Não respondeu à mensagem, precisava pensar. Deitada em sua cama, Alycia estava inquieta e depois de rolar de um lado para o outro resolveu conversar com Helena.

— Oi, Helena! Liguei para saber se chegou bem.

Escutou uma gargalhada do outro lado da linha. Helena estava realmente se divertindo com essa “nova” Alycia.

— Do que você está rindo?

— São quase duas da  manhã. Você e Emily pediram para terminarmos a noite porque ambas tinham que trabalhar cedo. Eu já cheguei há mais de uma hora. Não me venha com essa de “liguei para saber se chegou bem”, moça.

— Ai! Chata, tchau…

— Ei, pare de chilique, me conta o que aconteceu entre você e Emily que está te tirando o sono?

— Não aconteceu nada entre a gente, mas ela…. — Alycia passou os instantes seguintes contando sobre o dia, o beijo, a cena de ciúmes e as mensagens. Essas últimas ela não detalhou, gostou da ideia de saber três coisas sobre a loira que ninguém mais sabia, se contasse para Helena, não seria mais a única.

— Ai que romântica!

— Boba!

— Vou respeitar o fato de você não querer contar o que ela te falou, faz sentido já que são coisas que ela disse que só você sabe sobre ela. O que eu não estou entendendo, Aly, é o porquê da sua inquietação. Está claro que ela gosta de você e que você gosta dela.

— Eu não tenho certeza… é… Você sabe o que eu penso.

— Você escutou a ruiva, né?! Até que provem o contrário, nós temos apenas uma vida, Aly. Você vai querer passar a sua única vida sem experimentar um verdadeiro amor?

— Eu não a conheço.

— Bom, ao que parece, hoje, você passou a conhecê-la melhor que várias outras pessoas. E sabe, eu a conheço bem e posso dizer que é uma ótima pessoa.

— O que eu faço?

— Que tal você dar um passo por vez?

— Que saudade que eu senti de você. Você é a melhor amiga que eu poderia ter.

A outra gargalhou novamente, a nova Alycia era tão diferente que  QUASE fazia declaração de amor.

— Eu sou sua única amiga, cara de pau.

— Exato, eu sou seletiva, escolho as melhores pessoas para entrarem na minha vida.

— Sendo assim, acho que deveria escolher a Emy também.

— No meio da conversa de hoje, percebi que ela teve uma desilusão amorosa séria, como foi isso?

— Ah! Aly, eu amo você, mas isso é ela quem deve te contar. Acho que se você perguntar, ela não vai se importar em contar.

Alycia entendeu a posição de Helena. Estava certa. A conversa continuou mais um pouco e Pouco tempo depois as duas se despediram. Alycia sentia algo esquisito, não conseguia explicar, sabia que sua vida estava mudando. Pegou o celular e resolveu mandar uma mensagem para Emily:

Gostei de começar a te conhecer.

Ela ia escrever mais, mas lembrou de uma professora de redação jurídica que sempre lhe dizia “menos é mais!”. Sorriu ao perceber em como sua mente era pragmática até quando tentava ser mais sentimental. Não recebeu resposta e imaginou que a delegada já estivesse dormindo. Então, pensando na loira, adormeceu.

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Ao desligar o telefone, Helena ficou pensando na amiga. Lembrou-se de quando se conheceram e como ela estava mudada. Agradeceu silenciosamente à coragem de Emily de se aproximar da morena. Helena sempre soube da admiração que Emily sentia por Alycia, mas nunca fez esforço para que elas se conhecessem melhor porque sabia que a morena era extremamente reservada e tinha certo “ranço” da loira, mesmo sem conhecê-la direito.

Helena Furtado tinha a mesma idade que Alycia, haviam se conhecido na graduação. Se deram bem logo no primeiro semestre e não se desgrudaram mais. Furtado, pai de Helena e ex-chefe da morena, também era professor de algumas disciplinas que as duas cursaram e viu com bons olhos a amizade. Ele considerava Alycia um prodígio, através da sua filha soube que a detetive tinha uma família complicada e “apadrinhou-a”. Daí para frente a amizade das duas estava selada.

A filha de Furtado era  uma linda mulher, morena clara, cabelos ondulados, pouco abaixo do ombro, magra, olhos castanhos cor de mel e com um corpo extremamente bem definido — Por passar a maior parte do tempo estudando ou se dedicando às pesquisas, frequentava a academia diariamente de forma quase religiosa. Sabia que sua ocupação poderia acabar lhe transformando em uma pessoa sedentária e tentava evitar.

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Na manhã seguinte, ao acordar, Alycia viu que havia sido adicionada a um grupo no whatsapp, de nome “pessoas mais legais do mundo”. Sorriu ao ler a notificação. Estava gostando dessa sensação de ter contato com pessoas fora do trabalho. Ainda era cedo para dizer que aquele seria seu grupo de amigas, mas ao que parecia, elas caminhavam para isso. A primeira mensagem era de Helena.

Helena: criei o grupo para combinarmos o encontro do final de semana. :) E também porque tenho uma novidade: acabaram de publicar o resultado do concurso para professores da Federal que eu fiz. PASSEI EM PRIMEIRO LUGAR!

Elize: Uhuuullll! Parabéns, baixinha! Fico feliz! Mas você é rápida heim?! Chegou no Brasil não tem nem uma semana!
Helena: rsrs! Esse tipo de concurso tem várias etapas. As primeiras eu fiz de Portugal! A última etapa é que foi essa semana :)

Alycia: Bom dia, meninas! Parabéns, Helena!  Estou muito feliz por você!

Emily acordou com o barulho das mensagens. Pegou o celular para brigar com a pessoa que ousava acordá-la, mas quando destravou viu não apenas que havia sido adicionada a um grupo com as meninas como também havia uma mensagem de Alycia no privado. Seu rosto se iluminou e se esqueceu que estava com sono. Correu para ler o que a detetive havia dito.

Gostei de começar a te conhecer.

A loira achou graça da economia de palavras da detetive. Pensou por um segundo se responderia ou se deixaria para falar com ela na delegacia. Achou melhor responder:

Bom dia! :)
E será que você vai me deixar te conhecer?

A detetive estava perto do celular e viu que a mensagem que havia chegado era de Emily, fora do grupo, no privado. Seu coração disparou, se sentiu muito ansiosa.  

- Nossa, estou parecendo adolescente. - Pensou enquanto destravava o celular para ler a mensagem. Ao ler ficou sem saber o que responder, depois de pensar um pouco, mandou:

Primeira coisa: sinto quando você se aproxima de mim, mesmo antes de te ver.
Bom dia :)

A delegada leu a mensagem dando saltos de alegria. Sabia que aquele era o sinal verde da morena. Ela estava fazendo o mesmo que ela havia feito antes, contando suas “coisas secretas”.  Antes de levantar abriu a janela do grupo e deu parabéns à Helena pela aprovação no concurso. Foi se arrumar e em uma hora estava na delegacia.

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Ao entrar no local ponderou que além de ser chefe da morena, ambas estavam trabalhando em um caso de repercussão nacional. Achou melhor ser discreta, sabia que a morena também iria preferir isso. Em vez de ir ao QG, foi para sua sala despachar alguns documentos. Alycia sentiu falta da loira durante a manhã, mas imaginou que se tratava de um afastamento estratégico.

Ambas se dedicaram às suas atividades, Alycia se concentrava nos arquivos que tratavam dos abusos sofridos por Beatriz. Sua impressão era de que a tia tinha razão, a garota havia sofrido abuso sim. Puxou a ficha da tia  da menina e a aparência dela lhe chamou atenção. Ainda não sabia porquê.

Pensou nisso por um tempo e resolveu fazer algumas ligações para tentar identificar o paradeiro da tia de de Beatriz. Algum tempo depois teve suas reflexões interrompidas pela delegada. A morena estava de costas para a porta, mas sentiu o perfume da delegada e disse:

— Eu sempre sei. — Alycia estava se referindo ao conteúdo da mensagem que havia mandado para a delegada, olhou para trás e viu a loira com um grande sorriso.

— Percebi e isso muito me alegra. O pessoal já foi almoçar? — Sorriu.

— Sim.— A morena ficava realmente mexida com a presença da loira.

— Almoça comigo? —  A loira falou em um tom baixo, sua voz saiu rouca e Alycia sentiu o corpo arrepiar.

— Na… na..não posso, estou seguindo uma pista aqui. — Isso era parcialmente verdade. Na verdade, achava queria se preparar antes de estar sozinha com a delegada nesse novo contexto. Mas viu a decepção no rosto da loira e falou impulsivamente:

— Mas podemos jantar, queria mesmo falar com você.

— Nossa, sério? — O rosto da loira estava iluminado.

— É… bom… é sobre trabalho.

— Ah! — Aquilo foi um balde água fria.

— Digo, é TAMBÉM sobre trabalho. Quero te ver fora daqui, senti sua falta aqui hoje. - Deu ênfase na palavra também e se crucificou internamente por não ter tato para lidar com a loira.

Com essa última declaração de Alycia, a delegada havia ganhado a tarde. Nada nem ninguém mudaria seu humor após escutar aquelas palavras. Ficou combinado um jantar. Emily foi almoçar sozinha, mas resolveu trazer um lanche para a morena.

Assim, que voltou para a delegacia pediu para sua assistente entregar o pacote para Alycia. A detetive achou o gesto fofo e quando pegou o celular para agradecer a delegada, recebeu uma mensagem:

Não entreguei pessoalmente porque sei que você é uma pessoa reservada e poderia se sentir exposta. Espero que goste. Cuide-se! Bjo!

A morena respondeu de imediato:

Ainda não comi, mas já gostei. Obrigada por tanto cuidado (e paciência!).Bjo!

A tarde passou voando na delegacia, mas as duas agentes trabalhavam com um sorriso que se via a quilômetros de distância.

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Alycia teve dificuldades em localizar Maria Francisca. Às 17h, resolveu interromper sua pesquisa para ir em casa tomar um banho antes de encontrar a delegada. Deixou Mendonça responsável por continuar a busca. Em seguida, mandou uma mensagem para a delegada perguntando o horário que se encontrariam e o local. Emily sugeriu às 19h e perguntou se a morena toparia conhecer sua casa. A princípio, Alycia achou que talvez isso fosse um problema, não queria correr com as coisas, mas teve medo de parecer infantil e cedeu.

A detetive chegou em casa muito animada e ansiosa, não lembrava da última vez que havia se sentido assim. Escolheu uma roupa e entrou para o banho. Às 18h, a delegada ainda estava saindo da delegacia, ao olhar para o relógio concluiu que não teria tempo de cozinhar. Passou em seu restaurante favorito, La Crepe, e comprou o jantar. Fez uma prece silenciosa para que a morena gostasse de massas.

Voou para casa. Arrumou a mesa e correu para o banho. 15 minutos  depois, a campainha tocou. Quando abriu o portão, a delegada ficou paralisada, Alycia usava um vestido branco que era justo até a cintura e soltinho na parte inferior. O comprimento era cerca de dois palmos acima dos joelhos. Deixando as pernas bem torneadas da morena à mostra. Nós pés uma rasteirinha.

Alycia, por sua vez, admirava a loira que havia colocado um short jeans curto bem soltinho, uma camiseta preta justa e, nos pés, uma havaianas branco. O conjunto era simplérrimo, mas trazia leveza para a delegada. Além disso, a camisa preta justa contrastava com o tom da sua pele, deixando-a extremamente sexy.

Ambas se admiraram por algum tempo, nenhuma sabia precisar quanto tempo ficaram ali em silêncio. Foi a loira quem primeiro falou:

— Você está linda!

— Obrigada, você também!

— Entre, fique à vontade!

— Que gostosa sua casa, seu jardim é lindo!

— Obrigada, vem cá, deixa eu te mostrar o resto.

Seguiram e Emily mostrou cada parte do seu cantinho para a morena. A casa tinha um jardim na frente e hortas verticais nas laterais. Na parte interna, a sala e a cozinha eram conjugadas, dando a sensação de amplitude para o ambiente. O corredor que saia da sala dava acesso à três quartos e um escritório.

— Aqui é lindo, não tem o tamanho de um sítio, mas lembra muito. E tudo é de extremo bom gosto!

— Por isso eu moro aqui, quase me sinto no interior. Eu não fiz muita coisa, comprei a casa já quase assim. Quando vi, principalmente o jardim e a varanda, apaixonei-me. Agradeço o elogio.

— Além de lindo é muito agradável!

— Fico feliz que você tenha gostado, espero que volte aqui muitas vezes.

A morena não respondeu, enrubesceu e continuou seguindo a loira de volta para a sala.

— Vem, vocês está com fome? Vou nos servir.
— Você já conseguiu cozinhar?
— Então, não, me desculpe. Saí da delegacia por volta das 18h, mas comprei a massa que eu mais gosto. — Emily teve medo de decepcionar a morena.
— Que isso, fique tranquila, tenho certeza que vou gostar, amo massas! - As duas estavam mais relaxadas.  Emily queria que a morena se sentisse à vontade, quis aliviar um pouco a tensão, então resolveu falar de trabalho durante a refeição,  pelo menos até a morena se soltar.

— Então, o que você queria me dizer.
— Acho que a tia de Beatriz é a segunda pessoa envolvida nos sequestros.
— Mas ela não foi embora do Brasil, segundo a dona Joana?
— Sim. Já estou investigando isso. Está difícil de achá-la. Acho que ela corresponde ao retrato falado. Pensei em intimar a Júlia, com os pais, para que ela veja algumas fotos e confirme se Maria Francisca, a tia de Beatriz, é a outra pessoa  envolvida em seu sequestro.
— Ok. Faça isso! Eu não entendo porque ela faria isso. — A loira sabia que a morena era boa. Cada vez mais ficava encantada com sua perspicácia.

— Desconfio que para proteger a sobrinha…. Tenho algumas teorias.
— Você é brilhante, sabia!
— Ah! Pára, isso é dedução apenas.
— Você é brilhante e precisa aceitar isso. Eu sei que você se concentrou nos estudos para mudar sua vida, mas você se tornou uma profissional de excelência e isso merece reconhecimento. — A loira sabia que o tema era delicado, mas já que estavam se conhecendo, não viu problemas em adotá-lo.
— Furtado te contou sobre mim?
— Algumas coisas que ele julgou serem necessárias. Isso te aborrece?
— Na verdade não. Não sei. Acho que me sentiria mal se ele tivesse falado para outra pessoa. — A loira sentiu certa abertura e ficou aliviada.

— Quer saber o que ele me contou?

— Não, eu faço uma idéia. Posso perguntar sobre sua família? - A loira gostou dessa troca e foi receptiva: — Claro. Bom, minha família não é muito grande. Minha mãe e a mãe de Elize moram em Ouro Preto, nunca tivemos grandes problemas. Acho que as grandes questões que passamos foram a morte de meu pai e quando eu me assumi, mas agora estamos bem. De todos da minha família, a pessoa com quem tenho mais proximidade é Elize, a ruiva, bonitona que você já conhece. — Disse rindo lembrando da cena de ciúmes protagonizada pela morena. Essa ficou vermelha.

— Desculpa. — A morena falou em um fio de voz.

— Achei bonitinho. — A loira pegou a mão da detetive que estava sobre a mesa.

— O que tem isso de bonitinho? — A morena não desfez o contato.

— Bom, me pareceu que você gosta de mim. — A loira fazia carinho na mão da morena.

— Só de lembrar, fico com vergonha.

O telefone de Alycia vibrou e ela teve que atender. Era Mendonça, ele estava de Plantão e havia conseguido a confirmação de que Maria Francisca, tia de Beatriz, voltou para o Brasil três dias antes do sequestro da menina e nunca mais foi embora e, desde então, seu paradeiro era desconhecido. Alycia desligou e contou para a loira. Completou:

— É ela! Tenho certeza!
— Acho que você está certa. — A loira disse e retomou o contato.

— Emily, eu acho melhor eu ir.

— Já? Fiz algo de errado?

— Não é isso… é que esse caso ocupa minha mente. Eu adorei estar aqui com você. — Se posicionou à sua frente e disse. — Eu volto, prometo! — Esperou um beijo da loira, mas esse não veio. Por sua vez, a loira teve que se segurar para não beijá-la e cumprir sua palavra de que não roubaria mais beijos. Depois de relutar um pouco, a loira cedeu e concordou com a partida de Alycia. Desde haviam levantado da mesa, estavam de mãos dadas, nenhuma delas parecia querer quebrar o contato. Conversaram um pouco sobre a ligação de Mendoça e seguiram para o portão, mas antes de chegarem lá Alycia surpreendeu Emily (e a si mesmo) não resistindo e puxando-a para um beijo. Beijou primeiro o lábio superior, depois o inferior. A loira não resistiu, pelo contrário. As línguas começaram a se buscar com ânsia e as bocas só se separaram apenas quando precisaram de ar. A morena ainda de olhos fechados e com as testas encostadas uma na outra disse:

— Você não roubou nenhum beijo meu hoje, senti falta dos seus lábios!

Fim do capítulo