*Guiada pelo coração
Capítulo 27:Ducti corde
A caminho da rodoviária, Natalia ainda tomada pelo rompante de paixão despertado pela comemoração de seu aniversário preparada por Diana, se derreteu em carinhos e olhares apaixonados para a loirinha que dirigia sem pressa, como se quisesse prolongar o tempo juntas antes de se despedirem.
-- Muito bem moça, está entregue, você tem exatamente quarenta minutos para comprar sua passagem e embarcar, já que tem tanta pressa de se embrenhar no mato e comemorar seu aniversário com suas amiguinhas...
-- Gente... Você está encrencando com minhas amigas por que mesmo heim? São apenas caipiras como eu...
Natalia ironizou. Diana apertou os olhos tentando decifrar o que havia naquela ironia.
-- Eu espero que o assunto mais picante entre vocês seja inseminação artificial de vacas...
-- Não moro em um sítio! Nem minha amigas! Para sua informação, meus pais são comerciantes, a única loja de material de construção da cidade, nunca morei em sítio, fazenda ou nada parecido. E não entendo essa desconfiança, você mesma disse que tudo vira cinzas na quarta-feira...
-- Não use minhas palavras contra mim! Muito espertinha você. Até imagino você com aquele monte de “Rosinhas” do Chico Bento à sua volta, fazendo fofoquinhas, pegando em você no seu quarto cheio de rendas e bordados, com uma varanda com vista panorâmica para a praça da cidade.
-- Redondamente enganada! Meu quarto não tem nada de fru fru não. E a varanda do meu quarto fica nos fundos da minha casa, a visão não tem nada de panorâmico e ah! Minhas amigas não se parecem com a namorada do Chico Bento não sua boba! Para de implicar! Não entendo essa sua comoção toda.
-- Não há nenhuma comoção, é só cuidado, gosto de cuidar do que é meu...
-- Seu? O que eu sou sua então?
O momento certo para responder as questões que incomodavam Natalia enfim surgiu. Diana engoliu ar procurando palavras, quando foi salva pela campainha do seu celular.
-- Fala Leleca! Como assim vocês já estão em Salvador? Vocês são loucas? Hoje ainda é sexta-feira! Embarco a noite. Tudo bem, vou direto encontrar vocês lá então. Juízo! Não façam nada que eu faria!
Diana desligou o telefone com um sorriso descarado que se desfez instantaneamente quando encarou o olhar reprovador de Natalia.
-- É uma amiga de Brasília, imagine, ela já está em Salvador, desde ontem!
Natalia não esboçou reação, manteve a expressão sisuda, nada satisfeita com a empolgação de Diana, e principalmente pela loirinha ter vacilado na resposta sobre a relação das duas.
-- Bom, espero que você se divirta por lá com suas amigas, agora preciso ir, se não perco o ônibus. Boa viagem Diana.
Sem graça a loirinha deu um sorriso amarelo.
-- Nem um beijinho de despedida? – Diana falou fazendo bico.
Natalia depositou um beijo na bochecha dela e saiu do carro sem olhar para trás. As dúvidas, o ciúme, a insegurança e a raiva dissipadas pela surpresa que Diana fizera mais cedo, retornaram com toda intensidade da noite anterior, e foi pensando nisso que embarcou para sua cidade, na esperança de afastar por alguns momentos o pensamento de Diana.
*********
-- Mãe?
Natalia entrou em sua casa, reconhecendo o cheiro inconfundível vindo da cozinha, de carne de panela da Mariêta, cozinheira da casa desde que Natalia ainda era criança.
-- Alguém em casa? Mari?
-- Natinha? Minha filha que saudade!
A velha senhora negra, abraçou com ternura Natalia, que se emocionou com o carinho do gesto.
-- Onde estão todos dessa casa Mari?
-- Seu pai e sua mãe ainda não chegaram da loja, sua irmã saiu com as amigas, estão preparando uma matinê no ginásio da escola, seu irmão e a mulher foram levar o Paulinho ao médico. Estávamos esperando você só para mais tarde, veio mais cedo por quê?
-- Ah... Não teve todas as aulas, resolvi vir logo.
Natalia disse, se sentando no balcão beliscando as panelas como era seu costume.
-- Não seria por que tem gente ficando mais velha hoje heim?
Natalia fez sua cara de menina sapeca, franzindo o nariz, despertando o sorriso de Marieta.
-- Você lembrou Mari?
-- Claro! Olha ali o que preparei pra você.
Marieta apontou com o queixo para a mesa, onde um bolo enorme coberto de chocolate estava exposto. Natalia vibrou, batendo palmas com os olhos brilhando.
-- Mari, eu vou tomar um banho, guardar minhas coisas, quando papai e mamãe chegarem, avisa que cheguei ta?
Estar em casa novamente para Natalia lhe devolvia o mínimo de paz que precisava para afastar as dezenas de hipóteses que levantava sobre o comportamento de Diana longe dela em plena capital do carnaval. Os pais e irmãos fizeram festa quando a encontraram em casa, depois do jantar em família, dividiram o bolo preferido da aniversariante na sobremesa.
Dona Fátima fez questão de avisar às amigas de Natalia sobre sua chegada, nem eram tantas, mas, as três amigas mais próximas da moça logo chegaram para festejar sua presença e seu aniversário. Apesar de se sentir amada e acolhida em lugar seguro e familiar, Natalia experimentava a sensação estranha de não estar inteira ali. O mês que passara em São Paulo fora tão intenso, como um curso intensivo sobre a vida e sobre ela mesma, uma guinada de 180°, não podia deixar de pensar se aquelas pessoas, agora tão claramente parte de outro mundo guardado em seu passado, aceitariam a Natalia que amadurecia e se descobria.
O carinho da família, a alegria que seu sobrinho de dois anos lhe dava, e toda rotina inocente que as amigas narrava, distraía Natalia em alguns momentos, mas na maioria do tempo, seu pensamento voava até Salvador. Sem comunicação com Diana, uma vez que a operadora de seu celular não tinha sinal na sua cidade, o que lhe restava eram suas hipóteses que davam vida na sua imaginação, a cenas nas quais Diana nunca estava desacompanhada. Não tolerava sequer assistir o noticiário com flashes da folia de Salvador para não ser obrigada a incorporar mais adereços às cenas que criara.
Na noite de domingo, depois de chegar da missa com sua família, Natalia recusou o convite para acompanhar os pais em um jantar em casa de amigos, preferiu se resignar sozinha em sua casa com a desculpa que precisava estudar. Em seu quarto, se perdeu nos próprios pensamentos fantasiosos, angustiados, imaginando Diana beijando outras mulheres, quando ouviu estalos vindos da janela da varanda. Estranhou, levantou e foi até a janela, abriu-a e qual não foi surpresa quando teve que se desviar de uma pequena pedra lançada contra a janela, era essa a origem do barulho. Entretanto, a surpresa maior Natalia teve quando viu quem atirava as tais pedrinhas, da janela viu a projeção dos seus pensamentos personificada, ali nos fundos da sua casa: Diana.
-- Joga as tranças Rapunzel!
Diana disse com um sorriso moleque no rosto. Natalia completamente embasbacada abriu seu melhor sorriso, desejando se jogar daquela janela, direto nos braços de “seu príncipe".
-- O que você está fazendo aqui maluca? – Quase em tom de cochicho Natalia perguntou entre risos.
-- Vim passar o carnaval com minha namorada, será que ela me aceita?
Natalia por pouco não se jogou janela a baixo. Ao invés disso sorriu para Diana e respondeu:
-- Só se você prometer que esse namoro não vai virar cinzas na quarta-feira.
-- Você tem minha palavra, agora preciso que você me resgate desse quintal, estou com medo de ser atacada por bichos selvagens...
Era a Diana pela qual Natalia estava encantada: surpreendente, implicante, apaixonante. Não calculou a consequência daquela atitude impetuosa da agora oficial namorada, tudo que queria era abraçá-la para se assegurar que não era sonho aquele momento. Desceu as escadas às pressas, abriu a porta da cozinha e arrastou Diana pela mão até seu quarto, com passos silenciosos afim de não despertar Marieta de seu sono.
Com o seu quarto trancado, Natalia segurou o rosto de Diana entre suas mãos, como se duvidasse do que seus olhos viam, precisava tocá-la, seus sentidos não podiam enganar assim. Diana fechou os olhos, se deliciando com o toque macio de Natalia.
-- Repete Di... Repete o que você veio fazer aqui.
Natalia sussurrou roçando seus lábios no canto da boca de Diana.
-- Vim passar o carnaval com minha namorada...
Diana respondeu, puxando Natalia pela cintura, colando seus corpos, tornando inevitável o encontro das bocas, o passeio das mãos, a consumação da paixão. Peça por peça das roupas foram retiradas sem pressa, em um momento raro e delicado, Natalia contemplou o corpo nu de Diana, sua pele alva devidamente eriçada pelo desejo emanado das esmeraldas cintilantes que eram os olhos de Natalia. Em outro momento incomum, Diana ficou tímida, ruborizou ainda mais quando ouviu Natalia atestar depois da contemplação:
-- Você é tão linda Di...
-- Nat...
Natalia calou a boca da loirinha com seus dedos.
-- Não fala nada...
-- Vem me amar então...
Diana tomou a boca de Natalia calmamente, como se desejasse enfeitiçá-la, dopá-la com a paixão que cada célula do seu corpo transmitia. Com as mãos Natalia percorreu o mesmo caminho já traçado pelos seus olhos, e depois sua boca seguiu os mesmos rastros, lambendo, sugando, beijando, selando o que as almas já sabiam: elas se pertenciam.
-- Nat você está me enlouquecendo...
Em um tom lascivo Diana deixou escapar a ansiedade de ser tomada definitivamente por Natalia.
-- Paciência... Calma... É a primeira vez que estou fazendo amor com minha namorada.
Natalia sussurrou enquanto buscava espaço entre as pernas de Diana que sorriu emendando em um beijo de concordância ao pedido da namorada. Encaixaram-se, os corpos e as vidas, os sentimentos e os desejos. Movimentaram-se em sintonia: sex*s, sons, fluidos.
-- Minha namorada...
Diana sussurrava em meio a sentenças sem sentido, o que aumentava a excitação de Natalia, foi a palavra de ordem para ambas se fundirem. Tocaram-se no ritmo que ditou-se pelas batidas dos corações e respirações aceleradas, preencheram-se com a plenitude que a natureza não ousaria contestar. O tremor dos corpos, os gemidos contidos por expressões do prazer inenarrável nas suas faces suadas anunciaram o ápice irrefreável, longo, avassalador.
-- Parece um sonho você aqui comigo.
Natalia desabafou, repousando seu corpo nu sobre o corpo de Diana.
-- Quero estar nos seus sonhos e na sua vida real assim, pra sempre Nat.
As palavras de Diana, por mais românticas que soassem, naquele momento se configuraram afrodisíacas. Natalia invadiu a boca de Diana com sua língua, ardendo em chamas. Beijos ávidos, lânguidos, precederam nova entrega dos corpos suplicantes por se possuírem outra vez. Inescapável, natural, necessário tal ato: se deram.
Exausta, depois de horas de paixão, mesmo sem julgar necessário saber, por curiosidade ou vontade de ouvir o óbvio, Natalia perguntou:
-- O que houve pra você aparecer aqui? Como você me achou?
-- Meu coração me guiou...
Natalia sorriu e beijou os lábios da namorada.
-- Adoro seu lado romântico, mas, e Salvador?
-- Estava tudo muito chato lá... Todos os rostos só me traziam uma imagem: você. Todas as músicas me lembravam você, ao invés de ficar delirando, vendo e ouvindo você em todos os lugares, correndo atrás de um trio elétrico, achei mais inteligente correr atrás de você, a original...
O sorriso de Natalia poderia iluminar toda cidade depois de ouvir a declaração bem do jeito que só Diana conseguia fazer: displicente, mas, arrebatadora.
-- E como você me achou?
-- Deixei meu carro no posto de gasolina da cidade, achei que chamaria muita atenção... E vim perguntando onde era a casa do dono da única loja de material de construção da cidade... Cheguei à sua casa, e aí foi fácil achar sua janela, é a única que dá pro quintal da casa.
A narrativa de Diana só fazia com que Natalia se rendesse ainda mais, percebendo que cada palavra que ela dizia, a loirinha guardava atenta, mais uma prova de que seus sentimentos eram sinceros.
-- O que você vai fazer comigo até o feriado acabar? Vai me esconder debaixo da cama ou vai me apresentar como sua namorada?
-- Será que você cabe no meu armário?
-- Ah não! Armário não!
Natalia gargalhou.
-- Eu vou dar um jeito, não se preocupe, agora vem cá, por que vou te compensar por correr atrás dessa caipira aqui...
Cheia de malicia Natalia avançou no corpo da namorada encerrando a noite amando-a outra vez, antes de dormirem apertadas naquela cama de solteiro, como se fossem uma só.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]