Capítulo 18 - Inflexível
Montserrat
Faz uma hora que estou esperando que a Sara saia de uma cirurgia. Não importa quanto tempo mais vai demorar, quero tirá-la da minha vida hoje mesmo. Nesse meio tempo, liguei para a babá que contratei para ficar com a Annie para saber se estava tudo bem. Annie mais uma vez me pediu para ir à praia. Acabei permitindo que ela fosse com a babá para distrair a tão recente perda do avô.
O telefone da mesa meu pai tocou e eu atendi prontamente.
- Senhora, a Dra. Sara Salmen já saiu da cirurgia.
- Peça para que ela venha para a sala do Dr. Olavo e que a aguardo agora mesmo.
Pronto. Vamos lá, Montserrat, você consegue.
Sara
Quando fui avisada de que estou sendo convocada para uma reunião com a filha do Dr. Olavo e que devo me dirigir o mais rápido possível para a sala que ela se encontra, senti quase um alívio porque todas as minhas perguntas anteriores serão respondidas ainda hoje.
Felizmente, a cirurgia foi um sucesso. Fico mais tranquila. Não mentirei que mesmo assim eu desejei um tempo para pensar em tudo que aconteceu já que não tive a oportunidade. Cogitei a ideia de conversar com a Fernanda e contar toda a minha história com a Montserrat. Tenho certeza de que ela jamais me julgaria e me daria um bom conselho.
Tudo isso foi antes, agora eu não tenho para onde fugir e nem porque sair correndo como fiz antes. Assim que consegui o dinheiro da passagem e os valores de um visto de moradia, depois de juntar por meses e meses, enviei o valor até a mais para a Montserrat em uma carta anônima. Eu não devo nada para ela, muito menos satisfação pelo que fiz.
Me ajeitei no espelho e coloquei um avental limpo. Com passos hesitantes, cheguei ao escritório do Dr. Olavo. Montserrat quer apenas conversar, eu tenho que encará-la de frente como deveria ter feito na rodoviária.
Vamos lá, Sara, você consegue.
Bati na porta e recebi um "entre" seco. A empresária está sentada na poltrona com as pernas cruzadas e a mão esquerda apoiada na coxa. Sua aliança chamou a minha atenção. Lembrei-me da Fernanda dizendo hoje pela manhã que ela está casada. Se ela se casou é sinal que fui apenas um interesse momentâneo. Doeu. Não que eu tivesse algum interesse.
- Sente-se - ouvi seu pedido.
Olhei para o seu rosto tão bem desenhado. Os cabelos que antes estavam presos, agora estão soltos e as ondas continuam fazendo com que ela pareça um anjo. Eu daria tudo para ver seu sorriso agora. Ansiei para que jogasse o cabelo para o lado. Sua cabeça poderia estar um pouco de lado também. Queria ver brilho em seus olhos. Que Montserrat indiferente.
- Eu prefiro ficar de pé, obrigada - tentei sorrir.
- Como a doutora desejar. Serei rápida como sempre gosto de ser: você está demitida.
Se aquela sala já teve chão algum dia é melhor voltar porque sinto que o perdi ao ouvir aquelas palavras sem sentido da boca da Montserrat.
- O quê? - minha vontade era de gritar, mas tive medo.
- Você está demitida - disse com indiferença.
Eu esperava tudo, menos uma demissão sem justificativa. Esperava uma conversa difícil, até mesmo com gritos após dizer poucas e boas por eu ter feito o que fiz. Eu preferia mil vezes que ela tivesse me chamado aqui para tirar satisfação do que estar fingindo que não me conhece.
- Montserrat, eu... você não... eu sei que errei por ter fugido de você depois de tudo que fez por mim. Sim, eu reconheço. Eu sei que você merecia no mínimo uma conversa. Mas naquela época eu... estava confusa, sabe?
- Doutora, eu não faço a mínima ideia do que a senhorita está falando.
- Você ficou com raiva por eu ter usado a passagem e os documentos? É por isso que está me tratando assim? Eu te mandei o dinheiro da passagem e das despesas que teve com passaporte e visto. Você recebeu, não foi? Achei que nós não tivéssemos mais nenhuma dívida uma com a outra.
Me aproximei da mesa com cautela. Vi então um papel e uma caneta, é a minha demissão. Já estava com a assinatura dela, isso doeu ainda mais.
- Por favor... - coloquei minhas mãos na mesa e baixei a cabeça - não faça isso comigo. Desculpe-me se te machuquei de alguma forma. Tenho consciência de que te disse coisas que podem ter machucado, entenda que eu estava nervosa. Vamos conversar. Por favor, peço que reconsidere a minha demissão.
- Eu não estou te demitindo por trombar em mim, se é isso que você quer dizer. Eu tenho que cortar algumas despesas e isso atingirá alguns médicos já que meu pai não deixou as melhores situações por aqui. Portanto, é apenas um corte nas equipes e esse hospital não precisa mais dos seus serviços. Assine no lugar indicado, por gentileza.
Olhei o papel branco cheio de letrinhas e me senti derrotada. Eu não sei se estou me sentindo derrotada pela demissão ou por não entender a atitude da Montserrat. Movi a minha mão para perto da caneta, mas antes de assinar fiz a minha última tentativa. Encarei seus olhos e comecei a dizer:
- Não é possível que você tenha se esquecido de todas as coisas que vivemos juntas - vi pela primeira vez um brilho no verde de seus olhos. - Montserrat, lembra-se dos nossos dias cozinhando juntas? Lembra quando me ensinou a esquiar... - ela fechou a cara de repente. - Quantas vezes assistimos filmes juntas na sua sala? Toda vez que faço peixe me lembro quando deixamos aquele demais no forno. Tiramos as partes queimadas, comemos e notamos que ficou delicioso, lembra? Se retirarmos os momentos ruins, podemos ficar com as boas lembranças. Nós precisamos conversar sobre o que aconteceu.
Seus músculos do rosto se retorceram. Olhou para os lados desconcertada. Esperei pacientemente os nossos olhos se reencontraram. Observei seu corpo se mover para frente e por um momento pensei que ela tocaria a minha mão. Mas sua ação foi outra, vi seus longos dedos pegarem a caneta e fazer um barulho seco quando foi colocada em cima do papel. Montserrat empurrou o papel para mais perto de mim de forma rude.
- Antes que eu mande te internar por não dizer coisa com coisa, assine logo essa porcaria de papel. Pegue suas coisas e não pise mais seus pés no MEU hospital - seus dentes travados fizeram a frase sair com mais raiva do que jamais imaginei ver.
Tremendo, peguei a caneta e com dificuldade assinei.
- Não precisa passar no RH ou vir receber seus direitos, mando alguém acertar tudo onde você mora.
Comecei a querer chorar, mas a porta sendo aberta violentamente chamou a minha atenção. Um enfermeiro entrou puxando o ar por ter corrido tanto.
- Dra. Sara Salmen, emergência. Uma menina acaba de dar entrada com ferimentos graves. Ela foi atropelada e está inconsciente. Precisamos de você agora.
Acenei positivamente e dei alguns passos para sair da sala.
- Você não trabalha mais para esse hospital, Dra. Sara. Acabou de assinar sua carta de demissão e não tem mais vínculo com nós.
Olhei indignada para a Montserrat. Ela está falando sério! Que tipo de pessoa ela é hoje?
- Antes de ser funcionária desse hospital, eu sou uma médica. Está para nascer alguém que vai me impedir de prestar atendimento médico para alguma criança que estiver precisando de mim. Não se preocupe que eu não vou cobrar do hospital por esse serviço prestado, fica como a minha despedida.
Saí correndo antes que ela falasse alguma besteira ou me impedisse de atender a garota.
Montserrat
É claro que a Sara saiu correndo. No fundo, senti orgulho dela ter me enfrentado e achei bonito seu amor pela profissão. Será apenas um atendimento a uma paciente e depois ela vai embora.
Peguei o meu celular e assustei-me com as chamadas perdidas da babá que contratei. Pensei em retornar imediatamente, mas o enfermeiro parado na minha frente chamou a minha atenção.
- O que foi? Está faltando trabalho? Você não deveria estar ajudando no cuidado da menina? Por que está olhando para mim assustado?
- É que... - gaguejou - eu estive no enterro do Dr. Olavo ontem e... essa menina que acabou de dar entrada no hospital é... é a mesma que estava o tempo todo de mãos dadas com a senhora ontem.
Annie.
Minhas pernas bambearam e o ar desapareceu dos meus pulmões. Eu demorei a acreditar no que o enfermeiro me disse. Minha ficha caiu quando mais uma vez vi as ligações perdidas da babá.
- ANNIEEEEE! - gritei enquanto corria para a ala da pediatria.
No meio do caminho, vi a maca com ela sendo levada pelos corredores. Sara estava ao seu lado, com a mão no aparelho que a fazia respirar. Os vi passar para o centro cirúrgico e tudo desaparecer diante da minha visão quando as portas se fecharam.
Tentei empurrar a porta, mas está trancada.
- Sara! SARAAAAAA! É a minha filha! Sara me deixe entrar.
Fiquei desesperada, não sabia o que fazer, para onde ir.
- ALGUÉM ME AJUDA! POR FAVOR, ALGUÉM ABRE ESSA PORTA. A MINHA FILHA PRECISA DE MIM. EU SOU DONA DISSO TUDO, TENHO ACESSO. SOCORRO.
Uma mulher mediana, cabelos castanhos e sardas no rosto apareceu e correu para o meu encontro.
- Ei, o que está acontecendo? Você não pode ficar aqui, tem que esperar na recepção, é um lugar restrito apenas para médicos.
- Eu sou a dona disso tudo e minha filha está lá dentro. Se eu não posso entrar, vá lá e me diga que está tudo bem, pelo amor de tudo que é mais sagrado para você.
Vi a doutora respirar fundo e enxugar a minhas lágrimas.
- Senhora Schubert, - reconheci a voz do telefone - é melhor se acalmar e esperar a cirurgia acabar. Eu não posso entrar, acabarei atrapalhando todo mundo. Pode ser muito perigoso - ela continuou e colocou a mão na minha bochecha. - Peço para que mantenha a calma e confie na equipe que está lá dentro dando o seu melhor. Tenho certeza de que sua filha é forte e que vai sair dessa.
Ela sorriu tentando me animar e eu a abracei em desespero. Abraçando-me de volta, a médica tentou me acalmar passando as mãos nas minhas costas.
- Vem, senhora Schubert, tem um banco no outro corredor e você poderá ficar lá. Prometo te fazer companhia, meu trabalho por hoje já terminou.
- Obrigada.
Segui sendo amparada e quando chegamos no banco nos sentamos com ela ainda me segurando.
- Como é mesmo o seu nome? - perguntei.
- Fernanda - sua covinha acentuou-se com o esticar ligeiro dos lábios ensaiando um sorriso confortante.
- Você foi quem me ligou para dizer que me pai faleceu. Eu fui muito grossa pelo telefone, desculpe-me.
- Talvez tenho sido o nervosismo do momento. Quando eu perdi o meu pai também fiquei nervosa.
- Você é sempre tão gentil assim?
- É da minha natureza. Eu estou fazendo o meu trabalho também, te acalmando. Lido com isso todos os dias. Quero apenas que você se acalme porque vai ficar tudo bem.
- Como pode ter tanta certeza?
- Apenas sinto.
Balancei minha cabeça e coloquei meus pés em cima do banco. Agarrei meus joelhos como se eles pudessem me proteger de tanta dor que sinto.
De repente vi a imagem da Sara na minha mente. Ela estava tão desesperada tentando me convencer para não demiti-la. Não sei qual momento foi pior, o que ela me pediu desculpa ou quando desesperada assinou o papel. Na verdade, sei qual foi: quando ela começou a cantarolar com a sua voz doce a música que cantamos diversas vezes, que elegemos como a nossa favorita. Pensei que não iria conseguir manter o meu disfarce, que cederia para canta junto com ela. Para minha sorte, consegui me recuperar a tempo depois que ela relembrou os momentos mais felizes que vivemos. Foi a raiva que me fez unir força para praticamente obrigá-la a assinar o papel. Sara lembra de tudo, sabe que vivemos coisas incríveis, e mesmo assim nunca voltou. Como pode uma pessoa viver tantos momentos inesquecíveis, lembrá-los com tanto carinho, simplesmente mandar o dinheiro e achar que tinha somente uma dívida material comigo.
Comecei a rir e chorar das minhas indagações no momento mais inapropriado de todos. Annie está longe de mim, eu não faço a mínima ideia do estado de saúde e está nas mãos da Sara.
- Você está rindo ou chorando? - Dra. Fernanda perguntou para mim.
- Os dois, mas mais chorando - respondi soltando os meus joelhos.
- Posso saber por quê? Sente-se mal?
- Sim, sinto-me muito mal. Uma dor na alma, sabe? Eu acabei de demitir a mulher que possivelmente está salvando a vida da minha Annie agora.
- Demitiu? Quem você demitiu? - perguntou curiosa.
- A Dra. Sara Salmen - chorei mais um pouco.
- O quê? Como? Por quê? O que ela fez? Você não pode demitir uma das mentes mais brilhantes deste hospital.
- Eu sou uma idiota, sei disso.
Não deu tempo de a doutora com sardas perguntar mais nada e nem de eu tentar explicar. Soninha apareceu no corredor parando na minha frente.
- Montserrat? O que faz aqui? Está chorando? Aconteceu alguma coisa?
- Soninha, a menina que está lá dentro é a minha filha. A minha Annie. Posso vê-la? Como ela está?
- A menina que foi atropelada é a sua filha? - Sônia perguntou assustada.
Sara virou o corredor que estávamos e eu fiquei atrás da minha amiga de infância. Uma lágrima escorreu no rosto da síria quando me viu. Senti a mão da Fernanda no meu ombro e um leve aperto.
Se antes eu já estava desesperada, agora o que estou sentindo não tem nome, não tem explicação. Mais lágrimas brotaram em meus olhos e gotas grossas banharam rapidamente a minha face. Dei um passo para o lado saindo de trás da Soninha. Encarei a Sara e meus lábios tremeram quando saiu:
- Por favor, diga-me que ela está bem.
Fim do capítulo
That's all.
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Michely
Em: 27/02/2018
...então uma lágrima TB desce minha face... Espanto pelo fim, medo do que Sara tem a dizer, terror de pensar na pior opção...
Pública outro capicapí por favor!!!
Bastiat...vc tá judiando do meu coração!!!!
Resposta do autor:
Calma, calma, vamos ver.
Vocês também judiam de mim quando falam assim hahahaha.
Abs!
sonhadora
Em: 26/02/2018
Menina como assim vc parou? Aí meu Core! Eitha, eitha....moça não demora vai. Fiquei parada mesmo...achei que tinha mais escrito na frente e choque! Não se faz isso numa segunda-feira a gente de ressaca do domingo...e de outras coisas...e precisando de um abraço...e de um carinho e...ah mulher posta outro vai...please!
Beijos de Luz!
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Angel68
Em: 26/02/2018
A palavra correta para essa história é ...tô extasiada....que história de tirar o fôlego !! Primeiro, tô de cara desde o capítulo passado, quando soubemos que a Mon esteve sempre por trás ajudando a Sara por todos esses anos, sabia que ela trabalhava no hospital que ela mesmo ajudou a entrar....aí ela chega e pimba....demite a Sara !! Ué, não entendi !! Ai, cai do cavalo, quando a única que pode salvar a filha da morte, é a Sara !! Que destino entrelaçado !!! Tomara que as lágrimas no rosto da Sara sejam de felicidade por ter salvado a Annie !!
Resposta do autor:
Fico feliz que esteja gostando :).
O plano da Montserrat era sair do hospital sem esse encontro e seguir a sua vida. Mas como a Sara acabou descobrindo que ela é a nova dona, achou melhor demitir para não ter o segredo de tê-la ajudado revelado.
Abs!
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mtereza
Em: 26/02/2018
Não acredito que vc fez de novo acabou o capítulo tal qual Sonda termina às temporadas de Grey Anatomy mais drama impossível mais não faça essa maldade com a Mon a Carol e principalmente com suas leitilei não mate a Annie #BastiatNãoMateAnnie
Resposta do autor:
Nossa, a Shonda hahahaha. Não sou tão assim, vai hahahaha. Vou tentar parar com isso. Tentar.
#Bastiatnãocontrolaaimaginação
Abs.
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preguicella
Em: 26/02/2018
Pqp, vc é de uma maldade que beira a crueldade, com nós, as suas leitoras, dona Bastiat! Como vc termina de publicar três capítulos seguidos dessa história com esse final?! Como? Como? Como? Tô me sentindo esperando o próximo capítulo de Avenida Brasil, no caso o capítulo que Tufão descobre que Carminha é bandida, e o próximo capítulo só vai passar depois de dez domingos!
Gzuisss, tô passadaaaaa, mais passada ainda que o que eu imaginei aconteceu, Annie precisou da Sara! Que Sara tenha sido expulsa de sua sala pelo Dr Olavo e não pq algo de ruim aconteceu com Annie. Mon e Carol não merecem, e nem a Sara que algo desse tipo aconteça com ela!
Seja boazinha, tenha pena da gente e pública pelo menos o próximo, tipo capítulo duplo, por favorzinho! Eu nunca te pedi nada e juro não pedir mais nada, mas não maltrata a gente assim não!
Aff, o drama tomou conta da minha cabeça nesse momento! Só sei sofrer! hahaha
Resposta do autor:
Já disse que sou bem legalzinha até.
Foi uma de vocês que pediu três capítulos seguidos =X. Hahahaha.
Pois sim, Annie precisou e a Sara saiu para acudi-la sem nem saber quem era e ainda por cima passando pela como um tratos pela ordem da Montserrat.
Abs!
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Carolzit
Em: 26/02/2018
Ahhhhhh que capítulo é esse???? Meu coração até acelerou agora!! Tomara que esteja tudo bem com a Annie. É que a Mon reconsidere a demissão da Sara. Bjs
Resposta do autor:
Final dramático, não é?! Tomara mesmo. Já a Montserrat reconsiderar...
Beijos.
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dannivaladares
Em: 26/02/2018
Puta que pariu, Bastiat.
Que foda!
Estou tremendo!
Resposta do autor:
Hahahahaha. Calma, calma.
Abs.
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