Capítulo 9
Camille arrancou o aparelho da mão de Luana, e, antes que pudesse falar, ouviu mais outros gritos da outra mulher.
– Lu, você está me deixando assustada... Chego aí o mais rápido possível. Não saia daí.
– Oi, Tina? É Camille, desculpa... Só para tranquilizá-la. Entendo sua reação, se fosse minha amiga com certeza imagino que faria o mesmo.
– Oi. Olha, não sei quem você é, o que realmente quer, mas vou logo avisando, amo Luana como a uma irmã e não vou permitir que ninguém brinque com os sentimentos dela. Portanto não pense que pode fazer o que quiser e que ficará por isso mesmo. – Ameaçou, esperando que a outra entendesse o recado.
– Tina, não tenho a mínima intenção de brincar com Luana. Estamos nos conhecendo. As coisas estão acontecendo rápido demais... Também estamos assustadas com isso, mas não queremos fugir. Preciso ir a Lion a trabalho. Não tenho como desmarcar. Devo permanecer uns quarenta dias. Só que nos encontramos, e agora precisamos de um tempo juntas, então pedi a Lu que viajasse comigo.
Luana ouvia a conversa ainda mais perplexa. As duas mulheres falavam sobre ela como se fosse de alguém quem nem mesmo ela conhecia. Para completar, Camille a chamara pelo apelido pela primeira vez, e numa conversa com sua melhor amiga.
– Peça a Luana que me ligue assim que puder. Então conversaremos pessoalmente. Ju e Claire vão querer ouvir isso também.
– Tudo bem. Acho fantástico que ela tenha amigas como vocês. Queria ter a mesma sorte. – Tentou ser simpática mesmo já detestando a outra, que disfarçada de amiga com certeza queria ser bem mais que isso, a tomar pelo modo que se portara na Galeria na noite da vernissage.
– Bom, acho que gostaria de me despedir de Luana antes de desligar. – Respondeu de forma grosseira, sem dar margem à outra para que tentasse uma aproximação.
– Claro, vou passar para ela. – Estendeu o celular à mulher com cara de poucos amigos.
– Oi... que ótimo vocês terem se conhecido dessa forma, e já discutido sobre a minha vida particular como se eu não fosse a principal interessada e responsável por ela. – Finalmente esbravejou Luana ao voltar a falar com Tina.
– Vou matar você. Quem mandou passar o telefone para ela?! Vou aguardar que esteja sozinha e me ligue para que nos encontremos e possa trazê-la de volta à realidade. Vou esperar até amanhã. – Desligou furiosa. Em segundos, ligaria para Claire e Julia.
Luana e Camille se olharam sentadas na cama com expressões enigmáticas, logo após riram desenfreadamente. Deviam mesmo estar fora do juízo porque os outros já começavam a perceber.
– Hei, não posso passar o dia na cama com você. Preciso ligar para mamãe, mudar de roupa e milhões de outras coisas.
– Ok, deixo você em casa, depois me liga quando quiser me encontrar de novo.
– Hum, não vai escapar assim não. Depois de ter enfrentado essa sua amiga? Nem pensar. Vamos na casa da mamãe, conversamos um pouco, pois prometi de passar por lá hoje, e você vai comigo ao meu apartamento. Quero te mostrar outras fotografias. A menos que precise dar satisfação da sua vida para mais alguém... – Olhou para Luana, desafiadoramente.
– Você que manda. Mas acho bom agirmos um pouco mais como pessoas normais, ou nos internarão. – Risos. – Passamos no seu apartamento antes, para que troque de roupa primeiro. Depois, então, faremos o que quiser.
– Bem pensado... Será que estamos loucas mesmo? Porque pensando bem, nos conhecemos há poucos dias... Nunca quis estar com alguém como quero estar com você, assim tão depressa. Isso é surreal.
– Bom, surreal ou não é o que quero também, então... Não quero ficar processando informações agora, se fizer isso vou entrar em pânico.
Mais risadas.
– Tá, chuveiro e a minha casa. Ah, e precisamos comer algo mais substancioso, para conseguirmos manter o ritmo.
Um beijo, risos e chuveiro.
– Vista alguma coisa minha para não sair com a mesma roupa que chegou. Devo ter algo que agrade. As roupas devem servir, os calçados não. Seu pé deve ser um número menor, porque também é um pouco mais baixa.
– Tá me chamando de baixinha, é?
– Não, querida, tenho 1,67m. Você deve ter poucos centímetros menos, não é diferença.
– Dois, para sua informação. E calço 36.
– 37, mas devo ter algo que possa calçar. Vem. – Puxou-a pela mão para o closed.
O apartamento de Camille era na verdade um loft, em Higienópolis. O prédio, uma antiga fábrica não muito grande, mas bastante espaçosa, havia sido reformado, entretanto, ainda mantinha alguma originalidade. Bastante claro, era decorado com materiais diversos e painéis fotográficos de Camille.
– Ma maison. Aqui você pode descobrir um pouco mais quem sou, minhas fotos, os lugares por onde andei, meus livros, CDs... as coisas que me importam e me interessam.
De mãos dadas, percorreram rapidamente o espaço antes de Camille pedir que, enquanto trocasse de roupas, Luana visse se na side by side havia algo pré-pronto para que fizessem uma refeição breve, antes de saírem novamente. Depois da casa de Eleonora poderiam voltar ao loft para que Camille pudesse mostrar à mulher alguns de seus trabalhos.
– Você gosta de comida chinesa?
– Não tem comida chinesa na geladeira... – Estranhou.
– Por isso estou perguntando. Pensei em chamar o China in Box, e pedir quem sabe um Yakisoba de Camarão...
– Adoro... mas peça que mandem o mais rápido possível, estou com muita fome e não quero sair muito tarde, para que possamos voltar logo... – Pediu, dando um beijo rápido.
Luana jogou-se sobre a cama de Camille, e fez a encomenda enquanto admirava Camille se vestir, já desejando tocá-la de novo. A outra percebendo estar sendo observada jogou o soutien que tirava nela, que o apanhou ainda no ar e sentiu o perfume que tanto gostara.
Já vestida com uma blusa leve, branca, quase transparente, e uma calça leve em tom oliva. – Dá pra parar de tamborilar os dedos. Está me deixando nervosa... tô me sentindo como se fosse ser devorada.
– Não achei que estava sendo tão evidente... – Risos
– Pois está, e nem pense nisso agora. Comporte-se. Não se mova daí. Vou buscar uma coisa e volto. Stop.
Retornou com sua câmera Canon, digital. Subiu na cama, apontando-a para Luana disparando-a repetidas vezes.
– Não gosto de ser fotografada... – Protestou, tentando se esquivar.
– Pois vai ter que aprender a gostar se pretende ser minha namorasa... – Seguindo mudando de posição a câmera, disparando.
– Eu mereço... Agora sim, tô ficando mesmo louca.Vem cá, me beija e para com isso. – Pediu tentando distraí-la. Mas foi o legítimo tiro no pé, passou a ser fotografada sendo beijada e acariciada, sem conseguir desvencilhar-se. Só conseguiu fazê-la parar quando começou a mover o quadril em direção ao dela deixando-a completamente excitada.
Foram interrompidas pelo interfone, avisando a chegada da tele-entrega.
Sem se preocuparem com pratos e talheres, dividiram a embalagem, e com os hashis saborearam a primeira refeição salgada do dia, mesmo já por volta das quinze horas.
Como combinado, assim que saciadas rumaram à casa de Eleonora, que as recebeu com outro de seus sorrisos largos, sem exigir qualquer explicação ou fazer comentários.
O sobrado, duplex, em um condomínio no Morumbi, era bastante alegre, em cores quentes. Também decorado com obras da fotógrafa. Eleonora recebia um casal de amigos que estava à beira da piscina, sob um pergolado.
Aproveitando as visitas, Camille informou:
– Mãe, viemos só dar um oi, estamos com um pouco de pressa. Temos umas coisas pra resolver. Luana vai comigo à França, então temos uma série de coisas pra fazer. Mas prometo que outra hora conversamos mais, ok?
– Ah, que pena. Gostaria tanto que pudessem ficar mais, mas entendo. Só, vou cobrar o retorno. Quero saber o que vocês duas andam aprontando. Disse, segurando o braço de Luana e a mão da filha. – Mas fico feliz pela notícia. Ficarei mais tranquila sabendo que terá alguém tomando conta de você. – Venham almoçar comigo amanhã, se puderem. Não terei visitas. Poderemos ficar mais à vontade.
Camille buscou com o olhar uma resposta de Luana, que assentiu com a cabeça.
– Ok, amanhã almoçamos com você.
– Vou esperá-las.
Despediram-se e retornaram ao loft onde passaram o restante da tarde conversando, ouvindo música, vendo fotografias e trocando carinhos. Luana descobriu dois de seus livros entre os de Camille.
– Posso? – Indicou que queria autografá-lo.
– Não precisa perguntar...
Em “Areias do tempo” escreveu: “Seja amor, paixão ou loucura espero que se seja eterno”. E assinou.
Ao ler, Camille lembrou-se da discussão de algumas noites antes, e riu, beijando-a.
– Também espero.
Por volta das dezesseis horas, Tina ligou novamente.
– Onde você está, que não está em casa?
– Não acredito que você foi em casa sem me ligar antes...
– Desde quando precisei ligar antes de visitá-la?
– Desde que te disse que não estava sozinha.
– Tá, não chateia, onde você está? Eu e as meninas estamos em frente ao seu prédio.
– Estou na casa da Camille, e não tenho hora pra voltar pra casa.
– Ai meu Deus, esqueci que lésbicas namoram, vão pra cama, e já resolvem morar juntas, depois do segundo encontro. Disse, sarcástica, bem sabendo que a amiga não tinha esse perfil, ao contrário seus relacionamentos normalmente fracassavam pela postura inversa.
Fim do capítulo
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