Primeiro dia
ELENA
Quando se tem uma família igual a minha, você termina sendo mais fechada que a maioria das pessoas da sua idade. Minha mãe me criou sozinha, teve épocas de passarmos apertos terríveis, porém, ela nunca deixou faltar comida ou qualquer coisa básica que uma pessoa precise.
Fora isso, também sempre tivemos problemas de aceitação como filha, não sei o que houve entre ela é meu pai, pois ninguém conta. Em resumo sou a culpada. A ouço dizer que se eu não tivesse nascido, ele estaria aqui. Sai a noite, quase nunca volta e quando volta, da trabalho, diz que sou igualzinha a ele, tanto na aparência quanto no jeito.
Quando era pequena eu chorava todas as vezes que ela saia ou brigava comigo. Era uma criança acuada, não interagia. Ganhei alguns anos e um pouco mais de visão, parei de chorar e passei a ignorá-la. Hoje são raras as vezes que perco a paciência e brigo. Quando some a noite não consigo dormir e quando não some não consigo da mesma forma.
Na escola fiz bons amigos, dois para ser mais exata, Ruby e Gus, não sou mais acuada como antes, mas também não me tornei a miss simpatia. Como diz Ruby, de um modo bom, sou lobo em pele de cordeiro, bonitinha, quietinha, mas se cutucar com vara curta, eu mordo.
Já tive dois relacionamentos, faz pouco tempo que terminei com Brian, namoramos um ano. Comecei a namorar cedo por carência, buscava contatos, atenção e carinhos que não fossem em vão, que fossem verdadeiros. Deu certo com B, mas ele precisou mudar com a família.
Tenho saudades dele, porém, o sentimento se perdeu em algum momento que nem sei qual foi. Lembro do dia foi embora, eu parecia uma pedra em sua frente, para não chorar, para não cair na frente de alguém.
Quando completei quinze anos o pai de Ruby me contratou para trabalhar de recepcionista, ele disse que eu era ideal, porque devido a quantidade de homens que ia lá, todas as garotas que contratava terminavam se demitindo, por conta das cantadas. E comigo, eles poderiam cantar, que eu não me importaria e ainda daria uma resposta curta e grossa, se necessário.
Não é uma grande experiência, mas, agora depois de dois anos resolvi mandar alguns currículos em empresas grandes, para ganhar novos conhecimentos e principalmente ganhar mais dinheiro, juntar uma grana e desaparecer. No fundo não acreditava que alguém me contrataria com aquele currículo seco, entretanto, com sorte ou algo assim, me chamaram para uma entrevista em uma das maiores empresas da cidade. Não acreditei de início, mas era verdade sim. Me ligaram cedo, para ir a tarde.
Revirei meu guarda roupa atrás de algo decente e social. Arrumei meus cabelos, era até estranho, porque costumava andar com ele amarrado, deixei solto. Eles são bonitos, cuido muito bem. Não abusei da maquiagem e antes de sair pesquisei sobre a empresa e principalmente sobre a moça que faria a mesma.
Li muito sobre tudo até chegar lá. Estava nervosa pra valer, porém não deixei transparecer, fiquei firme e não fui super simpática, porque não sou obrigada e estaria sendo falsa. Quando me chamaram para entrar, fiz um uau em minha mente, a mulher era aquelas de tirar o fôlego de qualquer um por ai, e olha que nem de mulher gosto.
Ela foi direta nas perguntas e fui direta nas respostas, não desprendi nossos olhares por nada. Ela me subestimou por conta do meu currículo, meu nervoso foi por água abaixo nesse momento, estive segura o tempo inteiro.
Foram longos minutos e por fim consegui. Não acreditei que havia mesmo conseguido, era como um desafio, Ruby havia trabalhado com ela uma semana e disse que é a "encarnação do diabo", não desistiria, na verdade depois de lidar com minha mãe, lidar com o próprio diabo seria fichinha.
Sai de lá a passos longos, é um prédio alto, olhei pra cima e ela estava me olhando pela janela. Louise Poks parece ser tão fria e seca quanto eu, um choque de personalidade interessante.
Rezo pra minha mãe não me encher o saco a noite. Converso com o pai de Ruby, ele me deseja boa sorte, com o emprego, e mais ainda com Louise.
Tiro cópias de documentos, como ando atoa e finalmente vou pra casa, tomo banho e escolho as roupas que vou trabalhar nos próximos dias. Minha mãe chega do serviço e vai direto no meu quarto.
- E essa bagunça aí? - Pergunta curiosa.
- Arrumei outro emprego. - Respondo não me virando.
- Você é louca? O pai de Ruby era certo, porque raios você mudou? - Seu humor não está bom, pode ser uma longa noite.
- Porque eu preciso de mais dinheiro, preciso de experiência, um emprego decente. - Tento conversar numa boa.
- Acho bom dar certo, não vou sustentar marmanja. - Fala batendo de porta.
Suspiro e continuo arrumando as roupas em uma parte separada do guarda roupa. Anoitece e vejo que minha mãe não está aqui.
- Que merd*.
Preparo a janta, vejo série, leio mais um pouco sobre a empresa de Louise e deito. Eu preciso dormir, apagar, desmaiar. Em vão, sem minha mãe em casa eu não consigo. Penso nas merd*s que ela pode estar fazendo na rua.
Meia noite, uma, duas e ouça a porta bater. Amem.
Olho seu estado na porta do meu quarto e tranco, não vou dar a chance dela entrar e encher o saco. Permaneço encostada a porta a ouvindo surtar na cozinha.
Vou dormir quase três horas e acordo às seis, um caco. Tomo banho, me troco, preparo meu café, fico apresentável, a maquiagem esconde aquelas olheiras terríveis.
Vou andando, são mais ou menos vinte minutos de caminhada, o tempo frio ajuda a não suar ou ficar ofegante.
Chego na empresa e quem me recepciona é Aurora, que ligou marcando a entrevista.
- Louise pareceu animada ao falar de você, isso nunca acontece, então por favor, não desiste de nós. - Fala enquanto me apresenta as pessoas e mostra os departamentos, onde fica cada coisa.
- Não pretendo desistir. - Dou-lhe um sorriso pequeno.
Vou em todos os departamentos até chegar no último andar, que é o de Louise, começo a ficar nervosa novamente, é oficial, estou trabalhando com a pessoa que todos temem, minha intenção é conhecê-la, saber porquê é assim.
- Boa sorte. - Aurora diz e me deixa sozinha nessa sala enorme.
- Bom dia, Srta. Law. - Ouço a voz dela atrás de mim e assusto.
- Bom dia Srta. Poks. - Respondo me virando devagar.
- Como pode ver só tem uma mesa, é toda sua, os gaveteiros também são seus, há inúmeros documentos, organize como achar melhor, porém de modo acessível. Minha sala é aquela. - Aponta para a separação de vidro, uma de frente para a outra, que beleza. - Se tiver dúvidas, procure por manuais no computador, tem até desenhado. Só me chama se for de extrema urgência e quando eu chamar seja rápida. Não precisa ser simpática ou legal com as pessoas, não sou e não gosto que minhas secretárias sejam, eles abusam. - Anda até sua sala. - A agenda na sua mesa, tem uma lista de reuniões e eventos que estão bagunçados, preciso que remarque todos em ordem de importância. Quando terminar me avisa no Skype. Sempre usamos Skype para conversar. Alguma dúvida? - Pergunta já na porta.
- Algumas, mas, eu procuro nos manuais. - Digo ligando o computador. - Obrigada. - Vejo o sorriso de escárnio em seus lábios quando disse que procuraria.
A primeira coisa que faço é ver a agenda sobre a mesa, inclusive, dá-lhe bagunça. Aliás, bagunça é pouco, está um auê. Pego outra agenda em branco com meu nome que está sobre a mesa. Amei a agenda, preta com o nome em branco.
O que é ordem de importância na cabeça dela? Começo pelos eventos, porque esses não podemos remarcar, a presença está confirmada então tem que ir. Procuro nos arquivos da empresa quais os clientes mais importantes, marco as reuniões, almoços e jantares seguindo essa ordem, e buscando não sobrecarregar seu dia. Quando fecho a agenda e tiro os olhos do computador, percebo Louise ela me olhando atentamente de sua sala, fico sem jeito. Disfarço levantando e pegando umas pastas que estão amontoadas para guardar, contudo ainda sinto o olhar ainda sobre mim. Será que estou fazendo algo errado?
Olho os gaveteiros lado a lado e penso em quem os arrumou dessa forma, guardo as pastas e faço um desenho dele em minha agenda para lembrar onde está cada coisa.
- Bom dia. - Escuto uma voz atrás de mim, me assustando novamente. Uma mulher loira está aqui. Olho Louise e vejo seu olhar apertar.
- Bom dia. - Levanto apertando sua mão. - Posso ajudar? - Vou até minha mesa e tem um NÃO bem grande no Skype.
- Preciso falar com a Lo, ela já me viu, sabe quem sou. - Diz encarando a outra pelo vidro.
- Desculpa, mas ela está ocupada. Não pode retornar em outro momento? - Tento com toda educação do mundo.
- Ela está ocupada me encarando, querida? - Pergunta irônica.
- Não sei o que ela está fazendo Srta., não me diz respeito o que ela faz. Deixa seu telefone, ligo para dizer quando podem conversar. - Respondo e me arrependo quando minha digníssima chefe está na porta. Engoli seco? Com certeza.
- Desde quando você contrata meninas lindas e mal educadas? - A mulher pergunta me fuzilando.
- Quem eu contrato ou deixo de contratar só diz respeito à mim, querida. - Loiuse diz impaciente. - Não quero te atender agora, entendeu? Poderia ter aceitado que eu estava ocupada, mas se prefere assim, não quero. Não temos o que conversar. - Elas estão brigando na minha frente, não sei onde enfiar a cara.
- Você não pode fugir de mim para sempre.
- Onde você estava esse tempo todo? - Loiuse pergunta me olhando.
- Acho que fui grossa. - Sinto minhas bochechas corarem.
- Não! Você foi excelente, ninguém encara minha ex mulher dessa forma. Continue assim. Remarcou as coisas?
- Sim. - Abro a agenda tentando não focar em suas palavras anteriores. A vejo encostou ao meu lado, sinto o cheiro forte do seu perfume. E fico abalada. Ainda estou em "ex-mulher". - Os eventos não posso remarcar, mas as outras coisas estão certas, liguei para todos perguntando a disponibilidade. - Mostro a agenda folheando as páginas e não ganho comentários enquanto falo, isso me incomoda. - Tudo bem?
- Tudo ótimo, vou te mandando os novos que aparecerem. Bom trabalho, Srta. Law. - Volta para sua sala.
Fico orgulhosa de mim, ela não é tão difícil de lidar assim, é curta e direta, não ruim. Deixo a mesa com a minha cara, bem como o computador. As horas passam, desço para almoçar no restaurante da empresa, minha cara queima com as pessoas me olhando.
Sento bem no fundo, muitas pessoas conversando, como e mexo no meu celular para passar o tempo.
- Você é nova aqui, né? - Uma garota se senta em minha frente.
- Sou, prazer Elena Law. - Respondo.
- Sou Elsa, você pode desfazer essa cara de brava quando não está com a chata da Lo, viu? Não mordemos, só quando pedem. - Pisca. Ok, ok, isso é estranho.
- Sou assim mesmo. - Digo olhando para os lados, buscando uma saída ou algo assim.
- Espero que não esteja cantando minha secretária, Elsa. - Vejo Loiuse encostar e rio fraco do tom sério que ela usa.
- Para de ser ciumenta. Ninguém manda contratar uma moça linda. - Se levanta emburrada. Devem ser parentes, pelo modo como conversam.
- Linda, porém, não é pro teu bico. - Responde espantando a menina. Acho que estou da cor de um pimentão de tanta vergonha. - Pode me acompanhar ao evento de hoje? Preciso que anote contatos lá e não me deixe marcar coisas nos dias que não posso.
- Claro. Vou ao banheiro e cinco minutos, ok? - Saio andando, vejo as pessoas cochichando e fico desconfortável.
Escovo os dentes, melhoro minha maquiagem e saio. Pego minha agenda, celular e a encontro no estacionamento.
O evento é a inauguração de uma agência de advogados conhecida mundialmente. O interesse de Louise são sociedades. Ela é formada em direito e sua empresa é de contabilidade e assessoria. Não deixa nada a desejar, fiquei mesmo impressionada quando estava conhecendo.
Chegamos e está cheio de carros, é difícil achar lugar para estacionar. Entramos juntas, a "festa" é no primeiro andar. Muitas pessoas muito bem arrumadas, em grupos conversando.
Louise acha alguns conhecidos, me apresenta a todos, olhares me queimam, me analisam o tempo todo. Anoto tudo que é marcado com as pessoas, sempre atenta às datas.
- Hei. - Toco timidamente seu braço. - Na terça, você tem uma reunião demorada, vai ficar sobrecarregada se marcar outra coisa. - Sussurro mostrando a agenda. Ela só suspira. - Na quarta? - Pergunta olhando o senhor a qual estava conversando.
- Perfeito
Mais alguns minutos e ela a perco de vista.
- Você é quem? - Uma mulher pergunta encostando ao meu lado.
- Secretária da Srta. Poks. - Respondo com uma expressão suavizada.
- Tempos que não falo com a Lo. - Arqueia a sobrancelha e não entendo ao certo o que significa. - Ela tenta negócios com nós a tempos.
- Porque não aceita? Convenhamos a empresa é boa. - A encaro.
- Eu sei, mas algo não me convence. Lo sempre consegue quem quer. - Acredito ter certa ambiguidade naquela frase.
- Bom, ela não está aqui tentando fechar negócio com você. Sou eu, porque não tentar? Se não gostar da empresa, existe quebra de contrato. - Tento ser o mais séria e convincente possível. Louise aponta em nossa direção.
- Eva. - Cumprimenta a mulher.
- Poks. - Responde. - Escolheu bem a secretaria dessa vez. Que tal marcarmos aquele jantar que você tenta a meses? - Regina arregala os olhos para mim. Não abaixo a cabeça, prendo meu olhar ao dela.
- Sexta-feira, pode ser? - Pergunto as duas e confirmam.
- Não acredito que conseguiu em alguns minutos o que eu tento a meses. - Sorri me levando para fora da festa.
- Devo me desculpar? - Pergunto.
- Jamais, Elena.
Andamos segundos e ela não vê um mínimo buraco na calçada, seu salto fino entra direto, de impulso seguro em sua cintura a impedindo de cair. Escuto um click e um fotógrafo da festa tira foto.
- Eu.. - Tento falar a ajudando a levantar e se estabilizar. - Machucou o pé?
- Não. Obrigada. - Olha o fotógrafo que estava entrando. - Você tem problemas com exposição?
- Não. - Não penso no real significado dessa pergunta.
- Ok, fico feliz. Não estranhe se tiver pessoas te seguindo. - Ressalta numa tranquilidade. Entendo o que quer dizer então, isso pode me trazer sérios problemas.
Fim do capítulo
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zilla
Em: 03/05/2018
A cada capítulo me encanto por sua história, parabéns moça!
Seria muito abuso falar que já quero o próximo capítulo???? Hehehe
Resposta do autor:
Haha obrigada!! Fico feliz que esteja gostando, significa que vamos nos encontrar muito, pq temos uma longa caminhada a frente!
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