Capítulo 4
Quando Micaela entrou no quarto do hospital arregalou os olhos ao ver as hastes metálicas na minha perna, mas disfarçou com um sorrisinho quando se aproximou de mim. Bati forte a cabeça no acidente, por isso ainda estava me sentindo de porre, um porre sem a diversão do álcool e bem doloroso. Às vezes via as enfermeiras flutuando, manchas coloridas na parede, e tinha pensamentos engraçados, achei que seria uma boa hora para tirar a limpo com ela sobre a tal da traição.
Reatamos.
Minha mãe voltou ao hospital à tarde, enfrentamos as negativas preconceituosas dela, e Mica ficou ali comigo por três dias, até eu ter alta.
— Você não vai para nossa casa? Mandei arrumar seu quarto, falei com uma cuidadora, fique conosco conosco nesse período de recuperação, filha. Depois você volta para a Capital.
— Vou ficar aqui, mãe. Não fique chateada comigo.
— Sua prima está sempre fora de casa, você precisa de cuidados o tempo todo.
— Não vou para Samira, vou ficar na minha casa. — Olhei para Micaela que estava no cantinho do quarto, ela levantou o olhar quando eu falei isso.
— No apartamento dessa garota? Vocês terminaram, aquela não é sua casa, é a casa dos outros. — Minha mãe apontou para Micaela.
— É a casa dela, Dona Tamiris. — Mica se manifestou, vindo para meu lado. — Eu vou pegar férias e vou passar um mês cuidando dela, dia e noite.
Eu não sabia disso. Mas acho que Micaela também não sabia que eu havia decidido voltar para nosso ninho de amor. Ela teria a árdua tarefa de cuidar do Homem de Ferro que não conseguia nem ir ao banheiro. Nesses três dias de leito hospitalar e privações me dei conta que tenho mais intimidade com ela do que com minha mãe, ainda não defini se isso é bom. Pelo menos deixei se ser o Thor, tiraram meu tapa-olho, ficaria uma cicatriz mediana da sobrancelha até o meio da testa.
A cama estava desarrumada do jeito que eu gosto, parece até que ela desarrumou de propósito, aquela cama onde eu passaria um bom tempo tendo livros, a TV, e a vista da janela como distrações. Micaela morria de medo de encostar nos meus “ferros da perna”, como ela se referia. Quando eu a agarrava de jeito, ela parecia estar jogando Twister, aquele jogo dos círculos coloridos no chão.
Cinco semanas depois, finalmente fiz uma nova cirurgia onde removi tudo que não era orgânico de meu corpo. Ainda estava muito longe de me considerar recuperada, o médico não permitiu nem que eu andasse de muleta, só de cadeira de rodas. Mas eu comecei a andar de muletas, precisava ir ao banheiro quando Micaela estava no trabalho. Nunca imaginei que coisas simples do dia-a-dia se tornavam infernais naquela situação, é horrível estar inválida e menstruada ao mesmo tempo.
— Quer ajuda aí? — Micaela perguntou da cozinha, onde preparava nossa janta.
— Não, estou me virando.
Antes de apertar a descarga vi aquele vermelho e uma sinapse muito estranha aconteceu no meu cérebro: a mulher de guarda-chuva vermelho era a ex!
— Micaela! Venha aqui.
Eu já estava devidamente vestida e sentada na cama.
— O que foi? — Ela apareceu apavorada no quarto, com um garfo na mão. — Machucou a perna?
— Você ficou com a tal da Bruna no dia que te pedi em namoro! Você mentiu para mim!
— Que? Mari, coloca a perna pra cima da cama, você não pode ficar com a perna assim.
— Não mude de assunto! Eu vi! A garota de guarda-chuva vermelho que eu encontrei na rua era ela!
— Provavelmente sim, mas eu não fiquei com ela nesse dia, eu te falei a verdade.
— Só tomaram um cafezinho? — Eu me odiava assim irônica quando ficava brava, sei que isso não ajuda em nada. Na dúvida subi minha perna, tava começando a doer.
— Café eu tomei com você, com ela só fiz questão de deixar claro que não ia rolar mais nada. Satisfeita? Posso voltar ao fogão?
Por sorte eu odiava discussões. Subi a outra perna pra cama e bufei esfriando a cabeça.
— Depende, o que você tá fazendo lá? Bife de fígado?
Ela riu.
— Frango.
— Então tudo bem. Mas se fosse fígado a coisa ia ficar feia para o seu lado.
— Algo mais que você queira desenterrar, senhorita?
— Desculpa. Eu ainda tô dodói, vem aqui me dar um beijo.
***
Era a primeira vez que eu pisava no chão depois de três meses do acidente. Não era qualquer chão, era a praia. Dei cinco passos na areia e do nada apareceu uma cadeira colorida na minha frente.
— Não abusa, senta aqui. — Micaela disse e tirou a roupa, ficando de biquíni. — Quer entrar no mar comigo? Eu te ajudo a andar até lá.
— Amanhã. Hoje vou guardar minhas energias.
Tínhamos um feriadão inteiro pela frente, não queria correr o risco de estragar a oportunidade de ter uma noite inesquecível com aquela linda mulher que caminhava na direção do mar bem na minha frente. Aquele hotel com quarto de frente pro mar custara os olhos da cara.
Quando ela voltou do mar, se abaixou na minha frente e me deu um beijo. Foi nesse momento que tive certeza de tudo, e a joalheria não aceitaria devolução.
Eu esqueci!
Era para ter acontecido depois da janta, mas a noite foi tão boa que esqueci de tudo. Meu pulso doía! Acho até que desloquei minha mandíbula. Foi a primeira vez que fizemos amor até o sol nascer, já exaustas deitadas na cama, sobrepostas nuas como peças de Tetris, vendo o sol surgindo através da porta da sacada.
Fui até o banheiro e retornei com dois roupões.
— Veste, amor, vem aqui.
Uma brisa fresca com cheiro de mar invadiu o quarto quando abri a porta da sacada, a conduzi pela mão até lá, me ajoelhei e ergui a caixinha branca com veludo negro.
— Ah Meu Deus! — Ela levou as mãos à boca.
— Casa comigo, Micaela?
— Óbvio que eu caso! Levanta, amor, vai machucar a perna!
Levantei e ela me abraçou com força, me enchendo de beijos.
— Ai, minha perna, Mica!
— Machuquei??
— Não, tô brincando.
A beijei de novo, foi o beijo mais feliz que ganhei. Ficamos assim abraçadas por um tempo, abri os olhos e olhei na direção do mar, estava sereno e brilhante com os raios baixos do sol. Olhei para a areia também reluzente.
— Amor, não são as suas sandálias lá embaixo na praia?
Fim do capítulo
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Zaha
Em: 01/06/2018
Que lindo!!!
Ficaram juntas!! Foi bonito isso!!
Mica ficou desconfiada de novo,mas tudo deu certo!
Você usa as frases engraçadas as vezes e me pergunto de onde tira...kkkk
Muito bom, levinho e e gostoso de ler!!!!
Você até que tem talento pra água com açúcar hahahaha. ????. As estóriaa densas quee são sua especialidade...me deixam louca, masssss, amo!!
Beijo e até a prox. Meu teclado do cel ta louco!! Não posso apagar que coloca qualquer coisa..i33l3kkkkk
Rafa Justi
Em: 05/06/2018
Cris, que escrita linda, fofa e divertida! Amei a história, amei o desfecho! Aqueceu meu coração.
Parabéns!
Beijão.
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RosanePatell
Em: 02/06/2018
Muito bom! Estória gostosa com final feliz é tri legal! Seu humor na escrita é o melhor de tudo!
Parabéns por tudo que tu faz pra encher nossas vidas de cultura e diversão! Abraços.
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NandaSulivan
Em: 01/06/2018
Parabéns por conseguir em 4 atos , nos presentear com tanta sensibilidade, faz com que a gente sinta felicidade, tristeza, e se emocione em cada parágrafo... Sua escrita é totalmente envolvente.
Amei os 4 desafios, em fim a obra completa.
Nossa se de sua super admiradora !!!
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Freyya
Em: 01/06/2018
Confesso que no primeiro capítulo eu não queria que o casal voltasse, apenas tivesse uma conversa sincera sobre tudo, mas meu desejo estava nublado por questões pessoais kkkk
Foi maravilhoso ler todos os capítulos e ver o sentimento lindo que existe entre elas, a cumplicidade, o amor e a intimidade. Um verdadeiro achado. Obrigada por essa história curta, mas significativa.
Adorei a brincadeira de humanas e exatas, sou de humanas s2
Até a próxima história, Cris!
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Sem cadastro
Em: 01/06/2018
Que lindo!!!
Ficaram juntas!! Foi bonito isso!!
Mica ficou desconfiada de novo,mas tudo deu certo!
Você usa as frases engraçadas as vezes e me pergunto de onde tira...kkkk
Muito bom, levinho e e gostoso de ler!!!!
Você até que tem talento pra água com açúcar hahahaha. ????. As estóriaa densas quee são sua especialidade...me deixam louca, masssss, amo!!
Beijo e até a prox. Meu teclado do cel ta louco!! Não posso apagar que coloca qualquer coisa..i33l3kkkkk
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