O outro lado do outro
POV Elena
Vou para casa andando devagar, pois, dá tempo de me arrumar tranquilamente para a escola. Meus pensamentos mudam de uma coisa para outra de maneira tão rápida, que eu mesma me perco.
Chegando em casa penso em procurar minha mãe, porém, a mesma está na porta.
- Está guardando a porta? - Pergunto estranhando.
- Estou esperando meu projeto de filha sapatão chegar em casa. - Diz e arqueio a sobrancelha esperando-a surtar mais. Sabia que isso aconteceria. - Não bastava ter ficado com uma mulher, ainda escancara para todo mundo ver.
- Isso foi equivocado. - Falo sentindo o cheiro de álcool exalar perto de nós.
- Equivocado? Você segurando essa puta pela cintura, olhando dessa forma, é equivocado? Sou vivida Elena e não coloquei filha no mundo para estampar em capa de revista uma coisa dessas.
- Primeiro, Louise não é puta. Segundo eu de fato não tenho nada com ela, sim é um equivoco e terceiro, pleno século XXI e você acha é pouca vergonha uma mulher com outra? Mãe, eu preciso estudar. - Dou de ombros balançando a cabeça negativamente.
- Quem disse que você vai entrar aqui? - Fica séria.
- Para de graça e me deixa entrar, a senhora está bêbada.
- Não interessa, nessa casa você não entra. Não quero as pessoas falando que tenho uma filha sapatão, depravada. - Grita balançando os braços.
- Com você gritando desse jeito o bairro inteiro vai saber que você pensa que sua filha hetero é lésbica. - Respiro fundo tentando não surtar.
- Aqui você não entra. - Finaliza batendo a porta na minha cara.
Aliso os cabelos bufando de raiva. É tudo que preciso, ficar uma noite para fora. Penso em entrar, mas conhecendo minha casa da maneira que conheço é impossível, porque minha mãe sempre teve medo que alguém entre. Que alguém a ataque. Ainda são 18:00, não posso ir a escola sem material, não posso ficar na casa dos meus amigos, porque seus pais são rígidos em relação a isso.
- Ótimo. - Grito batendo o portão.
Ando cerca de vinte minutos até chegar à praia, já está escurecendo, e está tudo deserto. Coloco os fones de ouvido e observo o movimento das ondas ao longe. As horas vão se passando junto com as minhas músicas.
- De manhã escureço. De dia tardo. De tarde anoiteço. De noite ardo. - Divago as palavras lembrando de como gosto de poema.
- A oeste a morte. Contra quem vivo. Do sul cativo. O este é meu norte. - Ouço uma voz atrás de mim e me viro assustada. Louise está aqui. Parada, me olhando curiosa, Desde quando?
- Oi. - Fico sem graça.
- Vinicius de Moraes é ótimo. - Fala se sentando ao meu lado no banco.
- Gosto muito. - A olho de canto. A roupa tão diferente, uma blusa regata e um short curto largo, sem maquiagem, com os cabelos molhados. Outra pessoa. - Você ainda está com a roupa do serviço, Law.. - Sussurra me fazendo olhar pra frente.
- Tive alguns problemas. O que faz aqui? - Pergunto tentando desconversar.
- Todos os dias eu venho caminhar esse horário, respirar ar puro. Amo praia, odeio sol. - Dá de ombros.
- Não tem lógica. - Sorrio ainda sem olhar para ela. Estou nervosa com isso, não era para Louise estar aqui, não hoje, não agora.
- Não é para ter mesmo. Mas sério, o que faz aqui, essa hora e aparentemente sem ir para casa? - Pergunta levantando e se colocando em minha frente. Engulo seco, popoi estou sentada e se olhar para frente, meu campo de visão seria bem perigoso.
- Eu fui pra casa, Srta. Poks. - Me levanto e ando. Ela me acompanha. - Porém, minha mãe achou uma certa revista por ai e não quer uma filha assim dentro de casa. Mas amanhã eu volto e tudo bem. - Fico ainda mais nervosa, não quero ter que falar, contudo, não quero mentir, sempre odiei mentiras.
- Sua mãe te expulsou? É isso? - Pergunta segurando em meu braço me fazendo parar. Não me toca, penso, ela me causa arrepios. Arrepios bons que não devo sentir.
- É, mas amanha ela esquece. - Sinto minha bochecha corar. - Vai pra casa, está tarde, é perigoso Srta. Poks.
- Não vou te deixar passar a noite sozinha aqui. Isso sim é perigoso. - Diz olhando ao redor, o vento aumentado, está começando a fazer frio. Vejo seus braços se arrepiarem, seus cabelos voarem.
- Não vou morrer, isso já aconteceu. Agora vai, olha a temperatura está baixando. - Insisto e saio andando.
- Teimosa. - Grita bufando e me alcança segurando pelo braço novamente. - Vem. E me chama de Louise, pois, não estamos em horário de trabalho. Me viro a escutando falar e novamente travo a sua frente.
- Sabe como é perigoso colocar uma estranha dentro de casa? - Tento falar desviando o olhar.
- Elena! - Pigarreia e suspira. - Se alguém entrar em minha casa ou empresa, você deixa fazerem algo comigo? Digo, se puder evitar, você evita ou foge?
- Eu não deixaria ninguém encostar-se a você, Louise. Que pergunta é essa? - A olho confusa.
- Pronto, você pode até ser uma estranha, mas é uma estranha que passa o dia inteiro comigo e não deixaria me machucarem. Precisa de mais? - Toca meu queixo a fazendo olhá-la nos olhos.
Não falo nada. A segui por alguns minutos, a casa é praticamente colada na praia. Não sei como ela tem coragem de morar nesse lugar, é lindo, porém, só há mais duas casas atrás da dela. Estou envergonhada, nunca me sinto bem nas casas dos outros. Paro na porta, suas mãos encostam em meu ombro me fazendo entrar.
- Srta. Poks, Louise. - Falo dando um passo. - Não posso fazer isso, não quero te atrapalhar.
- Não estou te dando escolhas. Vai ficar, olha essa casa, é enorme, só tem eu aqui, acha mesmo que vai atrapalhar? - Pergunta acendendo as luzes, confirmo tímida. - Não quer tomar banho? Comer? Trocar de roupa?
- Não.. eu só estou com a roupa do corpo, lembra? Amanha bem cedo vou pra casa, minha mãe vai estar bem já. - Digo me sentando, tenho a impressão de falar sozinha, porque ela se enfiou dentro da casa e sumiu.
- Olha, essas roupas são do seu tamanho, simples, porém, boas. E uma toalha, naquele corredor tem um quarto com banheiro. - Aponta me entregando. - Não aceito não ou qualquer coisa assim como resposta.
Sorrio fraco, ela está sendo boa. Meu Deus, essa mulher que todo mundo diz para eu ter cuidado me colocou dentro de sua casa. Pego as coisas e agradeço. Vou até o quarto, tomo um banho rápido, coloco a roupa, uma calça de moletom e blusa de manga longa, fina, azul clara.
Olho no espelho, a expressão cansada, cara limpa, os cabelos pesados e soltos, caindo feito cascata. A roupa caiu bem, me pergunto porque ela tem essas roupas.
Saio e vou até à sala, não quero fazer barulho, mas bato a mão em uma porta que não lembro que estava aqui.
- Vem aqui. - Ouço a voz de Louise e deduzo onde está. Entro numa cozinha enorme e muito bem equipada. Uau, falo em minha cabeça. - Não sei se está com fome. Tem essas bolachinhas, leite ali e nescau. Fica a vontade, vou tomar banho e deitar. Boa noite, Elena. - Fala apressada e sai. Permaneço olhando aquela mesa, ainda envergonhada.
Levo vários minutos para juntar coragem, mas nem foi coragem, foi fome. Meu estômago reclama, estou comendo mal a dias. Como algumas bolachinhas, e peguo a xícara com leite, ainda quente.
Saio a passos curtos e sento no primeiro degrau da escadinha que dá na areia. Beberico meu leite com a cabeça se preenchendo de lembranças. Essa é a terceira vez que minha mãe surta. Nunca esquecerei.
FLASH ON
Com quatro anos.
Minha mãe me pegou na escola a tarde e me mandou para o meu quarto. Eu obecedi, quando escureceu eu sai e ela não estava em lugar nenhum. Eu gritava por ela e nada. As paredes da casa pareciam se fechar contra mim. Sentei no sofá e chorei pensando que ela havia me deixado.
Adormeci a acordei com ela gritando.
- Mandei você ficar no quarto! - Gritou me chacoalhando. Me soltei bruscamente dela ao ver sei rosto. E seus braços.
Seus olhos eram azuis, porém rodelas pretas os contornavam. Seu pescoço estava com marcas de dedos, conseguia ver perfeitamente os quatro dedos de um mão. Me perguntei que maquiagem era essa. Estava me assustando. Eu chorei mais, porque na minha cabeça minha mãe estava me assustando de propósito.
Aquela expressão horrorizada, ela gritando comigo, ela queria me assustar, chorei e me agarrei em suas pernas pedindo para ela parar.
- Me solta, menina louca. Some daqui! - Falou e apertou meu braço me carregando até à porta. - Vai ficar ai de castigo.
Bateu o porta e fiquei senta lá do lado de fora. Olhei para meu braço e vi as marcas de quatro dedos, parecidas com as que haviam em seU pescoço, porém menores e chorei mais ainda pensando se ela estava fazendo isso sozinha.
FLASH OFF
- Está chorando, Srta. Law? - Louise pergunta e só então me dou conta. Meu rosto está banhado em lágrimas, e não tomei nem metade do meu chocolate.
- Eu.. Já passou. - Falo secando as lágrimas, bebendo o leite.
- Quer falar sobre? - Pergunta e balanço a cabeça negativamente. - Quando quiser, estou aqui. As roupas lhe caíram bem.
- Gostei delas. - Sussurro com o voz falha. - Eu poderia andar assim na rua.
- Pensariam que você fugiu de um hospital. - Diz e sorrio, fungando.
- Você não dorme? - Me viro a olhando.
Nossos olhares se encontram e meu coração bate tão forte, que tento medo que ela possa ouvi-lo, me viro novamente. Abraço meus joelhos colocando a xícara de lado.
- Quer que eu saia? - Pergunta.
- Não. - Respondo antes que ela terminasse. Não quero ficar sozinha, penso.
- Sua mãe.. - Louise tenta quase de modo inaudível.
- Ela bebe. - Confesso, não sinto vergonha, nem nada. Porque é a primeira que digo isso a alguém. Sem rodeios.
- Ela não pode te por pra fora. E se alguém te pega? - Sinto a preocupação em sua voz.
- Não tenho medo mais. - Deixei de ter quando alguém a pegou uma vez, quando finalmente entendi que eram marcas em seus olhos e pescoço e não maquiagem.
- Você não é tão dura quanto demonstra. - Conclui e a olho, gostaria de ir além desse olhar expressivo.
- Ninguém é. Nem mesmo você, as pessoas não querem lidar com as fraquezas alheias, então acreditam firmemente que tal pessoa é forte. - Falo pausadamente, com o vento jogando mechas do meu cabelo em meu rosto. Vejo sua mão subir e tirar uma dessas mechas de meu rosto, um toque tão leve, mas senti, de novo.
Fim do capítulo
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lehh
Em: 10/05/2018
Olá autora...
Adorei o capítulo ...o conto...as personagens....enfim tudo rsrs .Me identifiquei muito com a Helena pois já estive em seu lugar, o jeito que ela amadureceu é evidente, e incrível mas vc mantém a fragilidade que essa situação traz há uma pessoa. E quanto a Louise não tem nem oq falar não é mesmo? Simplesmente maravilhosa ....Aguardo ansiosa pelos próximos caps. ..parabéns pela historia
Ps1: vc tem algum cronograma p/ postar os caps?
Resposta do autor:
Louise é minha personagem favorita! Ela é um doce. Elena tem tanto a mostrar, você vai gostar do desenvolvimento dela, acredito. Vou postar de terça, quinta e sabado. Esses primeiros foram rápido porque queria ver a aceitação da história e do tema que escolhi.
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