Capítulo 26
Ao lembrar disso, Luana ergueu os olhos da tela de seu notebook e olhou para o painel ainda pendurado na parede de seu estúdio, a foto que antes estivera no estúdio de Camille, a que havia sido revelada por ela, e emoldurada por Camille, tirada às vésperas de embarcarem para a França.
A imagem ficou repentinamente desfocada pelas lágrimas que lhe vieram aos olhos, recordando o quanto tinham sido felizes naqueles dias. E pela saudade que sentia, pelo vazio deixado pela mulher.
Olhou mais uma vez para o aparelho a seu lado, que teimava em permanecer calado. Num rompante discou o número que sabia de cor, que, mesmo tendo chamado apenas uma vez, não permitiu que desligasse, pois foi prontamente atendido por Camille.
– Estava pensando em você... Confessou Camille.
– Estava lembrando de Paris, de nossa vida... Admitiu, sem pensar.
– Sinto saudade...
– Eu também... Você está em São Paulo?
– Não, Brasília. Fez-se silêncio dos dois lados. – Como está indo o livro?
– Indo... Mentiu, sem querer admitir que não tinha escrito uma linha sequer.
– E você, está aí a trabalho?
– Mais ou menos... tinha um material pra entregar aqui, e aproveitei para vir visitar a Tina.
Há alguns anos Cristina tinha se mudado para capital federal, em busca de outras oportunidades de trabalho. Mas, antes disso Camille já tinha se transformando em amiga de Tina, e até mais próxima que ela própria.
– Ah... e como ela está?
– Bem... Estou hospedada na casa dela, aqui no Lago Norte... Estávamos falando justamente em você.
– Hum... bom saber...
– Bom saber que estou na casa dela, ou que estávamos falando em você?
– As duas coisas... acho... Sinal que ainda existe um vínculo entre todas nós.
– Sempre vai existir... Tina também sente falta de você. Afirmou Camille.
– Sei... deve ser por isso que vocês me ligam tanto. Respondeu com ironia.
– No que me diz respeito estou apenas te dando espaço, não era isso que queria?
O silêncio se interpôs, parecendo até que a ligação havia caído, até Camille finalmente dizer:
– Se me disser que essa ausência já foi suficiente, pego o primeiro voo pra São Paulo. Ainda amo você...
– ... Não sei. Queria, desesperadamente, acreditar no que tinha ouvido, mas não conseguia, depois de todo aquele tempo.
– ... Bom, o dia que souber, me ligue... Respondeu, secamente.
– Liguei pra saber como você está...
– Estou como você quer que eu esteja. Vou desligar. Até...
Antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, a ligação já tinha sido encerrada.
Ficou imóvel, olhando novamente para o aparelho. Os minutos se transformaram em horas. E o cursor seguia piscado na tela, exigindo que algo fosse dito.
Freneticamente, seus dedos travaram luta com o teclado, escrevendo aquela que seria a catarse de tudo que sentia. Seu novo romance contaria os dias vividos naquele primeiro ano de vida em comum, começando justamente em Paris. As protagonistas receberiam outros nomes e teriam profissões diversas, mas quem as conhecesse saberia de quem se tratava.
“Caminhando abraças às margens do Sena, as amantes desfrutavam de sua primeira noite em Paris juntas. Michelle e Fernanda passariam o mês numa incursão pela França, uma vez que a primeira fora selecionada para uma mostra de suas pinturas, e a namorada resolvera acompanhá-la, aproveitando o tempo para conhecer melhor as vinícolas e a culinária francesa de forma a poder elaborar um cardápio mais adequado para o restaurante que deveria abrir num dos bairros mais nobres de São Paulo”.
O celular tocou interrompendo seu primeiro lampejo de inspiração.
– Não sei mais o que você quer que eu diga ou faça, se soubesse já teria feito... Não aguento mais viver assim, em stand by... Se ligo você se afasta, então tento me manter distante e recomeçar, então você liga, mas também não me diz nada nem me deixa esquecê-la...
– Desculpa,... se soubesse não teria ligado...
– Que droga, Luana, é a última vez que me humilho deixando claro que quero ficar com você, que não tem sentido não estar com você, e que faço o que for preciso para que fiquemos juntas... Já disse que a amo, e você já devia ter entendido isso...e saber disso.
Outro intervalo. As palavras de Camille lhe pesavam. Sabia que ainda a amava. Sabia o quanto a ausência lhe doía, mas não sabia o que fazer. O medo era mais forte, não queria sofrer em doses homeopáticas novamente.
– Volta pra mim. As palavras brotaram de seus lábios sem que as conseguisse dominar. Racionalmente não as teria dito.
– Volto. Estou indo. Saio daqui no primeiro voo. Amo você. Respondeu a mulher, sem que Luana pudesse repensar no que havia dito, e retirar o apelo.
– Não! Aqui não...
– Como assim?! ... Está falando do apartamento ou da cidade?
– De tudo... Aqui não.
– Então o que quer fazer?... Quer vir pra cá? Ou ir para outro lugar?...
Já que se precipitara dizendo o que não devia, agora era tarde para arrependimentos, então se ainda houvesse alguma coisa a fazer, uma chance de recomeço, melhor que fosse longe dali. De preferência em algum lugar desconhecido, ou no qual tivessem sido felizes. Em uma fração de segundos o desejo de tê-la e de reviverem os dias do início do relacionamento voltou, com a mesma intensidade daqueles dias, expulsando qualquer resquício de medo ou dúvida.
– Me dá alguns minutos, já retorno. Me deixa ver uma coisa... Amo você... Já ligo de volta...
– Estarei esperando. Mas não abro mão de encontrá-la nas próximas horas. Ou vou, ou você vem. Não quero mais passar uma noite sem você... Não aguento mais estar sem você...
– Amo você também. Me deixa ver os horários de voo. Já ligo, prometo.
– Tá... beijos
– Beijos.
O mundo virara de pernas para o ar mais uma vez. Tudo que queria e desejava naquele momento era estar com a mulher, fosse essa ou não outra das maiores loucuras de sua vida. E em se tratar de Camille, não seria a primeira vez. Com ela descobrira que nada poderia ser mais louco do que já era.
Fechou rapidamente o editor de textos, e buscou na internet os próximos voos para Brasília e de BSB para seu destino final. Se a ordem era enlouquecer, o fariam no lugar aonde tinham descoberto que não poderiam mais viver separadas.
Sem querer dar tempo para si mesma, para repensar, clicou na companhia aérea e reservou passagem para a capital e para o outro trajeto da viagem que fariam no dia seguinte.
Rapidamente rediscou o número da mulher.
– Chego aí às vinte e trinta. Reserva um hotel pra nós e faz as malas, viajamos amanhã.
– Tá. Vou esperá-la no aeroporto. Amo você.
– Amo você também. Preciso desligar e fazer as malas. Tenho pouco tempo para ir chegar ao aeroporto. Ah, voarei pela TAM.
– Tá bem... Estarei lá. Beijos. Amo você.
– Me too, beijo.
Luana fechou o notebook, colocando-o na pasta. Juntou alguns pertences e o celular. E correu para fazer a mala para ir ao encontro daquela que fora, e ainda era, a mulher de sua vida.
Fim do capítulo
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