Capítulo 23
Capitulo 23 - Caroline
Pra variar consegui dormir pouco, fiquei a maior parte do tempo vigiando o sono dela e protegendo para que ela não arrancasse o curativo da testa. Durante a noite toda a Fernanda ficou enrolada no meu corpo, como se não permitisse que eu saísse dali.
Quando finalmente o dia clareou, e a luz bateu no quarto, consegui delicadamente me soltar dela. Depois de uma higiene rapida, passei no “meu quarto”, peguei o computador e desci para a sala, não sem antes garantir que a Fer estava dormindo calmamente.
Meu corpo doía, sinal nítido da péssima noite de sono que tive. Consegui desligar por poucos minutos, praticamente a noite toda foi em claro. Assim que desci a escada, o Pingo veio correndo para as minhas pernas, não pude resistir. Agachei e enchi aquele cachorro de carinho e de cafuné. Quando finalmente bati o olho em volta, vi que dona Antônia já estava em pé, cozinhando. Meu pensamento é apenas um, essa mulher não dorme?
- Bom dia menina. Desejas seu pequeno almoço agora?
- Bom dia Dona Antônia, a senhora já está acordada? Vai descansar. Eu me arrumo aqui para comer algo.
- E pensas que esse cachorro deixa eu dormir? Me bagunçou a casa a noite toda.
- Eu nem ouvi. Fiquei lá em cima pensando na vida.
- A menina Fernanda está bem?
- Deve estar, dormiu bem durante a noite. Nem se mexeu. Vou levar esse cachorro para dar uma volta, ver se ele dá um descanso para a senhora.
- Não demore. Como prometido, fiz biscoito fresco para menina.
- Como assim dona Antonia? Vou sair gordinha de maçores. Mas aceito. Vou levar ele aqui perto.
Assim que eu peguei a coleira, o Pingo saiu correndo em direção a porta. Como o quintal na frente da casa era grande e tinha portão, deixei ele correr por ali. Ficamos um tempo ali, ele correndo, hora eu jogando a bolinha, hora eu apenas respirando aquele ar gelado das montanhas. Em pouco tempo em Portugal, posso me dizer que o ar frio e gelada do período da manhã faz bem para os pulmões e para as ideias. Estou gostando da sensação de calma e vida que ele me passa.
Não pude resistir, a grama verde, mais pra opaca que pra verde na verdade, o clima frio, mas com o ceu claro de fundo. Deitei na grama. Olhando para o infinito, me deixei viajar nos pensamentos, no cansaço da noite e nas expectativas.
Quanto tempo passou? Não tenho ideia. Senti uma mao leve me enchendo de carinho e me chamando, infelizmente a primeira pessoa que pensei foi a Chris, mas assim que me sintonizei, percebi que era a Fernanda. Quando abri os olhos, pude ver ela sentada ao meu lado, no gramado. O rosto dela estava meio inchado em volta do corte de ontem, mas o curativo estava intacto lá. Ela tinha nitidamente uma expressão de ressaca, em que a dor de cabeça deveria ser bem significante.
- Acho que não posso mais beber como ontem. Te dei trabalho ne?! - me falou isso com expressão de culpada, eu ainda deitada na grama e ela me enchendo de carinho no cabelo.
- Nem um pouco de trabalho Fer, só cansei de bobagem. - olhei de um jeito pra ela entender que deu trabalho mesmo - Já tomou alguma coisa pra ressaca? Sua cara está péssima.
- Sinceridade é seu forte mesmo Carol. Já tomei, minha cabeça está explodindo. Posso dizer que o vinho da festa de ontem foi dos bons.
- Lembra de alguma coisa?
- Lembro de tudo, eu acho, e te devo mil desculpas - se inclinou para a frente. Nossos lábios se aproximaram, e apesar da promessa de não termos nada, não aguentei e respondi ao beijo. Seus labios se encostaram no meu e senti a lingua dela, macia, procurando espaço. Espaço que eu dei e permiti, senti seu hálito refrescante, matinal, de menta, espalhando pela minha boca, enquanto sua língua docilmente brincava com a minha. Uma das minhas mãos procurou sua nuca, massageando sua pele e bagunçando seu cabelo, enquanto a outra apenas ficou apoiada em sua coxa, dando contexto ao toque e ao momento do beijo. De verdade, me perdi, a cada dia a Fernanda me encanta mais, apesar das cagadas que faz.
- Não estavamos dando um tempo?
- “Diculpa”, não consegui resistir a você deitada na grama. Ah, falando isso, onde está o meu cachorro?
- Ai meu Deus, o Pingo! Cadê ele? - Lembrei apenas agora do cachorro, cadê o bichinho. Levantei de supetão, já batendo o olho pra achar o dog, ai pude ver a Fernanda gargalhando.
- Ele está la dentro, comendo alguma coisa.
- Sua bobona! Como me assusta assim? Achei que tinha perdido seu cachorro.
- Quando eu cheguei aqui fora, voces dois estavam dormindo na grama, jogados e largados. Ele só levantou a cabeça quando eu chamei. A Dona Antonia mostrou um biscoitinho pra ele da porta, e já era, perdi meu cachorro, preguiçoso e viciado em comida.
- Que susto sua boba. Sério.
- Sua cara de preocupada foi a melhor. Prefiro a carinha de preocupada que a de brava que te deixei ontem.
- Não fiquei brava, fiquei chateada. Fer, podemos ter essa conversa depois né?! Você está morta de ressaca, eu com fome.
- Quer comer aqui fora? Tipo um piquenique? Pego tudo lá dentro pra gente.
- Não Fer, a Dona Antonia preparou tudo bonitinho. Vamos comer lá dentro.
- Não, aqui tá friozinho, gostoso. - foi falando isso com um bico lindo, quase me conquistando a ficar ali no gramado mesmo.
- Não senhorita, levanta. - eu levantei da grama, dando risada da cara dela de menina fofa. Estiquei minhas maos para ela apoiar e levantar - Vem Fernanda, e tira esse bico da cara. - Ela segurou em minhas mãos e levantou, no automatismo emendou me abraçando e lançando, ao pé do meu ouvido, com uma voz deliciosa - Ganho o que para tirar o bico da cara?
Fiquei sem resposta, sorri pra ela, mas ela deve ter percebido. Meu corpo, óbvio, respondeu diretamente a essa jogada dela, minha pelve contraiu, levemente, dolorosamente, mas de um jeito delicioso. Apenas olhei ela, sorri. Ela entendeu bem o recado.
Assim que entramos na sala, o Pingo correu pra mim, cheirando minhas maos para ver se havia comida. Ele é um fofo
- Menina, voltas hoje para Urros, ou amanha?
- Dona Antonia, nem cheguei e a senhora já queres me mandar embora?
- Jamais menina, nunca - A senhora ficou envergonhada, mas pude ver o quanto Fernanda amava e considerava ela. A pediatra abraçou a ancia e deram risada.
- Vamos hoje sim Dona Antonia. Vamos “tomaire” café e depois já vamos arrumar as coisas. Urros está sem luz esses ultimos tempos, melhor não arriscar de chegar a noite.
- Tens gostado de Urros Dra?
- Sem o doutora dona antônia, por favor. Estamos em casa. Achei Urros lindo, ainda não pude conhecer muito do vilarejo, estou lá a apenas uma semana.
- Fernada já te levou na parte que tem os aviõezinhos? - olhei pra pediatra com cara de inconformada, que absurdo.
- Que aviãozinho?
- Tem um pedaço de Urros, quase em Tulhas. É tulhas na verdade. Tem um grupo que tem aeroplanador, paraquedas, essas coisas de adrenalina.
- Serio? Eu tenho muita vontade de ver isso.
- Esse próximo final de semana podemos ver isso, conhecer Úrros.
- Dona Antônia, a senhora acredita que a Fernanda me encheu tanto de paciente que chego na casa dela e já é de noite.
- Ah princesa, quem mandou ser a única ginecologista a querer visitar essa terra de ninguém? Pensa bem, paciente aqui nunca vai faltar.
- Vais ficar menina? - dona Antonia lançou, tirando mais uma fornada de biscoitos deliciosos.
- Ainda não sei, um passo de cada vez Dona Antonia. Muitas decisões a serem tomadas nesse período. Encontrar casa, ver se a maternidade é boa, encontrar gente pra trabalhar comigo, muita coisa, muita coisa. - Pude ver na carinha da Fernanda o quanto ela desejada um posicionamento definitivo meu. Estou encantada por essa terra, encantada por ela, mas nada é simples, sem contar que preciso conhecer a Fernanda em si, ela pelo visto é dona de uma mega fazenda de oliveiras, mas largou tudo para morar numa casinha de pedra que não tem luz, tipo oi?! Como assim produção?.
- Vocês almoçam aqui?
- Não precisa não dona Antonia, faço um macarrão quando chegarmos em Úrros.
- Vamos almoçar aqui sim dona Antonia. - olhei pra Fernanda e lancei- Vamos comer seu macarrão a semana inteira, então pelo menos hoje um almoço de gente.
- Se não está satisfeita com a minha comida, pode cozinhar!
- Sabe que eu não cozinho nada Fernanda. Eu no máximo esquento a comida. Como tudo pronto e industrializado.
- Chega de discussão as duas, eu faço almoço e voces levam comida para Urros, mas posso dizer que o macarrão da menina é gostoso.
- É otimo dona Antonia, mas só macarrão não dá não - e mostrei a lingua para a Fer, que fazia uma carinha de decepcionada, entrando na brincadeira.
Depois de alimentadas e descansadas, saímos de Maçores ainda no meio da tarde. A Viagem até Urros seria rápida, mas realmente, melhor não chegar no escuro no vilarejo. Assim que entramos no carro, a Fernanda ligou o Ipod com uma musica moderninha, brasileira, eu não entendo muito de música, mas gostei do som. A viagem toda rolou de boa, com ela sorrindo pra mim, de tempos em tempos cantando alguma coisa. Em nenhum momento tocamos no assunto da noite anterior, nem sobre a ressaca, nem sobre a Milena.
Chegamos em Úrros no comecinho da noite, em um clima agradável entre eu e a Fer. Apesar da ressaca dela e da minha noite mal dormida, estamos mantendo nosso bom relacionamento.
Entrar na casa da Fernanda, depois de um final de semana longe, me deu uma sensação gostosa de lar, mesmo eu tendo plena certeza que esta não é a minha casa. Assim que entramos o Pingo foi correndo para a porta do fundo, que dá acesso a um pequeno quintal e ficou la esperando alguém abrir a porta para ele. Enquanto eu fui abrir a porta, a Fer começou a ligar os lampiões, Urros estava novamente sem luz. Era melhor ligar o dispositivo antes da noite cair totalmente e nós duas ficarmos no escuro.
Depois de pegarmos as coisas no carro e organizarmos na casa, em um gesto quase que automático, a Fernanda deitada no sofá me puxou para que eu deitasse no colo dela. Não sei se a muito tempo não faço isso ou se simplesmente é gostoso, mas a sensação de deitar sobre o corpo dela, a casa escura, sem luz, iluminada apenas pelos lampiões, fez meu corpo relaxar. Eu estou gostando disso, e muito.
- Carol, vem cá, deita aqui comigo - eu apenas sorri de volta e me arrumei sobre ela, encaixando minhas pernas entre as dela, de modo a ficarmos confortáveis. Sou um pouquinho mais alta que a Fer, mas nada que tenha atrapalhado ou impedido de ficarmos juntinhas. Apoiei minha cabeça entre seus seios, meu cabelo inicialmente preso em um coque, já estava solto, sendo bagunçado pela mão da pediatra, que me enchia de cafuné. Não precisamos falar nada, apenas o barulho do respirar e o calor dos corpos nos acalmou.
Não me recordo quando foi a última vez que consegui ficar assim com alguém, na verdade não lembro se um dia fiquei assim com a Christiane, mas isso não importa, não quero pensar nela agora, quero apenas aproveitar o colo da Fernanda, a sensação de proteção que ela me transmite e o desejo desse momento nunca acabar.
- Soneca, acorda. Vai perder o sono a noite de novo. - acordei ouvindo a voz da Fernanda lá de longe, como se ela fizesse parte de um sonho ou de outra realidade.
- Nossa, acho que dormi mesmo. Caraca, já está de noitão;
- Não dormiu muito não, deve ter sido por meia hora, eu acho. Acabei dormindo também, acordei morrendo de fome.
- Fome? Não consigo comer mais nada hoje.
- Por isso você é magrinha e eu gordinha. Eu estou com fome, vou esquentar a comida que a Dona Antonia mandou.
- Enquanto comemos, podemos conversar? Acho que precisamos disso Fer.
- Eu imaginei que iriamos precisar dessa conversa e acho justo. Vou arrumar a comida e sentamos aqui na sala para conversar. - se inclinou em minha direção e me deu um selinho. Não pude deixar ela sair daquele sofa, puxei ela e intensifiquei nosso beijo, mostrando que sei o que sinto e provavelmente sei o que quero. Quando finalmente nos soltamos, ela sorriu de um modo tão lindo, que eu poderia colocar ela em um potinho e guardar pra sempre.
Fiquei a uma certa distância vendo a Fer arrumar as coisas, e confesso que o meu pensamento foi: como alguem larga uma cidade como Maçores, em uma fazenda linda ( pelo menos a parte da casa que conheci), para viver em uma casa de pedra, sem luz, internet? Eu estou quase entrando em panico da abstinência de internet, televisão ou qualquer coisa do tipo.
Por exemplo, se ela tivesse um microondas aqui, já teria esquentado toda a comida, já estaríamos comendo. Pelo menos tem gás no fogão, o que já é um avanço. E outra, nesse momento eu estou aqui, distraindo ela, mas quando eu não estou, o que a Fernanda faz da vida? Preciso saber essas pequenas coisinhas dela.
Levantei rapidamente, com esses pensamentos me preenchendo. A Fer estava concentrada esquentando a marmitinha da Dona Antonia para nós. Sem pensar muito, abracei ela por tras e apoiei meu queixo em seu ombro. Pude ver ela sorrindo e gostando daquele momento. Comecei, delicadamente, a passar meus lábios no pescoço dela. Ela estava gostando. Em um momento, não sei se reflexo, ela curvou o pescoço, como se pedisse para eu continuar. Apertei meu abraço sobre o seu corpo e fui, no pescoço, alternando entre mordidas e beijos.
Em um lapso de segundos, a Fernanda se soltou me empurrou para a parede, ali da cozinha mesmo. Me senti uma adolescente, jovem, com fogo, me pegando em uma balada. Habilmente seus braços trocaram de posição e quem me “prendia” era a Fernanda, senti sua mão passando pela minha pele e buscando meu pescoço. Os dedos, na verdade as unhas dela, cravaram no meu cabelo, na minha nuca, mas sem machucar, em nenhum momento, apenas acariciando duro, forte. Me deixando com os pelos do braço e o corpo todo arrepiado. Os olhos castanhos da Fernanda estavam vivos, nítidos, cheios de desejo e de vontade.
Seus lábios, depois de passear pelo meu pescoço, me deixando cheia de vontade, buscaram minha boca, meus lábios, minha vontade. Não fui capaz de fugir ou de desviar, nem queria tal façanha. Começamos a nos beijar, um beijo rapido, cheio de tesão de vontade, forte, rico em mordidas e ch*padas nos labios. Não estava resistindo, definitivamente. As mãos dela percorriam minhas costas, arranhando, de modo suave, delicado, enquanto sua outra mão se apoiava na pedra da parede. Eu queria mesmo era descer minha mão e ver se a Fer estava molhada, mas não consegui, estava entregue aos labios daquela pediatra deliciosa.
Perdida nos beijos, senti a mão da Fernanda entrando por dentro da minha blusa, procurando mais da minha pele, procurando um espaço para me provocar, me atiçar. Minha pelve estava contraindo de um modo doloroso, intenso, que a cada contraída, meu corpo se contorcia um pouco mais. Desejava que eu tivesse tomado vinho, eu desejava aquela leve perda de sensibilidade acompanhada da lascividade que o álcool proporciona. Mas mesmo sem álcool eu posso continuar, quero continuar. Quero sentir mais da Fernanda, quero mais de mim.
Continuamos na intensificação do beijo, alternando brigas das nossas línguas, com mordidas leves e deliciosas da Fer. Sua mão procurou meus seios, abaixo do sutiã. A sensação que eu queria era a do seio sendo apertado, ate doer, como punição. Mas essa sensação não veio, senti eles sendo apertados docemente, de modo leve, sendo acariciado pela mão delicada da Fernanda.
- Aperta forte gostosa, por favor.
Na mesma velocidade que pedi, tive minha boca invadida pela Fer. Lábios nos lábios, intenso, apenas mordidas leves, com carinho, com vontade, desejo. Quero pedir mais, mas tenho como resposta uma mao na cintura, aproximando mais os corpos. Habilmente senti a perna da Fer empurrando as minhas, buscando espaço, procurando apoio. Apesar da diferença de altura, a coxa da Fernanda encaixou perfeitamente na minha pelve. A sensação habitual de contração era bem conhecida, eu sentia isso com a Chris, mas faz tanto tempo que não sinto.
A perna da Fer empurrou embaixo das minhas pernas, gemi. Quero mais, quero continuar.
- Eu sabia que tinha mulher envolvida. Você não foi pra Portugal a toa. Eu sabia, que decepção Caroline, decepção!. - Fui capaz de ouvir a voz da Christiane e de ver ela gritando na minha frente. - Fer, Fer, para. Não consigo. Para, por favor.
- Cacete! Esqueci a porr* da comida no fogo. - Assim que me afastei dela, ela correu para o fogão, ao lado de onde estávamos, para desligar o fogo. - Vai ficar ai com cara de tacho? Já cortou o clima, já foi.
- Fer, eu…
- Caroline, nem fala nada, por favor. Pega os pratos, pega as taças também. - ela falou ríspida, forte. Falou com o mesmo tom de quando me conheceu, lá na base. Enquanto eu peguei um lampião e segui lá pra fora, procurando o armário, ela se manteve na cozinha. Acho que em silêncio. Quando voltei, pude ver que ela havia aberto a garrafa de vinho que estava na mesa e bebido um pouco. O silêncio reinou de um jeito ensurdecedor, na casa e dentro de mim. Que inferno, era como se a Chris estivesse ali, na minha frente gritando comigo, brigando, como em nossas últimas discussões, ali em Portugal me acusando de infidelidade.
Enchi as duas taças com o vinho, bebi um gole grande, rapidamente, sentindo a temperatura ambiente do vinho queimar minha garganta e fazer meus olhos arderem. Vergonha define o que estou sentindo agora, vergonha em relação ao que aconteceu, ao que eu senti.
A Fer colocou a comida pra ela e seguiu para a sala, brava, puta da vida, respirando fundo. Quando ela sentou no chão, no tapete, olhou pra cozinha e lançou:
- Vai ficar aí em pé Caroline? Pega sua comida e vem, senta aqui comigo.
- Não Fer, deixa quieto. Eu acho que vou ir dormir, é melhor.
- Para de bobagem Carol, vem, senta aqui. Iamos conversar.
- Fer, melhor conversarmos depois. Acho que deu por hoje já.
- Carol, não vou falar mais nenhuma vez, traz o vinho, pega sua comida e senta aqui, caraca - falou perdendo a paciência comigo, e virando mais uma taça de vinho. pude perceber que alem de com raiva ela estava frustrada, sem paciencia alguma. - Só senta aqui, não vou brigar com você.
Eu estava me sentindo uma criança que tomou bronca da mãe por algo errado, não que eu visse muito minha mãe, nem que ela me desse muita bronca, mas me senti assim. Acabei pegando um pouco de vinho e sentando na frente da lareira. A Fernanda ficou me olhando todo o tempo, analisando e acompanhando todo e qualquer movimento que eu executava. Assim que me sentei, ela respirou fundo, forte, como se buscasse forças internas para algo impossivel.
- Você gostou de Maçores? - Lançou quase que cuspindo, mas sem olhar pra mim, apenas olhando fundo para o fogo, como se aquilo aquecesse a alma.
- É um lugar muito bonito, frio, mais um clima hospitaleiro.
- Sim - ela respondeu apenas isso e voltou a olhar para o fogo.
- Você visita sempre lá, vai bastante pra aquela casa? - puxei essa pergunta não sei de onde, apenas para tentar quebrar o gelo que estava naquela sala. Desde que conheci a Fernanda, nem quando ela era grossa comigo, faltavam as palavras como nesse momento.
- Não gosto muito de lá, quase não vou.
- Entendi. - e o silencio reinou novamente.
- Você não vai comer nada? Só tomar esse vinho?
- Não estou com fome alguma, estou bebendo apenas para lhe acompanhar.
- Quando vai querer conhecer a maternidade? As obras na verdade? Ago que já sabe do projeto, tenho que te levar lá.
- Não precisa me acompanhar Fernanda, só me conta onde fica, eu posso ir sozinha.
- Não me chama de Fernanda não. Desculpa, eu forcei a barra, sei que você está chateada.
- Não é que eu esteja chateada, não fiz de proposito. Eu enxerguei a Chris na minha frente, dizendo que eu estava traindo ela. Não estou pronta para assumir nada ainda, nem sei se um dia estarei.
- Eu deveria respeitar seu tempo, sei que ainda é uma mulher casada, mas não consigo mais resistir a você por muito tempo Carol. - colocou a mão sobre a minha perna, com um gesto carinhoso, de proteção - não posso mais dormir com você na mesma casa, sem desejar estar no seu colo, pensar em você trabalhando em um lugar que não seja aqui. Saber que você pode ir embora daqui 2 semanas me mata.
- Eu ir embora logo é uma certeza Fer, sendo para resolver algo breve, seja para voltar de vez pro Brasil.
- Essa duvida toda é complicada pra mim. Quero me apaixonar por você, sentir que posso te amar, mas meu medo é grande. Não posso dar meus sentimentos a alguém que não sabe o amanha.
- Ninguém sabe o dia de amanhã Fernanda, não sei nem se estarei viva. Pensa tudo que estou deixando de lado no Brasil. No que eu estou passando agora também.
- Não posso amar alguem que me beija e ve a louca. Não posso. Estou apostando altas fichas em você, não por mim apenas, por Urros.
- Por Úrros? O que tem a ver?
- Nada, esquece.
- Fala logo.
- Já falei que nada. - virou o resto do vinho da taça e deu mais algumas garfadas, em silencio.
- Quem é a Milena?
- Oi?!
- A Milena, o que ela é sua? O que aconteceu ontem na festa?
- Esquece isso Carol, apenas esquece.
- Porr*, como dá pra esquecer Fernanda? Você encheu a cara, rasgou a cabeça, se transtornou.
- Só passei o pé a mais no vinho só isso.
- Não vamos poder confiar nunca uma na outra se você não me conta as coisas. Sinto que tem um montão de segredos escondidos e que não tenho ideia de nada.
- Segredos Caroline? Segredos? Te conheço a quanto tempo? Quer que eu te conte segredos? Me conta se vai ficar em Urros ou não, esse é um segredo seu.
- Eu já falei que não sei se fico ou não, estou ponderando muitas coisas.
- Hahahaha, e ainda me cobra decisões e verdade. Como posso acreditar em você, se ainda ve e ama sua mulher? Vou confiar como?
- Ah, e você estava super bem resolvida quanto a Milena? Bebeu ontem porque estava feliz em ver ela? Vou mudou da água pro vinho literalmente quando ela chegou. Não foi capaz nem de me dar uma satisfação. Eu fiquei em uma festa, sem conhecer ninguém, largada num canto, esperando você aparecer. Depois deu um showzinho a parte. Sabe como foi foda costurar sua testa? Não quer me contar sobre o que teve ou tem com a Milena, problema seu. Mas se quer que algo, que nem sei o que é, de certo com nós duas, sinceridade deve ser o primeiro passo.
Levantei de onde eu estava sentada, apenas olhei pra ela e segui em frente. Entrei no espaço que eu chamava de quarto, mas que claramente não é meu. Deitei na cama e olhei para o teto. Eu estava nervosa, definitivamente sem saber onde arriscar ou qual ficha jogar na roleta.
Olhei para minha mala, não fui capaz de pensar muito, nem mais de uma vez. Puxei um casaco pesado e meu celular. Coloquei para tocar no modo aleatorio. Já era tarde, já estava escuro, mas o que de arriscado pode acontecer em uma vila no meio do nada, no interior de Portugal? Nada.
Passei rapidamente pela sala, a Fernanda ainda estava sentada na frente da lareira, ela olhou pra mim, com raiva, com frustração.
- Onde você vai?
- Andar por ai!
- Não mesmo, está a noite, escuro e você não conhece a região.
- Quer verdade? A noite me acalma, só opero paciente a noite e corro todas as noites. Não tente me impedir. Já sabe mais de mim que eu de você.
Antes mesmo dela protestar eu abri a porta e sai, sim, sem saber sobre a região, sem saber o caminho ou sem saber para onde ir. Sai sem destino, sem pensamento, sem definitivamente saber quem sou.
Fim do capítulo
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