Enquanto descia para o pátio milhares de coisas passavam por minha cabeça, “Clara era tão.. Tão... bom eu não sabia o que ela era, quer dizer a um mês ela me infernizava, me insultava ria de mim, isso quando ela simplesmente não me ignorava, e eu não ficava muito atrás, pode até parecer loucura, mas aquela situação já era comoda pra mim, não nos darmos bem, mesmo sem ter algum motivo aparente era muito mais normal do que uma falsa cordialidade, por isso não esperava um acordo naquela situação, me incomodava não ter ganhado nosso pequeno combate, mas não ter perdido também não me deixava satisfeita, estranho eu sei...”

“Aquela garota era uma incógnita, tinha um humor detestável isso era fato, e fazia questão de deixar o clima sempre o pior possível quando estava por perto, pelo menos perto de mim,  constantemente me perguntava se havia algum motivo para ela ser assim comigo, vai que alguma coleguinha que roubava os lápis de cor dela no prezinho se parecia comigo e por isso essa antipatia toda, vai saber, mas nenhum dos motivos que cheguei a pensar me pareciam suficientes para sua presente falta de educação.”

Comecei a correr em volta do campo de treinamento ainda com Clara em meus pensamentos, parecíamos mesmo duas crianças do prezinho brigando por besteira, se implicando o tempo todo, sempre achei exagerado aquelas histórias de arqui-inimigos, de ódio sem sentido, mas ali estavamos Clara e eu, sem odiando apenas por se odiar.

“Mas se eu realmente a odiava o que foi que eu senti então? Porque naquela hora, no meio daquela cena boba não sentia as coisas como sinto agora” Duas voltas...

“Será que era medo? Sim com certeza, medo daqueles enormes olhos fixos em mim, com aquele olhar ela devia era ser psicóloga, se brincar ela analisava até meus pensamentos e nem eu me lembro quais eram ” Seis voltas...

“Será que foi raiva? Não raiva eu sinto agora, como aquela diaba me prendeu daquele jeito? sou maior, mais forte, devo estar ficando relapsa só pode” Nove voltas...

“Ela faz é me assombrar... será? será não, com certeza, a estranheza dela o modo como muda de humor, sim isso me assombra, Clara me causa assombro” Treze voltas...

“Mas por que isso está me perturbando tanto... toda essa situação me incomoda…”

“Porque... Vinte cinco voltas... “Por que...” Vinte sete voltas” Por que...” trinta e uma voltas... “Clara era uma mulher bonita, mesmo que apenas por fora, era isso ela era...” trinta e cinco voltas... “Qualquer pessoa podia ver isso, como não percebi antes... por mais que ela seja odiosa…. Opa como foi que meus pensamentos chegaram aqui… Vamos focar em outra coisa...” Quarenta e três voltas. “Minha mãe, isso, ainda tem minha mãe” quarenta e cinco voltas “Porque ela era tão difícil” - Você também se esqueceu dela –lembrou-me o meu subconsciente “Certo acho que teria que visitá-la e me desculpar por isso, de certo modo eu sabia que ela só estava preocupada comigo, mesmo que às vezes ela incorpore o “santo das novelas mexicanas” quarenta e sete voltas.

    Dei-me por satisfeita com as voltas e resolvi voltar ao quarto, caminhei distraída pelos corredores sem realmente me preocupar com nada, respirei fundo antes de entrar no quarto pronta para enfrentar Clara caso ela surta-se, mas o quarto estava vazio, escutei a água do chuveiro ligada meu corpo voltava a doer, peguei algumas roupas e resolvi usar o banheiro do corredor para tomar meu banho, a água quente levou com ela o resto das minhas preocupações, demorei um pouco mais que o normal e quando voltei para o quarto percebi que o chuveiro continuava ligado “Bom ela realmente não tem juízo mesmo” pensei enquanto deitava na cama e pegava um livro qualquer, mesmo cansada me sentia desperta demais ainda, percebi que os minutos se passavam e nada de Clara sair, comecei a me preocupar pensei em chamar alguém, mas se ela simplesmente tivesse esquecido do tempo eu estaria caçando confusão atoa, levantei e bati na porta, nada de resposta, tornei a bater e nada, resolvi entrar girei a maçaneta e espiei dentro, a cena que vi me paralisou por um momento, era Clara, ela estava lá sentada embaixo da água suas feições mortas, parecia distante de tudo sem se dar conta do que estava acontecendo ali, seus braços agarravam seu corpo como o impedindo de despedaçar e seus olhos banhados de um vermelho tão profundo que chegava a assustar, por um momento fiquei parada, esperando que ela recobre-se a consciência, gritasse comigo por estar ali, que ao menos piscasse, mas isso não aconteceu, eu tinha que fazer algo, entrei no banheiro e desliguei a água, então me abaixei na sua frente sacudindo minha mãos, por algum tempo seus olhos desfocados parecerem não me enxergar então ela piscou como se tenta-se lembrar de algo e por fim sorriu, não era aquele sorriso hostil que eu estava acostumada esse era doce, eu a puxei pelas mãos fazendo-a ficar de pé, e estendi a toalha em sua direção, ela ainda parecia meio perdida com tudo, sem ter jeito comecei a secá-la, seus dedos já estavam enrugados o que me fez pensar que ela deveria estar naquele chuveiro desde a hora que sai, Clara me olhava sem realmente entender e eu também não entendia direito o que estava fazendo, quando terminei voltei a encará-la pra quem saiu no soco a algumas horas atrás aquilo estava prá lá de surreal.

  –Vem. –chamei tentando puxá-la comigo ao quarto, mas ela não se moveu.

  –Eu não consigo...

  Sua voz estava fraca, carregada de uma tristeza sem tamanho, foi a primeira vez que aquela mulher me pareceu frágil, sem pensar muito peguei-a em meus braços e a levei para cama, depositei seu corpo com cuidado e a cobri, levantei para ir para minha cama, mas a mão dela me prendeu.

  –Fica, por favor. –seu pedido foi um sussurro quase inaudível, pensei até em negar, mas que tipo de pessoa sem coração eu seria, ela parecia realmente mal.

  Sentei na sua cama apoiando minhas costa na cabeceira e ela recostou seu corpo no meu, inconsciente me pus a afagar seus cabelos num gesto descontraido, eles tinham um cheiro bom, perfumado como rosas me lembraria de olhar o nome do shampoo depois, ficamos assim por horas, quem visse de fora diria que nós duas nos dávamos muito bem, eu sentia que ela precisava desabafar, só não tinha certeza se eu era a pessoa certa para ouvi-la, então optei pelo silêncio, se ela achasse que eu era essa pessoa estaria ali.

  –Minha mãe morreu – meus olhos já estavam se fechando quando aquela frase me fez despertar no tranco.

  –O que? –demorou um pouco para a compreensão me atingir, limpei a garganta e tentei soar mais solidária -Digo.. eu, eu sinto muito... você quer falar sobre isso?

  –O tenente disse que foi um acidente...- sua voz morreu e ela parecia lutar para encontrá-la de novo, resolvi não pressionar e esperar o tempo dela –Meu pai está no hospital, em coma...

  –Oh meu deus Clara. –eu a abracei com o máximo de ternura que pude, ninguem deveria estar sozinha em um momento como aquele .

  Nessa hora ela começou a chorar e aquilo fez meu coração se partir por ela, eu chorei junto, sempre fui uma manteiga derretida quando via alguém aos prantos, o barulho de meu choro deve tê-la despertado porque ela virou para me olhar.

  –Por que você está chorando Isabel? -Sua voz estava meiga, tanto que nem a reconheci parecia que outra mulher estava em minha frente, aquela deveria ser a Clara que todos julgavam ser adoravel, a Clara que não existia pra mim.

  -Por você”. -respondi ainda olhando seus olhos. -ninguém deveria passar por algo assim só.

  –Por quê?

  –Olha, nesse momento vou esquecer que você é a Clara e vou te ver apenas como uma pessoa que precisa de um ombro amigo… tudo bem por você?

  O olhar dela suavizou e ela voltou a se deitar sobre mim, entendi aquele gesto como um sim e voltei a afagá-la, nenhuma palavra mais foi dita entre nós, permanecemos assim durante boa parte da noite,não sei quando o sono me atingiu, a ultima coisa que me lembro daquela noite é de sentir o cheiro dos seus cabelos me embalar e do ronco baixo que escapava por seus lábios.

Fim do capítulo