Capítulo 29
Dez minutos antes das onze, o telefone da suíte tocou anunciando que a amiga as aguardavam no hall.
Tina sempre fora uma mulher bonita, mas agora estava radiante. Bem vestida como de costume, conversava em tom inaudível com oura bela mulher parada em frente a si. A ruiva, de pele clara e olhos de um azul profundo, encarava a mulher com uma expressão que Luana conhecia bem, semelhante àquela que ela mesma olhava para Camille. E Tina sorria, de quando em vez passando a mãos por seus braços.
Ver as duas mulheres assim, fez com que Luana se sentisse muito estranha. Acreditar que Tina relacionava-se agora com uma mulher, até aquele momento era inimaginável, porém agora era visível que tinha descoberto o amor que só os iguais são capazes de sentir.
De mãos dadas com Camille, se aproximou até as outras mulheres as notarem. Imediatamente a amiga estendeu-lhes seu mais lindo sorriso, e pegou a mão de Flávia indicando que estavam juntas.
– Tina..
– Oi Lu... Jogou-se nos braços da amiga, diminuindo a distância que as afastara. – Oi Cam... Beijou a amiga, afetuosamente. Sem largar da mão da mulher, – Lu, esta é Flávia, minha companheira.
– Oi, Como vai? Prazer conhecê-la. As mulheres trocaram beijos e apertaram as mãos, sorrindo sem falsidade. Depois Cam e Flávia também se cumprimentaram.
– Então... onde querem almoçar? Cristina voltara a ficar de mão dada com a mulher.
– Vocês escolhem...
– Cris, devíamos levá-las no Mangai.
– Boa ideia, amor.
Ouvir a amiga chamar a outra mulher de amor pegou Luana desprevenida, não fosse estar segurando firme a mão de Camille, para saber que não estava sonhando, não teria acreditado.
– Vamos então... Vocês vão conosco ou nos seguem? Você ainda está de carro Cam, ou já o entregou?
– Estou, mas preciso entregá-lo a tarde. Embarcamos por volta das dezoito horas.
– Hum... então façamos assim... Vocês nos seguem, depois do almoço passamos lá em casa para Lu conhecer, depois se quiserem entregamos o carro de vocês e lhes damos carona. Virou-se para a mulher. – Amor, você pode tirar o restante do dia para ficar conosco, não é?
– Claro, depois ligo para o escritório e aviso.
– Resolvido então?
– Sim... estamos com nossas coisas prontas... Tentou demonstrar que ainda conseguia falar.
– Ah... um momento, vamos fazer melhor ainda. Encerrem a conta do hotel e coloquem as malas no carro. Do Mangai vamos lá pra casa, depois levamos vocês ao aeroporto, assim podemos conversar um pouco mais...
– Tudo bem... Amor, você sobe para recolher o resto de nossas coisas, enquanto encerro a conta? Pediu Camille, sabendo que a mulher precisava de alguns minutos para se recuperar.
– Ok, volto já. Ainda pode ver antes de entrar no elevador as três mulheres conversando com ar de cumplicidade.
Já no carro, rumando ao restaurante.
– Ainda não consigo acreditar...
– Por que está estupefata? Não somos o único casal lésbico do universo...
– Não é isso... é porque não consigo ver Tina trans*ndo com uma mulher...
– Pois adapte-se, porque sei que Flávia é caliente na cama. Risos.
– Como é?
– Dzz... Tina me contou, boba... E pelo que contou parece que Flávia é quase tão boa de cama quanto você... ergueu a sobrancelha, com um sorriso divertido nos lábios.
– Tá, não quero saber da intimidade delas... é muito pra mim... não consigo imaginar Tina fazendo amor com uma mulher.
– E ela faz, e muito, pelo que sei... Agora trata de não fazer esse ar de espanto...
– Estou tentando, acredite...
Camille riu gostosamente do ar de incredulidade da mulher.
Durante o almoço as velhas amigas reencontraram a sintonia, e Luana pode conhecer melhor a mulher da amiga, que tudo indicava ser uma pessoa muito interessante, e nutrir um amor genuíno por Tina.
Gradativamente, o clima entre os casais se transformou. A ponto de ao saírem do restaurante, Flávia e Luana já estarem conversando animadamente.
Seguiram-nas até em casa, como combinado. O sobrado, em linhas modernas, construído no Lago Norte, ocupava uma boa área de terreno, com fundos para o Rio Paranoá.
– O projeto foi da Flávia. Passamos um ano reformando, mas ficou exatamente como queríamos. Explicou Tina à Luana.
– Muito linda mesmo... E o lugar é maravilhoso, nem parece Brasília...
– Essa foi uma das razões de termos comprado a casa.
– Camille tem vontade de que moremos numa casa também... quer mais espaço, agora entendo porque... é outra coisa.
– Ah, Lu, nada melhor que poder cuidar de um jardim, poder sentar no quintal no final de tarde e ver o por de sol ao longe... Há uma pista de caminhada na beira do lago. Algumas manhãs, descemos e nos exercitamos. Aqui é muito tranquilo, e seguro. Temos segurança vinte e quatro horas. Ao mesmo tempo temos muita privacidade. Podemos até tomar banho de piscina, nuas, porque a cerca viva é super alta.
– Cam, quero te mostrar uma coisa lá no estúdio... Vamos deixar essas duas colocarem os assuntos em dia? Convidou Flávia.
– Claro. Inclusive hoje de manhã pensei sobre a proposta que me fez, e gostaria de conversar sobre isso...
As duas mulheres as deixaram fazendo um tour pela casa e recuperando o tempo perdido. Depois de algum tempo, Luana e Tina já estava sentada a beira da piscina.
– Você está bem mesmo, não é Tina?
– Sim... Descobri que posso ser feliz, Lu.
– Fico feliz por você... Está com outro aspecto, menos agitada...
– É, minha vida mudou muito... e depois que conheci Flávia, mais ainda. Ela me completa, me traz paz.
– Dá pra perceber... que bom... você merece.
– Acho que sim. Olho pra trás e não me arrependo de nada, soube renunciar quando foi preciso, soube seguir em frente, e finalmente soube quando era a hora de me permitir ser feliz. Confidenciou sem especificar as passagens, mas agora Luana sabia a que se referia.
– Tina... Eu não...
– Ah, imaginei que Cam ia terminar contando...
– Tina, se Camille não me tivesse contado jamais saberia... Sabia que alguma coisa entre nós havia se quebrado, mas não entendia o quê...
– Ah.. não importa mais. Sempre vou amar você, Lu. Será sempre a minha melhor amiga...Além do mais você não teve culpa alguma... nem eu mesma sabia.
– Jamais imaginaria Tina... Você sempre foi a minha melhor amiga... nunca a vi com outros olhos... Senti-me uma idiota hoje, quando soube.
– Dzz, deixemos isso no passado... Sou tão feliz com Flávia que nem me lembro mais dessa época... E adoro a Cam.
– Ela também me disse o quanto vocês foram muito amigas nesses últimos meses. E agradeço muito por isso.
– Não agradeça, não fizemos por você, mas por Cam mesmo. Mesmo porque, se pudesse teria tentando colocar um pouco de juízo nessa sua cabeça dura.
– Eu sei...
– Não, não sabe... Tem o péssimo hábito de achar que só você tem sentimentos. O que fez com Cam não se perdoa... Ela acabara de perder a mãe, Lu... Como queria que estivesse bem?
– Terei o resto da vida para me arrepender, Tina.
– Acho bom que passe é o resto da vida compensando isso... porque Cam vive do ar que você respira, e se não consegue enxergar isso é completamente estúpida. E se a magoar de novo vai se ver conosco... Sentenciou.
– Tina, você me conhece há tempo suficiente para saber que relacionamentos nunca foram o meu forte... nunca soube como conviver... O meu relacionamento mais longo é com Camille... Nunca pensei em casar com alguém, dividir a mesma cama todas as noites, dividir minha vida, permitir que alguém conhecesse meus piores defeitos... nunca dei margem suficiente a mais ninguém...
– Sabia, mas achei que tinha crescido, quando ficaram juntas... que tinha deixado de ser egoísta, e como era visível que a amava, achei que isso fosse suficiente para que conseguisse sair do mundo que cria para si e para seus personagens.
– Tina, amo Camille, mas só percebi que preciso mudar minha vida quando fiquei sem ela.
– Espero, sinceramente, que você tenha aprendido mesmo... Flávia e eu não sabíamos mais o que fazer... Cam passou semanas a fio choramingando pela casa, como se não soubesse mais o que fazer da vida.
– Pelo menos ela teve vocês para apoiá-la... ao contrário de mim, que fiquei remoendo, sozinha, naquele apartamento...vendo os dias passarem...
– Você se isolou por vontade própria. Falo sempre com as meninas, e elas me contaram que não foram poucas as vezes que ligaram pra você, tentando estar com você, e que sempre as dispensou.
– Não sabia o que dizer a ninguém... Não queria que me vissem daquele jeito... Hoje me arrependo de várias coisas, dentre elas de não ter permitido que alguém se aproximasse. Talvez tivesse levado menos tempo pra perceber que amo Camille muito mais que imaginava ser capaz.
– Bom, seja como for... agora cresça... Faça Cam feliz, seja feliz, e não esqueça das amigas... amamos você, embora você sendo uma babaca. Riu, dando tapinhas no braço da velha amiga.
– Prometo que vou fazer tudo certo daqui pra frente...
– Acho bom, porque Flávia tem uma direita de matar. E mando ela te dar uma surra se aprontar de novo. Já estou cansada de ter que colocar um pouco de juízo nessa sua cabeça dura.
– Flávia parece ser uma pessoa fabulosa... e a olha, como eu à Camille.
– Ai dela que não olhe... hum... a levo de rédea curta... Riu
– Imagino...Brincou, divertindo-se com o ar dominador da amiga, sabendo que no fundo deveria agir exatamente como dizia.
– Hum... A propósito, vão voltar pra São Paulo hoje?
– Não, ontem resolvi que se a vida nos estava dando uma segunda chance seria mais do que tempo de voltarmos à Paris.
– Hum, amiga...que chique...
– E será bom sair do apartamento por um tempo... estava me sentindo asfixiada lá também... Acho que vamos procurar outro lugar pra morar, assim que retornemos.
– Será bom pra vocês, mudar de ar.
– É, com certeza... Não sei quanto tempo passaremos fora... tenho um livro para entregar em Dezembro, e até agora nem o comecei. Então tudo vai depender...
– Esqueça o livro e vá viver... Agarre-se no que é concreto, mulher.
– Sim, não vou me preocupar com escrever. Estamos viajando sem rumo, sem data pra voltar... nem hotel reservei.
– Ótimo, pare de fazer planejamento pra tudo, não são os seus roteiros... simplesmente viva um dia depois do outro.
– Faremos isso..
– Agora desgrude a bunda dessa cadeira e vamos atrás de nossas mulheres... é bom não dar muita sorte ao azar... Riu gostosamente, insinuando que as outras podiam está-las traindo, provocando riso em Luana também.
Fim do capítulo
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