Nunca pensei me ver em uma situação como aquela, sempre me achei normal demais, lembram, eu sou a garota que passaria despercebida na rua, essa sou eu, mas agora enquanto me afastava do Senhor Valdo meus pensamentos pesavam cada vez mais, me questionava o quanto normal eu ainda era, aquela data, eu me lembrava dela, como esquecer de algo que marcou minha vida, e agora pelo visto marcava minha alma também, enquanto andava sem rumo pelos corredores começava a questionar o quanto tudo que conhecia seria real, se tudo que eu vinha sentindo era mesmo real, será que era eu mesma quem amava Clara, será que eram minhas as vontades que tinha, tudo me pareceu uma grande ilusão, e se só me sentia assim por aquilo ter sido imposta a mim, e se na verdade eu, Isabel não sentisse nada, até onde meu livre arbítrio prevaleceria intacto se algo assim pudesse ser real.

  Minhas mãos tremiam e sentia meu coração acelerado, me escorei em um canto escondida de qualquer olhar curioso que pudesse me alcançar, e deixei que me corpo escorregasse até o chão, precisava me acalmar, tinha que pôr as idéias no lugar, isso poderia ser apenas loucura, só uma coincidência idiota, tinha que ser só uma coincidência idiota, esse tipo de coisa não era possível, minha vida não era um roteiro de novela para passar por esse tipo de coisa, estava prestes a pirar, respirei fundo tentando controlar as batidas do meu coração, só ai senti que meu celular vibrava no bolso, suspirei aliviada quando vi quem era.

  -Manu.

  -Isa, está tudo bem com você? Eu tive uma sensação estranha. –minha vida deveria mesmo estar virando uma novela, só isso explicaria aquela ligação, ou então minha melhor amiga tinha virado vidente, o que a essa altura do campeonato nem deveria me surpreender. –Isa?

  -Não Manu, eu não estou nada bem, to precisando conversar com alguém que não vá me achar louca.

  -Fala logo mulher, o que foi, está me deixando nervosa!

  -Eu não sou eu Manu. -falar aquilo em voz alta soou ainda mais estranho do que em meus pensamentos.

  -Como assim Isa, ficou maluca?

  -Eu te falei da Clara né? Se lembra o que te contei há uns dias atrás, sobre a ex dela que morreu?

  -Me lembro, você ficou quase uma hora falando disso, acabou com meus bônus, o que uma coisa tem a ver com a outra?

  -A garota Manu, o pai dela esteve aqui, ele me disse q mês que vem faz um ano e três meses, Manu eu fiz as contas, foi bem no dia que eu... Me diz que isso é uma loucura da minha cabeça...  isso não pode ser real… Não tem como eu não ser eu tem?

  Depois de ter conversado com Manuela me senti um pouco mais aliviada, ainda mais por ela ter prometido me visitar no fim de semana, porém mesmo assim meu pensamentos não conseguiam se controlar, quando voltei ao quarto algumas horas depois mesmo já estando controlada e de certa forma um pouco conformada com as coisas que ela me falou, ainda não conseguisse casar a idéia dela a minha real situação, Manu despertou em mim uma curiosidade pelo assunto que me fez até mesmo ignorar Clara naquela noite e ficar acordada divagando sobre as tantas hipóteses que tinha, para no final apenas voltar a me lamentar por tudo, seria cômico se não fosse trágico.

  Estávamos todas tomando café na manhã do dia seguinte quando Marília se juntou a nossa mesa, cumprimentou todas com um beijo no rosto super animada, porém evitou fazer o mesmo com Clara que parecia querer a matar com os olhos, eu nem poderia dizer nada sobre aquilo, afinal se fosse eu a receber aquele olhar já estaria bem longe, Marília era realmente corajosa, as meninas de cara perceberam o clima estranho, e só piorou depois que Madú puxou uma cadeira para se sentar ao meu lado, logo após ter cochichado algo para Cris que levantou lhe cedendo o lugar de bom grado, deslizei minha mão por baixo da mesa e apertei a perna de Clara chamando discretamente sua atenção, dei um sorriso para ela numa tentativa meio falha de a acalmar.

  -É o seguinte garotas. –Maria levantou debruçando-se sobre a mesa antes de continuar diminuindo o tom de voz para não ser ouvida. –Hoje à noite faremos uma pequena reunião no meu quarto, vamos aproveitar que amanhã já é sábado.

  -Reunião de que? – ngela que ainda estava meio sonolenta despertou levantando a cabeça que antes repousava sobre a mesa do café para prestar mais atenção a conversa.

  -Só pra jogar conversa fora mesmo, arrumamos umas coisas ai. –respondeu Cris dando de ombros.

  -Vocês parecem máfia, não sei como conseguem essas coisas. -sempre fiquei curiosa em como ela conseguia entrar com as coisas, eramos revistados tanto na entrada quanto para na saída, por isso a facilidade de Cristina em conseguir contrabadear sempre me deixava encucada.

  -Ah isso? –Madú e Paula trocaram um olhar cúmplice antes de responder o que me fez perceber que a teia daquela mini organização era muito mais extensa do que eu pensava. –Um dos soldados que estavam de guarda ontem tem uma queda pela Paula, ela o distraiu, e eu facilitei a entrada no portão, nada demais.

  -Vocês vão pro inferno sabiam? –disse contendo o riso.

  A tenente me deu aquele olhar sexy e se aproximou colocando uma mecha do meu cabelo que estava solta atrás da minha orelha, senti meu rosto corar com o gesto em público e isso só piorou quando ela beijou meu rosto, ouvi Clara fungar atrás de mim e me afastei de Madú a fim de evitar confusão, ela parecia se divertir com a situação tanto que pousou a mão sobre meu ombro fazendo uma pequena carícia, Marília tinha um sorrisinho sacana no rosto e me deu uma piscadela deixando claro que estava fazendo de propósito .

  -Pensei que iam se comer. –brincou Renata pegando a cena no ar, a fuzilei com o olhar, isso é que é amiga, ao invés de acudir faz é levantar o fogo, ela apenas riu da minha cara e se virou para Maria. –Que horas no quarto de vocês?

  -19:00h, nem precisam jantar.

  Já eram 19:05h e eu terminava de arrumar o cabelo quando bateram na porta, Clara que lia um livro se levantou resmungando e foi abri-la dando de cara com uma Cristina levemente feliz, Cris passou por ela indo direto se jogar em  minha cama.

  -Você ainda não ta pronta? –perguntou ela, em seguida se virou para Clara. –E você, não vai ser festa do pijama não, se troca menina.

  Clara olhou para ela como se não estivesse entendendo.

  -Eu não vou.

  Sem dizer nada Cris deu um pulo da cama foi até a cômoda dela e começou a revirar as roupas atrás de algo que lhe agradasse, não consegui conter o riso ao ver a cara que Clara fazia, quando não é com você até que tem graça.

   -Hey, dá pra parar de mexer nas minhas coisas. –Clara foi até ela a arrastando de perto da sua cômoda.

  -Se você já estivesse pronta eu não precisaria mexer... –e atirou uma troca de roupas que estava em sua mão sobre ela. –Clarita querida, agora que você está sendo uma garota boazinha tem que se  acostumar a sair com a gente minha filha.

  -Mas...

  -Sem mais!

  -É melhor você se trocar logo Clara. –falei chamando sua atenção. –Ela não vai parar até você ir mesmo, e se você continuar a negar daqui a pouco aparece mais umas três pra ficar te enchendo, acredite eu já desisti a muito tempo. –ela suspirou ainda inconformada, mas por fim se dando por vencida e foi se trocar no banheiro.

  Todas já estavam lá quando chegamos, nem precisei olhar muito para saber qual dos lado pertencia a Marília, a morena abriu um de seus belos sorrisos e me chamou para sentar em sua cama.

  -Finalmente chegaram. –Renata falou se levantando, ela me entregou um copo de refrigerante, o que descobri depois da primeira golada estar batizado com alguma coisa, e saiu puxando Clara para junto das outras garotas. –Hoje você e eu vamos conversar muito, esse copo é seu.

  Clara deu uma golada fazendo uma careta horrível em seguida, provavelmente fosse o que fosse deveria estar bem mais forte que o meu, estava em duvidas sobre o que fazer, não queria ficar longe de Madú, gostava de estar com ela, me deixava mais tranquila e bem humorada, o que estava precisando muito, mas por outro lado deixar Clara só, não me parecia uma boa ideia tambem, fora que o ciumes esquisito a deixaria zangada comigo, depois de ponderar muito sobre minhas opções resolvi me sentar com a loira, estava indo até ela quando fui abraçada por trás.

  -Não vai nem falar oi direito?

  -Oi Marília.

  -Assim não, assim ó –ela me puxou roubando um selinho, fazendo questão que as outras vissem, e quando digo outras quero deixar claro que Madú queria era provocar Clara, e ao que parecia estava muito satisfeita com os resultados obtidos até aquele momento, porque a loira virou o copo que tinha nas mãos e deu as costas para nós deixando nítido que pretendia nos ignorar.

  -Tu está caçando confusão com ela de proposito né?.

  Ela apenas riu e se fazendo de desentendida e me puxou para sentar com as outras garotas, mesmo sabendo que a Clara pretendia me ignorar fui me sentar atrás dela, estava meio temerosa com o que poderia sair daquela roda, conhecia aquelas pestes que chamava de amigas e ainda me lembrava da ultima vez, do beijo que foi uma das portas para me levar a toda a situação complicada que vinha vivendo, a conversa estava animada, falavam muita besteira e riam a toa, ela já estava indo para o quinto copo quando resolvi intervir, a abracei por trás fazendo se deitar no meu colo e sussurrei só para ela “-Manera na bebida por favor.” mas provavelmente ainda deveria estar zangada pela cena de Marília, pois simplesmente revirou os olhos e deu mais algumas goladas bufando em seguida.

  -Então Clara. –Maria falou chamando nossa atenção. –Você tem se sentido bem?

  -Comu asssim? -alerta vermelho, Clara deveria ser muito fraca para beber, pois já começava a falar meio grogue.

  -Ah você nunca se aproximou de ninguém e também não faz o tipo de garota que estaria em um quartel, sem querer ofender, você está mais pra modelo que para soldado, aposto que é filhinha de papai. –explicou Paula pegando o copo dela para encher mais um vez, após o feito e deu uma golada para provar o sabor e o devolveu.

  -Num to intendenoo que seis qué sabe? –tive que me conter para não rir, ela já estava bêbada, era um fato, nunca pensei que a veria assim algum dia, sempre tão contida e antipatica, e embora falasse meio embolado parecia estar relaxada diante das outras que já deixavam a curiosidade aflorar sobre o novo rumo das conversas.

  -Queremos saber que milagre foi esse que te fez ficar um pouco mais simpática. –esclareceu Renata. -Alias o que te fez vir pra cá, como disse a Paula você não tem cara de que viria por vontade própria.

  -Beatrize.

  -Quem é essa? –Maria perguntou curiosa, ao que parecia as meninas pretendiam aproveitar a embriaguez para retirar informações, eu poderia impedir até poderia mas...

  -Era mi-inha noiva.

  -Não é mais? - as meninas estavam agitadas com a nova informação, até eu estava, imaginei que ela fosse mudar de assunto caso chegassem a perguntar algo de Bia, porém ela parecia estar bem à vontade para falar, não tinha o semblante carregado que sempre via em seu rosto quanto tocava naquele assunto, tive esperanças de que talvez, só talvez falar sobre aquilo a ajudasse a superar, como dizem por ai a ilusão é a ultima que morre.

  -Ela mor-ic-reu, longaa história.

  -Desembucha logo menina. –pediu Paula já não se aguentado, essa é uma que quando ficar velha vai colocar a cadeira de balanço na calçada pra ficar curiando a vida alheia, tenho certeza.

  Clara olhou pra mim como se esperasse alguma reação minha, seus olhos estavam até meio desfocados, apertei meus braços em sua cintura lhe passando um pouco de confiança, não tinha ideia do que ela esperava que eu fizesse.

  -Você decide se quer contar ou não. -ela virou o corpo de lado afundando a cabeça no meu pescoço e ficou um tempo naquela posição, sua respiração batia contra meu pescoço me arrepiando toda, as meninas aguardavam o desenrolar da cena com espectativa do que viria.

  -Se eu co-ic-ontar sobre a Bia, vão t-ic-ter que me falar algu também, vaii ser uma troca.

  -Temos um trato. –Renata e ela apertaram as mãos firmando o acordo, nem preciso dizer o quanto aquilo estava ficando estranho.

Fim do capítulo