Boa noite a tod@s.
Mantendo o nosso compromisso com a pontualidade, segue mais um capítulo para vocês.
Informamos que os links para as músicas contidas no capítulo estarão nas notas finais.
Sendo assim, lhes convidamos a passear com Cosima e Delphine por Paris.
Boa leitura e não deixem de nos prestigiar com seus comentários e opiniões.
Xeros!
Capítulo 29 Jai Deux Amours (Eu Tenho Dois Amores)
Nenhuma das duas ousou se mover por longos segundos, apenas paradas a poucos metros uma da outra se olhando e se perdendo em promessas silenciosas e anseios não mais escondidos. A loura ergueu seus óculos escuros e os depositou no topo da cabeça e então seus olhos se encontraram e demonstraram o que ambas sentiam naquele instante. Um a outra e, em seguida, se percorriam e voltavam a se encontrar repedidas vezes só que cada vez de forma mais intensa e os turvos verdes de Delphine se perdiam nos claros verdes de Cosima que não conseguia retirar o sorriso dos lábios. E até mesmo Delphine se permitiu sorrir, discretamente de inicio, mas logo esse se converteu naquele sorriso que só Cosima poderia receber.
Suspirou.
Parecia que ambas não queriam que o tempo passasse para que pudessem apreciar cada instante juntas e como se temessem que qualquer movimento poderia representar o inicio do transcorrer do dia, recearam que ele pudesse passar rápido demais. Contudo, o tempo é impiedoso e, por mais soberana que aquela mulher pudesse ser não era Senhora do Tempo. E então, após um longo suspiro, Delphine decidiu dar o primeiro passo.
Cosima sentiu a energia da proximidade dela. Aquela incrível força que lhe aguçava todos os sentidos e lhe abalava profundamente a razão. Mas ela não tinha pressa, nem tão pouco a loura espetacular diante de si. Decidiu espera-la e provoca-la. Ergueu levemente seu queixo, seguido de sua sobrancelha, afinal aquele era o SEU dia. Delphine sorriu deliciosamente e com dois passos mais longos a alcançou e a provocação deu certo pois teve seu rosto segurado por ela. Queria olha-la nos olhos e ali, bem próximas a loura debruçou-se sobre ela que sentia todo o seu corpo pulsar.
Cosima entreabriu os lábios e fora seguida por Delphine, que lentamente inclinou sua cabeça para o lado e quando seus hálitos começaram a se misturar e a morena engoliu em seco já antecipando o poder descomunal daquele beijo, a míseros milímetros de distância, ela parou.
“O que...?” Delphine desviou no ultimo segundo e pressionou seus lábios contra a bochecha direita dela, depositando um longo e demorado beijo e a envolvendo com seus poderosos braços lhe proporcionando a mais deliciosa das sensações. E, demonstrando o quanto aquele contato mexia com ambas, chegou a erguê-la do chão por alguns instantes e, então, ao pé do seu ouvido, sussurrou.
- Feliz aniversário Cosima! – Afastou-se já recolocando os óculos de volta e tendo o mais maroto dos sorrisos nos lábios. Estendeu-lhe a mão e chamou - Vamos? – Cosima maneou a cabeça para em seguida ergue-la e bufar audivelmente. Sentia que aquele seria realmente um dia inesquecível e só pelos primeiros instantes teve a certeza que seria uma provação desumana estar o dia todo ao lado dela e não poder toma-la, tê-la, saboreá-la de todas as formas possíveis e imaginárias que insistiam em permear seus pensamentos e fantasias.
“Cosima...” A loura lhe lançou um olhar de falsa repreensão, pois sem querer a morena já começava a projetar tais pensamentos na mente de Delphine. Adorou aquilo e se ela tinha planejado lhe torturar de alguma maneira, iria retribuir na mesma moeda.
“Também sei jogar esse jogo Delphine” Piscou um dos olhos assim que passou por ela para entrar no carro. Delphine ficou parada ao lado da porta com uma expressão que misturava agonia, ansiedade e tesão.
“Estou fodida!”
“Ainda não Delphine.” “Mas pretendo!” Ela baixou a cabeça para buscar os olhos de sua orientanda, mas essa parecia estar focada em algo interessantíssimo a sua frente. Gargalhou, muito mais de nervoso e deu a volta pela frente do carro procurando os olhos da outra o tempo todo, mas ela evitava propositalmente e mantinha um sorriso divertido nos lábios.
Sentou-se ao seu lado e só então seus olhos voltaram a se encontrar. Cosima recostou sua cabeça no confortável banco de couro e a olhou mais ternamente. Desfazendo o sorriso e o substituindo por uma expressão terna.
- Me desculpe. Só quis lhe provocar um pouquinho. – baixou os olhos, mas teve seu queixo gentilmente tocado e erguido por ela.
- Eu sei. Não precisas se desculpar. Também não sou inocente não é mesmo?. – E sorriu docemente.
- Então! Para onde vamos? – questionou uma ansiosa Cosima.
- Paciência é uma virtude Srta Niehaus. E... Só peço que confies em mim! – lhe ofereceu a mão espalmada e essa foi tomada por ela que entrelaçou seus dedos. Delphine a ergueu e a beijou gentilmente, o que mais uma vez mandou uma mensagem clara para Cosima e despejava uma verdadeira carga elétrica por seu corpo.
Com pesar soltou a mão dela, mas teve o cuidado de depositá-la sobre sua coxa direita e com um lindo sorriso, deu partida em seu potente e luxuoso Porsche fazendo com que Cosima se surpreendesse com o sutil solavanco dado na partida e como aquele veículo era veloz, praticamente rasgando as ruas de Paris e Delphine o guiava com rara habilidade.
Em poucos minutos estavam se afastando do Quartier Latin e ao longe, a Sorbonne ia ficando para trás. Foi inevitável para ela repassar em sua mente tudo o que viveu nesse ultimo mês desde que chegou a Paris e mais, desde que conheceu aquela incrível mulher ao seu lado. Girou a cabeça para admirá-la com uma evidente devoção. Ela parecia concentrada na estrada e então, Cosima, involuntariamente (será?) desferiu uma força maior no apertão que deu na coxa dela e percebeu o efeito causado, pois a mesma se enrijeceu indicando a tensão que ela sentia e o quão poderosa deveria ser aquela perna. Pegava-se ansiando ainda mais em poder tocar cada extensão do corpo dela. O vislumbre que teve em meio aos devaneios e fantasias proporcionados pela poderosa conexão que tinham lhe aguçava os sentidos e a imaginação do quão soberba e linda ela deveria ser. E aquilo só lhe dizia o quanto precisava tê-la.
- O que conheces de Paris? – A pergunta a trouxe de volta e a pegou de surpresa. Lembrou-se que já havia estado naquela belíssima cidade logo após se formar no High School e fez boa parte do roteiro turístico clássico junto com alguns amigos, o que incluía a Amanita.
- Estive em Paris ha uns 16 anos. Presente dos meus pais por minhas notas e por ter conseguido entrar em todas as Universidades que pleiteei. – deu de ombros.
- Aluna laureada! – Cosima a olhou curiosa. Ela havia sido sim a aluna laureada e a oradora da sua turma, mas não tinha como aquela mulher ao seu lado saber. A expressão dela alertou para o deslize que dera e então Delphine tentou concertar aquilo. – Presumo. Presumo que foi a aluna laureada. – a morena apenas concordou timidamente. – Não esperaria nada diferente de você! – ergueu seu queixo.
- Hum... O que posso fazer se sempre adorei estudar? Mas não sou a “nerd careta” que imaginas. – Ela lhe olhou pelo canto do olho sob os óculos escuros. Realmente ela não era nada do que Delphine pudesse imaginar ou dominar e já estava começando e se conformar com aquilo. Tudo em Cosima a surpreendia. – Mas, naquela viagem só conheci os principais pontos turísticos pois além de ser jovem demais, estava com um grupo de amigos que não sabia aproveitar o que de melhor essa linda cidade tem a oferecer.
- Então vou lhe mostrar um pouco mais do que mais gosto de minha cidade. – disse suavemente e com tom apaixonado. – Me permite ser sua guia particular? – Cosima lhe respondeu sorrindo. Certamente aquele era o melhor presente que poderia ganhar naquele dia. Poder tê-la ao seu lado, conhece-la um pouco mais e desfrutar de tudo o que ela pretendia lhe proporcionar. Não conseguia parar de sorrir.
- És parisiense de nascença? – a pergunta despretensiosa surpreendeu Delphine, pois a resposta real para aquilo era a de que Evelyne Chermont não havia nascido em Paris, mas Delphine Cormier sim, “nasceu” na cidade dos amantes. Não queria mentir para Cosima, mas toda a sua existência vinha sendo uma sucessão de mentiras.
- Sim... Os Cormier são de Paris. – tentou atribuir alguma verdade a sua história. – Cosima estranhou o complemento daquela resposta e quis adentrar mais naquele assunto, mas ficou só na vontade, pois percebeu a sensível mudança na paisagem por onde passavam e no semblante de Delphine. E viu em uma das placas que estavam chegando ao bairro de Marais. Forçou em sua mente, pois já ouviu aquele nome antes, mas de fato não conseguiu recordar de nada específico.
Delphine foi encostando seu carro numa região de estacionamentos que ficava próxima a uma série de galerias charmosas e aconchegantes.
- Chegamos a nossa primeira parada. Vamos? – Delphine lhe sorriu e saiu do carro fazendo com que Cosima a seguisse em seguida. O estranho e agradável clima daquela manhã fez com que a morena retirasse seu casaco e carregasse nas mãos. Foi um gesto simples e inocente e ela mão se deu conta, mas causou um frio na barriga de Delphine que a admirou mais demoradamente e essa admiração foi muito além da sua aparência física. Ela contemplava o olhar embevecido de Cosima a medida que passavam pelas pequenas galerias e até mesmo algumas lojinhas que lembravam mercados de pulgas e brechós. Várias das construções ainda mantinham as pedras originais que remontavam ao período medieval. E outras pintadas com cores vivas e alegres.
Olhou para Delphine encantada, pois jamais imaginou que uma mulher tão sofisticada e abastada, frequentaria um local como aquele e para além das lojas agradáveis, aquelas ruas e construções contavam parte da história de Paris e da França e isso certamente era o que atraia Delphine ali e então, viu uma belíssima e estonteante construção em metal, vidro e pedras que, paradoxalmente, destoava do ambiente ao mesmo tempo em que o completava.
- Aquele é o Le Carreau du Temple, uma construção que remonta ao período dos Templários e das Cruzadas a “suposta” guerra santa da igreja católica – Delphine explicava com certo tom irônico enquanto se aproximavam do imponente prédio que abrigava exposições de arte e espetáculos teatrais mas que, naquele momento, era palco para vários artistas de rua que apresentavam a sua arte.
- De fato Delphine, a chamada “guerra santa” encobria toda a ganância que a Igreja Católica buscava juntamente com os nobres europeus pelas riquezas do Oriente e pelas ricas rotas comercias. – olhou para um grupo de mulheres que passavam por elas envoltas em coloridas burcas e lenços. – Hoje, aqueles que foram dominados e colonizados, fazem o caminho contrário e os ricos países europeus fecham suas portas para eles. – Delphine ponderou as palavras de Cosima. De fato, parte da história e da riqueza da família Chermont provinha do período em que seus nobres antepassados usurparam os tesouros orientais. Foi inevitável sentir um traço de vergonha por isso e lembrou-se que esse passado também era algo que procurava corrigir.
Como se Cosima percebesse a “distância” para onde Delphine havia ido, tratou de trazê-la de volta.
- E qual a origem da sua família? – Delphine piscou os olhos rapidamente e a encarou com um sorriso não tão espontâneo assim que pararam próximas ao um grupo que tocava com instrumentos bem antigos.
- Como eu já lhe disse, os Cormier são originais aqui de Paris. – Tocou suavemente as costas de Cosima e indicou o caminho para irem.
Seguiram ainda por entre as mesas e bancos, repletos de pessoas que estavam simplesmente curtindo o domingo, apreciando a diversidade cultural que aquele local lhes oferecia. E assim que alcançaram a saída daquele prédio, Cosima estranhou o caminho que estavam fazendo.
- Mas o carro está do outro lado... – a morena tentou protestar e teve um breve e surpreendente susto quando viu que sua professora as guiava para o acesso a uma estação de metrô. Foi inevitável deixar sua boca abrir um pouco.
- O que foi? – a loura questionou enquanto desciam as escadas.
- Desculpe, mas não imaginava que a Toda Poderosa Delphine Cormier pudesse andar de metrô. – brincou num tom provocativo.
- Quer dizer então que eu não posso circular entre os mortais? – entrou na brincadeira enquanto evitava que Cosima pagasse a passagem. Essa fingiu estar chateada com o gesto, mas precisou segurar o riso quando viu dois rapazes tropeçarem ao subir a escada rolante, pois estavam embasbacados olhando para Delphine.
- Você...Eh...Tem uma mínima noção se quer do efeito que você causa nas pessoas? – Cosima perguntou enquanto entravam em um dos vagões que estava relativamente vazio.
- Do que você está falando? - A loura retirou os óculos escuros, sentou cruzando as peras e logo atraiu a atenção de todos ali dentro. Cosima apenas abriu os braços indicando todo o vagão e ergueu uma das sobrancelhas. Delphine riu levemente e se reservou o direito a não responder. Ha muitos anos havia deixado de se importar com a opinião dos outros sobre si exceto por ela. Cosima não sabia, mas ela havia passado um bom tempo daquela manhã escolhendo entre inúmeras roupas a que deveria usar naquele encontro e quase esvaziou seu guarda-roupa na busca pela roupa perfeita para agradá-la.
Sentia-se uma adolescente apaixonada, porém a questão era só que havia deixado de ser uma há mais de 300 anos. Ria de si mesma e jurava sempre que não passaria por aquilo novamente, mas bastava saber que iria encontra-la que todas aquelas sensações vinham à tona. Olhou docemente para ela que estava entretida brincando com um bebê que, inevitavelmente, caíra de amores por ela. Como, aliás, qualquer pessoa que se aproximasse dela.
Não conseguia enxergar mal algum em Cosima e isso lhe atraia tanto quanto lhe causava medo. E esse se devia a tudo que envolvia sua própria existência e todo o mal que carregava em sua alma e ao seu redor. E Delphine começava a sentir o temor de como aquilo poderia atingir aquela jovem mulher. E novamente uma sombra dolorosa pesou em seu peito, pois se Cosima fosse quem realmente ela achava que era só o fato dela respirar já a colocava em risco mortal. Reclinou a cabeça para trás e fechou intensamente os olhos, tentando afastar aqueles pensamentos.
Ainda com os olhos fechados, percebeu Cosima se recostando mais ao eu lado e sentiu toda a escuridão que teimava em envolvê-la ser dissipada no exato instante em que se deu conta da mão dela sobre a sua. Inclinou levemente seu rosto e a encarou. Ambas estavam com as cabeças apoiadas no vidro da janela e se perderam em olhares ternos e intensos ao mesmo tempo.
- Você é tão linda Cosima! – sussurrou, levando a morena a corar fortemente e se sentir aquecer por inteira – Você é uma pessoa linda! – Apertou a mão dela na sua reafirmando o que sentia e silenciosamente dizendo que não pretendia soltá-la.
O anuncio metálico da aproximação da estação Saint-Denis, chamou a atenção de Delphine que se levantou e puxou Cosima gentilmente. Novamente estavam caminhando com as mãos entrelaçadas e assim que chegaram às escadas rolantes, o movimento apressado das pessoas as “obrigou” a ficarem do lado esquerdo da escada e muito mais próximas. A necessidade protetora de Delphine fez com que colocasse Cosima bem a sua frente, sempre buscando retomar e manter suas mãos juntas. E ainda procurou depositar a outra na cintura dela, quase a envolvendo por completo.
Cosima, não se fez de rogada e projetou seu corpo mais para trás, indo de encontro e se aconchegando aquele abraço improvisado e assim que sentiu o volume dos seios de Delphine em suas costas, percebeu o quanto mexida ela estava, pois conseguia sentir o ritmo alucinado de seu coração.
“Isso é muito bom sabia?”
“Eu sei Cosima”
“Delphine, eu nunca me senti assim... Tão... Acolhida e... Protegida!” Verbalizou o que tanto sentia sempre que estava nos braços de Delphine e aquelas palavras acalentaram a ambas. Infelizmente chegaram ao topo da escada e precisaram se desvencilhar, mas fizeram questão de manter as mãos dadas e fatalmente chamaram a atenção de várias pessoas que transitavam por ali e logo Cosima pode perceber a diversidade de pessoas que transitavam naquele lugar, mas a predominância era de indianos e paquistaneses e então pararam diante de um pórtico estreito entre duas galerias.
- Preparada para provar a melhor comida indiana do mundo? Fora da Índia, é claro. – fez uma ressalva - Bem-vinda a Passage Brady. – O nome no topo da entrada anunciava onde estavam e foram entrando e para Cosima parecia que estavam mergulhando em outro mundo bem dentro de Paris e isso envolvia tudo que via e que cheirava. O característico perfume de especiarias lhe invadiu as narinas e um protesto de seu estômago, lhe lembrou que havia comido pouquíssimo no café da manhã.
- Com fome? – Delphine lhe sorriu enquanto seguiam pela passagem estreita que, em determinado momento se alargava um pouco, dando espaço para vários pequenos restaurantes, bancas de temperos e especiarias e lojas de artesanatos e produtos de vários lugares. Cosima olhava tudo encantada e só conseguiu anuir com a cabeça.
Pararam diante de um pequeno restaurante com uma fachada cor de telha e detalhes entalhados nas paredes que lembravam um templo hindu, nas janelas havia imagens de algumas divindades do panteão hindu e o pórtico remetia a entrada do Taj Mahal.
- Shalimar! – Cosima lia o nome do restaurante e logo em seguida um homem moreno e de meia idade veio de encontro a elas com um agradável sorriso expansivo.
- Sra Delphine! – ele a cumprimentou com um carregado sotaque, que soava um pouco divertido. – Faz tempo que a sra não vem aqui.
- Meu caro Kabir! – apertou a mão do homem. – E me arrependi disso no instante em que senti o cheiro do tempero maravilhoso de Surya. Mas dessa vez eu trouxe uma...amiga para conhecer um pouco de seu tempero. – O homem tratou de segurar a mão de Cosima que fora entregue por Delphine e ele a apertou e a sacudiu com certa intensidade. Ela riu gentilmente. – Essa é a Srta Cosima Niehaus. – Ele sacudiu sua mão ainda mais. – Hoje é o seu aniversário. – o entusiasmo do homem atingiu níveis impressionantes.
- Meus parabéns Srta. Mas... O que desejam comer? – O homem olhou para Delphine e essa devolveu o olhar para Cosima mas antes o alertou.
- Infelizmente não poderemos ficar para o almoço, pois tenho outros planos. Mas não poderia passar por aqui sem vir em seu restaurante. Porém... Que tal uma entrada rápida. Cosima? – deixou a decisão para ela, que fez uma deliciosa expressão divertida e anunciou.
- Gosto muito de Samosa[1]! – Ela mal terminou de dizer aquela palavra e Kabir já voltou para o interior do restaurante falando algo em um idioma que Cosima não entendia nada.
- Preciso lhe dizer que, após comer as Samosas feitas pela Surya, a esposa do Kabir não conseguirá comer nenhuma outra. – Delphine disse enquanto sentavam numa das mesas que ficavam logo em frente ao restaurante.
- Você é realmente surpreendente Delphine! – Cosima disse enquanto a olhava intensamente.
- Por que você diz isso? – embora fizesse ideia das respostas.
- Tudo isso, esse lugar... O passeio de metrô. Trazer-me para comer comida indiana em plena Paris. – listou suas agradáveis surpresas.
- Cosima, preciso lhe confessar uma coisa. – o belo rosto assumiu um semblante sério, indicando que ela estava apreensiva para lhe dizer algo – Eu a trouxe para comer comida indiana por que... – Baixou a cabeça e em seguida a ergueu – Perguntei ao Felix e ele me disse o quanto gostas. - Cosima franziu a testa e depois se lembrou da noite em que conheceu Delphine e que fora levada para o hospital graças ao maldito dedo torcido.
- Hum... Então a Srta está realmente interessada em... Mim? – ousou.
- Tudo em você me interessa Cosima – Delphine pegou pesado, levando a outra a engolir em seco. Voltaram a ficar em silêncio por uns bons minutos apenas fazendo o que já era de costume entre ambas. Esquecendo o mundo ao redor e se bastando.
Foram trazidas de volta a realidade pelo intenso perfume do gengibre usado no tempero das Samosas que acabaram de ser depositadas na mesa delas.
- Obrigada Kabir! – Delphine lhe agradeceu e ele deu apenas dois passos para trás na clara intenção de esperar a reação delas à sua comida. Cosima sentiu a boca encher d’água e sem maiores cerimônias, pegou um dos pequenos pasteis com um guardanapo logo dando a primeira mordida. E mais alguém além de Kabir parecia estar interessada na reação de Cosima. A loura apoiou o queixo sobre as mãos e a assistiu mastigar lentamente, fechando os olhos para em seguida soltar um gemido rouco. Cosima abriu os olhos e não disse nada apenas continuou gem*ndo e repetiu a mordida mais duas vezes até acabar aquele pastel e só então proferiu sua opinião.
- Pelas deusas Kabir! Isso aqui é divino. – Abocanhou outro pedaço da segunda Samosa que pegou. Delphine gargalhou e tratou de pegar um pastel antes que Cosima devorasse todos.
- Que bom Srta Cosima. Mas os elogios são para a Surya. – Ele disse já se afastando, pois outros fregueses começavam a chegar.
- Sabia que Surya significa mãe de todos os deuses em hindu? – Delphine lhe disse.
- Está explicado! Essa mulher realmente fez um manjar dos deuses. – Riu e serviu-se da terceira Samosa, deixando a ultima (com pesar) para Delphine.
- Precisas provar o Vindaloo que ela faz! Mas, teremos de fazê-lo em outro momento. – Cosima riu embevecida com a promessa implícita naquelas palavras. – Pois tenho outros planos para o nosso almoço. – Lhe olhou intensamente e lambeu a ponta de três dedos com fingida inocência, fazendo com que Cosima voltasse a corar, o que foi potencializado quando viu a expressão divertida nos olhos de um casal que estava sentado na mesa que ficava mais ao lado.
“Droga Delphine!” Tentou repreendê-la.
“Mas o que foi que eu fiz?” Levantou-se enquanto deixava uma quantia na mesa que Cosima julgou ser demais para aquele simples prato e presumiu tratar-se de uma gordíssima gorjeta. Passaram pela porta do Shalimar e ainda acenaram para Kabir e Cosima fez questão de gesticular com as mãos dizendo que retornaria o que fez o sorriso do homem aumentar ainda mais.
- Para onde vamos agora? – Cosima se espreguiçou.
- Bom – checou seu relógio de pulso – Essa breve entrada serviu para aplacar um pouco de sua fome? – Cosima torceu um pouco a boca num bico que Delphine considerou ultra fofo.
- Dá pra segurar sim! – respondeu com denotada empolgação.
- Bom, como boa amante de música que sei que és... Vou lhe levar a um de meus locais favoritos. – Cosima arregalou os olhos e perguntou-se onde seria que às 12h da tarde Delphine poderia leva-la para ouvirem música. Tudo bem que estavam em Paris e naquela cidade dos sonhos, tudo era possível, mas não conseguia pensar em nada. – Pronta para mais uma volta de metrô?
Cosima a seguiu pensando que Delphine era tão surpreendente e imprevisível que seria bem capaz de leva-la para assistir um “show” de algum artista dos undergrounds do metrô de Paris. E até passaram por um conjunto de percursionistas jamaicanos, mas não se demoraram ali e logo estavam saindo da estação Châtelet e a poucos metros à esquerda Cosima avistou um sobrado grande onde várias pessoas entravam e saiam e teve a certeza de que era o local que Delphine a levaria.
Na fachada desgastada lia-se o nome do que Cosima logo identificou como uma espécie de sebo de discos.
- Monster Melodies? – Cosima olhou totalmente incrédula para sua professora que entrou na loja sendo seguida por sua aluna que logo foi atingida pelo característico cheiro da passagem do tempo e de naftalina. O público lá dentro era o mais heterogêneo possível e após o primeiro impacto da entrada delas, logo todos voltaram as suas buscas.
Olhou ao seu redor e percebeu que a grande maioria do acervo daquela local era de discos de vinil e sentiu como se viajasse no tempo e foi inevitável pensar em sua mãe e como ela adorava leva-la para comprar discos. Devia a ela o seu gosto singular por música. Mas naquele local imperava o mais perfeito caos. Com várias mesas e prateleiras apinhadas com caixas de papelão e madeira contendo inúmeros discos numa desordem completa. Vários pôsteres de discos antigos e novos enfeitavam as paredes e podia se ouvir música tocando em grandes caixas de som, espalhadas por aquele ambiente. Perguntava-se como alguém conseguia encontrar algo ali e só então percebeu que não via mais Delphine. Olhou para todos os lados e não viu nenhum sinal dela. Começou a chama-la, inicialmente baixinho devido a vergonha, mas logo aumentou o tom de voz, já que ela não lhe respondia.
- Estou aqui Cosima! – a ouvia, porém não a achava.
- Aqui onde? – insistiu.
- Perto da escada. – Cosima olhou naquela direção e não a viu, mas decidiu ir até lá e assim que alcançou o corredor de prateleiras que dava acesso às escadas não acreditou no que seus olhos lhe mostravam e inevitavelmente deixou seu queixo cair.
A Toda Poderosa PhDeusa Delphine Cormier estava sentada, com as pernas cruzadas, no chão de uma loja de discos usados com uma caixa de vinis diante de si como se estivesse procurando por algo.
Uma incrédula Cosima se aproximou e foi se abaixando para sentar-se ao seu lado com certa dificuldade, pois estava usando uma saia que não lhe ajudava muito. Olhou para a loura a seu lado e inacreditavelmente ela parecia tão à vontade ali, naquele lugar improvável e dedilhava uma série de discos que estavam numa caixa onde estava escrito Jazz com uma caligrafia quase impossível de ser lida.
- Conhece Madeleine Peyroux? - Delphine lhe questionou enquanto sacou um vinil com aparência de novo onde uma belíssima mulher estampava a capa.
- Acredito que não. – tomou o disco em mãos.
- Então precisas conhecê-la. – Tomou gentilmente o disco das mãos dela e o ergueu. – Jean-Luc? – Entregou-o a um homem calvo e que usava uma jaqueta jeans surrada. – Coloque... J´ai Deux Amours para tocar. – Cosima ficou ainda mais impressionada, pois ela conhecia o local tão bem que chamava os funcionários pelo nome e mais, demandava que eles tocassem o que ela quisesse. Aquilo só poderia significar que ela costumava visitar aquele lugar com certa frequência.
Poucos minutos depois os primeiros acordes de uma deliciosa canção começou a tocar e Cosima se perdeu na melodia e na letra suaves.
(...) Diz-se que além dos mares
Ali, sob o céu claro
Existe uma cidade
A estada é encantada
E sob as grandes ávores escuras
Cada noite
Pra lá se vão todas as minhas esperanças (...)
Cosima abriu os olhos e viu que Delphine cantarolava a música baixinho e se esforçou ao máximo para tentar ouvi-la cantar mas essa, assim que percebeu a demorada observação de sua aluna sorriu e parou de cantar.
A morena lamentou aquilo, mas resignou-se em continuar a ouvir a melodia lindíssima que tocava nos alto-falantes da loja e logo Delphine lhe empurrou, com uma das pernas, outra caixa para que ela também procurasse por algo. O fez sem bem saber o porquê daquilo e à medida que seus dedos puxavam as capas dos discos Cosima encantou-se com a quantidade de preciosidades contidas ali que iam desde Sarah Vaughan até...
- Billie Holiday! Songs for Distingué Lovers – disse com um entusiasmo que chamou a atenção das pessoas mais próximas e fez Delphine rir deliciada. – Esse álbum é simplesmente perfeito! Só tenho algumas músicas soltas em minhas playlists. – Lamentou-se.
- Agora pode tê-lo por completo! – Delphine lhe disse com um incrível brilho nos olhos. Cosima entusiasmou-se, mas logo baixou os ombros.
- Mas não tenho como ouvi-lo. Não possuo um aparelho que reproduza LPs.
- Isso não é um problema. Venha! – Ergueu-se e tomou a mão e a vontade de Cosima que a seguiu subindo as escadas e no andar de cima, mais prateleiras com discos e outras com cds eram vistas mas havia também um balcão de vidro e atrás dele uma série de equipamentos que reproduziam vinis. Os preços eram variados e a imensa maioria deles era de segunda mão, mas em aparente perfeito estado de conservação. Cosima viu Delphine conversar com o rapaz que trabalhava ali e ela lhe que fazia perguntas referentes a modelos que Cosima não conseguia compreender e logo ele indicou um que estava mais para a direita e era novo.
- Que tal aquele? – Ela indicou uma Vitrola Raveo Volare marrom bivolt, bem parecida com o modelo que ela mesma possuía e que não era tão barata. Cosima o olhou e espantou-se um pouco com o seu valor. – Não se preocupe. Será um presente.
- De jeito nenhum Delphine! – o seu bom e velho orgulho falava mais alto. – Além do mais, eu prefiro algo com mais... Digamos... Personalidade. – E apontou para uma mais abaixo e que era analógica. Delphine sorriu e pensou que não poderia esperar nada diferente dela. E de fato era um excelente aparelho e estava em perfeitas condições de conservação.
- Cosima, hoje é o seu dia. Deixe-me lhe dar esse presente. – Olhou com sincera intensidade enquanto ajeitava os óculos no topo da cabeça para prender melhor os cachos dourados que teimavam em cair em seus olhos. Cosima ponderou por um tempo.
- Tudo bem Delphine! – a loura sorriu quase como se fosse uma criança que tivera o seu desejo atendido e já sacava o seu cartão de crédito. – Mas o LP eu pago! – Delphine estreitou os olhos, mas sabia que não conseguiria vencer aquela batalha novamente.
Deixaram a loja após Cosima deixar o seu endereço para que entregassem o seu aparelho e de Delphine receber o disco que fora lá buscar. Uma raridade da Ella Fitzgerald e que fora negociado com um colecionador.
- Podemos almoçar agora? – Cosima parou diante de Delphine que riu do pedido alegre de Cosima e a fez lembrar-se da alegria e jovialidade da pequena Manu.
- Tudo bem. Até por que já são quase 14h e a fome também me alcançou. – Disse enquanto segurava a mão de Cosima e caminhava em direção a uma avenida mais movimentada para pegarem um táxi. E em pouco mais de quinze minutos estavam parando diante de um charmoso bistrô e restaurante chamado Maison de La Truffe, que possuía uma pequena fila de clientes em sua entrada na qual elas não entraram, passando direto em direção ao metre que, como Cosima presumiu, conhecia Delphine.
Lá dentro foram guiadas por entre as mesas e Cosima observou todo o ambiente onde as cores cinza, preta e branca predominavam de forma harmônica e sofisticada. Nada exagerado ou chamativo, mas de muito bom gosto. Alcançaram uma mesa mais afastada e próxima a uma das janelas que dava acesso para a rua.
Delphine olhou satisfeita para Cosima e percebeu que ela realmente havia gostado do lugar e parecia estar a vontade. Sentaram-se frente a frente numa mesa de apenas dois lugares e que as deixavam muito próximas. Inevitavelmente suas mãos se procuraram sobre a mesa e por sob ela suas pernas se tocavam, disparando as descargas elétricas que se espalhavam por seus corpos, literalmente prendendo uma à outra. E ambas se provocavam, roçando suas pernas e acariciando suas mãos.
Cosima espalmou a sua e permitiu que Delphine friccionasse seus dedos no centro dela em movimentos circulares que nada tinham de inocentes. As sensações provocadas levaram Cosima a fechar os olhos ao ter claramente projetadas em sua mente as imagens de onde mais, em seu corpo, Delphine poderia repetir aqueles movimentos. Literalmente salivou e se sentiu encharcar por completa tendo a total certeza de que a mulher a sua frente sentia exatamente as mesmas coisas.
O garçom precisou pigarrear três vezes para conseguir atrair a atenção delas e dessa vez não só Cosima ficou encabulada. A própria Delphine corou escancaradamente e isso ficou ainda mais evidente em sua face perfeitamente branca. Ela pegou a carta de vinhos às pressas enquanto a morena pegou o cardápio, tentando esconder o rosto atrás dele.
- Alguma preferência de prato Cosima? – Delphine a questionou de súbito, só que a outra estava desconcertada demais para pensar com clareza.
- Podes escolher a vontade Delphine! – a loura conseguiu se reestabelecer mais rapidamente e teve uma interessante ideia para “dificultar” ainda mais a vida de Cosima.
- Hum... Traga-nos um risoto de aspargos com Blue Cheese e... Queijo Brie! – olhou sugestivamente para Cosima que apoiou o queixo em sua mão e virou seu rosto para fingir olhar algo na rua e fugir do olhar do garçom e de Delphine. – E para acompanhar... Duas taças de Hãhã Sauvignon Blanc.
Assim que o rapaz se afastou da mesa Cosima voltou a encarar sua professora e essa estava com a expressão que ela mais temia. A face de quem estava prestes a engoli-la com os próprios olhos. Engoliu em seco e tentou pensar em algum assunto que pudesse afastá-las daquele lugar inevitável para onde estavam seguindo.
- Você vem muito a esse restaurante? – gaguejou um pouco. Delphine novamente cerrou os olhos, mas decidiu dar uma pequena trégua para ela (para ambas).
- Como eu lhe disse uma certa vez, considero a gastronomia como um ato de prazer. Então tento usufruir de tal prazer sempre que posso e esse restaurante possui uma das melhores cozinhas de Paris e está fora das badalações das revistas de alta gastronomia que mascaram suas avaliações. – Cosima a observava discursar com a sua usual maestria. – Então eu tenho por habito “garimpar” lugares como esse ou como os restaurantes da Passage Brady.
- Preciso dizer que compartilho com você esse prazer. Embora que a culinária de São Francisco ou dos EUA como um todo, não chegue nem perto da cozinha francesa.
- Tudo é uma questão de paladar e de como você se entrega ao que vai comer. – Parecia que a trégua seria mais breve do que ela mesma imaginara – Ou você não se lembra da sua simples massa com camarões e queijos?
- Impossível de esquecer Delphine. Você me fez ressignificar o ator de comer queijos. – Sim, a trégua havia chegado ao fim e foi a vez de Cosima lançar na mente de Delphine as imagens dela degustando um bela tábua de queijos completamente nua. Fazendo-a anotar mentalmente que CERTAMENTE fariam aquilo.
Mas, felizmente (será?) o garçom chegou com seus pratos e a bebida. Delphine ergueu a sua taça de vinho, cobrando o brinde e esse foi dedicado a Cosima, que se sentiu preencher por inteiro com a alegria daquele momento só delas. Bebericaram o delicioso vinho neozelandês e Delphine aguardou que sua acompanhante desse a primeira garfada em seu prato e novamente cerrou os olhos após esse gesto, sentindo a explosão de sabores em sua boca, especialmente os acentuados gostos dos queijos.
- Mas esse lugar aqui foi a minha mãe quem descobriu. – Delphine disse despretensiosamente e atraiu a atenção de Cosima.
- Você herdou dela esse gosto apurado por gastronomia? – Delphine pausou os talheres em seu prato e deu um breve suspiro.
- De uma certa maneira sim. – maneou a cabeça. Cosima sentiu que havia tocado, sem querer, em um assunto delicado para ela. Resolveu esperar sem perguntar mais nada. – Cosima... – Delphine ponderou se seria prudente contar o que estava por vir... Contudo, sentia-se cada vez mais envolvida por ela – Eu não sou realmente filha de Genevieve Cormier. – silenciou-se.
- Então você é adotada? – Delphine bebeu um pouco de seu vinho. Ela legalmente havia assumido tal identidade de forma oficial, como sendo a filha adotiva de Genevieve Cormier, então isso não seria uma mentira.
- Sim, eu sou. – e não disse mais nada. Cosima pensou em pressioná-la um pouco mais para saber mais sobre a origem da mulher que tanto a fascinava, mas achou melhor respeitá-la. – Mas e você?
-Se sou adotada?
- Não Cosima... – riu levemente – Como são seus pais? – Quis mudar de assunto, pois temia ter Cosima em sua mente acessando aquelas informações que poderiam ser assustadoras demais para ela. E mesmo que ela soubesse de tudo que havia no dossiê, quis ouvir dela.
E assim transcorreu o restante do almoço, de forma agradável, com uma falante e sorridente Cosima dominando uma atenta e cada vez mais apaixonada Delphine.
Sim! APAIXONADA!
Ela não se assustou com aquela constatação. Não conseguia mais se enganar. O que sentia por sua orientanda a muito havia deixado de ser uma simples atração física ou o interesse da conquista pura e simples. Era algo muito mais profundo e íntimo e que estava adormecido dentro dela e como uma faísca, acabara de ascender a chama que lhe aquecia de dentro para fora e então se sentiu preencher de uma alegria imensurável e essa veio a tona como forma de lágrimas. As quais ela tentava refutar, mas estava falhando naquela tarefa. Tudo dentro dela queria transbordar Levantou-se da mesa no meio de uma fala de Cosima que se assustou com aquilo.
- Preciso ir ao banheiro. Com licença. – deixou Cosima com uma interrogação em sua face. Caminhou rapidamente para o banheiro e pouco antes de acessá-lo viu que outras duas mulheres também se dirigiam até lá, porém subitamente ambas perderam a vontade e voltaram para suas mesas. Então Delphine entrou no banheiro e apoiou as mãos no balcão de mármore e se encarou no espelho no exato instante em que as primeiras lágrimas escorreram de seus olhos e paradoxalmente a alegria da paixão constatada transformou aquelas lágrimas em um lindo sorriso que foi aumentando de intensidade até transformar-se em uma quase gargalhada.
Estava tão mergulhada em seus sentimentos que não percebeu a entrada dela.
- Delphine? Você está bem? – Cosima estava parada na porta do banheiro com uma expressão apreensiva e assustou-se ao perceber que aquela poderosa mulher estava chorando. Sem pensar, foi em sua direção – Você está... Choran... – E antes que a sua questão fosse concluída Delphine puxou-a pela cintura e a tomou no beijo mais avassalador que ambas experimentaram juntas e da mesma forma e intensidade que suas línguas duelavam em suas bocas, suas vontades faziam o mesmo e Delphine comprimia o corpo de Cosima contra a pia e essa tentava empurra-la contra a parede.
Cosima vencera! Dominou, com certa facilidade, toda a vontade de Delphine que permitia, sem protesto algum, que as mãos de Cosima mergulhassem por sob a sua blusa, lhe acariciando a pele quente de seu abdômen e cintura, puxando-a para si e a obrigando a curvar-se um pouco para baixo para então ter seu sex* fortemente pressionando pela coxa rígida de Cosima.
Gem*u no exato instante em que as duas mulheres de antes entraram no banheiro, causando um sobressalto de ambas e um desconforto geral. Cosima não sabia para onde olhar e Delphine ria enquanto abaixava sua blusa e seguia com sua usual postura blasé para a pia com o intuito de lavar as mãos. As duas mulheres procuraram entrar nas cabines, e Cosima e Delphine saíram do banheiro rindo.
- Par favor, podemos ir agora? – a morena suplicou.
- Tudo bem! Poderemos comer a sobremesa em outro lugar. – Delphine disse enquanto solicitava a conta. Cosima pensou em ousar pedir para dividir a conta, mas sabia que aquela seria uma batalha que não venceria.
Já do lado de fora do restaurante Cosima fez menção a pedir um novo táxi, mas foi detida por Delphine.
- Vamos andando para aproveitar o sol que nos foi oferecido hoje. – De fato estava estranhamente quente e agradável. E novamente deram as mãos atraindo a atenção dos passantes que as admiravam sem saber de quem mais tinham inveja.
Cosima relatava o dia em que ela e sua melhor amiga Amanita provaram maconha pela primeira vez e ficaram sentadas no banco de uma praça jogando papel picado para os pombos comerem.
- E a srta... Já provou alguma substância ilícita? – Delphine parou por um instante e pensou na vez em que provou ópio juntamente com seu grande amigo Toulouse Lautrec[2] na virada do século XIX para o século XX, pouco antes da morte dele. Pensou o que Cosima iria achar daquilo, mas achou melhor omitir esse pequeno fato.
- Apenas as licitas Cosima.
- Então um dia, você vai me permitir deixa-la completamente “doidona.” - Disse com uma expressão travessa.
- Combinado! – respondeu com um leve sorriso.
- Mas agora... Sabe o que eu realmente queria? – Cosima lhe questionou. Delphine maneou a cabeça num gesto que a outra já reconhecia e sorriu.
- Já sei onde leva-la e, para a sua sorte, fica aqui bem próximo. – Disse puxando-a pela mão.
Caminharam por mais alguns minutos e Cosima sempre se surpreendia com o conhecimento minucioso que ela possuía daquela cidade. Cada recanto, cada ruela tinha uma história e ela conhecia todos eles. Estava realmente sendo uma experiência única conhecer aquela cidade encantadora através dela.
- Você realmente é incrível Delphine... – Cosima disse quando pararam diante da mais antiga sorveteria artesanal de Paris, a Raimo Glacier. Delphine havia visto na mente de Cosima o desejo de tomar um refrescante sorvete, mas foi bem mais fundo e mergulhou em sua memória afetiva e viu que, na primeira vez que esteve em Paris, ela havia ido exatamente naquele lugar.
Entraram e esperaram pacientemente a sua vez e trocaram olhares sugestivos assim que a balconista as atendeu e lhes questionou acerca dos sabores que desejariam. Em sintonia, disseram:
- BAUNILHA! – E riram de mais essa coincidência. Logo ela veio com seus sorvetes em bolas perfeitas sobre casquinhos de biscoito que ainda estavam levemente mornos, indicando que haviam sido feitos ha poucos instantes.
- Delphine... – a morena olhou para seus sapatos, indicando que queria dizer algo. – Será que eu poderia lhe fazer um pedido? – Sua professora lhe olhou com ternura, mas optou em não interrompê-la, apenas assentiu com um movimento de cabeça. – É que tem um lugar que eu sempre quis conhecer
Olhou para Cosima e se divertiu com o fato dela estar conseguido se sujar com o sorvete que escorreu em seu antebraço esquerdo. Ofereceu-lhe seu próprio guardanapo e mergulhou, novamente em lembranças.
“Tão parecidas!”
- Diga! – Parou diante dela enquanto abocanhava o ultimo pedaço da casquinha de seu sorvete.
- Sheaskespeare and Company! – Disse com um brilho de case súplica nos olhos.
Delphine arregalou os olhos e, apesar daquele pedido ser bem previsível, ela fora pega de surpresa. Aquele lugar também era um dos seus favoritos naquela cidade. Ainda mais por que ela o frequentou nos primeiros anos da década de 1920.
- Tudo bem! Hoje você pode tudo Cosima! – Delphine sorriu enquanto chamava a atenção de um taxista.
Em poucos minutos estavam parando em frente ao sobrado onde funcionava a atual livraria que fora nomeada em homenagem à primeira, que fora fundada em 1919, por uma das mulheres que Delphine mais admirou. A americana Sylvia Beache de quem fora amiga por vários anos, quando possuía outra identidade.
Percebeu o quanto Cosima ficou deslumbrada com o lugar e circulava alegremente entre as prateleiras de livros e se encantava com os títulos contidos ali.
- Fico tentando imaginar como era extraordinário poder participar de um dos recitais de leitura com Ernest Hemingway, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, Gertrude Stein, George Antheil... Mesmo não sendo nesse prédio aqui. – Cosima explanava e se limitava a imaginar enquanto Delphine de fato havia experimentado. Lembrou-se das discussões que teve com James Joyce acerca da densidade e dificuldade de leitura que Ulisses, sua obra mais famosa, poderia causar. Riu de forma saudosa. E quando procurou por Cosima, ela já estava com uma pequena pilha de livros e se dirigia ao caixa. Seguiu em sua direção.
- Nem pense! – Cosima a advertiu, deixando claro que não pretendia deixa-la pagar por aquilo. Delphine ergueu ambas as mãos espalmadas e sorriu. Limitou-se a checar os títulos que sua orientanda estava adquirindo.
Com pesar, deixaram o local e continuaram caminhando e Delphine checou seu relógio com expressão um tanto quanto apreensiva. Lamentavelmente as horas estavam voando exatamente como temiam e ainda havia mais alguns lugares que Delphine gostaria de leva-la, mas também queria que houvesse tempo para o restante de seus planos ainda para aquele dia.
- Delphine – foi trazida de volta. – Estou tendo um dos melhores aniversários de minha vida. – Certamente era o melhor, mas Cosima não quis alimentar o ego já bastante inflado de sua professora com aquela afirmação. – Pena que está chegando ao fim!
- E quem disse que acabou? – Cosima arregalou os olhos e entreabriu sua boca.
- Como assim? – O frio no estômago e a ansiedade a consumiam.
- Cosima Niehaus, a Srta aceita jantar comigo essa noite? – Delphine disse parada diante dela, em uma das famosas pontes sobre o rio Sena. Cosima pareceu não ter entendido de imediato a pergunta e sentiu seu coração acelerar. A demora na resposta estava estranhamente deixando Delphine apreensiva.
- Cosima?... – disse com um filete de voz. Teria ido longe demais? Ela estaria arrependida de tudo que viveram naquele dia? Tentou mas não conseguiu acessar a mente dela naquele instante e então ficou assustada. Olhava-a receosa e só depois dela piscar os olhos várias vezes, finalmente respondeu.
- Eu... Eu... É claro que eu adoraria jantar com você! – Finalmente Delphine voltou a respirar com mais facilidade.
- Que bom! – Delphine disse com o mais radiante dos sorrisos e que Cosima já amava receber. – Vou leva-la para casa. Para que possas se preparar com calma. – Estendeu uma das mãos com bastante entusiasmo e parou um táxi que as levaria até o local onde haviam deixado o carro.
Todo o percurso no taxi, assim como no carro foi realizado quase que em total silêncio, indicando que a ansiedade para continuarem aquele dia crescia a cada instante. Finalmente chegaram diante do prédio de Cosima e então essa quebrou o desconfortável silêncio.
- Você me pega aqui a que horas? – Disse com tom mais baixo. Delphine a olhou sem nem tirar as mãos do volante de seu carro.
- Às 20h pode ser? Fiz reservas. – anunciou.
- Fez reservas? – Cosima ponderou sobre aquela revelação e as mensagens que ela passava. Delphine certamente havia planejado aquilo muito antes de convidá-la. - E se eu tivesse dito não para o jantar? – Delphine recostou-se no banco e deu de ombros com um sorriso irônico.
- Estarei aqui às 20h Cosima. – Voltaram a se olhar intensamente e alternar seus olhares para suas bocas. Cosima lambeu seus lábios sugestivamente levando Delphine a morder os seus próprios, apertando ainda mais o volante de seu carro.
- Até mais tarde Delphine! – Cosima saiu de súbito do carro e seguiu quase desfilando em direção a seu prédio. Delphine inclinou sua cabeça para acompanhar todo o percurso dela e suspirou ofegante, dando a partida em seu carro.
******
Delphine a havia deixado em casa a pouco mais de duas horas e faltavam só quinze minutos para as 20h e ela ainda estava só de sutiã e calcinha. Aquelas peças foram as únicas que ela havia se decidido a usar. Olhou para seu closet que estava praticamente vazio, ao contrário de sua cama, onde várias roupas estavam jogadas após terem sido provadas afim dela escolher a melhor combinação para aquela noite.
Não tinha certeza de como ela iria terminar e tentava evitar pensar naquilo. Procurava focar em algo que pudesse provocar ainda mais Delphine. Queria ser sensual, mas elegante. Provocante mas sem ser vulgar. Detestou não ter perguntado a Delphine qual o estilo do local que iriam e naquele momento não quis estabelecer aquela conexão com ela.
- A conexão... – Uma ideia sacana e provocante lhe ocorreu e foi até o seu closet, onde estava a roupa que havia recebido da lavanderia e lá encontrou o que procurava.
Vestiu-se rapidamente e em poucos minutos estava pronta, pois já havia se maquiado e feito seu característico coque.
Conferiu o seu visual diante do espelho e o aprovou. Certamente Delphine não havia esquecido e reconheceria o exato vestido que ela usava na noite quando estabeleceram aquela poderosa conexão pela primeira vez e que quase foram a loucura através de suas mentes. Cosima pensou e estava certa ao achar que estaria passando a mensagem correta.
Poucos minutos depois o som de mensagem de seu celular lhe alertou. Não precisou olhar para ter a certeza de quem era, pois era capaz de sentir a energia de sua presença.
Pegou sua bolsa de mão e colocou seu celular dentro dela e as chaves de seu apartamento. Olhou-se mais uma vez no espelho e seguiu ao encontro dela. Repetindo os mesmos passos que dera pela manhã e novamente, a cada degrau vencido, sua ansiedade aumentava e vislumbrou o carro negro, diante de seu prédio exatamente como pela manhã só que não a viu de imediato. Abriu o portão de seu prédio e saiu dando passos inseguros até o carro. Foi então que a ouviu.
- Cosima... – ela paralisou ao ser atingida por aquela voz cadenciada e sedutora, e lentamente virou-se para vê-la. Para a sua sorte, estava próxima ao carro, pois precisou se apoiar nele assim que cambaleou com a visão de Delphine ultrajantemente linda e incrivelmente elegante, vestindo um singular smoking preto de calça justa e de cintura baixa com acabamento perfeito para ela. Um blazer de corte moderno e uma camisa perfeitamente branca por baixo que tinha poucos botões abotoados e a gravata era um charme a parte, pois fora feita para estar propositalmente desamarrada.
Cosima engoliu em seco e assim que atingiu o rosto dela percebeu que seus olhos estavam vagando por seu corpo num claro gesto de reconhecimento e arrebatamento.
Delphine partiu em sua direção, novamente com aquele ar felino que só ela possuía e Cosima temeu não conseguir se conter diante do insulto de beleza e sedução que ela representava. Ficaram frente a frente e então Delphine se curvou lentamente, passando a mão pela lateral do corpo de Cosima, quase a tocando e com o polegar roçando no quadril dela, destrancou a porta do carro, puxando Cosima lentamente para que ela entrasse no carro.
Cosima sorriu levemente por achar que Delphine iria toma-la bem ali e se virou para entra no carro, mas antes de fazê-lo, a loura, por trás dela, pressionou seus corpos, pausando suas mãos sobre o topo do carro e então roçou seu nariz e boca pela nuca nua de Cosima e sussurrou em seu ouvido.
- Adorei o vestido! – e deixou que sua língua tocasse rapidamente a orelha dela, causando um estrondoso arrepio. - Vamos? – Afastou-se para que Cosima entrasse no carro e assim que ela o fez, com certa dificuldade já que estava de pernas bambas, bateu levemente a porta do carro e seguiu para assumir seu lugar.
Cosima a olhou com uma gula descomunal e recebeu o mesmo olhar em troca.
“Você vai acabar comigo Delphine!”
“Você não faz nem ideia do quanto Cosima!”
[1] A chamuça (também conhecida como samosa ou samusa) é uma especialidade de origem indiana constituída por fritos de forma triangular recheados com uma mistura condimentada de feijão ou grão, batata ou carne picada, ervas aromáticas e vegetais.
[2] Henri Marie Raymond de Toulouse-Lautrec Monfa foi um pintor pós-impressionista e litógrafo francês, conhecido por pintar a vida boêmia de Paris do final do século XIX
Fim do capítulo
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