Capítulo 9
" Todos os dias as pessoas arrumam os cabelos. Por que não arrumam o coração?"
Marina não respondeu imediatamente a pergunta dela. Ficou observando a figura vestida com roupas hospitalares, com aparência abatida e cansada. Ainda silenciosa, apenas se aproximou da cama, segurou a mão de Callie e respondeu:
- Vim porque fiquei preocupada com você e a pequena ai dentro.
- Não foi culpa sua, fique tranquila - Callie soltou a mão e se acomodou melhor na cama.
Marina percebeu a estratégia, mas nada disse. Achou por bem também ignorar a resposta atravessada. Distraidamente voltou a caminhar pelo quarto até parar perto da janela enquanto questionava:
- O médico vai te liberar hoje?
- Não, disse que amanha cedo eu poderei ir, mas estou de atestado médico até segunda-feira - suspirou impaciente, passando a mão pelos cabelos ruivos.
- Certo. Ficarei aqui até Roger voltar.
- Voltar? Voltar de onde? - Callie perguntou confusa
- Voltar da sua casa... Ele não foi buscar suas coisas pessoais? A propósito, você comunicou seus pais do ocorrido?
- Roger não vai voltar e não vou contar nada a meus pais - Marina franziu as sobrancelha interrogativamente sobre a primeira parte da frase dela, mas nada comentou e Callie continuou - não há necessidade de preocupa-los, pois eu e Melody estamos bem. - enquanto falava alisava a barriga em movimentos circulares e suaves.
- Carlota, ficar sem acompanhante num hospital depois de um susto desse, não é uma boa idéia. - Recriminou Mari, balançando a cabeça em desagrado - portanto, se ninguém ficará aqui, eu fico.
- Mari... Já disse que...
- Carlota, eu vou ficar, queira você ou não. Posso até ficar quieta, sem falar nada se desejar, mas acredite: eu não vou embora! - decidida, voltou-se para a janela e ficou observando o movimento do trânsito lá embaixo... e pensando "por que Roger não voltaria?"
Callie imaginava um jeito de fazer com que Marina desistisse de ficar. Geralmente ela conseguia, no passado, fazer com que a morena atendesse seus pedidos, depois de muita insistência ou de alguma artimanha. Agora, entretanto, a situação estava diferente elas estavam estranhas uma com a outra e Marina não dava sinais ou aparentava que iria ceder e ir embora..."O que fazer??? Teria que pressionar algum ponto que a incomodasse..." Callie pensou e, de repente, teve uma idéia...
- Você quer ficar? Pois bem, se ficar aqui terá que responder as minhas perguntas, sejam elas quais forem - Callie desafiou, e o brilho intenso no olhar dela voltou. Marina olhou por sobre o ombro e respondeu sem se abalar:
- Callie, Lembre do seu estado... Por que não falamos disso noutro dia, quando você estiver melhor? - Ela não respondeu, e continuou calada aguardando a resposta. - Marina balançou a cabeça negativamente em sinal de reprovação, suspirou e então reafirmou categórica:
- Eu não vou embora, se esse é o preço a pagar, pode fazer as perguntas que desejar - Marina se acomodou numa poltrona ao lado da cama e preparou-se para o interrogatório.
Ambas as mulheres se encaram por alguns segundos. Um arquear inquisidor de sobrancelhas da mais velha, fez com que a outra tomasse iniciativa.
- Você tem irmãos?
- Tenho uma irmã. O nome dela é Telma. Ela é casada e mora na Espanha.
- Tem sobrinhos? - Callie estava realmente curiosa quanto a família de Mari.
- Sim, um casal. Lívia com 5 anos e Pedro com 3 anos - Ficou imaginando a relação dela com a irmã e os sobrinhos.
- Todos na empresa sabem que você é... Lésbica? - Marina ponderou e respondeu tranquila:
- Nunca parei para pensar nisso. A Empresa é minha vida profissional, não a pessoal. Sou reservada, você sabe disso - Callie assentiu. Ela desviou o olhar alguns e ficou em silencio alguns segundos Depois questionou suavemente:
- O que Sofia falou naquela época sobre vocês era tudo verdade? - Marina respirou fundo. Estavam entrando num terreno perigoso. Pensou bem, durante alguns minutos, sobre as palavras antes de pronunciá-las...
- Sofia trabalhava para mim nesta filial do Brasil. Ela ocupava o lugar de Duarte, e ele era apenas meu assistente pessoal, mas depois do ocorrido entre vocês, "sugeri" uma mudança de ares para ela. Atualmente, ela trabalha na Itália, nos falamos eventualmente sobre trabalho.
- Não foi isso que perguntei.. Responda a pergunta, Mari - Callie se acomodou melhor nos travesseiros e ficou esperando...
- Hufff.... está certo, Carlota. Tivemos um envolvimento, que durou cerca de seis meses, entre idas e vindas. Eram encontros casuais, sem nenhum compromisso - Antes que Callie retrucasse, ela continuou - Ela pode ter dito a você que éramos namoradas, mas nunca fomos. Não havia romance. A palavra sex* ficou subentendida entre ambas.
- E porque terminaram?
- Ela resolveu terminar definitivamente nosso caso no dia seguinte à noite que lhe conheceu. Não perguntei o porquê.
- Tenho a impressão que ela não é a primeira a terminar e que você nunca questiona o motivo do termino, apenas o aceita, não é Mari?
- É - A resposta era taxativa - Callie assentiu a cabeça - "Porque ela não levava nenhum relacionamento a serio? Parecia que não queria nenhuma emoção relacionada a sentimentos, nem a emoções... Devia ser uma vida triste e solitária. Lembrou do apartamento dela, inóspito", pensou triste - meio que adivinhando os pensamentos da jovem mulher, Marina comenta:
- Sei que sou reservada, fria na concepções de algumas pessoas. Entretanto, você estava parcialmente certa sobre o que falou hoje cedo no refeitório da empresa.
- Como assim?
- Você estava certa sobre eu não querer sua amizade inicialmente. Tentei lhe evitar inclusive. O motivo? Simples, porque eu sentia atração por uma mulher que se mostrou hétero pra mim. Mas, você, mesmo contra minha vontade inicial, ganhou espaço e durante o tempo que convivemos, valorizei sua amizade ao ponto de perceber que não conseguiria lhe contar a verdade, pois tinha receio de perder-la, afinal você não tinha amigas lésbicas que eu tenha visto, nem mencionava nada a respeito deste assunto. Pensando nisso, imaginei que a melhor solução seria "sair a francesa". Decidi me afastar de você assim que terminasse a faculdade, mas essa atitude apesar de coerente pra mim, também me entristecia - Marina olhou de modo intenso pra ruiva a sua frente, do mesmo modo como a olhara no dia que se beijaram e continuou - Acredite Callie, acima de tudo, eu não desejava lhe magoar com a verdade dita da forma como Sofia fez. Ela te manipulou, e o resto é história, aquela que nós duas já conhecemos.
Callie se surpreendeu com a resposta dela, pois isso mostrava que a mulher a sua frente não era fria como interpretara, mas intensa em sentimentos... A forma profunda como ela a olhou mostrou que ainda a desejava. Engoliu em seco, insegura agora sobre o que fazer... Continuar o interrogatório e descobrir coisas que talvez não se sinta preparada para ouvir e... sentir, ou desistir, aceitando pra si mesma que não era indiferente a ela como deseja ser. As perguntas que Marina lhe fizera no refeitório da empresa não lhe saia da cabeça:
"Então, o que aconteceu depois que nos beijamos? Porque você não foi para a sua casa naquela noite? Porque você se deixou engravidar logo depois do que aconteceu entre nós, foi pra provar que era hétero? Você é hétero, Carlota?"
Uma batida na porta, tirou a mulher ruiva de seus pensamentos, era uma enfermeira empurrando um carrinho que trazia o jantar dela e alguns instrumentos de exames.
Marina respirou aliviada pela interrupção enquanto observava a profissional conversar com Callie, perguntando sobre como ela estava, enquanto coloca a bandeja numa mesa de apoio ao lado. Depois, a moça pegou o tensiômetro e foi medir a pressão, anotando numa prancheta. Eficiente, arrumou na cama o apoio e colocou sobre ele a bandeja. Esperou Callie começar a comer, sorriu discretamente.
- Você não vai comer Mari? - Ela se assustou ao som da voz da ruivinha. Estava mergulhada em pensamentos e lembranças ocorridas no apartamento dela, no dia da noite do baile. Limpou a garganta e se agarrou a oportunidade:
- Eu já comi, mas vou lá embaixo beber um café na lanchonete, Preciso falar com Duarte, saber como ficou o escritório após minha vinda para cá.
- Porque não vai pra casa? - Insistiu Callie. Marina, sorriu pela primeira vez desde que chegara e respondeu:
- Você não muda mesmo, hein Callie? - A mulher sobre a cama riu, sua expressão se suavizou e o clima tenso foi dissipado momentaneamente... - Volto em trinta minutos no máximo - disse antes de sair e fechar a porta suavemente.
CONTINUA...
Fim do capítulo
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