Capítulo 37: LIÇÃO 32 - NÃO CAIA NAS SUAS PRÓPRIAS ARMADILHAS
Não conseguia distinguir o que eu via, ou os sons que chegavam a mim, ao abrir os olhos com dificuldade. Aos poucos, a visão embaçada tomava forma do rosto de Marcela, e o som que estava longe da voz dela começou a se tornar mais nítido:
-- Malu? Pode me ouvir?
Olhei em volta e supus estar em um hospital, aturdida, não conseguia elaborar algo além de uma pergunta imbecil:
-- O que estou fazendo aqui?
-- Meu amor, você caiu e bateu a cabeça e está com um corte nada bonito na testa, mas, já foi suturado. Estamos aguardando para fazermos uma tomografia de crânio, só por segurança.
Busquei melhor posição naquele leito, recobrando a razão de estar ali, e para minha surpresa nada agradável, Milena estava atrás de Marcela.
-- Que pena nos conhecermos assim, Luiza, já ouvi muito sobre você.
-- A Milena te atendeu, meu amor. Mas, ela já pediu um parecer neurológico, foi uma pancada feia.
Eu só observava as duas com uma sensação sufocante no peito.
--Eu quero sair daqui.
Disse isso tentando me levantar, fui contida por Marcela.
-- Não, Malu, vai ficar em observação e esperar os exames. Fica quietinha, não vou sair daqui do seu lado.
Marcela segurou minha mão, todavia as imagens que eu tinha de antes da minha queda me fizeram ficar na defensiva, tirei minha mão em um movimento brusco e insisti:
-- Não precisa exame nenhum, foi só um tropeço estúpido. Vou sair daqui.
-- Luiza, não vamos te deixar sair, sou sua médica pelo menos por enquanto, está sob meus cuidados. – Milena disse em tom gentil.
-- Você não é coisa nenhuma minha. Eu vou sair e assumo a responsabilidade, sei dos meus direitos.
O semblante de Marcela mudou, Milena arregalou os olhos e eu só puxei o jelco instalado com o soro na minha veia do braço. Marcela logicamente impediu que eu me levantasse, segurando firme meu braço.
-- Para com isso, Luiza! Não seja teimosa.
-- Marcela, me solta. Eu bati a cabeça, mas, me lembro direitinho do que eu vi.
-- Ótimo que se lembra! Menos uma coisa a se preocupar na avaliação neurológica que fará! Milena, você pode me fazer um favor e apressar essa consulta?
-- Claro, Marcela, vou me certificar disso. Luiza, escute sua namorada, e espere aí pelos exames.
Milena saiu do ambulatório e fiquei a sós com Marcela, que me encarava séria.
-- Já que está tão vigorosa pra bancar a rebelde contra quem te socorreu, então pode me explicar por que está agindo assim?
-- Para de teatro, Marcela, eu vi a intimidade de vocês duas... Carinho em público, abraço longo, até de olhos fechados você estava... Acha que sou idiota?
-- Idiota você não é, mas, está sendo, colocando malícia onde não existe! Você viu exatamente o que viu, carinho, entre duas amigas.
-- Nossa! Amigas? Faz um mês que se conhecem? E você já é uma amiga carinhosa?
-- Luiza, olha, estava até engraçado esse seu ciúme, mas, desde aquela discussão sobre a foto, você está me ofendendo com essas insinuações.
-- Eu estou te ofendendo? Vim aqui pra te fazer uma surpresa, te buscar para sairmos, namorar um pouco, e quando chego, olha a cena que flagro.
-- Que cena? Um carinho de uma amiga consolando a outra? A Milena estava mal, acabou o noivado, foi traída pelo noivo e descobriu isso da pior forma, eu estava mesmo sendo carinhosa, como seria com qualquer amiga nessa situação.
-- Que conveniente! Ela agora está solteira?
-- Luiza, olha só que situação mais ridícula a gente está passando por causa desse ciúme bobo! Você está com quatro pontos na testa, rachou essa cabeça dura depois de imaginar coisas, olha em volta! Estamos discutindo em um quarto de hospital!
Marcela enfiou as mãos no jaleco e inspirou mais pausadamente como se conclamasse a calma para suas palavras. E quanto a mim, que guardava uma culpa ainda incipiente sobre os reais motivos de ter ido busca-la naquela tarde, experimentava o arrependimento pelo comportamento infantil, cega pelo ciúme.
-- Eu queria tanto te apresentar a Milena, eu falo todos os dias de você, sobre o quanto você é incrível, sobre o quanto sou apaixonada por sua sensatez, inteligência...
-- Marcela... Eu sinto muito, você tem razão estou sendo uma idiota. Vem cá...
Fiz sinal com a mão, e Marcela se sentou na cadeira ao lado do meu leito, segurei sua mão e pedi com sinceridade:
-- Pode me desculpar, de novo?
-- Não é só a mim que deve desculpas.
-- Eu sei, fui muito grossa com a sua amiga, apesar de...
-- Apesar de o que?
Resolvi silenciar, ocultar que eu ainda não confiava na tal Milena. Mesmo assim, me desculpei pela estupidez e para tentar sanar o desconforto, convidei-a para jantar conosco no final da semana, e assim ficou marcado nosso encontro.
Marcela parecia mesmo orgulhosa da minha atitude, e eu estava disposta a tirar a má impressão do primeiro encontro, mas escondia com muito esforço o quanto era reticente nessa nova amizade delas.
-- Milena comentou comigo que sempre quis vir aqui, mas era muito caro, amor, podíamos ter vindo para um mais simples.
-- O lugar é muito bom, amor, você vai adorar a comida, acho que ela também, olha ela acabou de chegar.
Como me incomodava aquela intimidade das duas... Milena era falante, e eu me retraí, intimidada com sua espontaneidade, mas sobretudo com as coisas que ela demonstrava ter em comum com Marcela, os relatos da sua época de graduação, a opinião sobre alguns médicos catedrátricos do hospital, em muitos momentos eu nem parecia estar na mesa.
-- Malu, você tinha toda razão, a comida daqui é fantástica, comeria tudo desse cardápio!
Milena falou no final do jantar, me surpreendo ao me chamar pelo apelido que Marcela me deu.
-- É, eles tem mesmo um excelente cardápio. – Concordei um pouco desconcertada.
-- Sempre quis vir, mas, saí da graduação para a residência, então basicamente, eu ainda levo vida de estudante.
Marcela sorriu e falou:
-- Não desanima a interna, Milena!
As duas gargalharam e foi quando a conta chegou:
-- Hora ruim da noite é só essa... – Milena disse pegando sua bolsa.
-- Ah não, por favor, não se incomode, eu convidei, hoje é por minha conta.
-- Não, Malu! Imagine, ai que vergonha! Vamos dividir a conta!
-- Isso mesmo, meu amor, me dá aqui essa comanda. – Marcela tentou puxar a fatura da minha mão.
-- Absolutamente, considere uma retribuição a sua gentiliza de me atender tão bem, e por estar ajudando a Marcela nos plantões, no projeto da bolsa dela...
--Que vergonha, você deve me achar uma unha de fome...
-- Por favor, Milena. É só uma gentileza, aceite.
O que pensei ser uma atitude educada da minha parte não seria interpretada assim por Marcela, soube disso em outro momento nada oportuno.
*******************************
-- Então, amanhã é o aniversário dos gêmeos, filhos do Bernardo, festa infantil, mas, sou amiga do Bernardo e da esposa deles desde que namoravam, fui a todos os aniversários dos guris, tudo bem a gente fazer esse programa?
-- Amor, não sei que quero ir não... O doutor Bernardo é o diretor clinico do hospital, é um dos preceptores, essa festinha aí, por mais que eu adore brigadeiros... Vai estar cheio de professores...
-- Meu amor, você namora sua ex-professora! Eu juro que a gente vai passar pouco tempo lá.
-- Malu, amanhã tenho plantão, vai ser uma correria, se incomoda de ir sem mim?
-- Claro que sim! Você é minha namorada, e isso não é segredo, se alguém tem dúvidas sobre o quanto nosso relacionamento é sério, e não uma aventura, ou fofoca, saberá se nos vermos assim, em um ambiente neutro.
-- Sério que ainda se preocupa com isso? Vão continuar fofocando, meu amor. Eu não vou ficar à vontade lá, não por ir te acompanhando, mas por que não é meu meio...
-- Marcela, eu saio com seus amigos, vou aos lugares que você está com eles, não pode fazer isso por mim?
Pouco convicta, Marcela só fez um gesto e concordou em ir comigo ao aniversário. No horário marcado, estava à porta do hospital para busca-la e irmos para a festa infantil, visivelmente cansada e atrasada, Marcela entrou no carro. Eu que já estava impaciente com seu atraso, estranhei as roupas e falei inocentemente:
-- Pensei que seu atraso era por que ia se trocar para ir à festa.
-- Estava no meio de cateterismo cardíaco, não queria deixar de assistir o procedimento de urgência que chegou, desculpe-me.
-- Tudo bem, vamos passar lá em casa e você troca de roupa.
-- Malu, estamos atrasadas, você disse que é em uma cidade vizinha, vamos logo.
Percebi o tom irritado na fala de Marcela, assenti. Chegando a ALPHAVILLE, á porta do condomínio onde seria a festa dos filhos do meu amigo, Marcela deixou escapar:
-- Que lugar é esse?
-- O condomínio que o Bernardo mora.
-- Eu cochilei e acordei em outro país?
-- Ah, cidade planejada, amor. Não conhece Alphaville?
-- Não...
Marcela falou olhando pela janela, estava boquiaberta, parecia assustada.
-- Para o carro, Malu.
-- Mas, já chegamos, é logo ali a entrada...
-- Para esse carro, estou pedindo.
Parei, e Marcela desceu repentinamente, eu a segui, não compreendendo aquela reação.
-- O que houve? Está se sentindo mal?
-- Estou, Malu, estou me sentindo mal.
Marcela estava encostada no carro, com cara de poucos amigos.
-- O que está sentindo, meu amor?
-- Estou me sentindo deslocada. Eu não vou entrar nessa festa.
-- Meu amor, para com isso... É só uma festa de criança.
-- Luiza, olha pra mim, estou com um jeans surrado, camiseta e tênis. Olha esse lugar, eu nem sabia que existia isso que não fosse em novelas da Globo.
-- Exagerada... – Brinquei – Deixa de drama, entra no carro, vamos.
-- Não estou de drama, eu não vou entrar aí. Isso não é meu mundo!
-- Marcela não vem com essa história de seu mundo, você é minha namorada, está no meu mundo. E esse luxo todo não quer dizer nada, é só um condomínio fechado, não é onde vivo também, mas um dia quem sabe será o nosso lugar.
-- Luiza, olha pra você! Vai me apresentar como sua namorada? Já sou mal falada pela faculdade por ser a novinha que a professora está pegando, aí apareço em uma festa que possivelmente metade dos meus professores estarão, parecendo uma...
-- Estudante de medicina, saindo de um plantão, a maioria deles já passou por isso... Você tem roupas aí na mochila, se quiser, a gente passa ali no shopping e compra algo se você quiser também...
-- Não Luiza! Poxa, você quer resolver tudo assim? Mascarando o problema? Não estou pronta para estar no mesmo ambiente que meus professores, como sua namorada, não estou.
-- Qual a diferença deles para mim? Por que são médicos? Meu amor, para de se diminuir, eu não ligo pra o que você está vestindo, se está maquiada ou não, você é linda de qualquer jeito, mas, se ficar mais a vontade, tem salão de cabelereiros no shopping, você se arruma lá...
-- E você vai pagar a minha produção, para ter uma namorada à sua altura diante dos seus amigos professores?
-- É, sua bolsa ficaria toda só pra lavar o cabelo lá, tudo aqui é muito caro.
-- Claro, e você pode pagar tudo...
-- Marcela, o que é isso agora? Você é estudante, normal que eu possa pagar mais coisas, eu tenho um emprego, que mal há nisso?
-- O mal está em você não aceitar que não é legal essa diferença de grana ficar tão evidente. Luiza você está sempre me levando a lugares que não posso pagar, eu não fico a vontade com isso.
-- Mas, que mal tem em te levar para lugares legais? Eu posso pagar, não dá pra abrir mão de comida boa, bebida boa, trocando tudo isso por cerveja com linguiça!
-- Esse é problema, por que cerveja com linguiça é o que posso pagar. Eu fico mal, parece que estou às suas custas.
-- Meu amor, tem algumas vantagens de namorar alguém mais velho com alguma estabilidade...
-- Luiza, a vantagem que preciso é da sua maturidade, sabedoria, isso me basta, não seu dinheiro.
-- Espera, por que estamos discutindo isso? O que eu fiz para você falar agora sobre dinheiro, despesas...
-- Você não percebe mesmo quando as coisas estão desiguais, não vê problema em esnobar o que tem na minha casa para servir para meus amigos, e providencia comidas e bebidas caras para ser a namorada endinheirada diante da galera... Leva minha amiga para o restaurante mais caro da cidade e paga a conta sozinha, esbanjando soberba...
-- Soberba? Eu fui educada e gentil com sua amiguinha, e ainda sim eu estou errada?
-- Luiza, você entendeu. Não foi só gentileza, a Milena ficou super desconfortável e eu também. Eu te pedi para não se envolver com minhas contas, eu daria um jeito de pagar, e você simplesmente pagou condomínio, internet, energia elétrica, sem me consultar.
-- Se eu te consultasse você não permitiria, e eu vi que estavam atrasados, se você não fosse tão orgulhosa, veria que só quero ajudar.
-- Você não está respeitando meu espaço, Luiza, essa é a verdade. Eu te disse que não queria vir hoje, e mesmo assim estou aqui. Mas, foi um erro, eu vou pra casa.
-- Ei, espera – segurei a mão dela que já alcançava a mochila no banco traseiro do carro – Eu não vou te deixar ir sozinha, como você vai chegar em casa? Estamos a 60km da capital.
-- Acha que não sei pegar ônibus? Ou acha que não tenho grana pra pagar?
-- Marcela não seja injusta...
Enquanto discutíamos na rua, apesar de não elevarmos a voz, era visível que havia uma discussão, qualquer um que passasse, deduziria isso, e para meu azar, Beatriz passou de carro, baixou o vidro e observou a cena, com o carro em marcha lenta, deu um sorriso de canto de boca e arrancou.
-- Ah, ótimo, tudo que eu precisava... Sua ex vai estar lá também...
-- Marcela, entra no carro. Vamos embora, já que você não quer entrar, eu também não vou.
-- Decidiu rápido, bastou ver a professora Beatriz.
-- Por favor... Vamos.
Falei exausta, e nosso trajeto de volta foi preenchido de um silêncio ensurdecedor. Segui para minha casa, isso foi o suficiente para Marcela, quebrar o jejum de palavras:
-- Pode parar na próxima parada de ônibus, eu vou para minha casa.
-- Marcela... A gente precisa conversar...
-- Hoje não, Luiza.
-- Tudo bem, mas, eu te deixo em casa.
Naquela noite, nem mesmo apelar para Lorena deu certo para conversar com Marcela. Senti medo de estar se instalando um obstáculo entre nós, algo que poderia nos afastar. Mesmo assim, deixei a mensagem pelo perfil fake da Lorena, no dia seguinte, Marcela respondeu a ela, antes de responder minhas próprias mensagens de “Bom dia”.
-- Oi, Lorena. Desculpa, ontem não estava muito para papo, fui deitar mais cedo.
-- Algum problema?
-- Relacionamentos são sempre complicados?
-- Acho que sim, as pessoas complicam muito as relações.
-- Existem coisas tão obvias, e Luiza, não entende! Acha que não existe diferença nos nossos mundos, mas, quando isso fica evidente, ela mascara isso, e não vê que isso me afeta.
-- Afeta você? Acha que não afeta a ela?
-- Ah Lorena... Acho que ela quer que eu me encaixe no mundo dela, mas, temos diferenças...
-- Ela não tenta se encaixar no seu mundo?
-- Não sei, as vezes acho que sim, mas, aí ela faz algo do tipo para mostrar sua melhor condição financeira... Isso me deixa desconfortável, inclusive entre meus amigos, eles sempre soltam uma piada, sobre eu ter regalias, altos padrões...
-- Não acha que você está superdimensionando algo simples de resolver? Talvez a Luiza nem perceba que seja algo que te incomode tanto.
-- Pode ser, mas, pelo fato dela ser mais experiente, ela consegue me dobrar sabe? Acabo fazendo o que ela quer. E ainda acho que ela não confia em mim.
-- Acho que você deve ser honesta com ela, fala sobre tudo que te incomoda.
-- Às vezes tenho a impressão que você está sempre do lado da Luiza...
-- É só impressão, sou uma romântica, e torço por vocês.
-- Eu sempre só falo de mim, e quanto a você? Já que é tão romântica, deve nutrir amor por alguém.
-- Ah Marcela, minha vida amorosa é bem menos interessante do que a sua.
-- Será? Acho que me esconde algo, Lorena. Ainda está fora do Brasil?
-- Sim, estou.
Marcela parecia mais curiosa a respeito de Lorena, me senti pressionada, contudo, mais uma vez, usei a Lorena para sondar o que se passava com Marcela, e já que estava nessa empreitada, bisbilhotei mais.
-- Você está curtindo o internato? Está se aproximado mais da sua carreira, não é?
-- Estou sim, o convívio com as rotinas tem me deixando satisfeita, seria mais tranquilo se a Luiza não implicasse com uma das pessoas que mais tem me ajudado nessa fase.
-- Luiza está implicando? Por que?
-- Ciumeira boba, sem sentido. Não há nada que não seja amizade, mas... Enfim.
-- Você pode garantir que não há nada da sua parte, mas e da parte dessa outra garota?
-- E lá vem você ficar do lado da Luiza, ela pensa assim também.
-- É só outra visão, de quem está de fora.
-- Acho que você é admiradora da Luiza...
Acho que minha sondagem já estava ameaçando meu disfarce, dei uma desculpa qualquer e saí do bate-papo, experimentando a ansiedade de falar com Marcela e fazer as pazes, insisti em lhe enviar mensagens, torcendo para que a conversa com Lorena surtisse efeito.
A angústia terminou quando enfim Marcela me ligou, avisando que estava indo ao meu apartamento. Para meu desconforto absoluto, ela chegou à minha porta me cumprimentando quase formalmente, pedi que entrasse, não forcei a barra.
-- Você disse que precisávamos conversar, então, vamos conversar.
-- Claro, precisamos, não é?
Fiz sinal apontando o sofá e ao primeiro sinal que dei a entender que começaria a falar, fui interrompida por Marcela:
-- Luiza, primeiro, quero te pedir desculpas pela cena de ontem. Foi um erro ir para o aniversário, ou melhor, tentar ir. Eu não queria ir, e devia ter mantido minha decisão.
-- Eu insisti, também errei. Em minha defesa, não sabia que estava tão incomodada com o que você chamou de diferenças de mundo, você guardou tudo aquilo e despejou de uma vez só, eu fiquei atordoada.
-- Não chamei de diferenças, é o que são na verdade. Algumas coisas não precisam ser ditas, Luiza, são tão claras.
-- Para mim não estavam claras. Não fiz nada do que me acusou, não esnobei, não quis me impor por minha melhor condição financeira...
-- Eu não quis dizer isso, não te chamei de esnobe, só acho que foram coisas desnecessárias. Se te chamo para sair com as pessoas do meu mundo, para estreitar essas diferenças, o mínimo que eu espero é que você aja de acordo com essa realidade, para nos adequarmos...
-- Espera, isso tudo por que comprei uma comida legal? E levei sua amiga para um jantar em um lugar mais sofisticado? Então tudo isso é sobre eu comer e beber como seus amigos?
-- Não é algo tão simplório, é o que está por trás disso, Luiza, você sabe que existe algo maior. Se queremos mesmo que não haja diferenças entre nossos mundos, deve estar disposta a fazer coisas que eu possa compartilhar de maneira igual.
-- Tudo bem, mas, é uma via de mão dupla, não é? Não é só eu que tenho que me adequar aos programas da sua turma de amigos, o contrário também deve acontecer.
Marcela acenou em acordo.
-- Meu amor, a gente não pode deixar essas coisas tão pequenas nos separem. Vamos fazer um trato? Nada de esconder sensações, desconfortos, honestidade acima de tudo, sempre?
-- Tudo bem, Malu. Pode me prometer que vai respeitar o que eu te pedir? Nada de programas caros, nem pagar minhas contas...
-- Amor, não posso te levar pra um lugar legal?
-- Meu amor... Não me sinto à vontade com isso, eu quero ir a lugares legais com você, desde que, eu possa pagar também.
-- Eu não concordo com isso, mas, eu não quero ficar outra noite brigada com você... Isso me machuca demais!
Marcela abriu aquele sorriso e se aproximou de mim:
-- Também me machuca demais! Não quero um minuto mais de briga com você, meu amor.
Beijei-a com a saudade incompatível com as poucas horas que estava longe de sua boca. A voracidade do meu beijo atiçou Marcela, que gem*u alto quando empurrei meu corpo contra o dela, sorri, e ela sem timidez arrancou minhas roupas e nos amamos ali mesmo no sofá.
No final daquela tarde, Marcela me relatou que naquela nova semana, mudaria o seu campo de estágio, e o hospital era perto do meu apartamento, vi nisso uma ótima oportunidade de passarmos mais tempo juntas e consolidar aquele momento de paz.
-- Então, acho que isso vai ser bom para nós, o hospital fica a duas quadras daqui.
-- Mas, fica longe do meu apartamento, meu amor.
-- Você tem o meu apartamento, que pode ser seu canto também...
-- Malu, não faz isso... Eu não...
-- Ei, calma! Não estou me precipitando, antes de você me dar um fora, escute-me!
Levantei-me e abri a gaveta da minha escrivaninha, peguei algo que escondi na mão.
-- Malu! Não, meu amor, não, eu te amo muito, mas...
-- Marcela, calma! Eu ainda, não estou te pedindo em casamento, pode respirar! Toma...
Entreguei em suas mãos duas chaves.
-- São cópias das chaves daqui de casa. Você pode vir a qualquer hora, e com o hospital tão perto daqui, não precisa se preocupar em sair tão cedo do seu apartamento, ou voltar tarde... Fica aqui quando quiser, eu vou adorar!
-- Meu amor, não é uma aliança de casamento, mas...
Os olhos de Marcela cintilaram emoção, colhi uma lágrima da sua bochecha linda, desenhada no seu sorriso.
-- Minha vida está toda aberta para você, meu amor. Meu mundo não é outro, meu mundo é a gente...
-- Amo você, demais, demais, Malu!
*************
Beatriz estava à minha espera na sua sala. Assim que cheguei à sala dos professores, sua secretária avisou que ela desejava me ver. Imaginei o rechaço que me aguardava, depois da cena que ela presenciou no final de semana. Contudo, o que esperava era algo mais desagradável.
-- Pois não Beatriz, o que precisa falar comigo?
-- Calma Luiza, sente-se, será uma longa conversa.
-- Eu até imagino o que você vai me falar, e não estou muito disposta a ouvir suas impressões ou comentários acerca do que acontece fora desse campus.
-- Mas, do que você está falando? – Beatriz indagou com cinismo.
-- Poupe-me, Beatriz. Eu te vi no condomínio do Bernardo, no sábado.
-- Ah viu? Estava tão entretida batendo boca com sua menininha, não pensei que você enxergasse algo a sua volta.
-- Beatriz, eu não preciso falar da minha vida com você. – Levantei-me rapidamente.
-- Engano seu, precisa sim, quando o assunto é ter relacionamento íntimo com alunas!
-- Marcela não é mais minha aluna, nem mesmo orientanda, e sequer é aluna do seu departamento. Ela é minha namorada, não lhe diz respeito meu relacionamento.
-- Com ela realmente não me diz respeito, só posso lamentar sua atitude ridícula, a essa altura se expondo assim. Acho que para me superar você estava mesmo desesperada.
-- Sério, Beatriz? Você se acha mesmo tão importante? Não descobriu ainda que não é o centro do universo?
-- Não imaginava que você se destruiria assim quando te deixei. Colocando sua prestigiada carreira em risco, tudo para me esquecer?
-- Beatriz, você precisa de ajuda profissional. Um psiquiatra bom, com urgência.
Dessa vez caminhei em direção à porta, tentando não perder minha paciência por completo.
-- E você minha cara, precisa de outra ajuda profissional: um advogado bom, com urgência também.
-- Advogado? Mas, por que eu precisaria de um advogado?
Beatriz jogou uma pasta sobre a mesa dela.
-- Para se defender de uma queixa de assédio sexual. Não tive como impedir, a aluna foi direto à ouvidoria, e pelo que soube, ela é neta de um desembargador, está disposta a levar a denúncia para outro nível, além de um processo administrativo.
Peguei a pasta conferindo a veracidade do que Beatriz anunciava.
-- Mas... Isso é uma calúnia! Eu nunca...
-- Luiza, não é a mim que você deve explicações. Por mais que eu não entenda que insanidade te acometeu para namorar uma aluna, eu sei, que você não é capaz de fazer isso que ela está te acusando.
-- Essa menina, esse nome, Tamires? Essa aluna está praticamente reprovada na minha disciplina, precisa de um oito, para ter direito de fazer prova final. Não fez os trabalhos que passei, ela veio me pedir para fazer um trabalho extra e eu recusei, mas, que absurdo!
-- Luiza, eu acredito em você. Mas, ela contou outra história, sobre você ter proposto outro trabalho que ela se recusou a fazer e por isso foi prejudicada.
-- Que nojo! Isso é mentira, seja lá qual for a filiação dela, eu vou processá-la por calúnia e difamação.
-- Calma... Veja o que está junto com a queixa... Ela disse que tem arquivos de áudio, sobre essa sua suposta oferta.
-- Áudio de que? Beatriz eu não disse nada disso, como ela pode ter áudio?
-- Luiza, eu não sei, estou te informando o que chegou às minhas mãos. Vou te apoiar, sei que isso é um engano. Mas, é bom que procure um advogado, se essa denúncia virar um processo cível, você tem que estar preparada.
-- Não posso acreditar nisso.
Desabei na cadeira, incrédula. Beatriz segurou meus ombros e disse:
-- Está fora do meu controle, parece que está circulando pelos grupos de whatsapp esse tal áudio.
Fim do capítulo
Contagem regressiva dos últimos capítulos dessa saga. Luiza nossa mocinha de novela mexicana não para de cair em encrencas, e agora? Quem poderá defendê-la?
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Nocturne
Em: 21/05/2018
Olá, autora!
Eu adoro demais essa história. Tenho certeza que já favoritei umas duas vezes e ainda assim não recebo as notificações. Mas eu não desisto, fico vindo aqui ver se atualizou, hahaha (e já favoritei de novo).
Autora, eu confio no que tu escreves. Tenho certeza que tu vai encaminhar a história para o melhor desfecho. Acho que a Luiza está aprendendo, evoluindo, amadurecendo. Ela passou por muitas coisas e só quer o que todo mundo quer: ser feliz. Eu adoro ler tua história. Ela e a Marcela são umas fofas juntas.
A respeito da Clarisse, me surpreendi. Imaginei que ela pudesse ter algo mal resolvido com a Cris, mas nunca me passou pela cabeça que ela fosse apaixonada pela Luiza.
Agora, essa denúncia de assédio espero que não afete o emprego da Luiza. Infelizmente, essa moça que fez isso tem outros objetivos em mente e com certeza um deles é obter aprovação na disciplina, passando por cima da carreira da Luiza. Apesar de saber que a denúncia é caluniosa, acho interessante tu tocar no assunto porque já vi um caso real mais ou menos sobre isso.
Enfim, curto MUITO tua história. Acho a forma como tu escreves muito inteligente, divertida, emocionante. Gosto mesmo. Parabéns e obrigada por compartilhar teu talento conosco.
Resposta do autor:
Obrigada!
beijo
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AureaAA
Em: 20/05/2018
Sério Isso ?
Meu pai é muita urucubaca na vida da Luiza...espero que a Marcela não surte com Isso,e fique do lado da Luiza.
Autora pega leve com a Luiza ,coitada rsrsrs
Resposta do autor:
Keep calm, Luiza está lutando, e Marcela tem que ficar ao lado dela sim!
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rrmsilva
Em: 20/05/2018
Olha não leve a mal o que eu vou falar mas é chato que a protagonista passe a história inteira sofrendo e depois no capítulo final algo bom acontece. Fica muito cansativo isso, desde o começo a Malu só se ferra. Não aguento mais todo capítulo isso.
Como eu disse, espero que não leve a mal. Você escreve muito bem. Mas ...
Resposta do autor:
Oi, tudo bem?
Acho que na história toda, a Luiza não só sofreu, ela está reaprendendo a amar, tem experimentado, ousado, colhendo coisas boas e ruins que fazem parte do amadurecimento de cada um. Obrigada por admirar minha escrita, apesar do mas, cada crítica é bem-vinda, não levo a mal, só peço confiança.
O manual é de sobrevivência, tem lições, Luiza errou e logicamente para evoluir a gente precisa aprender com os erros. Nem todo capítulo ela se ferra. Marcela é o que tem de mais puro para o futuro de Luiza, mas ela também precisou e precisa amadurecer ao longo da história. Minhas narrativas costumam mesclar momentos leves e de decepções. É uma pena que tenha achado cansativo, não era esse o objetivo da escrita, como está chegando ao fim, desfechos são necessários para os ganchos que deixei ao longo da narrativa, os obstáculos que se levantaram contra o casal foram anunciados, uma hora elas enfrentariam isso. Cada momento da personagem veio acompanhada de pequenas vitórias.
Luiza superou Beatriz, conquistou a Marcela e está lutando por esse amor, desculpe-me, como "dona do destino" das personagens me vi no direito de defender a história. Obrigada pela atenção, e um pouco mais de paciência, tentarei ser menos previsível e cansativa =)
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Noiva
Em: 20/05/2018
Sabia que a Marcela não tinha traído. Como elas podem brigar tanto assim? Ciúme, diferença de mundos, e ainda tem a Lorena... Será que a relação vai sobreviver a tudo isso?
E essa Tamires que apareceu agora? Já tenho ranço. Mais problema pra vida da Luiza, AFF
Amor, tô curtindo você postar os capítulos com frequência.
Te amo, te amo!
Resposta do autor:
Acha que elas se amam o suficiente, amor?
Se for como o nosso amor, a relação sobrevive, não é?
Te amo!
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NovaAqui
Em: 20/05/2018
Ela só se ferra. Não é possível
Autora, Espero que não seja igual novela daquela emissora onde a mocinha se ferra a novela toda e somente, sim, somente, no ultimo capítulo ela vive feliz
Vamosver o quanto Beatriz ou Clarisse estão envolvidas nessa história
Qual será a atitude de Marcela?
Ate o proximo capitulo
Resposta do autor:
Caaaalma, a vida não é só sofrimento! Um pouco de drama e suspense para o gran finale!
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