CapÃtulo 21
Capitulo 21 - Caroline
Cinco toques e nada, a ligação caiu. Mais 4 tentativas. Na quinta tentativa, do outro continente, com voz de sono eu ouvi:
- Pronto. Caroline? - Meu coração parou. Sim, depois de tres semanas, tres semanas nada, já faz mais de um mes que eu sai de casa e hoje eu estava finalmente falando com a Christiane.
- Chris?
- Sou eu Caroline. Fala.
- Queria saber como você estava. Não nos falamos a um tempo. Tudo bem?
- Você me ligou às 2 da manha pra perguntar se eu estou bem?
- Ai, verdade. Perdão Chris. Eu não lembrei do fuso horário. - não parei nem pra calcular fuso horário, só liguei.
- Onde você esta?
- Estou em Maçores, perto da Espanha.
- Você não foi pra Portugal? - perguntou em um tom rispido, irritada.
- Maçores fica em Portugal, mas pertinho da fronteira com a Espanha.
- Que seja. - respondeu apenas isso e manteve um silencio.
- Ainda está ai Chris? Como você esta? - mesmo a um oceano de distancia senti como se ela estivesse segurando muitas pedras na mao, prestes a jogar em mim
- Claro que eu estou. Me ligou pra que?
- Queria saber como você estava. Não sei, deu saudade. Sonhei com você essa noite e quis te ligar.
- Saudade?! Acho engraçado as pessoas sonharem com o que perde. Sonhar com o que não tem. Acha que eu to bem? Estou otima agora. Minha mulher saiu de casa e me abandonou, me largou aqui pra fazer o que queria da vida. Eu estou otima. Superei.
- Minha ideia não é discutir amor. Quero mesmo saber como você está. Eu não te abandonei Chris. Resolvemos dar um tempo.
- Caroline, você escolheu dar um tempo. Eu segui em frente. Fui abandonada pela minha esposa e simplesmente segui em frente.
- Caralh*. Isso porque me amava e não queria que eu viesse pra Portugal. Quanto amor.
- Queria o que? Que eu te esperasse a vida inteira? Me poupe Carol. Me poupe. Seja feliz ai em Portugal, com qualquer puta que você tenha ai. Não engulo essa história de projeto social, comunidade carente. Agora não me enche o saco e assume suas responsabilidades. Você fez uma escolha.
- Sou muito idiota de te amar. De me preocupar com você. Muito trouxa Christiane. De ainda me preocupar com você.
- Ai, para de draminha Carol. Chega. Eu te avisei com todas as palavras que se você fosse para Portugal não teria mais esposa. Você ouviu e entendeu. Agora quer ser vítima? Me poupe desse trabalho. E outra, eu vou voltar a dormir, são 2 da manha, e eu tenho trabalho amanha. Não me enche mais o saco. Tchau - e desligou o telefone na minha cara.
Ok, vale eu pensar no quão idiota eu sou. Caraca. muito idiota, e eu ainda ansiosa para voltar para o Brasil. Independente de ser verdade que ela está com outra ou não, vale eu entender que meu casamento que já estava ruim, acabou. Acabou mesmo. Não quero nem me dar ao trabalho de tentar resolver algo ou voltar com a Chris, acho que se eu fizer isso vai ser voltar 10 casinhas no jogo da vida. Sem contar o quesito respeito, ele acabou, se perdeu no universo criado por nós duas.
Ao mesmo tempo que essa conversa me destruiu, me fez pensar no quanto eu preciso ficar longe do Brasil e de tudo que conheço lá, pensar no que há de novo para viver em Úrros e na vida que eu posso ter aqui. Posso ajudar muitas pessoas com o centro obstétrico, desenvolver um centro oncológico. Um universo completamente novo apenas esperando eu abrir a porta e entrar.
Olhei para o meu computador, que estava na grama, ao meu lado. Peguei ele, apoiei nas pernas. O café, na caneca, quentinho, foi engolido num grande gole. Respirei fundo o ar gelado de Maçores e comecei a escrever o projeto da maternidade de Úrros. Ainda não decidi se fico ou se volto, mas independente de qual seja minha postura, eu vou deixar essa cidade melhor, com mais recursos. Criar uma maternidade de qualidade aqui não será algo simples, mas com dedicação vai dar muito certo.
- Bom dia gineco trabalhadeira. - Estava tão concentrada na escrita do projeto que não percebi que a Fer tinha acordado e estava me olhando.
- Bom dia linda. Quer sentar aqui comigo e trabalhar também?
- Trabalhar? Com o pastel de nata da dona Antonia quentinho em cima da mesa? Jamais.
- É bom assim?
- Ele salva você de qualquer noite mal dormida, e de qualquer carinha de choro. Vem, larga esse computador e vem comer um. Depois você me conta porque essa dedicação toda e essa carinha pra baixo. - Fernanda então esticou os braços, me dando as mãos para me ajudar a levantar. Assim que me pus de pé, automaticamente ela me abraçou. Um abraço forte, cheio de carinho e de energia boa. Pegou na minha mão e me puxou para dentro da casa.
Assim que eu entrei na casa, o cheiro de “bolo” estava mais intenso e delicioso, senti minha boca enchendo de água. Era um cheiro adocicado, me lembrava bolo, mas na verdade era de pastel de nata (que no Brasil chamamos de Pastelzinho de Belém), um doce feito de massa folhada e creme de baunilha dentro. A mesa estava com vários deles, ao lado tinha broa de milho, também feita na hora.
A Fernanda sentou na mesa e me ofereceu uma cadeira. Logo em seguida a
Dona Antônia sentou também. As duas continuaram a conversa do dia anterior, sobre a casa e as fazendas ao lado. De tempos em tempos, a Fernanda olhava pra mim e me lançava um sorriso de molhar as calcinhas. Essa menina é encantadora e ao mesmo tempo bipolar (risadas mentais), na verdade ela faz o máximo para se proteger e não estragar seu próprio nível mental.
Quando terminamos o pequeno almoço, a Fernanda me chamou para sentar um pouco no sofá com ela. O Pingo não seguia mais nós duas e sim a Dona Antonia, que carregava as comidas. Acho que o desejo vital do Pingo é comer a todo o tempo. O que me deixava sempre com uma risada pronta para sair da boca, ele é muito engraçadinho tentando pegar comida.
- Vem aqui Carol, senta aqui comigo no sofa. Tenho uma programação legal para hoje, quero ver se você topa.
- o que você planejou? Vou conhecer muito de MAçores nesse final de semana?
- Até parece. Maçores é composto de uma igreja e algumas fazendas. Ah, tem vendas e uma feira de artesanato. Mas enfim, programei de irmos passar o dia nas colinas, levar a comida, ficar lá conversando. A noite voltamos e podemos ir na festa que vai ter na fazenda aqui perto, que eu te falei. O que acha?
- Fer, adoraria o passeio. Mas eu preciso ligar para a Dra. Marcela e dar uma boa adiantada no projeto do centro obstétrico de Úrros. Como vamos na festa mais a noite, não vou conseguir dar conta de tudo.
- Mas não precisa correr com esse projeto. Você ainda tem 3 semanas pra fazer ele.
- Não gosto de fazer nada em cima da hora e talvez eu tenha que voltar para o Brasil antes disso, depende apenas de algumas ligações, da Marcela principalmente.
- Porque voltar para o Brasil antes? Tem relação com a sua carinha pra baixo?
- Sim, estão associadas. Mas não quero te incomodar com assunto chato. Você não tem que me ouvir.
- Tá Caroline, sei que não temos nada. Já ouvi isso ontem. Queria te levar nas colinas hoje para conversarmos calmamente sobre isso e sobre seu pesadelo a noite.
- Fer, esquece que eu falei isso. Falei sem pensar.
- O que torna sua frase mais verdadeira. Quando a gente pensa, tem mais filtro. Quando não pensa, sai o que está guardado.
- Podemos voltar pra parte que você me engorda com pastelzinho de nata? Podemos?
- Não mocinha, precisamos conversar mesmo Carol. Não quero na verdade, mas precisamos.
-Tudo bem. Espera dar um pouquinho mais tarde. Eu ligo pra Marcela e pra quem eu preciso, depois disso vemos de ir nas colinas ou não. Por enquanto garanto ir na festa a noite. Tem que ir com alguma roupa especial.
- Você pode ir de Fado se quiser. Vai ficar linda fantasiada de portuguesa.
- Sério?! Não tenho dessa roupa
- Claro que não precisa Caroline. Só estou zuando você. Pode ir com o que quiser.
- Ai que má você, fazendo piada da minha cara.
- Enquanto você espera dar o horário, eu vou ficar aqui na casa, deitadinha vendo filme. Você pode fazer o projeto se quiser. Hahaha. Trabalha ai enquanto eu descanso - A Fer falou isso gargalhando com a minha cara de puta da vida com ela. Adoro esse senso de humor da pediatra. Sério, me encanta.
Quando passou das 10 horas da manha, pedi licença e fui lá pra fora ligar para a Dra. Marcela, alem de eu ter que falar com ela sobre essa primeira semana em Úrros, preciso conversar sobre a criação da maternidade. No terceiro toque uma voz calma e conhecida atendeu do outro lado, com o sotaque portugues mais intenso que eu lembrava.
- Pronto.
- Bom dia Marcela, é a Caroline.
- Claro. Como estas tudo Carol?
- Tudo tranquilo dra. Te liguei para conversarmos sobre Urros, sobre o projeto da maternidade. A Fernanda me disse que a sra está esperando apenas meu aval.
- Vamos por partes querida. Conte me primeiro como foi sua semana em Urros? Fiquei sabendo que fez um parto de emergência, seguido de complicações.
- Sim, no dia que cheguei em Úrros mesmo. Foi sorte da garota eu ser ginecologista, se não tivéssemos corrido com ela, teria morrido. Mas deu tudo certo, a Fernanda foi muito bem, me ajudou com a criança.
- E como está a vila? Faz um certo tempo que não vou a Úrros.
- É um lugar maravilhoso, como a sra disse. A população é mesmo muito carente de atendimento. Descobri que sou a única ginecologista de cerca de 10 cidades ou vilarejos, não entendi ao certo. Marcela, precisa ter um ginecologista aqui no hospital e uma maternidade. Isso é sério. Não imaginei que estava nessas condições.
- Quando você aceitar ficar em Úrros, nós podemos começar a construir.
- Isso não pode depender de mim não, precisa ter alguém competente e dedicado, mesmo que não fique.
- Precisa ser você Caroline. Você sabe o que fazer.
- Qualquer bom gineco sabe atender parto e emergência.
- Mas não é qualquer um que entra em uma van cheia de caixas, a noite, em uma cidade desconhecida, procurando hospital. Que faz um parto a luz de velas e uma cirurgia de horas sem assistente. Carol, Úrros precisa de você. O projeto teve sua ajuda por anos, a distância e sua ajuda foi mais que boa para todos nós. Talvez esteja na hora de você assumir seu lugar de direito, como lhe falo a anos. Você precisa estar em Úrros.
- Marcela, eu não sei se consigo ficar. E as minhas coisas no Brasil? Eu preciso pelo menos voltar um certo tempo para organizar tudo e outra, não posso atender esse tanto de gestante sozinha, preciso de uma equipe. Ao menos mais dois ginecologistas.
- Estamos a “negociaire” seu emprego em Úrros?
- Não exatamente. Mas não estou mais dizendo não como das outras vezes.
- Então vou te fazer uma proposta, você pensas e depois me conta ok?!
- Tudo bem.
- Se “ficaire” em Úrros, tens um emprego fixo no hospital e no projeto, como já havia oferecido inúmeras vezes. Te deixo ainda assumir a direção da maternidade e do centro de pesquisa em ginecologia oncologia que vamos criar.
- Que centro de pesquisa? Não é apenas a maternidade? - Acho que minha surpresa deve ter sido passada no meu tom de voz.
- Caroline, sua vinda para Úrros aconteceu por um motivo divino. Já temos mais da metade da maternidade construida, e ela possui junto um centro de oncologia, acoplado a um centro de pesquisa. Eu iria fazer a proposta de você assumir quando estivesse pronto, mas quando me ligastes pedindo para conhecer Úrros, eu quase não acreditei. Você estar conosco será maravilhoso. E depois podemos acertar quanto a sua equipe cirúrgica
Caraca, eu estou completamente sem palavras. Ser diretora de um hospital é algo que venho buscando e trabalhando a vários anos, mas sem nenhum sucesso.
- Até quando posso lhe dar a resposta?
- Pense com carinho e com calma. De todo modo você ainda tens mais 3 semanas em Úrros.
- Caso eu aceite, vou precisar voltar para o Brasil para acertar algumas coisas.
- Claro que sim. Tens um casamento para decidir e tens uma carreira a organizar.
- Dra. estou sem palavras com essa proposta, sério. Onde ficas a maternidade? Conheci o hospital essa semana e não tem espaço lá, muito menos obras.
- Estas sendo construído na outra ponta da vila, há uns 20 minutos de caminhada. A ideia é que o espaço atual funcione como ambulatório apenas. Vou pedir para a Fernanda levar você lá por esses dias, para conheceres.
- A Fernanda sabe dessa construção?
- Claro que sabes. Ela tens muito envolvimento com esse projeto, sem ela, não teria acontecido. Mas ela quem deves te contar melhor.
Conversei com a Dra Marcela por mais um breve período. Ela perguntou o que eu achei da vila e da população. Confesso que se eu já estava pensando em me afastar do Brasil por um tempo, depois dessa proposta, fica mais difícil voltar para casa. Se Úrros e Portugal já estava me encantando, depois de hoje, já posso dizer que estou apaixonada por essas terras lusitanas.
Quando terminei de falar com a Dra. MArcela, acho que meu sorriso não estava mais cabendo no rosto. Confesso que a primeira pessoa que eu pensei foi a Fer, primeiro por ela estar envolvida nisso e não ter me contado e por ser ela quem eu quero estar junto para comemorar. Entrei na casa novamente, ela estava sentada no sofá, vendo televisão, exatamente do jeitinho que eu havia deixado ela.
- Dona Fernanda, quando a senhorita iria me contar? - Entrei de fininho e falei isso abraçando ela por tras, enquanto ela se assustava com o abraço. Mas depois, se acalmou e relaxou o corpo.
- Ixi, contar o que gineco? “Estás” louca?
- Tem uma maternidade com as construções quase finalizadas? É isso? - Falei isso largando ela do abraço e indo sentar no sofá, perto dela.
- Quem te contou isso Caroline?
- Um passarinho azul bobona.
- Sério. Quem contou?
- Calma, eu só joguei um verde. Você acabou de me dar maduro. - Ela ficou super irritada, fechou a cara, sentou reta no sofa, como se tivesse cometido o maior erro de todos os tempos. Achei muito fofo esse jeitinho dela. Não aguentei e cai na gargalhada. O jeitinho dela ficar brava é encantador.
- Tá rindo do que?
- Calma ai braveza. Foi a Dra. Marcela que me contou. Ela disse que vai pedir para você me levar lá essa semana para eu conhecer.
- Sério? Ela te falou isso? Achei que fosse meio segredo. Mas ok.
- Segredo? Sei lá. Ela me contou da maternidade e falou que tem um centro de oncologia associado.
- Não que era segredo. Ela só ia te contar no final do seu estágio em Úrros, pra ver se você ficava. Pelo menos sua carinha melhorou de mais cedo.
- Ela me convidou para ser diretora da maternidade e coordenar o centro de pesquisa.
- Hahaha. Eu já sabia de tudo isso.
- Nossa, que sem graça você. Já sabia de tudo? Nenhuma novidade?
- Quando eu falo que sua competência e capacidade vão além do básico, você não acredita em mim. Não conheço você a muito tempo, mas o pouco que acompanhei do seu trabalho, sei o quanto você é competente e capaz de assumir esse cargo. Mas a questão é, você vai assumir isso? Você volta para o Brasil em 3 semanas.
- Ela me deu esse tempo pra pensar e dar uma resposta pra ela.
- Eu tambem precisava conversar com você.
- Ai que medo, quanta conversa séria hoje. Você, a Marcela. Ainda preciso ligar pro Lucas e pro Rodrigo.
- Vem, senta aqui pertinho de mim Carol. Precisamos bater um papinho sério sobre nós, mesmo não existindo nada entre nós.
- Aff, esquece isso. Sério. Quer saber .
- Precisamos parar de nos pegar, de ficar, ou qual seja o nome que isso tenha Caroline.
Fim do capítulo
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