Capítulo 18
NUVENS NEGRAS!
A reação de Constance ao seu ato infeliz deixou Iara arrasada! Não conseguiu encontrar palavras para se defender diante dela e nem para si mesma. Havia agido num impulso infantil, sem racionalizar as conseqüências do mal que poderia causar aos que mais amava. Tinha visto o quanto os amigos ficaram preocupados, a falta que fez para filha tão amada, a decepção que causou na única mulher que realmente importou em sua vida!
A reação contundente de Constance a tinha afetado sobremaneira. Não sabia mais como reagir diante dela, se deveria tentar dizer algo mais para justificar sua atitude idiota, mas dizer o que? Se nem mesmo ela acreditava nas suas próprias desculpas! Havia sumido por causa de sentimentos pequenos, mesquinhos como o ciúme, a insegurança, o orgulho ferido, o egocentrismo exacerbado. Então, no fundo acreditava que Constance tinha razão, ela foi leviana, fútil, egoísta!
E agora?! O que fazer para reconquistar o respeito e a confiança de Constance?!
Não tinha a menor maturidade para lidar com relacionamentos. No fundo nunca tivera uma relação normal de casal como a que estava tendo com Constance nos últimos meses. Pelo menos não uma onde sentimentos verdadeiros estivessem envolvidos. Com Lorenzo era um casamento por conveniência, de ambos os lados, diga-se de passagem. Com os outros homens que conheceu era apenas uma puta de luxo, sustentada para ficar à disposição deles de acordo com suas conveniências. Com as mulheres, nunca havia estado mais que duas noites com uma. Portanto, nunca houve um relacionamento normal, baseado em amor, paixão, companheirismo, troca!
Nunca namorou! Nunca se envolveu afetivamente com ninguém! Nunca antes tinha se apaixonado, mesmo que não fosse daquela forma tão intensa! Por isso, toda a sua imaturidade emocional ficou evidente em não saber como lidar com aquela avalanche de emoções que a relação mal resolvida com Constance provocou!
Mas como colocar tudo isso em palavras e mostrar a Constance o quanto estava sinceramente arrependida?!
Pela reação dela, antevia um período extremamente difícil e que esta empreitada não seria nada simples! Mas de uma coisa tinha certeza...usaria de todas as suas armas, toda a sua força de vontade e, principalmente, todo o seu amor para fazê-la ver que tinha aprendido a lição e não agiria dessa forma outra vez!
A saudade imensa que sentiu das duas quando estava no Rio de Janeiro, a forma como se viu seca e sem vida longe delas, foi a prova contumaz de que seu lar era agora a Toscana, aquela Vinícola, junto de Bia e Constance! Faria o que fosse preciso para mostrar-lhes isso!
Jordi veio no dia seguinte pegar o carro que emprestou a Iara. Aproveitou para saber em que pé estava a situação entre elas:
- Péssimo! Está tudo péssimo! Ela não fala comigo, aliás, nem olha na minha direção! Jordi, você tinha que ouvir as coisas terríveis que ela me disse! Ela me odeia!
- Que isso, mulher! Constance odiar alguém?! Não estamos falando da mesma pessoa!
Pelo semblante arrasado de Iara, Jordi começou a acreditar que não era exagero da amiga.
- Ela me disse tantas coisas horríveis! Mas no fundo eu sei que ela tem razão! Eu agi como uma criança mimada que faz birra quando não lhe dizem aquilo que quer ouvir! Eu fiz Bia sofrer, ela chegou a ficar doentinha com febre! Fiz Constance sofrer de angústia por não entender minhas razões, por não saber onde eu estava, por ter sido mais uma decepção na vida dela! Ela não tem culpa de não me amar como amou Camille, mas ela me dava todo o amor que podia me dar, e eu fui uma egoísta em não aceitar, em querer mais!
Iara suspirou resignada ao admitir suas fraquezas...
- Mas como poderia eu querer mais amor se eu mesma não sei amar?! Ela tem razão, Jordi, sou uma egoísta, com um ego maior que minha altura, uma infantilóide que nunca soube conquistar o amor de ninguém!
- Que besteira é essa que tá dizendo, Bi?! Você sabe o quanto eu te amo e se estou aqui neste lugar foi graças a você! Você me deu muito amor sim e sabe disso!
- Foi diferente porque você era meu companheiro de infortúnios, Jordi. No fundo nós dois nos escorávamos um no outro para não pirarmos naquele lugar, com aquela vida de merd*! Depois, quem nós tínhamos que não fosse um ao outro?! Claro que nos amamos, não tivemos outra opção!
E abraçou o amigo dando um sorriso triste. Jordi aquiesceu, sabia o que a amiga queria dizer. Pegou-a pelo rosto e olhando firme em seus olhos disse...
- Eu só tenho uma coisa pra te dizer...não desista! Faça ela ver que você está aprendendo, mas que não há nada mais importante nesse mundo que estar aqui, ao lado delas! Você errou, agora corra atrás do prejuízo! Reconquiste essa mulher porque ela vale à pena! Pega sua felicidade de volta!
Iara balançou a cabeça concordando. Não precisava dizer nada porque sabia que o amigo estava certíssimo. Agora cabia a ela tentar consertar todo o estrago que tinha feito com sua fuga!
Tomou uma decisão! Se Constance era uma rocha de mágoa, ela seria a água que aos poucos quebra a pedra e atinge seu interior. Mesmo que ela fosse fria e a escorraçasse ela sabia que algum sentimento Constance deveria ter porque senão seria indiferente a tudo aquilo e não estaria com tanta raiva e tão magoada.
Faria o que fosse possível para ter de volta o respeito e a admiração de Constance, mesmo que não tivesse nunca o amor que sonhava, queria de volta o carinho, a atenção, os cuidados, o sex* delicioso e a paixão que viviam.
Tinha fugido por não ter o amor que ela sentia por Camille, por não ter um amor que não era de fato seu! Agora estava de volta para ter outra vez o que Constance já havia dado a ela, a felicidade de ter uma família, de sentir pertencer a alguém, de ser querida e respeitada, de ser mulher dela de todas as formas!
Voltou para conquistar o SEU amor e não o de Camille!
Primeiro tinha que saber se Constance ainda sentia atração física por ela. O tesão que sentiam uma pela outra era um forte aliado nos planos de reconquista de Iara. Ela poderia até resistir no começo, mas se cedesse um pouquinho que fosse, seria a porta de entrada para as investidas daquela mulher insanamente apaixonada.
Iara retomou as atividades que estava acostumada antes, só diminuiu consideravelmente o tempo que dedicava ao trabalho. Percebeu que participar do desenvolvimento diário da filha era muito mais importante que qualquer outra coisa. Além disso, queria estar o mais próxima possível que pudesse de Constance, mas ainda não tinha conseguido muita coisa.
Constance estava muito calada desde que ela voltou há dois dias. Não falava com Iara e sequer olhava na direção dela. Saia pela manhã e se ocupava da Vinícola até a hora do almoço, depois ficava com Bia um pouco e antes do jantar se trancava no quarto impedindo qualquer tentativa de aproximação por parte de Iara.
Mas nossa anti-heroína não desistiria assim tão facilmente.
Na tarde seguinte tinha terminado seu trabalho na biblioteca e chegou à varanda principal onde Constance olhava Bia correr empurrando seu triciclo de um lado ao outro do extenso alpendre. Ela estava de costas para a porta e acompanhava Bia fazendo suas estripulias com um arremedo de sorriso nos lábios, parecia estar muito triste!
Sem conter a vontade terrível que sentia de tocá-la, aproximou-se e chegou a boca bem próxima ao ouvido de Constance, sussurrou com o hálito quente a roçar na pequena orelha...
- Ela está linda...a nossa Bia!
Constance levou um susto que quase fez seu coração saltar pela boca! Levantou em um salto só e olhou Iara com o verde-mar num turbilhão! Pela primeira vez em dois dias, olhava diretamente nos olhos dela e Iara viu a ira dentro deles! Disse entredentes para não assustar a pequena que continuava a brincar alheia à animosidade entre elas...
- Nunca mais faça isso! Não quero que se aproxime de mim!
Com o rosto pegando fogo pelo desejo imenso de tocá-la, Iara pareceu não ouvir! Segurou firme a gola da blusa que Constance usava com uma das mãos e com a outra se meteu por baixo de sua nuca se embrenhando nos cabelos avelã. Trouxe o rosto dela para bem perto do seu e suas respirações passaram a ser uma só corrente. Não pensava em mais nada que não fosse engolir aquela boca que lhe fazia tanta falta e sentir de novo seu gosto inesquecível!
E assim fez!
Sentiu os lábios tocarem os de Constance com energia, numa ânsia fomentada pela saudade e pela paixão que fazia todo seu corpo tremer! Invadiu aquela boca sentindo a umidade e o calor se misturar aos da sua, querendo tragar para si toda a saliva que brotava daquele recanto amado! Sentiu as mãos de Constance tentando afastá-la, mas contraditoriamente a boca correspondia às lambidas e sugadas que Iara continuava a dar-lhe! Gem*u dentro dela, mordeu de leve o lábio inferior, passou a língua pelos cantos e puxou a cabeça de Constance para mais junto ainda da sua. Estava enlouquecida de saudades e nem se deu conta que estavam na varanda externa da casa, onde qualquer pessoa poderia vê-las, inclusive Beatriz, que sem entender o que era aquele embate diante de seus olhos, achou melhor interromper pensando ser uma briga.
Sentindo a pequena puxar a barra de seu vestido, Iara afrouxou o abraço e soltou Constance, que com a respiração ofegante bradou...
- Sua...sua...como ousa fazer isso?! Como...como ousa me tocar?! Eu te detesto! Tenho nojo de você!
Também nervosa, mas com a certeza de que ainda mexia com Constance pelo menos fisicamente, falou com a voz rouca pelo desejo...
- Mentira! Você não tem nojo de mim! Se tivesse teria limpado a boca quando te soltei! Ao invés disso, tai saboreando meu gosto! Você ainda me quer!
Limpando a boca com o dorso da mão, Constance diz com raiva...
- Não quero! Você matou tudo em mim! Não quero nada de você! Nunca mais me toque!
Sem entender o que se passava, Beatriz começa a fazer cara de choro e balbucia...
- Não Tanti...mama meu...biga não!
Atordoada Constance pega Bia no colo e a beija para tranqüilizar a pequena. Iara olha profundamente pra ela, beija o rostinho da filha e aproveita que Constance não pode recuar para não assustar Bia, ela faz uma carícia nos cabelos e no rosto dela e diz...
- Calma, filha! Tanti não tava brigando com mamãe...Tanti fazia carinho na mamãe...assim ó...
E novamente beija os lábios de Constance, mas dessa vez de leve aspirando o perfume que vinha dela.
Constance fechou os olhos e retraiu todo o corpo. Como detestava sentir aquela lava incandescente a consumindo por dentro pelo toque de Iara.
Beatriz sorriu feliz e na sua inocência infantil beijou a irmã e a mãe para mostrar que entendia o carinho delas.
Emma chega na varanda e percebe o clima tenso no ar. Constance entrega Bia pra ela e entra na casa quase correndo, subindo as escadas em direção ao seu quarto. Iara faz um gesto para que Emma fique tranqüila e vai atrás dela. Sobe os degraus de dois em dois e alcança Constance antes que ela chegasse ao quarto, ofegante diz...
- Constance, eu só quero que você me perdoe e me dê uma segunda chance! Eu sei o quanto fui imatura, estúpida, egocêntrica! Você tem razão em tudo o que disse pra mim, só não tem razão em uma coisa...eu posso nem merecer ser amada, mas sei perfeitamente o que é amor...é Bia...é você! Acredita em mim, eu te...
Colocando as mãos na frente do corpo para que Iara não se aproximasse mais, Constance não a deixa terminar a frase e diz indignada...
- Nem termine o que está pra dizer por que eu não acredito em você! Você mostrou sua verdadeira face quando disse que não queria mais esse tipo de vida, que preferia aquela que você já conhecia e que te fazia feliz! Então me faça um favor, volte para sua antiga vida de festas e glamour e me deixe em paz! Você é muito baixa em usar a própria filha pra me subjugar às suas safadezas, aos seus caprichos! Eu não suporto seu toque! Fique longe de mim!
E entrou no quarto batendo a porta com força, sem dar chance para Iara argumentar mais nada.
Iara suspirou resignada! Sabia que a batalha definitivamente não seria fácil, mas queria era vencer a Guerra, então não esmoreceria diante do primeiro confronto!
Pelo menos aquele beijo tinha valido a pena! Pensava com esperanças...
“Ela correspondeu! Sim, ela também quis me sentir...tocou minha língua com a dela...me sugou, quis me beijar! Ela pode até lutar contra isso, mas ainda me quer e vou aproveitar essa fraqueza, afinal no amor e na guerra vale tudo não é mesmo?!”
Mas na manhã seguinte, os planos de Iara em reconquistar Constance seriam novamente frustrados ou pelo menos adiados.
Ao acordar ouviu um burburinho diferente vindo do lado de fora. Constance costumava ser a primeira a acordar e levar Bia para o desjejum matinal, mas não reconheceu a voz dela entre as vindas do corredor.
Abriu a porta preocupada e logo avistou o Doutor Giane entrando no quarto de Constance seguido de Emma e o marido. Bia chorava no carrinho tentando se desvencilhar do cinto que a segurava. Quando viu a mãe, estendeu os braços pedindo colo.
Antes de pegá-la, porém, Iara entrou no quarto de Constance seguindo os demais já antevendo o que estava por vir. E sua apreensão foi confirmada! Constance apresentava o mesmo estado de catatonia que já vira antes! Era examinada pelo Doutor Giane, enquanto Emma chorava e Gigio a amparava preocupado. E aquela mesma cena já vista há quase dois anos se repetiu como um “Dèja vu” desagradável!
Dessa vez Constance não estava na cadeira, mas sentada na cama encostada entre os travesseiros, com um álbum nas mãos. Aproximou-se e já sabia que fotos eram aquelas, já tinha visto antes, eram as fotos de Camille. Mas no meio do álbum havia uma foto solta, uma intrusa no meio do belo sorriso da falecida, uma foto de Iara ao lado de Constance naquele dia no Bar em Siena.
Iara estranhou e foi tomada pela surpresa. Não conhecia aquela foto! Lembrou que Francesca e Laura haviam tirado várias fotos naquela noite, mas nunca teve interesse em pedir cópias e jamais imaginou que Constance tivesse uma delas, justamente a que estava somente as duas! Elas sorriam na foto, Constance olhava diretamente para a câmera, mas Iara olhava Constance, com cara de apaixonada, como já estava na época e não admitia! Fora pega de surpresa, totalmente à vontade e sem saber que estava sendo fotografada! E de repente se deu conta de que via ali naquela foto o mesmo olhar que Camille deu à Constance no video! Era o mesmo olhar de amor desmedido!
Lembrou que aquela noite foi a primeira que estiveram juntas, que se amaram, que se permitiram! Constance em parte e ela totalmente entregue àquela paixão insana!
Iara pegou a foto e com os olhos marejados e a voz embargada diz...
- Mais uma vez minha culpa! Eu provoquei isso discutindo com ela ontem! Eu sinto vontade de morrer!
Enxugando as lágrimas, Emma coloca as mãos nos ombros de Iara e diz consolando-a...
- Não filha, isso aconteceria mais dia menos dia. São as seqüelas do acidente e um aborrecimento qualquer pode desencadear isso, até mesmo uma notícia ruim na TV.
- Mas eu vivo aborrecendo ela, Emma! Ela ficou furiosa com a minha ida para o Brasil, mas deve ter reprimido isso para não atingir Beatriz, por isso ficou assim agora!
- Ela não ficou furiosa. Ela ficou devastada!
Emma diz desolada. E continuou no mesmo tom...
- Nem do chão queria se erguer quando a encontrei com seu bilhete na mão! Pensei que naquele dia mesmo ela ficaria desse jeito, mas acho que tem razão, ela não se entregou porque tinha Bia!
Iara não tinha voz para dizer mais nada! Seu peito havia sido tomado por uma enorme agonia e o remorso novamente a atingiu como uma avalanche!
Doutor Giane, que tinha terminado seus exames preliminares, diz intrometendo-se no diálogo...
- Isso mesmo, Senhora Gomide! Ela está novamente catatônica por conta de algum grave aborrecimento! Não tenho intenção alguma de apontar culpados, apenas quero dizer que evitem esses estresses contínuos, pois eles de fato desencadeiam a reação catatônica que ela desenvolveu com o acidente.
E guardando seus instrumentos suavizou o semblante falando com certo entusiasmo...
- Mas posso ser otimista dessa vez! Ela não tinha uma crise dessas há dois anos e isso é fantástico! Ela costumava ter crises cerca de três vezes por ano! Isso mostra que a medicação que tenho ministrado com as sessões de psicoterapia tem surtido um efeito melhor do que o esperado! Pelos exames iniciais, posso afirmar que ela não ficará nesse estado por muito tempo, e se meus prognósticos se confirmarem, acho que Constance caminha bem para uma possível cura!
Apesar de tristes, a esperança se instalou no coração de todos e anuviou a tensão gerada pelo estado de Constance. Mas Doutor Giane ainda tinha mais a dizer para Iara...
- Não a estou culpando, Senhora, mas peço que se contenha mais e evite confrontos acirrados com minha paciente. Eu a conheço desde que nasceu e sei que não é dada a brigas. Estou chamando sua atenção como um velho amigo da família que adora essa menina e que está se afeiçoando a Senhora também. Quanto mais tranqüilidade ela tiver em torno de si, melhor será o efeito da medicação e mais rápido ela poderá sair desse estado. E minha esperança é que essas crises fiquem cada vez mais esparsas até não acontecerem mais!
Com o olhar úmido, Iara garantiu...
- Pode deixar, Doutor. Vou cuidar dela o tempo todo, como fiz da última vez. Vou mostrar o quanto é amada por todos nós e juro que não haverá mais brigas!
- E nem fugas!
Repreendeu Emma.
Iara abaixou o olhar e aceitou sem retrucar a reprimenda daquelas pessoas, que assim como ela, também queriam somente o bem de Constance.
E mais uma vez aquela casa preparou-se para viver sua rotina em função de sua dona. Iara voltou a dormir no quarto junto de Constance. Fazia questão de dar todas as refeições a ela e a medicação como da primeira vez. A levava para passear pela Vinícola e conseguiu fazer Bia entender que a irmã estava num momento peculiar.
Era tocante ver como a pequena havia absorvido bem aquela mudança e tratava Constance como alguém que requer atenção especial. Fazia carinho o tempo todo, mostrava seus brinquedos, contava longas histórias que ninguém mais entendia, beijava a irmã onde pudesse alcançar e muitas vezes pedia para ser posta no colo dela, onde dormia aconchegada.
Iara continuava seu trabalho na administração dos bens das duas, mas também não descuidava da produção da Vinícola, exigindo que Gigio viesse todos os dias colocá-la a par dos acontecimentos, para mais tarde contar a Constance cada detalhe do andamento da produção no Vinhedo.
Conversava com ela como se ela estivesse normal. Contava o que se passava na Vinícola, as peripécias de Beatriz, as novidades nos jornais e na TV, suas reminiscências de infância e adolescência, suas alegrias e vicissitudes, lia para ela. Comentava cada assunto como se ela pudesse responder e queria muito que ela o fizesse logo, mesmo que fosse para escorraçá-la de perto dela depois.
Logo os amigos ficaram sabendo do estado de Constance e não demorou para que Jordi, Carlo, Francesca e Laura viessem vê-la. Estavam todos na sala, inclusive ela na cadeira de rodas olhando para o nada, quando Francesca se volta para Iara num tom acusador...
- Tá vendo só o que sua fuga estúpida fez com ela?! Acha mesmo que tem condições emocionais de fazer parte da vida de alguém como Constance?! Ela é sensível, especial e não esse monte de estrume que você está acostumada!
- Francesca, você não tem o direito de falar com Iara assim! Só piora tudo!
Laura intervém indignada com a atitude grosseira da mulher. Francesca rebate...
- Tenho sim, ela é como se fosse minha irmã e já disse que não vou deixar essa aí destruir a vida dela com seus caprichos de criança egocêntrica que acha que o mundo gira em torno do seu precioso umbiguinho!
- Fran...
Mas antes que Laura pudesse retrucar mais uma vez, Iara disse resignada...
- Deixa, Laura! Ela em parte tem razão! Eu agi de forma estúpida mesmo, sem maturidade, querendo puni-la por não me amar! Entendo Francesca que com sua sutileza de paquiderme falou apenas a verdade!
- Melhor ser um paquiderme que uma mulherzinha infantil que não sabe como reagir ao achar que é menos amada do que merece! Você quis o que não te pertencia, aquele amor era para Camille! Porque não conquistou o seu próprio amor? Ela nunca poderia te amar como amou Camille porque vocês não são iguais! Entenda que não há medida para o Amor! Ele é diferente para cada pessoa, em cada situação, em cada tempo, com suas histórias particulares e únicas!
Iara sabia que ela tinha toda razão, mesmo a verdade doendo como um punhal em seu estômago. Jordi decide falar para apaziguar os ânimos...
- Vocês duas amam Constance cada qual a sua maneira. Porque não dão uma trégua e pelo menos se tolerem para trazer vibrações positivas pra nossa amiga, hein?!
Iara levanta, se aproxima de Constance e deita a cabeça em seu colo, fica assim por alguns minutos e em seguida diz se virando para Francesca...
- Você me irrita com esse seu jeito de intrometida-sabe-tudo, mas sei que adora ela também, então para de me encher o saco com essas acusações e me ajuda a ser melhor pra ela tá bom?!
Soltando o ar fortemente pelo nariz, Francesca concorda fingindo contrariedade...
- Tá bom, vou te aturar por causa de Constance, mas já disse, se vacilar outra vez eu mesma dou um jeito em você!
- Nossa, que medo!!!
Iara debochou! E todos perceberam que a animosidade entre elas viraria camaradagem com o tempo.
Mais tarde Iara pega a foto que encontrou com Constance e pergunta para Laura...
- Lembra dessa foto? Acho que foi você ou Francesca que tiraram naquele dia do Bar.
- Claro que lembro. Enviei para o e-mail de Constance as fotos que tiramos naquela noite. Você não tinha percebido que tirei a foto, veja como está natural!
Com tristeza Iara concorda...
- Sim, estava com ela junto ao álbum de Camille quando a encontramos no quarto, catatônica.
Francesca se aproxima das duas e pega a foto dizendo com sua habitual altivez...
- Quando vi essa foto eu comentei com Constance para que reparasse na sua cara de apaixonada pra ela! Então, se imprimiu a foto, foi porque gostou do que viu!
- Ela tava me comparando com as fotos de Camille! Não tinha que fazer isso...somos tão diferentes!
Suspirando com impaciência Francesca fala...
- Ela não comparava você à Camille! Ela devia estar era se punindo por sentir por você algo parecido que sentia por ela. Constance se pune diariamente por causa daquele maldito acidente e se descobrir apaixonada por você trouxe de volta toda a culpa e remorso multiplicados!
Jordi se aproxima e finaliza apertando-lhe a ponta do nariz...
- A sabichona aí tem razão, Lerdinha! Pense nisso!
Naquela noite, a temperatura em torno da região da Toscana havia caído consideravelmente. Os aquecedores foram ligados, mas a temperatura foi mantida baixa para evitar choque térmico. Iara preparou a cama com um edredom mais grosso e arrumou da forma que Constance gostava de seus travesseiros. Pegou-a na cadeira e a fez andar até a cama.
Quando estava nesses estados de catatonia, Constance deitava sempre de barriga para cima olhando fixamente o teto até os olhos fecharem. Naquela noite, porém, deitou meio de lado, com os braços atravessados na direção em que Iara deitava. Olhava fixamente um ponto qualquer na parede lateral à cama e por poucos centímetros não olhava diretamente para Iara. Esta se deitou e deixou uma luz baixa e difusa vinda apenas do pequeno abajur de sua mesinha de cabeceira, que a deixasse olhar para Constance sempre que abrisse os olhos, coisa que fazia várias vezes durante a noite.
Virou o corpo de frente para ela e começou a conversar como fazia todas as noites antes de ser vencida pelo cansaço...
- Eu fui tão mesquinha em invejar o amor que você tem por Camille! Francesca tem razão, sou uma incompetente que não consegue cultivar um amor que seja para mim, um amor meu! Quis o amor que era dela e que vai ser dela sempre!
Esticou a mão e tocou o rosto de Constance suavemente fazendo as pálpebras dela tremerem, continuou...
- Você me dava amor sim...no jeito que me olhava...no modo como me tratava com dignidade e respeito...nas minhas vontades que sempre fazia questão de satisfazer...na paixão com que amava meu corpo! Sim, você me amava a sua maneira e eu me sentia tão feliz quando percebia nos pequenos detalhes os indícios desse amor! Só que deixei meu ego falar mais alto e o ciúme cobriu como uma nuvem negra essa percepção! Eu tenho tanta raiva de mim mesma por ter feito isso conosco! Será que um dia você vai conseguir entender os meus motivos imbecis e voltar a ser a minha Constance tão adorada?!
As pálpebras de Constance começaram a mover-se freneticamente e Iara notou que ela de alguma forma estava absorvendo o que era dito. Teve receio de estar perturbando suas emoções e decidiu parar com aquelas declarações. Chegou mais perto ainda de Constance, virou o corpo dela para o lado oposto ao seu e encaixou-se como uma concha nas costas dela. Puxou as cobertas e tornou aquela cama um ninho perfeito de aconchego. Aspirou o perfume que vinha dos cabelos e do pescoço de Constance. Abraçou-se mais ainda a ela e sussurrou próxima ao seu ouvido...
- Eu te amo!
Fim do capítulo
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