Capítulo 24
Logo após a apresentação da Orquestra Sinfônica Brasileira, o casal deixou o auditório, rumo ao Le Foyer para jantar. Pouco depois de terem ocupado a mesmo em que jantariam, Camille voltou a ficar irritada, porque Luana cumprimentou alguém que estava ocupando a mesa ao lado, e ao levantar os olhos do cardápio, descobriu que se tratava novamente da morena.
Entredentes, fingindo um sorriso encantador, Camille ameaçou:
- Se você não pretende levantar daqui e ir sentar com ela, trate de não ficar olhando pra essa... essazinha, do contrário vai terminar tendo que ir sentar com ela, porque vou deixá-la sozinha aqui. E pode apostar que não vai dormir na mesma cama que eu essa noite. Entendeu?
- Amor?! O quê?! Perguntou sem entender porque a mulher estava tão irritada.
- Essazinha está flertando com você desde o início da noite, e você parece estar gostando, eu não tenho a mínima paciência para fingir que não estou percebendo.
- Cam, amor... ela é só uma fã, só fui simpática... nada a ver... jamais flertaria com alguém nem se estivesse sozinha, querida... você sabe o quanto a amo, e a respeito...
- Pois então escolha logo o que vai pedir, vamos jantar e ir pra casa, antes que eu me levante daqui e vá lá dizer pra essa criatura horrenda que pegue sua vassoura e desapareça daqui.
Luana riu, pegou na mãe de Camille e fez chamou o garçom para que fizessem o pedido, sem olhar mais em direção à mesa ao lado. Conversaram sobre assuntos diversos, e a escritora fez o possível para parecer ainda mais atenciosa com a mulher, para dissuadir qualquer ideia de investida da fã, tendo certeza de que estavam sendo observadas.
O restante da noite transcorreu sem novos acontecimentos, exceto ao chegarem em casa, quando Camille fez com que Luana provasse que a amava e que não existia nenhuma outra mulher no mundo que pudesse lhe dar tanto prazer.
Depois do lançamento do novo livro, Luana ficou um tanto silenciosa, pois o novo romance não teve o mesmo sucesso que os anteriores, embora as críticas não fossem negativas. Apesar de tentar disfarçar a decepção, Camille, que a conhecia bem percebia suas longas ausências, muitas vezes enquanto conversavam. Perambulava pela casa insone durante a noite, às vezes se trancando em seu estúdio até amanhecer. A mulher, que acordava sentindo falta dela na cama a procurava e geralmente a encontrava ouvindo música, sentada de frente para a janela, com o olhar perdido.
- Amor, vem pra cama... Pediu, sentando em seu colo e lhe fazendo carinho nos cabelos.
- Não estou com sono, amor... Respondeu Luana, com a voz meio rouca.
- ...hum...e quem foi quem foi que falou em dormir?.... Disse, sussurrando próximo ao ouvido da mulher, depois invadindo sua boca com a língua e deixando seus cabelos em desalinhos, provocativa.
Arrepiada e já começando a ficar excitada, correspondeu ao beijo intensificando os carinhos pelo corpo de Camille, e decidindo que deveria mesmo voltar para a cama com a mulher.
Apesar dessa e de diversas outras tentativas e estratégias de Camille para que Luana saísse do estágio letárgico, a escritora parecia ter perdido o interesse por quase tudo o mais. Camille convidou as amigas da mulher para alguns encontros, e apesar de Luana parecer feliz em estar com a troupe, seguiu apática.
Percebendo o clima estranho, e tendo o temperamento que não lhe permitia agir de forma diferente, Tina deu um jeito de chamar Camille em particular para tentar descobrir o que estava acontecendo.
- Sei que não temos intimidade... Já atalhou dizendo, assim que conseguiu puxar a fotógrafa para um lado, e conversar sem serem ouvidas pelas demais. – Mas conheço Luana o suficiente para saber que ela não está bem. Se não for algo particular entre vocês, pode me dizer o que está havendo?
- Então... Tina, até convidei-as para virem aqui para ver se ela se distrai um pouco, porque já não sei o que fazer. Ela tem estado assim, depois do lançamento do livro... que não foi tão... tão bem aceito como os anteriores... Não conversa sobre o assunto, mas sei que é isso... Tenho tentado animá-la... Me preocupo... Nunca a tinha visto tão desanimada, entregue e preocupada.
- Humm, sabia que tinha algum problema... Luana não é dada a essas crises, e apesar de ter tido motivos para ficar deprimida antes, por diversos outros motivos, nunca se deixou abater... não é típico do temperamento dela... e até é bastante contraditório, porque sei que ela encontrou em você o que precisava para ter serenidade e segurança.
Camille suspirou profundamente, e sem receio pediu que a Tina, que conhecia a mulher há muito mais tempo que ela, a ajudasse, pois sinceramente estava entrando em desespero. Concordaram em se encontrar em outro momento para conversar mais sobre o assunto, e pensarem juntas em algo que pudesse fazer Luana reagir.
Dias depois Tina ligou para Camille e combinaram e marcaram encontro em uma das cafeterias do shopping mais próximo do apartamento de Cristina. Ficou acertado que a amiga pediria a Luana que a encontrasse no dia seguinte, como se precisasse de seus conselhos para um assunto qualquer, subterfúgio para que pudesse conversar com ela sozinha. Talvez Luana se abrisse, ou mesmo lhe fizesse bem sair um pouco de casa e desviar a atenção para outros assuntos.
Sem dar chance da amiga recusar, na tarde do dia seguinte, Tina ligou já anunciando que estava com um problema para resolver e precisava urgentemente de seus conselhos e já a estava esperando na cafeteria...
- E não me deixe esperando muito... Acrescentou, desaforada.
Sem poder inventar uma boa desculpa a tempo, e tendo a outra estado sempre próxima quando precisara, não pode dizer não.
Algumas horas depois, já tendo se aconselhado sobre o suposto problema, como tinha liberdade e intimidade suficiente, Tina entrou de sola no assunto, deixando Luana indócil. Sem revelar que conversara com Camille e que a outra lhe confiara a possível causa do estado de espírito da escritora, a amiga perguntou, diretamente, o que estava acontecendo com a escritora, pois notara que estava down. Luana, acuada, relutou a admitir que andava um pouco deprimida. Por fim, acabou admitindo que perdera a inspiração, e que estava em crise, sem conseguir entender, sequer explicar exatamente porquê.
- Lu, você está fazendo maremoto num copo d’água... Dá pra ser menos egoísta?! Hello, olhe ao seu redor... você pode se dar ao luxo de viver fazendo apenas o que gosta, coisa que poucos conseguem. Encontrou alguém que está à sua altura, porque Camille além de talentosa é bonita, inteligente e a ama. Tem por perto amigos que a admiram. Agora passa viajando. Antes não ia nem na esquina porque não tinha companhia, ou quando ia, voltava frustrada porque a companhia a desagradara. Tem saúde, uma vida super confortável... O que mais você quer da vida, Lu?! Deixa de neurose! Está se auto-boicotando, querendo criar um problema para terminar tendo mesmo um problema. Vou lhe dizer uma coisa... Camille tem que amá-la muito mesmo, porque para conseguir aguentá-la, só amando muito. Ninguém quer ao lado alguém em crise de autocomiseração, principalmente quando não há uma razão realmente forte que justifica uma crise.
Depois de ouvir calada, sentindo-se um pouco envergonhada, apenas coseguiu dizer:
- Sei de tudo isso... Sei que tenho muita sorte... Finalmente encontrei alguém com quem quero passar o resto da minha vida. Tenho poucos, mas bons amigos. Financeiramente tenho uma vida bastante tranquila. Acho que o que está me fazendo mal é que não sei se ainda quero escrever... Acho que já disse tudo que poderia, estou me repetindo... O último livro não teve a mesma aceitação que os anteriores. Nos primeiros dois meses vendeu metade do que o último, no mesmo espaço de tempo... Acho que perdi a inspiração...Não sei...
- ... Ah, que peninha... agora estou entendendo... tudo isso é porque os cristãos não quiseram comprar mais uma bíblia e seguir idolatrando-a.... Faça-me o favor..., cresça! Você está é muito mal acostumada... Acovardou-se com um resultado ruim, então não quer mais brincar... Onde está a mulher que conheci? ...sim, porque no mínimo a Luana que eu conhecia se tivesse amargado alguma frustração ou tido uma crítica não muito boa, ao invés de andar lamentando por aí, ou tendo pena de si mesma, estaria é sentada em frente ao computador trabalhando, sem se preocupar com contratos, prazos, vendas e nada que não fosse transpiração.
- É eu sei... você tem razão... nem eu mesma estou me reconhecendo... sei que estou sendo estúpida, me preocupando com coisas pequenas... Camille também tem feito de tudo para me fazer ficar melhor, embora não falemos sobre isso...
- Lu, vou só lhe dizer uma coisa... Ou você trata de se reinventar e deixar de frescura, ou vai terminar perdendo a única coisa que realmente importa na sua vida. E se isso acontecer não vai adiantar chorar. Por mais que Camille a ame, uma hora pode cansar. Qualquer um cansaria... E olha que não estou lhe dizendo tudo isso porque gosto de Camille, não morro de amores por ela e você sabe disso, mas consigo ver as qualidades que ela tem... e a única coisa que realmente me importa é que sei que ela a ama, e a faz feliz.
- Tá, ...tá bom,... eu sei...eu também a amo. Não posso nem quero me imaginar vivendo sem ela. Sei que preciso reagir e encarar as coisas por outro prisma. E sei que só eu posso me ajudar. Prometo que vou tentar... sei que preciso. E devo isso à Camille também.
Conversaram mais um pouco, e enquanto dirigia, no caminho de volta pra casa, Luana conseguiu perceber o quanto tinha se permitido afetar com algo que deveria motivá-la a querer trabalhar com mais afinco... E no quanto tudo isso estava afetando o seu relacionamento, que como dissera Tina, era o que realmente importava.
Decidida a dar uma sacudida, resolveu que ao chegar em casa convidaria Camille para ir ao cinema e jantar fora. Há muito não saiam, e quando o faziam ela não conseguia, verdadeiramente, desfrutar da companhia da mulher.
Como em transe, acordou. Mais de quatro anos depois, ali estava ela, hipnotiza pelo cursor que teimava em piscar na tela em branco, sem ver Camille há praticamente seis meses, sem sequer terem conversado antes da separação, ou depois dela. Só que desta vez Tina não a tinha feito ver que estava se afundando em areia movediça propositalmente.
Absorta novamente, Luana analisou os anos que se seguiram após aquela primeira crise.
Depois da conversa com a amiga, a escritora tinha se forçado a reagir, e em pouco tempo o casal tinha reencontrado a sintonia e retomado a vida feliz que levava antes. Entretanto, com o tempo, a convivência terminara desgastando os demais sentimentos. E com a paixão aplacada, a tendência era que as diferenças aparecessem e cobrem o seu preço.
As atividades da fotógrafa faziam-na viajar com mais frequência, ou, quando em São Paulo, passar muitas horas, por dia, fora de casa. Já Luana precisava de certa reclusão para escrever, assim, por mais que tentassem equalizar os horários, já não tinham a mesma harmonia e conviviam quase como estranhas. E, embora fizessem amor com a mesma paixão quando faziam as pazes, aos poucos foram se afastando, a ponto de Camilla pensar que Luana só se sentia completa com seus personagens, e esta, que Camilla devia ter outros interesses além da vida em comum.
Fim do capítulo
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