, tão rápidas. Tudo parecia sempre tão burocrático.
No elevador, descendo para o térreo, senti uma pequena vertigem. Momentaneamente cogitei que fosse pelo movimento do próprio elevador somado ao meu medo de altura, mas ao olhar para o relógio em meu pulso, me dei conta de que era outra coisa.
Passei o dia tão agitada, correndo de um lado para o outro que não me dei conta de que passei o dia inteiro sem comer nada. Sai de casa sem tomar café da manhã e já se passavam das 17hs.
Me sentindo meio fraca e com as pernas ligeiramente trêmulas caminhei até o ponto de ônibus em que havia descido pela manhã. Recostei-me em um tronco de árvore que tinha na praça e voltei o olhar para a avenida.
-- Ana Beatriz?
Olhei para o lado e lá estava Daniele.
-- Nossa senhora! Você tá branca. O que você tem? Ana Beatriz?
A voz de Daniele foi ficando distante, as coisas foram ficando escuras, meu corpo foi ficando dormente e daí, não me lembro de mais nada.
Fim do capítulo
Capítulo novinho...
Beijos
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Thaci
Em: 10/07/2018
Boa noite,autora!
Que historia maravilhosa é essa??!!!
Bia,ela é muito engraçada apesar de esta passando por um momento conturbado. E Daniele,será que vai ser a salvadora? Nota mil. Parabéns pela escrita,o texto ele está simples,porém bem elaborado e conciso. Aguardando cenas do próximo capítulo.
Resposta do autor:
Oi Thaci! Nossa, fiquei muito contente com o seu comentário, muito mesmo!
Fico muito, muito contente em saber sua opinião sobre a estória, por saber que está gostando.
Talvez esse lado mais engraçado e cômico de Bia ajude a amenizar o momento que ela está passando. Sobre Daniele, aos poucos a gente vai descobrindo um pouco mais sobre ela.
Oh, vou confessar, li e reli o comentário diversas vezes (tô muito contente com ele). Muitíssimo obrigada. Espero lhe "encontrar" aqui em outros capítulos.
Beijos!
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