— Seu apartamento é lindo, Elize! — A morena falou assim que retornaram à sala de estar. O apartamento de Elize era relativamente pequeno, mas decorado com muito bom gosto. A maioria dos móveis mesclavam a cor branca com a madeira clara. O ambiente era leve e convidativo.

— Obrigada, Aly! — A ruiva disse sorrindo para a morena. Ela realmente simpatizava cada vez mais com Alycia.
— É aconchegante demais! — A morena realmente gostou do lugar,  mas o que ela estava realmente sentindo, e pela primeira vez, era o aconchego de ter amigos próximos e poder relaxar na presença deles.

— Fique à vontade Aly, se precisa de algo a Emy conhece tudo aqui, vou ver se Helena precisa de algo e já volto. — A ruiva sorriu novamente para as duas e já ia sair quando escutou a prima falar:

— Sei! Sei exatamente o que você vai ver se ela precisa. — Emily tinha um ar brincalhão que encantou a Alycia. Essa observava a dinâmicas das duas primas.

— Continua, Emy… Continua que eu sei muitas histórias sua. Aliás, eu tenho aproximadamente trinta.

— Quase trinta histórias? — Foi Alycia quem perguntou para a ruiva. Sentiu curiosidade sobre a vida da loira.

— Não trinta histórias, quase trinta anos de histórias. — Gargalhou e saiu, mas ainda pôde escutar a prima falando:

— Não brincar não desce para o play.

Emily chamou Alycia para irem até a sacada do apartamento e, enquanto isso, Elize seguia na direção do seu quarto. Enquanto fazia o pequeno percurso sentiu uma sensação boa. Há um bom tempo, ela sabia que gostava de Helena, desde antes dela viajar. Quando ela comunicou que faria o mestrado fora, achou por bem esquecer o tal sentimento. As coisas mudaram na noite em que as quatro (agora) amigas saíram. Elize deu carona para Helena e quando foram se despedir, rolou um beijo. Daí em diante, as trocas de mensagens, os telefonemas  e os encontros se intensificaram.

Elize chegou ao seu quarto e viu a Helena terminando de se vestir.

— Precisa de algo, meu bem? — Perguntou fechando a porta atrás de si.

— Não, estou bem.

— Você está nervosa ou está tudo bem falar com as meninas? — A ruiva perguntou receosa.

— Não seja boba, eu estou bem. Elas são como minhas irmãs. Não tenho problema em falar que estamos… Que estamos… Que estamos... Enfim… Que estamos tendo isso… Se bem que, embora elas neguem, acho que estão tão apaixonadas uma pela outra que nem estarão interessadas em nós. - Sorriu tentando desviar do embaraço de não saber nomear o que estavam vivendo com a ruiva.

— Namorando. — A ruiva falou tranquilamente.

— Não, elas não estão namorando. Pelo menos não ainda. — Helena disse ao terminar de pentear o cabelo.

— Não é delas que estou falando. Estou dando um nome para o que temos. — A ruiva disse e completou: — Quer namorar comigo?

— Claro, nesse momento é o que eu mais quero na vida. - Helena exibiu o sorriso mais lindo que a ruiva já tinha visto. Se abraçaram e se beijaram com carinho. Havia uma sintonia muito grande entre elas. Como nenhuma das duas era de atos gigantes e teatrais, o pedido foi perfeito.

— Vamos?

— Vamos, namorada. —  Sorriram com cumplicidade e seguiram em direção a sala.

— Oi, meninas! — Helena falou com Emily a Alycia que estavam saindo da sacada e voltando para sala.

— Oi, Helena! — A loira e a morena responderam juntas. Emily, entretanto olhava para a prima com a cara de quem ia fazer uma brincadeira e a ruiva resolveu ser mais rápida: - Ai, gente! Vamos parar como esse clima. Estamos namorando, ok? Próxima pauta.

Todas riram da praticidade de Elize. Foi ela mesmo quem inseriu a próxima pauta:

— E vocês?
— Nós o que? — Alycia estava vermelha e Emily achando engraçado da cara da morena.

— Como estão as coisas para vocês no trabalho? — A ruiva completou a pergunta.

Elize soltou a primeira parte da pergunta deixando certo duplo sentido de propósito, tanto que assim que completou a frase se virou para que a Alycia não a visse rindo. De costas para Alycia e de frente para Emily, que estava no outro canto da sala, piscou para a prima. Emily estreitou os olhos como quem diz “engraçadinha!”. Helena, que conhecia a todas muito bem, saiu em socorro de Alycia, sabia que a amiga não era acostumado com encontros sociais e deveria estar morrendo de vergonha:  

— Nossa, é mesmo, gente. Em que pé estão as buscas pelas sequestradoras, Aly?

Ao dizer isso, Helena, fez uma cara de desaprovação para sua namorada que apenas se segurava para não rir.

— Bom… a investigação está parada até segunda. — A morena falou lembrando da promotora e soltando um suspiro.

— Uai, mas é bom que vocês descansam, já tem pistas? — Helena estava realmente alheia ao que estava acontecendo. A loira resolveu esclarecer:

— Temos mais que isso, a promotora fez um acordo com Beatriz. A menina vai se entrega, delata a tia e tem a pena reduzida. - Até aí a ruiva não havia se manifestado, mas parou de fazer o que estava fazendo quando a Alycia comentou:

— Pena reduzida? Até parece! O que a Bárbara está oferecendo não pode ser nem chamado de pena.

— Menecucci? Promotora Bárbara Menecucci?

Só aí a morena se lembrou da história que loira contou e que a promotora havia traído Emily com um antigo namorado de Elize. Respondeu sem jeito:

— Sim, desculpe por ter falado sobre ela.

— Não se preocupe, Aly. Não me incomodo. Eu só não esperava que essa assombração voltasse a aparecer em nossas vidas. Fazia muito tempo que eu não escutava esse nome. - Voltou-se para a prima e perguntou: — Você está bem com isso, Emily?

— Não tenho muito o que fazer sobre isso, se o plano dele der certo, lá para terça-feira ela some de novo. — Emily respondeu sem olhar para Alycia. Elize percebeu o desconforto da prima, achou melhor mudar de assunto, depois falaria com a prima em particular.

— Ai gente, vamos falar de outra coisa! Amor, conta pra gente sobre as aulas, como são seus alunos?

Alycia sabia que Emily não estava feliz com a presença da promotora, mas percebeu que ela nunca respondia sobre como se sentia. Nunca disse que não a amava mais, disse apenas que o que elas tinham era irrecuperável. Agora, novamente, não respondeu sobre como se sentia, mas que o que estava acontecendo era inevitável. Ficou com esses pensamentos para si, não questionou porque achou que não tinha esse direito, resolveu interagir na conversa que agora tinha Helena como foco. O resto da noite foi tranquila e depois de várias horas, se despediram.

No carro, Emily, percebendo que a morena estava muito calada, tentou quebrar o silêncio:

— Nossa, nunca vi minha prima assim, quer dizer, ela já namorou e tal, mas nunca escutei ela chamando alguém de amor. Fico realmente feliz por ela.

A morena deu um leve sorriso, mas não rendeu assunto. A loira insistiu na tentativa de conversar:

— Aly, está tudo bem?

— Está, sim. É cansaço!

— Você ficou estranha depois que falamos de Menecucci. Quer me perguntar algo? Quer me falar algo?

— Não, Emy. Eu estou bem é cansaço.

— Se quiser falar algo sobre isso, eu estou aqui. Não guarde para si, nem crie monstros em sua cabeça. Ela faz parte do meu passado e não quero que atrapalhe meu presente.

Na verdade, Alycia estava com ciúmes da história de Emily com Bárbara, como sabia que não tinha o direito de falar sobre isso, mesmo com a abertura dada pela loira, achou melhor deixar pra lá. Emily, por sua vez, queria muito continuar na companhia da morena e estava disposta a fazer de tudo para conquistá-la.

— Quer dormir lá em casa? Prometo que a gente vai só descansar. Só queria passar mais tempo com você e posso te fazer uma massagem. — Disse sorrindo com certo receio.

— Hoje, não. Eu fico chata quando estou cansada.

— Tudo bem! Te deixo na sua casa. — A loira falou isso e por um tempo pensou que talvez a morena a convidasse para ficar com ela, mas o convite não veio. Deu-se por vencida e resolveu tentar outra tática:

— Podemos passar o sábado juntas?

Alycia estava insegura e queria dizer não, mas não conseguiu.:

— Podemos, claro. Algo em mente?

— Sim, mas preciso ver algumas coisas antes. Posso te pegar às 10h?

Emily já estava animada de novo. Achou que seria uma ótima oportunidade para passar o final de semana em Ouro Preto, com sua mãe. Talvez conseguisse convencer Helena e Elize a ir também.

— Não vai me falar? — A morena perguntou observando que a loira maquinava algo em sua cabeça, enquanto transparecia um ar divertido.

— Surpresa! — A delegada disse como se estivesse aprontando uma travessura.

Nesse momento, o carro já estava parado na porta do prédio de Alycia. Após a rápida conversa sobre o final de semana, Alycia já estava com o humor melhor, Emily conseguia encantá-la com seu jeito extrovertido.

— Chegamos! — A loira disse com o mesmo sorriso travesso de antes.

— Estou até com medo do que você está aprontando. Vou subir e descansar porque, pelo visto, o dia amanhã será cheio. — A loira sorriu e se aproximou da morena, beijando-a. Foi correspondida. Nos poucos segundos que o contato durou, a detetive pensou no quanto gostava da mulher que estava ali com ela. Após o beijo, ambas se encaravam, pareciam imersas uma no olhar da outra, em pensamento chegaram a mesma conclusão: estavam realmente envolvidas.

— Me avise quando chegar! — Alycia disse, já abrindo a porta para sair.

— Pode deixar! Fica bem, boa noite, Aly!

— Boa noite, Emy.

Emily esperou Alycia entrar e arrancou, quando se aproximou de sua casa, percebeu que havia um carro parado em frente ao seu portão. Não reconheceu o veículo, mas teve certeza de quem era o motorista, ou melhor, a motorista. Aquele carro extravagante era de longe a cara de Bárbara.

Parou seu carro junto ao da promotora, esperou que ela baixasse o vidro para fazer o mesmo.

— O que você faz aqui, Menecucci?
— Boa noite para você também, Emy! —  Emily sentia uma mágoa profunda da promotora. Não conseguia olhar em seu rosto, quanto mais desejar boa noite.

— Como conseguiu meu endereço?

— Isso não é realmente difícil para mim! — Bárbara tinha um ar arrogante que não ajudava muito. Quando estavam juntas, Emily achava isso charmoso, agora só conseguia sentir raiva.

— Na segunda eu mando embora quem te passou meus dados.

— Relaxa, Emy! Eu mesma entrei no sistema e peguei as informações.

— Com que direito?

— Quero conversar com você.

— Não temos nada para conversar, nem sobre a vida pessoal, nem sobre o caso.

— Sério, Emy?

— Seríssimo!

— Eu vou acompanhar o caso até o final, ordens do governador. Ou seja, você terá que me aguentar por mais tempo do que planejou. Vamos conversar para resolver as coisas para melhorar o clima entre nós?

— É impossível melhorar qualquer coisa entre nós. Mantenha-se nos seus afazeres e não ofenda mais a minha equipe que eu ficarei no meu lugar. Esse tipo de convivência parece perfeito para mim.

Terminando de dizer isso, Emily já ia fechar o vidro, quando foi interrompida pela promotora.

— Espera! Me perdoa!
— Acho que já passamos dessa fase. — Disse olhando nos olhos da promotora. Não conseguia acreditar que seu grande amor tinha se transformada naquela mulher dissimulada. Fechou o vidro do carro, apertou o controle do portão e manobrou para entrar na garagem. Enquanto isso, Menecucci saiu do seu carro e seguiu em direção ao portão. Impedindo Emily de fechá-lo.

— Sai daqui Bárbara!

— Eu estou aqui na porta há quatro horas esperando você chegar, por favor me escute.

— Ai meu Deus! Fala!
— Eu te amo!

— Tchau! Saia da minha casa, isso é invasão. Eu juro que ligo para a polícia.

— Porque você não acredita em mim?

— Porque eu já cometi esse erro uma vez!

— Me perdoa?

— Não! Não perdoou! Você teve muito tempo para me pedir perdão, não fez! E não te culpo, acho uma ótima atitude, por sinal. Só pede perdão quem se arrepende. Você não estava arrependida. Ok, eu entendi e aceitei. O que eu estou tentando entender é porque agora você está inventando isso de pedir desculpas… Segue suas vida e me deixa!

— Por que eu não quero te perder!
— Isso está fora da sua alçada. Existia duas formas de você não me perder, a primeira era não ter ido para a cama com aquele idiota. A segunda era ir, mas não deixar eu descobrir.

— Eu sei que você me ama, Emy!

— Pare de me chamar de Emy, é Emily, isso se estivermos fora da delegacia, o que eu espero que não aconteça mais, será delegada Rios quando estivermos na delegacia.

— Você não consegue dizer que não me ama. Já percebeu? Nunca conseguiu, eu sei que me ama ainda.

Emily não gargalhou de forma amarga e respondeu: 

— Engano seu. Se é isso que você precisa escutar, aí vai: eu não te amo! Agora sai daqui!

A loira já estava perdendo a paciência, pegou Menecucci pelo braço para tirá-la do lugar que estava e colocá-la para fora. Mas Bárbara foi extremamente ágil e inverteu as posições, ficou bem próxima do rosto de Emily e se aproximou para beijá-la. Quando os lábios se tocaram, a loira resistiu, Bárbara insistiu, e Emily cedeu.

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Alycia entrou em seu apartamento, tomou um banho demorado, tentando colocar os sentimentos lugar. Saiu do banho, vestiu algo leve, mas não teve vontade de se deitar, não estava com sono. Se enrolou em uma coberta e foi para a sacada pensar. Em sua mente ressoava as palavras de Emily: “Aly, eu procuro por você. O dia inteiro. Quando eu viro em um corredor no departamento, quando passo em frente ao QG ou pela sala de depoimentos. Quando entro na porta da delegacia, aliás, desde a hora em que paro o carro no estacionamento, espero ver você. Sempre espero ver você. Um pouco que seja. E sempre que te vejo, minha respiração para, meu coração dispara, minhas mãos suam. Ver você, falar com você, tocar em você é tudo o que eu penso”.

Alycia se rendeu. Estava apaixonada. Estava irremediavelmente apaixonada pela loira. Pegou o celular para ligar para Emily, precisava falar com ela. Tentou duas vezes e a loira não atendeu, resolveu trocar de roupas e ir até a casa da - sua - delegada.

Fim do capítulo