Acordei com a claridade do sol batendo em meu rosto. A brisa leve entrava pela janela aberta e trazia consigo o cheiro do mar.

Ainda com os olhos fechados, concentrei e esforcei-me para sentir os braços que me envolveram por toda a noite. Sem sucesso.

Abri os olhos apenas para constatar o que meu corpo já sabia, Melissa não estava ali na cama. E, como pude perceber, assim que levantei e fui até lá, no banheiro também não. Minha mente já projetava e criava algumas teorias conspiratórias, quando o barulho do liquidificador ecoou por toda casa.

Fui até a cozinha e a vi. Linda. De banho tomado e toda atrapalhada. Se desdobrando em bater , o que parecer ser, uma vitamina e pegar as torradas que saltavam, já prontas.

Caminhei em sua direção e a envolvi em meus braços, abraçando-a pela cintura..

-- Bom dia. – Falei, enquanto beijava seu pescoço..

-- Bom dia, Rafa.. – Respondeu indiferente.

-- Quer ajuda? – Perguntei enquanto a virava, de frente para mim..

-- Não. – Ela respondeu após alguns, breves, segundos apenas me observando.. – Já estou terminando.

Ela tentou sair de meus braços, alegando precisar da geléia, que estava na geladeira.

-- Não vou ganhar um beijo de bom dia, Mel?

 Questionei enquanto ela se afastava. Ela voltou e beijou-me, rapidamente, na bochecha. Virando as costas em seguida, ocupando-se em procurar incansavelmente a tal geléia. Murmurei que iria tomar banho e voltei para o quarto, sentindo a diferença no olhar e gestos de Melissa.

Já no banho, sentindo a água batendo em meu corpo, lembranças da noite anterior vieram como flashes. Mel tinha sido maravilhosa, dormimos quando estava amanhecendo, exaustivamente satisfeitas.

Aconteceu tudo tão rápido e surpreendente, que eu nem havia me dado conta de que não estava preparada para o dia seguinte.

Depois dessa reação fria e distante de Melissa. Sim, Melissa, a Mel ficara perdida nas lembranças da noite anterior, tinha perdido completamente a noção do que fazer e como agir..

Muito a contragosto, sai do banho, vesti-me e voltei para a cozinha.

Melissa estava sentada, com os olhos verdes perdidos em uma xícara, que imaginei ser café, pelo cheiro e fumaça, que esfriava em sua frente. Lembrei-me do dia em que a encontrei na cafeteria. Com a diferença de que ela não me recebeu sorrindo e nem com brilho nos olhos, como naquele dia..

-- Me passa o leite, por favor, Melissa.. – Pedi, após um longo período em silêncio.

-- Melissa? – Ela questionou mantendo um sorriso irônico nos lábios, enquanto passava-me o leite.

-- Ué, não é o seu nome?! – Respondi a pergunta, usando o mesmo tom irônico.

-- E o que aconteceu com a '' Mel'' ? – Referiu-se a como eu costumava chama-la, por seu apelido.

-- Boa pergunta. – Respondi ríspida, começando a me irritar com aquela situação toda. – Acho que ela ficou na cama, juntamente com os favos..

Ela esboçou um sorriso, irritando-me ainda mais. Com a voz calma, quase doce, chamou-me.. Não levantei os olhos do prato, ela insistiu..

-- Rafa.. – Continuei não respondendo ao seu chamado. Ela suspirou longamente e completou: – Eu só não sei como agir. Isso tudo é muito novo para mim.

-- Se arrependeu? – Interrompi sua frase, querendo pular essa parte bastante conhecida.

Ela não respondeu de imediato, dando a entender que minha pergunta seria respondida, se eu não a tivesse interrompido. Ela abaixou seu olhar até a xícara novamente e continuou..

-- Apesar de ter adorado, não posso evitar de me sentir culpada. Eu nunca tinha traído meu marido antes e..

-- E?

-- Apesar de ter sido só sex*, é uma situação embaraçosa.

Não consegui dizer nada. Não sei o que eu esperava ou pretendia ouvir de Melissa, mas aquela frase ecoou forte dentro de mim. E uma sensação estranha e desconhecida invadiu meu peito. Um aperto. Sufoco..
Fui tirada de meus devaneios pela voz dela que soou baixinha, dolorosa demais.

-- Queria que você entendesse, Rafa..

-- Tudo bem, Melissa.. É embaraçoso para mim também. – Respondi tentando disfarçar o tremor nas mãos. Sabia e sentia que alguma coisa dentro de mim havia mudado.. Só não sabia explicar o que. Queria acabar com aquele assunto logo. Com essa intenção, completei com firmeza : – Não precisa dizer mais nada.

Ela olhou-me por alguns segundos e, também, parecendo querer acabar com toda aquela situação, disse:

-- Queria muito aproveitar e contemplar essa vista linda, mas agora tenho que ir.. O Mateus já deve estar acordando e eu prometi que o buscaria logo. Aliás, nem avisei para minha mãe que não dormiria em casa.. – Ela comentou levemente constrangida.. – Não soube o que falar.. Ela poderia..

-- Eu vou ficar por aqui.. – A interrompi. Completando logo em seguida: – Só tenho que pegar minha sandália que ficou no seu carro..

-- Eu já trouxe para cá.. – Ela respondeu-me rapidamente. Parecendo se arrepender logo em seguida. – Imaginei que você fosse precisar e..

-- Não queria prolongar mais o nosso encontro. – Eu disse, completando sua frase.

-- Rafa, não é isso.. Eu só..

-- Não precisa se explicar, Melissa. Eu já disse que entendo.

Ela se afastou sem dizer nada. Voltou alguns minutos depois com suas coisas na mão..

-- Tem certeza de que vai ficar?

-- Sim.

-- Te vejo no escritório na segunda? – Ela disse tentando ser divertida, mas com um tom de voz visivelmente sem graça. – Não esqueceu que será minha estagiária por um dia, esqueceu?

-- Não. Não me esqueci!

O silêncio que se seguiu foi tão constrangedor quanto a falsa descontração de Melissa..

-- Bom, então eu já vou.. – Ela adiantou-se. Quebrando o silêncio. – Até segunda, Rafa..

-- Até, Melissa..

Ela aproximou-se e deu-me um beijo na bochecha, despedindo-se. Agradeceu e se foi..

Deixando-me com uma terrível dor de cabeça, que parecia se espalhar e atingir cada parte de meu corpo. O que era aquilo que estava sentindo?
Parecia frustração.. Misturada com raiva e melancolia?! Mas de que? Por que?

Eu nunca havia sentido, mas já havia lido e presenciado.. Lutava com todas as forças para não assumir, mas no fundo, no fundo, sabia que eram sentimentos e sintomas de quem estava irremediável e terrivelmente apaixonado.

'' Depois de ter você. Poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas. Pra que amendoeiras pelas ruas?
Pra que servem as ruas? Depois de ter você.."

 Depois de ter você – Maria Bethânia

Fim do capítulo