Capítulo 17
COVARDIA!
O dia seguinte amanheceu ensolarado realçando ainda mais as alamedas cobertas de Girassóis cor de ouro. A tempestade do dia anterior havia deixado os campos parecendo ainda mais verdes. Constance olhava sua Vinícola da varanda de seu quarto, sentindo uma angústia que não combinava com a paisagem que descortinava diante de seus olhos. Parecia pressentir o que estava por vir!
Mais cedo...
Depois do incidente no cemitério, Iara não permitiu mais que ela se aproximasse nem quis ouvir suas explicações e desculpas. Passou o resto do dia trancada na biblioteca pensando no que fazer de sua vida e a noite ficou com Beatriz até que ela dormisse.
Não voltou ao quarto que dividia com Constance, dormiu junto de Bia e antes que amanhecesse partiu daquela casa levando consigo uma pequena valise com meia dúzia de peças de roupas e todas as inseguranças de uma vida de rejeições!
Pegou o carro e foi para Siena. De lá pegaria um avião para Roma e depois outro para o Rio de Janeiro. Precisava colocar as idéias em ordem e não conseguiria isso estando tão perto de Constance. Ainda não tinha certeza do que deveria fazer de sua vida. Muito menos se teria forças para viver longe delas.
No caminho relembrou os últimos momentos antes de deixar a Vinícola:
Olhar para a filha dormindo no berço e ter que deixá-la foi a decisão mais difícil que já tomou na vida! Antes de sair, voltou umas cinco vezes pensando em levá-la também, mas sabia que não seria o melhor para Bia. Não estava abandonando a filha! Mas tinha certeza de que se a levasse, ela sentiria uma falta terrível de Constance, muito mais que da própria mãe. Era inegável o apego das duas e pensou que faria muito menos mal se não a tirasse de Constance.
Não era o melhor para Iara, mas era o melhor para a filha e, sem dúvida, para Constance também. Nos seus delírios de insegurança, Iara pensava...
“Constance pode até sentir minha falta no começo, principalmente do sex*, mas depois acostuma. Mas se eu levar Bia, ela não vai suportar! Pode até morrer e eu não quero carregar essa culpa comigo! Minha pequena Beatriz também vai sentir minha falta, é claro, mas menos do que sentiria da irmã. Ela também sofreria demais e poderia até ficar doente...será que vou conseguir?!”
Acarinhou o rostinho suave da filha e a beijou várias vezes antes de partir! Com os olhos transbordando, disse baixinho...
- Não estou te abandonando, meu anjinho...virei sempre te ver! Só preciso não estar tão perto da sua irmã agora e se te levar sei que vai sofrer demais a falta dela, mais que de mim! Mamãe vai voltar logo, prometo!
E se foi quase sem conseguir enxergar o caminho de tantas lágrimas a lhe inundar os olhos e a alma.
Mais tarde...
Constance saiu do quarto e tentou se preparar emocionalmente para o confronto com Iara. Sentia uma opressão estranha no peito, uma angústia que somente era explicada pelo desentendimento que tivera com ela no dia anterior.
Havia passado a noite toda quase em claro pensando na melhor maneira de dizer a ela que não se sentisse tão insegura. Adorava de verdade cada minuto que passavam juntas e não era somente por Beatriz. Iara já ocupava um espaço em sua vida e em seu coração que não tinha como negar. Estava de fato apaixonada por ela e isso era incontestável!
Claro que ainda sentia um enorme remorso toda vez que percebia o quanto estava mais feliz a cada dia. Remorso por ter sido a causadora da morte de Camille e ela não poder estar ali para ser feliz também, pois havia tirado esse direito dela! Mas apesar de saber que carregaria essa culpa para sempre, não podia deixar de admitir que Iara tinha tocado seu coração de um jeito que somente Camille havia conseguido!
Tinha escolhido cuidadosamente cada frase que diria para ela, a fim de convencê-la a não sentir tanto ciúmes de sua falecida mulher. Sabia que toda aquela insegurança que Iara sentia era fruto de seu próprio comportamento e não queria magoá-la de novo. Se desejava aquela mulher na sua vida, tinha que fazê-la se sentir segura e sem dúvida alguma maculando a história linda que estavam vivendo.
Ajoelharia se fosse preciso, pediria milhões de desculpas e faria qualquer coisa para que ela acreditasse em seu amor e ficassem bem outra vez!
Não negava que amaria Camille para sempre, mas começava a acreditar que também podia voltar a ter uma vida plena de amor com outra mulher, e essa mulher era indubitavelmente Iara!
Sabia que Iara também sentia algo muito forte por ela e não era somente sex*. Isso lhe deu confiança para, com passos firmes e decididos, procurar por ela no quarto de Bia e declarar seus sentimentos.
Abriu a porta devagar para não assustá-las. O quarto já estava claro e Bia em pé no berço lhe balançava os bracinhos pedindo colo sorrindo. Iara não estava no quarto!
Olhou em volta e pegando Beatriz no colo decidiu procurá-la pela casa, mas antes que saísse do cômodo, notou um pequeno pedaço de papel sobre a cama ao lado do berço. Na frente uma inscrição: “Para Constance”.
Pegou-o e começou a ler seu conteúdo sem conseguir acreditar nas palavras ali escritas com a caligrafia que já conhecia tão bem! À medida que lia, as pernas fraquejavam e os olhos escureciam. Só não desmaiou porque o sentido de proteção foi mais forte e segurou firme Bia antes de descer com ela ao chão.
Releu diversas vezes o tal bilhete sem conseguir acreditar! E aquelas palavras passaram a ser como um mantra às avessas que não saia de sua mente...
“Não quero mais esse tipo de vida pra mim! Jamais estarei à altura do seu amor perfeito e acho muito injusto competir com alguém que nem um corpo tem! Vou voltar para o tipo de vida que sempre almejei e que me fazia feliz antes de te conhecer! A menina do orfanato não acha mais graça em brincar de casinha! Fique tranqüila que continuarei a cuidar dos negócios e a prestar contas de tudo. Que fique bem claro que não estou deixando Beatriz para trás! Vou querer vê-la sempre! Eu apenas acredito que ela ficará melhor com você que comigo e sofrerá menos assim! Entrarei em contato em breve, mas gostaria que respeitasse minha vontade de não falar com você por enquanto. Ligarei para saber de minha filha e quero falar somente com Emma! Não me procure e respeite minha decisão! Será melhor assim!
Iara.”
Seis dias depois...
Iara chegou ao seu apartamento em Ipanema, no Rio de Janeiro, e ao abrir a porta, a sensação era de que entrava em uma câmara de gás letal. Não reconhecia a decoração que tinha feito pessoalmente e com muito orgulho de seu bom gosto na época. O cheiro de ambiente fechado misturado à maresia entrava em suas narinas e deixava uma sensação nauseabunda de que não queria estar ali! Nem mesmo a bela vista que tinha do mar conseguia aplacar a angústia que devastava suas entranhas!
Lembrou-se da alegria que sentiu quando comprou aquele belo imóvel com o dinheiro de Lorenzo. Na ocasião se imaginava uma vitoriosa, afinal pra alguém saída de um orfanato pobre chegar a ser dona de um apartamento como aquele num dos metros quadrados mais caros do mundo, era uma glória pessoal!
Mas naquele começo de tarde, olhando o mar sem fim num tom de azul Royal realçado pelo forte sol do verão carioca, Iara sentia-se muito mais pobre que quando vivia no abrigo! Nada tirava a sensação de choro iminente que não a abandonava. Nada preenchia o imenso vazio que tomava conta de todo seu ser. Nada parecia ter sentido e era como se a vida que vivera antes de ir para a Toscana não tivesse sido dela. Era outra pessoa!
Parecia que jamais voltaria a sorrir!
Desfez a pequena valise que havia trazido. Decidira deixar quase todas as suas roupas na Vinícola, porque cada vez que vestisse uma delas, seria invadida pelo cheiro daquele lugar, pelo cheiro de Constance! Compraria roupas novas!
Começou a fazer uma faxina naquele imenso apartamento. Nem lembrava mais quando fora a última vez que tinha feito aquele tipo de trabalho doméstico, mas precisava se ocupar com algo. Abriu as janelas, tirou o pó de cada móvel e cada canto, limpou banheiros e cozinha, colocou novas roupas de cama e banho, tornou o lugar habitável.
À medida que trabalhava, chorava na mesma proporção suas mágoas e sua saudade! Não havia completado uma semana ainda que deixara a Vinícola e a falta que sentia de Beatriz e Constance parecia lhe sufocar! Já havia emagrecido a olhos vistos e o apetite parecia ter se evaporado junto com sua sanidade!
Relembrou os dias até chegar ao Rio. Deixou o carro no aeroporto de Siena e foi para um hotel para tentar viajar no dia seguinte, mas um feriado havia lotado todos os vôos para Roma. Nas 48 horas que passou em Siena, quase desistiu de tudo e voltou, mas teimosamente acabou levando adiante a intenção de passar um tempo no Brasil. Ficou alguns dias em Roma e seu celular não parava de tocar, sempre com os números de Jordi e Francesca, achou melhor não atender. Constance parecia ter acatado o seu pedido, pois o telefone da Vinícola não tentou chamá-la nenhuma vez sequer, nem mesmo Emma tentou falar com ela.
Imaginava como será que Bia e Conca estariam naquele momento, se sentiam a falta dela, se estavam comendo direito, se Constance tentaria encontrá-la mesmo com aquele bilhete estúpido que havia deixado para trás.
Não acreditava nas palavras que ela mesma tinha escrito naquele papel! A dor imensa que invadia seu peito naquele momento não era menor que a dor de não ser amada por Constance. Afinal, sentia-se muito feliz com a vida que levavam juntas e amava cada minuto da rotina daquela casa.
Menos de uma semana e já começava a perceber que a frustração de nunca vir a ser uma Camille na vida de Constance poderia ter sido perfeitamente digerida. Não precisava ter sido tão radical e deixado para trás as duas pessoas mais importantes da sua vida! Nada fazia sentido sem elas! Não via beleza em coisa alguma sem elas! Não sentia prazer em absolutamente nada sem elas!
Pensava angustiada...
“Que besteira eu fiz?! Burra, idiota! Agora eu tô sofrendo muito mais! Que importa se ela nunca vai dizer que me ama?! E a vida maravilhosa que tínhamos juntas?! E o jeito carinhoso e apaixonado que ela me tratava?! E as nossas noites de loucuras juntas?! E o amor imenso que ela sente pela minha filha?! Eu me sentia feliz ao lado dela como nunca fui! Quem precisa ouvir “eu te amo” diante de tudo isso?!”
Iara se punia mentalmente e as noites em claro se sucediam sem trégua. A saudade das duas era incomensurável e a cada dia via-se mais sem rumo e num caminho que não tinha sentido algum!
O celular toca outra vez e no visor vê o nome de Jordi. Decidiu que já é hora de falar com o amigo...
- Oi Jordi.
- Meu Deus, Iara! O que aconteceu com você?! Está bem?! Tá aonde?! Por favor, me diga que vou até aí agora!
Jordi estava aflito, mas muito aliviado por finalmente conseguir falar com a amiga...
- No Rio de Janeiro!
- O que??? Você foi para o Brasil??? Você é louca, mulher!!! O que deu em você???
- Eu surtei, Jordi! Não sei explicar...eu quis sumir! Constance não me ama...acho que até Bia não me ama...por isso não tive coragem de trazê-la comigo!
- Que monte de bobagens é essa que você está dizendo?! Como assim elas não te amam?! Você tem noção do que fez com elas?! Tem noção do mal que causou naquela casa?!
Jordi não usava mais o tom preocupado de antes, mas sim de extrema indignação...
- Como assim? Você foi lá, Jordi? Aconteceu alguma coisa com elas?
- Claro que aconteceu! Você é muito irresponsável e sem noção das coisas mesmo, viu Iara?!
Nervosa em saber, Iara pergunta tremendo...
- O que aconteceu com elas, Jordi? Fala logo, pelo amor de Deus!
- Ou você é muito fria ou então uma completa estúpida! Prefiro acreditar na segunda opção! O que você acha que poderia acontecer? Bia chora o dia todo chamando por você, teve febre durante dois dias seguidos, mas agora já está melhor! Se sua intenção é perder o amor da sua filha, então continue sumida sem dar notícias, você está indo muito bem nessa tarefa! Logo ela te esquece!
Silêncio. Iara se sentia um monstro em fazer sua filha sofrer daquela forma. Jordi continua num tom de ironia raivosa...
- Já Constance, acho que você conseguiu trazer de volta aquele espectro de mulher que ela era quando a conhecemos. Parabéns, Iara! Acaba de deixar arrasadas duas pessoas maravilhosas, como se sente com isso?! Como se sente ao fazer tanto mal aqueles que você dizia mais amar na vida?! Que tipo de amor é esse?!
Iara já não conseguia mais segurar as lágrimas e o pranto veio forte, convulsivo! A culpa que sentia era tão grande que misturada à saudade fazia a angústia se agigantar e travar sua voz! Do outro lado, Jordi ouvia os soluços e percebeu o quanto a amiga estava confusa e sofrendo também. Tinha certeza do quanto ela amava a filha e Constance e somente sentimentos muito mal resolvidos poderiam ter feito ela tomar aquela atitude impensada.
Deixou que ela chorasse por longos minutos, depois suavizando o tom de voz disse...
- Pode chorar! Sabe tanto quanto eu que fez uma enorme besteira! Mas também sabe que sou seu amigo e vou estar ao seu lado sempre! Me conte o que houve...
Entre soluços Iara falou...
- Medo...insegurança...frustração...foi isso que houve! Eu sou uma imbecil!
E começou a contar para Jordi cada detalhe dos eventos que desencadearam aquele monte de atos estabanados.
Quando terminou seu relato, já não chorava mais e a única coisa que tinha em mente era o tamanho da estupidez que havia praticado. Só uma certeza tinha no coração...voltar para a Toscana...voltar para onde sentia ser seu verdadeiro lar...voltar para seus dois amores!
- Estou voltando pra casa, Jordi!
Exatamente dez dias depois que havia saído da Vinícola naquela fatídica manhã, Iara retorna a Siena com o coração cheio de saudades e de esperanças de chegar logo na Vinícola e receber os beijos e abraços de sua filhinha e de sua amada!
No Aeroporto encontra Francesca e Jordi esperando por ela com cara de poucos amigos!
Sente vergonha!
Francesca se adianta, pisando duro e com o dedo em riste esbraveja para Iara...
- Eu só vou te dizer uma coisa...se fizer isso outra vez, eu mesma acabo com sua raça!
E girando nos calcanhares foi embora deixando Iara de boca aberta.
- Ela é louca né?!
Sem achar graça do comentário da amiga, Jordi diz num tom neutro...
- Louca é você! Ela tem razão, apesar de eu jamais permitir que ela cumpra a promessa!
Abraçou Iara e completou...
- Só vim ver se você estava inteira e bem. Não faça mais idiotices do que as que já fez! Foi suficiente! Trouxe meu carro para que você volte para a Vinícola, não vou levá-la até lá porque tenho uma reunião muito importante com distribuidores. Depois Carlo me leva para buscarmos o carro.
Iara aquiesceu e, apesar da bronca, sentia o conforto do abraço amigo. Jordi continuou...
- Mais uma coisa, ninguém sabe que voltou! Portanto, esteja pronta para qualquer tipo de reação! E não se esqueça, seja humilde e reconheça que errou!
No caminho para a Vinícola, Iara ia refazendo em pensamentos cada frase que queria dizer a Constance. Pediria desculpas por ter sido tão imatura e não saber lidar direito com suas emoções negativas. Cobriria ela e Bia de beijos até que não houvesse mais dúvidas de que estava arrependida e que essa fuga estúpida jamais se repetiria outra vez!
Quando parou diante da casa principal, seu coração parecia que ia saltar pela boca! Rufava tão forte que achou que alguém pudesse ouvi-lo se chegasse mais perto! Saltou do carro e instintivamente olhou para a varanda do quarto de Constance, viu seu vulto por trás das janelas, oculto pela forte luz que cintilava refletida no vidro.
Sentiu as pernas fraquejarem!
A porta da casa estava como sempre aberta. Entrou devagar, na expectativa do que iria encontrar. A sala parecia vazia, mas de repente vê surgir Emma trazendo Beatriz pela mão! A Senhora gorducha e bonachona arregala os olhos e solta um grito de surpresa!
- Ela voltou! Graças a Deus voltou!
Iara então sorriu encantada e ajoelhou no chão para receber a filha que corria cambaleante em sua direção, estendendo os bracinhos e com os olhos brilhando, também gritava sua alegria em ver a mãe...
- Mama...mama...qué mamaaa!
O abraço foi tão esperado e saudoso que imediatamente ao sentir o corpinho da filha junto a si, sua alma encheu-se de alegria e de uma esperança enorme de que tudo daria certo dali pra frente...de que nenhum mal poderia existir!
Beatriz começou a mostrar à mãe seus brinquedos preferidos e falava sem parar no seu dialeto próprio que somente Constance entendia completamente. Era a forma dela de dizer o quanto tinha sentido sua falta!
Não se cansava de beijar e abraçar a filha com os olhos aguados de tanta emoção!
Emma sorria ao vê-las tão felizes com o reencontro. Os dez dias pareciam ter sido meses e era claro que não se cansariam tão cedo daqueles chamegos.
Também se aproximou de Iara e disse com certa repreensão na voz...
- Porque nos deu esse susto, menina? Porque fugiu? Não sabe como ficamos devastados sem você aqui! Me diga que não fará mais isso...que não irá embora nunca mais!
Com um sorriso emocionado ela abraça Emma e diz com sinceridade...
- Nunca mais, Emma! Sei que fui uma idiota em agir assim...desculpe! Eu prometo que nunca mais faço isso outra vez!
- NÃO PROMETA O QUE NÃO PODE CUMPRIR!
A frase dita num tom alto e severo chamou a atenção das duas mulheres que olharam estáticas Constance parada no alto da escada de acesso aos quartos!
Iara estremeceu da cabeça aos pés! Jamais poderia imaginar aquele tom como um trovão vindo da boca da sempre suave Constance! Assustou-se e perdeu a voz!
Emma se afastou e disse tentando pegar Bia no colo...
- Vou deixar vocês a sós! Venha minha linda, vamos comer seu mingau da tarde...
Beatriz agarrada às pernas da mãe não parecia querer ser afastada dela tão cedo. Sorrindo para Constance aponta a mãe e fala...
- Tanti, mama...aqui...vem Tanti...mama meu!
Constance desce as escadas e se aproxima de Iara sem olhar nos seus olhos. Fixou em Bia e a pegando no colo diz, de costas para Iara...
- Sim, meu amor! Ela voltou! Vá papar seu mingau com Emma...
Bia fez que não queria ir, esticou o corpo para descer ao chão e começou a chorar pedindo colo à mãe. Com pena da filha, Iara se aproxima e diz para Constance que continuava de costas pra ela...
- Pode deixar que eu dou o mingau dela, Constance...ela quer ficar comigo e...
Mas antes que pudesse concluir, Constance entrega Beatriz para Emma e diz energicamente...
- Leve ela para a cozinha agora! Depois ela pode ficar com a mãe o tempo que quiser...agora não!
Iara sentiu o peito apertar! Nunca vira Constance agir assim com a irmã, sempre fazia todas as suas vontades! Pressentiu que não teria uma boa recepção da parte dela.
Assim que Emma se retira, Constance respira profundamente e se vira para Iara com o semblante duro como pedra. Encara ela com o olhar mais gélido que Iara jamais imaginara em ver no rosto daquela mulher sempre tão doce!
Iara retraiu-se, sentiu medo!
Quando abriu a boca, o som da sua voz era gutural, cheio de ira incontida, de mágoa sem fim...
- COVARDE! VOCÊ NÃO PASSA DE UMA RELES COVARDE! TENHO NOJO DE GENTE COMO VOCÊ...EGOÍSTA, INDIVIDUALISTA, FÚTIL! NÃO MERECE O AMOR DA SUA FILHA! ALIÁS, NÃO MERECE O AMOR DE NINGUÉM!!!
Iara sentiu um choque chacoalhar seu corpo dos pés à cabeça! Nem nos seus piores pesadelos havia imaginado aquelas palavras e principalmente aquele tom vindo de Constance! Conviviam por quase dois anos e durante todo aquele tempo nunca havia visto ou ouvido nada semelhante àquela explosão de ira! Mesmo quando aborrecida ou contrariada, nunca vira ela alterar a voz com ninguém daquela forma, nem mesmo no incidente com a enfermeira! Não conseguia acreditar que aquela mulher que lhe dizia palavras tão duras, com os olhos vermelhos e injetados de raiva, era a mesma Constance doce e meiga pela qual havia se apaixonado! Estava irreconhecível!
Tentou dizer algo, mas estava muito nervosa e a voz saiu gaguejante e trêmula...
- Eu...eu...queria dizer que...não vou mais embora...eu...eu...juro...de..desculpe...
- DESCULPAS?! ESTÁ ME PEDINDO DESCULPAS?! SUA CÍNICA! POR QUE VOLTOU? JÁ NÃO TINHA NAS MÃOS O DINHEIRO E O PODER COM OS QUAIS SEMPRE SONHOU? POR QUE VOLTOU?
Os gritos de Constance não permitiam que Iara concatenasse suas idéias direito, acabava falando o que lhe vinha à mente, sem filtros...
- Con...Conca, acredite em mim...eu...eu...sei que fui covarde…me…me senti insegura...com ciúmes do...do seu amor por Camille...eu quis sumir! Sei que fui infantil...mas...mas vi a tempo e voltei pra vocês...eu a...amo vocês!
Constance solta uma risada irônica cheia de sarcasmo! Não havia humor algum naquele riso! As narinas inflam e os olhos apertados soltam faíscas de ira! Diz com amargura...
- E você sabe lá o que é amor?! Você é mais uma interesseira como tantas outras que conheci antes de Camille! A única coisa que te move e estimula é o dinheiro! Mas nem mesmo administrar toda a herança deixada por meu pai foi suficiente não é?! O que quer mais?! Ah, sim...deve sentir falta de outros amantes...afinal estava acostumada a ter vários homens e mulheres não é mesmo?!
Iara não conseguia se expressar direito! Estava tão abalada com a reação de Constance que tudo o que pensava dizer parecia cinismo. Mesmo assim tentou...
- Não foi nada disso! Eu já disse...senti ciúmes...queria ser amada como você amou Camille...estava insegura...frustrada por não conseguir e...
- Cale essa boca! Não ouse se comparar a alguém como Camille! Você jamais terá sua grandeza de espírito, sua nobreza de alma, sua generosidade! Você é vulgar, mesquinha, interesseira! Se fosse Camille no meu lugar, ela com certeza sentiria pena de você, por ser tão vil. Mas eu não sou tão boa como ela foi, por isso o que sinto por você agora é NOJO! Nojo dos seus valores, da sua personalidade covarde, da sua dissimulação! Teve coragem de abandonar sua própria filha dizendo que não queria mais brincar de casinha comigo! Você é uma desclassificada e não merece nem o amor de Bia! Eu te DETESTO e só te aceito de volta nessa casa por causa dela!
Iara estava tão chocada com as palavras duras atiradas em seu rosto que não conseguia nem chorar! O bolo se formou entre o estômago e a faringe e achou que nunca mais ele fosse se diluir de tanta angústia. Não tinha mais coragem de tentar se defender, não sabia o que dizer por que no fundo também acreditava naquelas palavras! Fora tão imatura em sua atitude impensada de fugir que dava razão a Constance...
“Não merecia o amor de ninguém!”
Constance gira o corpo para ir embora, mas antes de começar a subir as escadas, parece se lembrar de algo e volta na direção de Iara. Com o semblante carregado de revolta, conclui entredentes...
- Não tente se aproximar de mim...você me dá asco! Outra coisa, se somente pensar em fugir outra vez levando Beatriz, eu juro que vou te perseguir até o inferno e acabo com você! Nem que seja a última coisa que faça na vida! Eu acabo com você!
E se foi deixando Iara em pedaços!
Fim do capítulo
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