— Já estavam para entrar em contato comigo. Quando foram buscá-lo para fazer a transferência, ele já havia tirado a própria vida.

A loira sentou na cama enquanto falava.

— E nós não teremos como provar que foi ela.

A morena disse e sentou ao seu lado.

— Que garota esperta!

— Muito! Acho que o plano dela sempre foi voltar e se vingar dos pais.

— Se for isso mesmo, a mãe dela corre perigo.  

— É verdade! Acho que ela não vai acreditar em nada que dissermos, mas de qualquer forma, vamos falar com ela.

— Sim. Estou pensando aqui… Emy, será que Maria Francisca ainda está viva?

— Para ser sincera, não tenho certeza.

 

— Você é incrível, sabia? —  Emily tirou uma mecha de cabelo que insistia em cair no rosto de Alycia.

— Por que você está falando isso?

— Porque desde ontem você sabia que tinha algo de errado com o bilhete.

— Ah! Amor, eu não fiz nada.

— Fala de novo.

Emily pediu sorrindo.

— Repetir o quê, Emy?

— Você sabe.

— Amor?

— Aham

— Você ainda tem alguma dúvida que é meu amor? — Abraçou a loira.

— Você não fala muito isso, Aly.

— Mas sinto, tentarei falar mais. —  Deu um selinho na delegada e levantou chamando-a. —  Vamos? O dia hoje vai ser cheio.

 

As duas não correram para o DP, sabiam que não existia muito a ser feito. Beatriz tinha uma inteligência acima da média. Não havia ponta solta. As duas tomaram o café da manhã tranquilamente, se arrumaram e depois foram para o trabalho.

 

xxxx

 

 

— Chamaremos  Beatriz aqui no DP mesmo?

— Sim!

— O que tem em mente?

— Deixá-la ciente de que sabemos tudo o que ela fez. Eu quero que ela saiba que parecemos, mas não somos bobas.

 

 

Algum tempo depois, tanto Beatriz quanto a mãe aguardam na sala de depoimentos. A delegada e a detetive seguiram ao encontro delas. Nas mãos de Alycia estava o livro “A redoma de vidro”. Assim que entraram na sala, Beatriz olhou para o livro e sorriu discretamente. A mãe da jovem não percebeu, mas as agentes, sim.

 

—  Achou algo engraçado, Beatriz? —  A detetive perguntou.

—  É delegada, sua namorada é bem nervosinha, heim?!

—  Lembra quando esteve aqui ontem e eu disse para me chamar de detetive Dias ou te prenderia por desacato? Eu não faço ameaças vazias.

— Estou falando. — Sorriu como se a detetive tivesse acabado de confirmar sua fala anterior.

—  Beatriz! —  A mãe tentou chamar sua atenção.

A jovem não respondeu, apenas olhou para a genitora. A mulher ficou petrificada e naquele momento as agentes souberam que Beatriz já havia se revelado para sua mãe e possivelmente estava lhe ameaçando.

—  Beatriz.

— Sim, detetive Dias. — Falou as duas últimas palavras pausadamente como que para irritar a morena.

—  Você conhece esse livro?

—  Sim, era um dos favoritos do meu pai.

—  Sim, meu ex-marido tinha um exemplar, é verdade. - Joana, a mãe de Beatriz, confirmou.

—  Vocês sabem a história da autora ou a do livro?

—  A mulher disse que não, a jovem disse que sim.

— Em resumo, a personagem, que é uma representação da autora, tenta suicídio. A autora, pouco depois de publicá-lo, se mata.

—  Que  horror! —   A mulher disse e Beatriz riu da mulher.

—  Você é patética, mãe.

— Senhora, veja o nome do livro, agora leia o bilhete que sua filha mandou para o seu ex-marido ontem. — A delegada colocou o livro e o bilhete lado a lado em frente à mulher.

—  O que vocês estão insinuando sobre a minha menina?

—  A senhora sabe. Eu não preciso dizer. Olhe para mim. —   A mulher que estava de cabeça baixa olhou para a delegada. —   Se, em algum momento, a senhora achar que precisa proteção, nós estaremos à disposição. Tenham um bom dia, senhoras!

A detetive não esperava que a delegada encerrasse a conversa assim, mas a seguiu. Mãe e filha, ficaram um pouco desorientadas, mas também saíram da sala em seguida sem nada dizer.

 

xxxx

 

— O que foi esse final, Emy? — A detetive perguntou assim que entraram na sala da delegada.

— Vontade de dar na cara daquela menina. Se eu ficasse lá, eu não responderia por mim. Não suporto o jeito que ela te olha e fala com você. —  A delegada disse um pouco envergonhada. Depois tentou “melhorar” o que havia dito: — E você viu como ela falou com a mãe dela?

— Emy, para esse relacionamento funcionar, você tem que confiar que eu sei cuidar de mim.

— Relacionamento? —  Emy perguntou sorrindo.

— Boba, você sabe que sim.

— Não, não sei.

— Falaremos sobre isso mais tarde, então. —  A morena cortou o assunto de forma delicada. Teve uma ideia. —  Emy, vou voltar para o QG e te dou um retorno se algo mudar. Ah! Vamos sair hoje? —  Disse de forma displicente.

— Claro, linda. Algo em mente?

— Sim!

— E?

— Uai, e será uma surpresa. —  Abriu a porta e saiu, depois colocou a cabeça para dentro da sala novamente e disse:

— Você acha que só você vai fazer surpresas nesse R.E.L.A.C.I.O.N.A.M.E.N.T.O, loirinha?

 

Alycia falou a palavra relacionamento pausadamente e sorrindo. Depois saiu da sala deixando a delegada com um sorriso imenso.

 

A detetive, imediatamente, ligou para o Restaurante Topo do Mundo,  que fica localizado no alto da Serra da Moeda, região metropolitana de BH e fez uma reserva. Ela queria proporcionar uma noite incrível para loira. Acho que ela vai adorar a vista! Tomara que ela nunca tenha ido lá. Pensou. Estava chegando no QG, mas resolveu voltar e falar com a assistente da delegada.

 

— Rose, eu preciso fazer uma apuração fora do DP. Se a delegada precisar de mim, por favor, avise que estarei no celular.

— Claro, detetive.

— Obrigada, Rose.

— Por nada, querida.

 

A detetive já conhecia bem sua parceira, tanto que cerca de 10 minutos depois dessa conversa, a delegada realmente a procurou e Rose deu o recado. Emily estranhou muito e resolveu ligar para a morena.

 

— Alô. —  Alycia viu a foto de Emily em seu celular e achou graça da situação.

— Que apuração é essa?

— Sobre o bilhete. —  Mentiu. — Pensei em consultar uma amiga que é especialista em grafologia.

— Por causa do bilhete?

— Sim.

— Mas amor, você acha que terá mais alguma coisa ali?

— Não sei, mas ela é especialista.

— Hum.

— Que foi, amor, queria que eu tivesse te avisado antes? Desculpa eu sei que você é minha chefe...

— Não. —  A loira interrompeu. — Por favor, não fala isso. É que…

— Fala, Emy! Eu fiz algo errado?

— Não, deixa.

— Então, estou voltando agora.

— Não, Aly. É… é...

— Emily, fala.

— Essa sua amiga. É tipo amiga mesmo? — A morena achou graça, mas nada disse. —  Aly, é que você nunca saiu no meio do turno para encontrar com uma amiga.

— Eu te amo, confia em mim? — Foi a resposta da morena.

— Confio. — A loira resignada respondeu.

— Eu volto em uma hora, tá bom?

— Ok.

— Um beijo.

— Eu te amo.

 

Assim que desligou, a morena chegou em uma joalheria. Ela estava há menos de 15 minutos do DP, em um bairro próximo chamado Savassi, mas achou melhor mentir para a delegada porque queria lhe comprar um presente para entregar durante o jantar.

 

Alycia fez a compra e rapidamente voltou para do DP. Mandou uma mensagem para a loira, dizendo que já estava no QG e que não tinha conseguido muita coisa com sua amiga. A mensagem foi respondida de imediato pela loira que parecia estar realmente apreensiva com saída repentina da morena.

 

A tarde das duas rendeu. Emily foi chamada para uma reunião externa com o governador e a morena conseguiu uma pista de que Maria Francisca estava viva. A foragida tentou fazer uma retirada em sua conta bancária, sem saber que estava bloqueada, em um caixa em um a cidade vizinha de Belo Horizonte.

 

Assim, sabendo que possivelmente não se encontrariam mais naquela tarde, se falaram por telefone enquanto Emily estava em deslocamento para a reunião. Alycia combinou de pegar a delegada em casa, por volta das 19h30. Ela já ia desligar, quando a loira reclamou:

 

— Não vai me dizer para onde vamos?

— É surpresa, Emy.

— Mas como vou me arrumar sem saber para onde vou? — A loira fingia indignação.

— Você fica linda de qualquer jeito.

— Assim eu vou voltar aí no DP para te beijar.

— Acho que você não deveria, chefa. — Brincou com a loira.

— Por favor, Aly.

— Ok, vamos jantar.

— Mas isso é muito amplo, a gente pode ir a um trailer comer um cachorro quente ou ao Glouton.

— Eu por um acaso te chamaria para comer cachorro quente, mulher?

— Não sei. —  Falou com voz criança travessa.

— Não estraga a surpresa, Emy.

— Eu só vou jogar a toalha porque estou atrasada para minha reunião.

— Nós vemos à  noite, curiosa.

— Um beijo!

— Um beijo!

Às 19h30, pontualmente, Alycia parou seu carro em frente à casa da delegada. Alguns minutos depois, essa saia da casa e seguia em direção ao veículo. Por conta dos vidros escuros do carro da morena, a loira estava alheia ao encantamento que sua aparência despertou na morena.

Alycia, meio atordoada com imagem de Emily, correu para conseguir se adiantar a loira e abrir a porta para ela.

— Quanta gentileza, minha linda!

— Linda eu? Você se olhou no espelho? Você está espetacular, Emily! — Beijou e abraçou a delegada. —  E cheirosa.

— Obrigada, amor. Você também está linda.

A loira gostou do que ouviu. Alycia estava realmente se rendendo aquele relacionamento. Embora o compromisso ainda não tivesse nome, ele se materializava cada vez mais na entrega de ambas.

Alycia, por sua vez, tinha razão para tanto encantamento, Emily estava deslumbrante! A loira trajava um vestido preto, com alças finas que deixam o colo e as costas  expostos, de comprimento pouco acima do joelho, a peça deixava as pernas torneadas da delegada à mostra. A sandália de salto médio e tiras finas, deixavam o look sensual e delicado. O cabelo amarrado em um rabo de cavalo alto deixava o pescoço da loira tão convidativo que Alycia teve que se esforçar para seguir com o plano.

A morena dirigiu por quarenta minutos. A loira mantinha uma das mãos sobre a perna de Alycia, essa sempre que podia cobria e acariciava aquelas mãos carinhosas de Emily. Nesse clima, a conversa girou em torno das reuniões e descobertas do dia, mas Alycia estava um pouco apreensiva, então estava mais ouvindo do que falando.

— O que foi, Aly? —  A loira perguntou e acariciou novamente a perna da morena.

— Nada, acho que fico apreensiva quando dirijo.

— Você sabe que não consegue mais mentir para mim, né?

A morena relaxou um pouco e sorriu, mas não respondeu.

— Não vai me falar?

— Daqui a pouco. Olha aí, já chegamos.

— Alycia, que lugar lindo!

— Você ainda não viu lá dentro. — Sorriu ao perceber que havia agradado a loira.

— Onde nós estamos?

— No topo do mundo. Vem. Pegou as mãos da loira.

O restaurante topo do mundo fica a 1500 metros de altitude, bem no alto da Serra da Moeda, A loira estava tão entretida na morena que não percebeu onde estavam indo. Somente agora se dava conta. O local tem um das vistas mais lindas do estado de Minas Gerais, justamente por ser um dos pontos mais altos de todo o estado.

Elas entraram e foram conduzidas para uma espaçosa varanda toda em vidro e madeira, que permitia a sensação de equilíbrio total com a natureza exuberante ao redor. A perfeição do conjunto foi se amplificando com o passar dos minutos, pois Alycia havia planejado cada momento. As entradas, o vinho, a refeição tudo já tinha sido escolhido. O piano, ao fundo, tocou toda a playlist que em algum momento fez parte da curta  história do casal.

— Aly, foi tudo perfeito.

— Foi? Quem disse que acabou?

— Não acabou? —  A loira estava assustada e perdidamente encantada por sua morena.

— Não. Tem a sobremesa. —  Enquanto a morena falava o garçom chegava para servi-las. Para o deleite de Emily, que amava doces, à sua frente havia uma taça de morangos flambados sob sorvete de creme e raspas de chocolate.

Ao lado da taça Alycia depositou uma caixinha de jóia.

— Para mim? —  A morena estava um pouco emocionada e só conseguiu balançar a cabeça em afirmação. Com muita dificuldade disse: —  E a música também.

— Qual música? —  A loira perguntou confusa.

— Essa!

O pianista começou a tocar, dessa vez acompanhado de uma cantora que tinha voz muito suave. A loira sorriu. Escutando a Música, se pôs a abrir a caixa.

 

Your Song

It's a little bit funny, this feeling inside

I'm not one of those, who can easily hide

I don't have much money, but boy if I did

I'd buy a big house where we both could live

 

If I was a sculptor, but then again no

Or a man who makes potions in a travelling show

I know it's not much, but it's the best I can do

My gift is my song and this one's for you

 

And you can tell everybody, this is your song

It maybe quite simple but now that it's done

I hope you don't mind, I hope you don't mind

That I put down in words

How wonderful life is while you're in the world

 

I sat on the roof and kicked off the moss

Well a few of the verses, well they've got me quite cross

But the sun's been quite kind while I wrote this song

It's for people like you, that keep it turned on

 

So excuse me forgetting, but these things I do

You see I've forgotten, if they're green or they're blue

Anyway, the thing is, what I really mean

Yours are the sweetest eyes I've ever seen

 

And you can tell everybody, this is your song

It maybe quite simple but now that it's done

I hope you don't mind, I hope you don't mind

That I put down in words

How wonderful life is while you're in the world

 

Sua canção

É um tanto engraçado, este sentimento aqui dentro

Eu não sou um daqueles, que conseguem facilmente esconder

Eu não tenho muito dinheiro, mas garoto,, se eu tivesse

Eu compraria uma grande casa onde poderíamos morar

 

Se eu fosse um escultor, mas também não sou

Ou um mago que fizesse poções em uma turnê

Eu sei que isso não é muito, mas é o melhor que posso fazer

Meu presente é minha música, e esta é pra você

 

E você pode dizer para todos que esta é a sua canção

Ela pode ser bem simples mas agora que está feita

Espero que você não se importe, espero que não se importe

Que eu expresse em palavras

Quão maravilhosa a vida é, enquanto você está no mundo

 

Eu me sento no telhado, limpo a poeira

Alguns destes versos, deixam-me muito irritado

Mas o sol tem sido agradável, enquanto eu escrevia esta canção

É por pessoas como você que ela continua acesa

 

Então perdoe meu esquecimento pois faço destas coisas

Você vê que eu não lembro se eles são verdes ou azuis

De qualquer forma, o que eu realmente quero dizer

É que os seus são os olhos mais doces que eu já vi

 

E você pode dizer para todos que esta é a sua canção

Ela pode ser bem simples mas agora que está feita

Espero que você não se importe, espero que não se importe

Que eu expresse em palavras

Quão maravilhosa a vida é, enquanto você está no mundo

 

(Música: https://www.youtube.com/watch?v=VJaWmGVQ5Ws ou nessa versão https://www.youtube.com/watch?v=Wg2FRx3ynyk )

 

 

Na caixa havia uma pulseira de berloques extremamente delicada, com a base em ouro branco e alguns pingentes que contavam um pouco da história das duas: uma algema, lembrando o trabalho de ambas; uma bolinha que lembrava o sonho de padaria; um celular; um coração; um livro e, por fim, havia uma bolinha em formato de remédio, lembrando o dia em que Emily cuidou de Alycia no hospital.

 

A loira se emocionou também. Alycia, que limpava algumas lágrimas que insistiam em cair, novamente tomou à frente:

—  Posso colocar?

A loira estendeu o braço e Alycia  colocou a pulseira. Assim que o fez, beijou a mão da loira, olhou em seus olhos e disse:

 

—  Eu te amo. Quer namorar comigo?

 

Fim do capítulo