ATENÇÃO: ESTE CAPÍTULO CONTÉM UMA TENTATIVA DE ESTUPRO.
Capítulo 9 - Save me
Sara
Um mês depois a mesma rotina se repetia: eu achando que tinha conseguido acordar mais cedo que Montserrat, mas ao entrar na cozinha lá estava ela, pronta para sorrir e dizer que eu não tinha conseguido mais uma vez acordar antes.
Parei um momento para observá-la e me perguntei: Como ela consegue estar cada dia mais elegante? Hoje ela usa um vestido que mostrava praticamente toda a sua perna. Está mais bonita do que nunca e eu sei bem o motivo.
Eu sempre achei esquisito esse meu jeito de achar mulheres bonitas demais. Achava até mais bonita que homens, mas nunca falei para ninguém isso. Confesso que ultimamente essa minha falta de resposta para minhas dúvidas está me incomodando um pouco. Coisas que eu sinto. Coisas que meu corpo faz sem que eu perceba.
- Você está tão bonita - sentei-me na cadeira em frente para ela.
Ela inclinou a cabeça para o lado e sorriu.
- Obrigada. Você também é muito bonita, Sara.
- Ah, eu não... - tenho certeza que estou vermelha.
- Sim! Você é naturalmente bonita, não precisa nem de enfeites ou maquiagem.
- Você é bonita naturalmente também, mas quando coloca essas roupas elegantes fica mais bonita ainda.
- E por que você não faz o mesmo? Você pode, Sara. Você pode! Não precisa usar algo mostrando as suas pernas ou braços, mas pode usar algo mais ocidental.
- Eu não quero perder as minhas origens e os meus valores. Sinto-me muito bem-vestida assim.
- Certo, não vou insistir. Mais um dia de trabalho, está preparada para hoje?
- Para ver mulheres peladas? Acho que sim.
Ela começou a gargalhar de maneira que sorri involuntariamente.
- Já está atenta na minha agenda, boa assistente.
Terminamos de tomar o café e seguimos para mais um dia de trabalho.
Montserrat
Cheguei no ateliê e dei bom dia para o Caco já no seu posto na recepção. Desde que Sara me chamou a atenção para aquele pequeno gesto, sinto que deixava o clima de chegada mais leve. Antes era pesado, sentia todo mundo prender a respiração.
Todos já estavam na correria de checar as roupas que chegaram e em deixar tudo pronto para as modelos. Essa sessão de fotos é muito importante para mim.
Estranhei quando dei de cara com Carolina no meio das modelos.
- Mooooon - Carolina correu para o meu lado.
- Carol - foi a única coisa que consegui dizer.
Nos abraçamos como de costume. Desde que nossa relação amorosa chegou ao fim, nos tornamos amigas carinhosas sem constrangimentos pelo passado.
- Você está linda.
- O que você está fazendo aqui? - Despertei para perguntar.
- Bem, você me convidou. Está na minha agenda e tudo.
Eu sempre convido a Carolina para esses eventos e ela sempre aparece, não sei por que estou surpresa. Talvez minha preocupação tenha cabelo pretos e longos. Sara descobrir que eu fui casada com aquela mulher que estava sorrindo para mim, esse é meu problema.
- Está tudo bem? - Carol me perguntou colocando o meu cabelo atrás da orelha com carinho.
- Sim. Um pouco nervosa, querendo que tudo dê certo, como sempre - disfarcei a minha preocupação.
- Vai ser um sucesso, já vi algumas e você se superou!
- E isso é só 60% do que está pronto, imagina o resto. Modéstia parte, sou um pouquinho boa no que faço. Não é à toa o meu prestígio.
- Essa é Montserrat que eu conheço. Estava demorando... Que ego, Montserrat Schubert.
Apertei as suas bochechas como sempre fazia, para em seguida beijá-las.
- Mon... - ouvi uma voz hesitante me chamando.
Assim que terminei meu ato, ouvi a voz da Sara atrás de mim.
- Oi, oi Sara.
A garota olhava de maneira estranha para a Carol, que também não ficava atrás com o olhar.
- Desculpa, é que o Carlos falou que a encomenda especial chegou.
- Hum... até que fim!
- Que encomenda?
Lembrei-me que a Carol estava ali e notei que seus olhos eram questionadores para cima de Sara e não para saber realmente o que é a encomenda.
- O meu xodó da coleção.
- Ah é? Posso ver?
- Claro! Nos meus pés quando os vestir para tirar as fotos.
Carol fez biquinho para mim e só depois notamos que a Sara ainda nos observava.
- Oi - foi Carol quem disse para ela.
- O... Olá - Sara gaguejou de tão estranha que estava.
- Já que a Mon não nos apresenta. Sou Carolina Radejovsky...
- Minha querida amiga que veio prestigiar a sessão de fotos.
Interrompi a Carol, pois sempre se apresentava como minha ex-mulher ou a outra mãe da nossa filha.
- Ah, muito prazer. Sou Sara, estou trabalhando para a Mon.
- É, ela é minha assistente - esclareci.
- Pensei que já tivesse um e que fosse o João. - Carol estava confusa.
- João é assistente geral, Sara é só minha.
- Que privilégio! - Carol ainda me olhava questionadora.
- Sara, pede parar o Caco os contratos de imagem das modelos e trás um para eu verificar, por favor?
- Sim, claro, com licença.
Só foi a Sara sair de perto que a Carol despejou suas perguntas:
- Quem é essa garota? Pensei que você não teria mais assistentes. Para mim está bem nítido que não entende nada de moda. Nem estudante ela parece ser. Qual é a dela? Por que você fingiu que só me conhecia como sua amiga? Você não está namorando essa garota que mal saiu das fraldas, está?
- NÃO! Claro que não! E as outras preguntas eu já esqueci.
- Por que você fingiu que eu sou só uma amiga?
- Sei lá, Carolina! Ela não precisa saber tudo da minha vida, é só uma assistente. E outra, você não precisa ficar se apresentando como minha ex para todo mundo. Você tem seu nome e sobrenome.
Carol ficou com a boca aberta. Acho que eu peguei pesado.
- Desculpa, nunca poderia imaginar que isso te incomodava.
- Não é isso, Carol... é só que, deixa a Sara para lá, não vamos brigar. Hoje já é um dia tenso demais para ficarmos de conversa fiada.
- Está tudo bem.
Não, não está. Carol ficou chateada e só daria um tempo para depois voltar a questionar.
Sara
Montserrat esteve tão feliz e concentrada no trabalho naquela manhã. Ainda está uma correria e eu estou adorando.
Engraçado, aquela Carol parece que não foi muito com a minha cara. Aliás, sinto ser alguém que está sempre por aqui. Aquela mulher de cabelos curtos, olhos bem azuis e rosto de boneca, compartilha de uma grande intimidade com a Montserrat. Neste momento mesmo a tal da Carol está apoiada no ombro dela enquanto viam algumas roupas para as modelos.
- Oi.
Um homem alto, com cabelos cacheados na altura do ombro, olhos negros e sorriso vacilante me cumprimentou. Ele estava com uma câmera nas mãos, deve ser o fotógrafo.
- Oi - respondi tímida.
- Meu nome é Augusto Ferreira e devo confessar que estou encantado com tanta beleza. Notei que fala bem português, mas não deve ser brasileira.
Lembrei do conselho da Montserrat quando me disse que eu não devo dizer minhas origens para qualquer pessoa, tive que disfarçar.
Eu não respondi e fiquei um bom tempo em silêncio.
- Moça, tudo bem? Qual é o seu nome?
- Está sim, desculpe. Meu nome é Sara.
- Um nome lindo para uma garota linda, devo dizer que seus pais acertaram.
- Obrigada.
Sorri sem graça. Muito mesmo. O que esse cara quer, afinal? Eu só estou fazendo o meu trabalho e ele deveria estar se preparando para fazer o dele.
- Você é uma das modelos?
- Oh não! Não mesmo.
- Tão bonita assim, pensei que fosse. Então o que você faz aqui, Sara?
- Eu sou assistente da Mon.
- Assistente da Mon? Nossa, eu pensei que... então você e ela... você é igual a ela?
- Igual a ela? Como igual a ela?
- Se você joga no mesmo time que ela.
- Não, nem sabia que ela pratica algum esporte e muito menos que joga em algum time.
Ele deu risada. Gargalhou alto e debochado.
- Qual é a graça? Do que ri?
O fotógrafo recuperou o ar e a sua feição mudou. Ele tinha um brilho de faca nos olhos e seu sorriso se tornou malicioso.
- Da sua ingenuidade.
Ela passou a mão no meu rosto e eu rapidamente me afastei. Não gostei mais dele, senti medo. A sua risada deve ter chamado a atenção de algumas pessoas que estavam por perto, o que fez com que alguém me chamasse e ele rapidamente saiu de perto de mim.
- Sara? - me chamou mais uma vez.
João era quem me chamava.
- Oi, oi, João.
- Está tudo bem?
- Ham... tá.
- Você está pálida, quer uma água?
- Eu estou bem - sorri para disfarçar.
- Já vai começar a sessão de fotos, é melhor você estar pronta para o que a Rainha pedir.
Procurei a Mon e ela já ajeitava as modelos.
Senti uma apreensão estranha se apoderar do meu peito ao vê-la ajeitar um vestido de uma modelo, por vê-la tocar naquela moça tão bonita. Senti raiva. É, acho que é raiva! Que sensação estranha, parece que eu não quero que ela toque e... piorou. Aquela tal de Carolina precisava conversar com ela tão de perto? Ei, o que está acontecendo? Por que meu coração está tão acelerado?
...
Duas horas se passaram e tudo está correndo bem no estúdio. A troca de roupa das modelo deixou de me incomodar e acontecia tudo muito rápido.
Agora só falta a Montserrat chegar para posar para as fot... Ela chegou! Como está linda. Com um vestido vermelho, as costas todas nuas e um decote que vai até o umbigo. Ela está tão bonita, não parecia vulgar como eu pensaria antes. E os sapatos? Lindos! Exatamente como ela disse que eram. Olhei para o lado e João estava até com os olhos brilhando, sorrindo e aplaudindo a patroa que tanto admira.
- João, é estranho achar mulher bonita?
- Como assim, querida?
- Uma mulher achar a outra tão bonita - tentei ser mais específica.
- Não, isso é perfeitamente normal. A não ser que você sinta sentimentos e desejo. Eu, por exemplo, sempre achei homens bonitos, mas só fui assumir para mim mesmo que sou gay quando senti amor e desejo por um.
- Você é gay?
- Claro! Em que mundo você vive que não percebeu isso?
- Sei lá... é... eu tenho que verificar uns papéis.
Saí correndo do estúdio. Como assim eu estou convivendo diariamente com um gay? Meus Deus, que mundo é esse? Eu nunca estive perto deles, como ia saber que ele era um? Ninguém ali se importava com um gay? Um rapaz tão bonito e perdido assim na vida, cometendo esse pecado tão imoral.
Montserrat
Adoro o clima de festa que ficava no ateliê após uma sessão de fotos. Adoro também essa ansiedade de lançamento de uma nova coleção. Eu amo a minha vida.
- Como sempre, sobrou apenas nós duas - ouvi a voz da minha ex que se sentou do meu lado no sofá.
Eu terminei a minha taça de champanhe e olhei para a Carol.
- Em outros tempos estaríamos nos pegando - brinquei.
- Eu sempre te acompanhei por um pouco de receio de você me trocar por outra, sabia?
- Você pode me acusar de tudo, menos de infidelidade.
- Eu sei que você foi fiel até o fim. Quando foi mesmo que percebemos que não tínhamos mais amor?
- Quando sex* se tornou uma obrigação tediosa.
Gargalhamos juntas.
- Por falar em sex*, preciso de um favor - sorriu. Sabia que ela pedirá um favor sério.
- Lá vem...
- É um favor bom, pequena e muito fofa.
- Annie!
Eu estava em falta com a minha filha, como sempre nas últimas semanas.
- Preciso que você fique com ela esta noite.
- Por quê?
- Marrie chegou hoje, vou ter uma noite romântica e muito quente.
Merda. Como eu vou levar Annie para casa com a Sara lá?
- Que cara é essa Mon? Não quer passar a noite com a sua filha? Não pode cuidar dela uma noite?
Senti-me culpada. É claro que eu quero passar a noite com a minha pequena, mas tem Sara.
- Não é isso... É que minha casa está uma bagunça.
- Ainda não arrumou a tal bagunça? O que está acontecendo Montserrat?
Como eu vou aparecer com a Annie em casa e apresentá-la como minha filha para a Sara? Eu não posso atrapalhar a noite da Carol, muito menos revelar que a minha simples assistente que acabei de apresentar para ela na verdade está praticamente morando na minha casa.
- Não está acontecendo nada, posso ficar com a minha filhota sim.
- Vai ficar tudo mais fácil se você desabafar. Está na cara que você não queria ficar com a nossa filha. Combinou de sair com alguma das modelos que estavam aqui? É isso? Também tem uma mulher na parada?
- Não, Carol. Meu apartamento realmente está uma bagunça, mas a Annie não vai ligar, não é?! Então leva ela lá e vai goz*r até ficar bem fraca, como eu sei que você gosta.
- Ai que desrespeito! Isso que dá ser amiga da ex!
- Vocês fazem aquela posição que você gostava? Ela se deixa ser amarrada na cama como eu fazia para você?
- Para, Montserrat! Você está passando dos limites!
- A Marrie não tem cara de quem faz... aliás, o que você viu nela?
- Ciúme, querida? - Carolina apertou os olhos.
- Apenas curiosa.
- Não vou saciar essa sua curiosidade. Mas só para deixar bem claro: sex* com ela é maravilhoso.
- Ui, então está bom, não está mais aqui quem falou.
- Mon, te conheço e sei que quer mudar de assunto, mas eu não quero. Preciso entender o que está acontecendo com você. Faz semanas que você está agindo de maneira estranha, evitando que eu vá até sua casa, evitando as minhas ligações.
- Eu vou na sua casa sempre ver a Annie.
- Não estamos falando de Annie aqui, estamos falando de você, querida. Você, do seu jeito, tem estado com a Annie, nem que seja por poucas horas. Mas sei que está escondendo alguma coisa e isso me angustia. Você sabe que pode contar comigo.
- Carol, deixe-me em paz. Talvez eu queira um espaço maior, queira me afastar de você, só isso. Já nos separamos há tempos e as vezes você age como se estivéssemos alguma coisa.
Foi a única maneira que encontrei de afastá-la das perguntas.
- Achei que tivéssemos uma amizade. Bom, tenho que ir. Parabéns pela nova coleção e obrigada por me convidar.
Me despedi da Carol que foi embora dizendo para eu ir para casa logo que ela já ia levar a nossa filha.
Ajeitei alguns papéis na mesa e lembrei-me da Sara. Eu não a tinha visto desde a sessão de fotos. Cadê a Sara?
Sara
- Então você me entende, não é Augusto? Não posso conviver com o João. Ele é gay. Ser gay é errado.
- Sim querida, entendo. Eu também não gosto de gay, é pecado. Faço um grande esforço para não quebrar a cara deles. Na minha profissão sempre tem um por perto.
- Agora estou nesta situação, o que eu faço?
- Se você continuar aqui vai descobrir que o João é o de menos.
- Como assim?
- Você verá... - insinuou algo que não capitei. - Agora, chega de papo furado.
- Sim, já está ficando tarde, não vi a hora passar.
O fotógrafo ficou bem próximo e foi colocando suas mãos em mim.
- Está na hora de você me recompensar por eu ter ouvido toda essa ladainha sua. Seu desabafo inocente só me fez ficar com mais tesão. Você é pura Sara e isso me deixa louco.
Ele me agarrou e rasgou a camiseta que eu estava vestida.
- AAAAAAAH - gritei em desespero - O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? ME SOLTA!
- Não resista, vai ser bom.
- SOCORROOOO. SOCORROOOO - eu já estava chorando de desespero.
- PARA DE GRITAR! NINGUÉM VAI TE OUVIR SUA IDIOTA! OU MELHOR, GRITA! SEU DESESPERO ME EXCITA.
- SAI, ME LARGA! AAAAH.
Augusto baixou a minha saia e me jogou no chão.
Montserrat
Estava indo até a minha sala buscar minha bolsa, pensando em Sara e na forma que direi a ela que tenho uma filha quando ouvi gritos.
Gritos desesperados de uma mulher misturado a risada masculina. Corri o resto do corredor e percebi que vem da minha sala.
"- NÃO FAÇA ISSO COMIGO, NÃÃO!"
A voz vinha acompanhada de choro.
Não pensei duas vezes e abri a porta.
- SOLTA ELA, SEU FILHO DA PUTA!
Augusto levantou-se num pulo e olhou assustado.
Sara só encolheu mais o seu corpo.
- O que você está fazendo?
- Ela... Nós estávamos namorando... Nós íamos trans*r... Não é o que você está pensando, senhora Sch...
- Você ia estuprar a garota! Que nojo de você. EU VOU ACABAR COM VOCÊ. VOU ACABAR COM A SUA CARREIRA. SAAAAAI! SOME DA MINHA SALA. NUNCA MAIS CHEGUE PERTO DE NÓS. EU VOU ACABAR COM VOCÊ, EU JURO.
O fotógrafo que eu contratei de urgência era um estuprador. Eu coloquei na minha empresa um estuprador.
Ele pegou a sua camisa e saiu correndo. Tentei alcançá-lo quando o vi correr na direção da saída, mas quando consegui chegar na porta acabei escorregando no tapete de entrada e vi ele desaparecer das minhas vistas.
Subi as escadas sentindo um pouco de dor na perna direita pela queda. Primeiro tenho que me acalmar para poder acalmar a Sara.
Finalmente pude chegar perto da minha assistente quando atravessei a porta aberta do meu escritório. Notei que ela ainda estava de calcinha. Sinal que ele não tinha consumado o ato. O que não faz muita diferença para o trauma, mas comemorei o menos pior.
- Sara - a chamei.
Ela permaneceu com os olhos fechados.
- Sara, sou eu... a Mon.
- Foi horrível.
Ela sussurrou e finalmente me olhou. Os olhos dela mostraram medo e desespero.
- É melhor a gente sair daqui.
Ela levantou-se e me abraçou com muita força.
Ficamos abraçadas um bom tempo, até seu choro cessar. Mais calma, nos soltamos e ela lembrou de tapar os seios com as mãos.
Peguei meu blazer e entreguei para ela. Peguei sua saia e a ajudei se vestir.
- Vamos para casa.
Disse aquilo para tentar dar a entender que ela tinha alguém e um lugar. Um acolhimento.
Abracei-a de lado e saímos.
...
Quando cheguei em casa, sugeri que Sara fosse tomar banho enquanto eu preparava uma sopa. Depois que entramos no quarto de hóspedes, Sara deitou-se na cama e ficou em estado de choque, só depois entrou no banheiro. Sentia-me culpada por deixar acontecer aquilo dentro da minha própria empresa. Eu deveria estar protegendo-a. Por tanta coisa que a menina já tinha passado, quando achou que estava segura, eu não estava lá. Não saberia qual seria minha reação se o fotógrafo tivesse consumado o ato e senti um ódio profundo por aquele homem. Mesmo que não tenha chegado onde ele queria, ainda assim os momentos vividos por Sara devem ter sido um dos piores da sua vida.
Com a sopa pronta, bati na porta do seu quarto e ela havia se deitada novamente. Seus olhos não estavam mais com lágrimas, mas estavam em choque e sem vida.
- Eu sei que você não tem fome, mas eu fiz uma sopa. Come um pouco para forrar o estômago e esquentar.
- Está bem.
Sara se ajeitou na cama e deu a primeira colherada. Repetiu os mesmos gestos lentamente por mais algumas vezes.
De repente ela parou e olhou nos meus olhos. Tentei sorrir para mostrar que estava ali para ela.
- Quantas vezes mais você vai me salvar, Mon?
- Quantas vezes for preciso - respondi.
- Obrigada mais uma vez. Você é o meu anjo.
- Mas eu deveria ter te protegido melhor.
- Não se sinta culpada. Você me salvou do pior.
Eu sorri. Simplesmente dei o meu melhor sorriso. Gostei de ouvir ela falar que sou seu anjo.
A campainha tocou e nos entreolhamos achando estranho o toque.
- Quem será? Estou com medo, Mon.
- Calma, não existe nenhuma possibilidade de ser alguém de mal.
Saí do quarto de hóspedes e no meio do caminho lembrei que a minha bebê passará a noite comigo.
Corri para abrir a porta e ela estava com o porteiro.
Annie pulou nos meus braços e disse sentir saudades. O porteiro saiu apenas acenando e eu o agradeci.
- Eu também estou com saudade, amor da minha vida. Que abraço gostoso.
- Vamo bincaaaa, mami.
Levei Annie para o meu quarto e a coloquei na cama.
- Você está com fome?
- Não, mamãe me fez jantar.
- Então a mami vai pedir um enoooorme favor.
- Sim, mami.
- Você tem que ficar quietinha aqui no meu quarto, porque a mami está com um problemão e precisa resolver.
- Pensei que íamos passar a noite juntas. Trouxe até o dvd da Frozen para assisti.
- Eu não vou demorar, eu já volto para assistirmos o desenho.
- Está bem.
Annie ficou chateada. Mas que sinuca de bico. Se já seria complicado aparecer com minha filha na frente da Sara, imagina agora depois de tudo que aconteceu.
- Eu vou voltar rapidinho. Só não faça barulho, sim?
- Tá bom.
Dei um beijo e um cheiro nela. Não podia deixar a Sara sozinha por muito tempo, ela poderia acabar me procurando pela casa.
Caminhei na direção do quarto que hospedava a Sara torcendo para Annie me obedecer e ficar no quarto. Entrei no local e fiquei feliz por notar que ela tinha acabado de comer.
Sara
Salva pela Mon mais uma vez. Meu anjo.
Eu não acredito que quase fui estuprada novamente. Dessa vez foi bem pior porque eu pensei que estivesse sozinha na empresa e que meus gritos de desespero seriam substituídos pelos de horror. Ainda bem que a Montserrat apareceu e que posso contar com ela para superar ou pelo menos tentar.
Como eu fui idiota de ter acreditado naquele cara. Só fiquei sozinha na sala com ele porque eu acreditei ser sério e respeitoso.
Em quem se pode confiar?
Terminei de tomar a sopa feita pela minha heroína e até agora ela não voltou. Será que aconteceu alguma coisa? Será que aquele cara sabe onde estou morando?
- Sara, com licença.
Alívio foi o que senti quando vi Montserrat bater na porta e entrar.
- Entra, a casa é sua, o quarto é seu.
- Estou vendo que comeu tudo, muito bem. Como você está? Sente-se melhor?
- Com todo esse cuidado não tem como me sentir tão mal, mas eu confesso que estou com medo e nojo daquele cara.
- Ele não vai aparecer. O certo seria denunciá-lo, mas você não pode chegar perto de uma delegacia. Mas assim que você estiver legalizada e quiser ir à delegacia, estarei com você. Ainda bem que eu cheguei a tempo para evitar o pior.
- Ainda bem mesmo.
Sobre a denúncia, Montserrat estava certa. Mas achei estranho o fato de uma mulher poder ir à delegacia denunciar um homem. Não estou com cabeça para pensar e descobrir isso agora, depois perguntarei para a Mon sobre como funciona a denúncia.
- Você vai se recuperar bem, eu estou ao seu lado. Você é muito forte, Sara.
- Sim, você sabe... já passei por isso. Parece que sou imã para ficar atraindo isso para minha vida.
- Ei, ei, a culpa não é sua. Nunca pense que a culpa é sua. Mesmo que você estiver nua, ninguém tem direito de tocar no seu corpo sem sua permissão. Estamos entendidas?
- É bom ouvir isso. Eu sempre pensei assim, sabe? Assim como você está falando. Eu não fiz nada. Estava na sua sala sozinha, pensando na vida, tentando digerir uma novidade que... deixa para lá. Foi quando ele apareceu e começamos a conversar.
- O que você estava fazendo na minha sala sozinha? Pensando em quê?
- Você vai brigar comigo... - mordi meu lábio inferior de nervoso.
Para Montserrat contratar alguém como o João, significa que talvez ela acha normal a vida que ele leva.
- Confie em mim - disse Mon sentando na minha cama para olhar nos meus olhos.
- Eu sei que estou no Ocidente, mas eu fiquei chocada quando o João me disse que é gay. Gay, sabe? Ele gosta de homem. Ele é um homem e gosta de homem. É insanidade pura.
Vi os olhos dela pegar fogo e seu corpo se encolher. Sua expressão mudou da água para o vinho. Pude sentir sua respiração mais forte com puxadas mais profundas.
- Hum... - foi o único som que saiu da sua boca.
Achei melhor me explicar:
- Quando ele disse aquilo, eu quis fugir para longe. Mon, eu fiquei pensando em todas as vezes que achei estar fazendo um amigo. Como não podia sair do ateliê, fui para a sua sala pensar, tentar me recompor para voltar e te ajudar. Eu nem vi sua sessão de fotos, sinto muito.
Montserrat não fez qualquer reação, nem olhou para mim enquanto eu falava. Resolvi continuar o meu relato talvez ela queria saber de tudo e eu fico aqui enrolando.
- Foi aí que o Augusto me encontrou e eu desabafei com ele. Ele me entendeu, sabe? Ele também acha errado ser gay. Ele falou até que mataria, mas eu acho exagero. Talvez se eu conversasse com o João, se ele procurasse ajuda... O que você acha?
O silêncio imperava. Montserrat mantinha a feição fechada, sua boca parecia uma linha de tanto que ela os apertava.
- Você não deve achar nada demais. Você tem a mente aberta... estou falando bobagem já. É só que eu acho errado.
Ela olhou nos meus olhos e parecia que saia fogo deles. Quebrando o silêncio com uma voz baixa e perigosa, ela discorreu:
- Errado, Sara? Errado é roubar, matar, ser intolerante e julgar os outros. Errado é fazer guerra por causa de religiões. Errado é destruir a vida de milhares de pessoas em nome de Deus, Alá, de algum santo, de alguma causa que leve ao fanatismo. O que as pessoas fazem, sem machucar o próximo, não é da sua conta e nem da conta de ninguém. Homossexuais amam, só amam. É Sara, é só isso que eles fazem: amar. Dar amor a alguém do mesmo sex* que eles, apenas. O João acorda cedo, trabalha, estuda, ajuda quem pode, manda dinheiro para a mãe dele no Brasil, alguns finais de semana ainda trabalha como garçom para ajudar a pagar a faculdade da irmã. O que ele faz dentro de quatro paredes não faz dele um monstro. Nem ele deve esconder o amor que sente por ser alguém do mesmo sex*. Ele é como você que procura um lugar no mundo. João tem caráter, é honesto e supera dificuldades como qualquer outro ser humano para ser... FELIZ.
Não me atrevi a falar nada. Engoli o choro que se formou. Quando pensei que tomaria coragem, vi Montserrat se levantar e caminhar até a porta.
- Boa noite - não tinha aquela voz doce ali.
Montserrat não me deu chance de responder a seu boa noite e saiu do quarto batendo a porta.
O que foi esse discurso? Pareceu tão... certo. Não! Minha mãe e minhas raízes sempre disseram que... a merd*! O que está acontecendo comigo? Quem é Montserrat? Por que justo ela tinha que me dar uma lição de moral dessas? O choro que eu estava prendendo saiu e eu enfiei a cara no travesseiro. Vergonha.
Fim do capítulo
Montserrat is ON FIREEEEEEE.
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Nocturne
Em: 06/02/2018
Que fotógrafo nojento, bah, fiquei nervosa aqui. Ainda bem que a Monserrat chegou a tempo de evitar o pior.
Agora a Carol conheceu a Sara, que experimentou o desconforto causado pelo ciúme. Ainda pensando em como a Mon vai continuar equilibrando toda essa situação, ainda mais com a Annie.
Preocupante a reação da Sara em relação à homossexualidade. Muitas pessoas que não se aceitam acabam se autoflagelando, entre outras coisas, mas espero que não aconteça. O pré-conceito é doloroso demais, além de perigoso. Turva a visão da pessoa em relação a outra, chega a cegar.
Espero que o discurso da Mon surta algum efeito positivo.
Abraços!
Resposta do autor:
Nossa, sim. Anjo Montserrat.
Mon é esperta, vai contornar a situação até... bem, até quando der.
Concordo plenamente. Pior cego é aquele que não quer enxergar.
Abs.
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Baiana
Em: 06/02/2018
Tadinha da Sara,mesmo morando em outro pais,convivendo com cultura diferente,ela ainda não se abriu para o novo,ainda não percebeu que o mundo é maior que a siria e seus costumes e crenças.
E quando ela perceber que todo esse sentimento e sensações que sente pela Mon,faz dela uma pessoa igual ao João? Uma "pecadora"?
Resposta do autor:
É tudo muito novo para a Sara, na verdade. Ela não tem tanto tempo de convivência com outra cultura. Na verdade, ela está começando agora com a Mon.
Quando ela perceber... não sei hahahaha.
Abs!
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patty-321
Em: 04/02/2018
Caraca. A sara mereceu a explosão da Mon. Mas nao podemos culpa-la pq é isso q ela aprendeu desde a infância. Fica difícil alguém mudar de opinião tao rápido. Se no Ocidente ainda é comum o desrespeito e a violência contra os homo, imagina...Mas que fdp esse fotógrafo. Um estuprador. Que nojo. Qdo a Mon contar pra sara q ela tb e gay, como sera q sara ira reagir. Boa semana. Bjs
Resposta do autor:
Verdade. Quantas e quantas pessoas não conhecemos que foram criados de certa forma e acaba sendo difícil o diálogo?!
Acho que todo mundo está esperando esse momento da Sara desocbrir que a Mon é gay hahahaha. Tá chegando...
Boa semana para você também, beijos.
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dannivaladares
Em: 04/02/2018
Deus! Que texto dramático.
B, você não tem dó d meu coração?! ;(
Pega leve, vai?! Hehehe...
Está sensacional!!!
Se cuida,
D.
Resposta do autor:
Hahahaha, mas eu achei que peguei bem leve até!
Obrigada, querida.
Abs!
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