LUZ por Marcya Peres
Capítulo 20
A LUTA...
O litígio foi inevitável! Como Ana previra, Alberto não quis mais saber de conversa ou tentar entender o que para ele era incompreensível: ser trocado por uma mulher!
No dia seguinte a descoberta da verdade, ele procurou seu advogado e entrou com uma ação na Vara de Família a fim de pleitear a guarda do seu filho, sob argumentação que a Mãe não tinha condições “morais” de cuidar do menino.
Ana já esperava esta atitude da parte dele, mas foi com um certo choque que recebeu o Oficial de Justiça em sua casa a fim de intimá-la da Audiência dali a dois meses.
Apesar de não ter impedido em nenhum momento que Alberto continuasse as visitas ao menino, Flavinho muitas vezes não queria ficar sozinho com o Pai. Ana tentou conversar com Alberto para que este não tentasse colocar o menino contra ela ou usá-lo para atingi-la, mas percebia que era o que Alberto fazia em diversas ocasiões, o que deixava Flavinho confuso e bastante nervoso com a situação.
- Mãe, eu não quero sair com meu Pai hoje!
- Porque filho? O que houve?
- Ele fica falando mal de você e da tia Lívia e eu não quero ouvir, não quero saber disso. Gosto de ficar aqui e também gosto do meu Pai, mas ele fica muito chato com isso.
- Meu querido, ouça bem o que mamãe vai lhe dizer...seu Pai está muito chateado com a mamãe por namorar a tia Lívia. Ele não entende o nosso tipo de Amor e isso faz com que ele diga coisas feias e bobas sobre nós. Mas com o tempo, ele vai acabar se acostumando com tudo isso e vai esquecer. Aí, nós também não vamos mais lembrar desses momentos chatos, tá bom?! Fique tranqüilo que vai passar! Basta você não prestar atenção no que ele diz de mal sobre nós. Não dê importância e ele vai cansar! Pense apenas em uma verdade: Eu e você nos amamos além de qualquer coisa! Nada neste mundo será capaz de abalar este Amor, que é sem fim, entendeu?!
- Entendi, mamãe! Não vou mais ligar quando ele começar a falar e vou ficar quieto fingindo que não estou ouvindo.
Ana riu e beijou o filho pegando-o no colo
- Isso mesmo, querido. Não adianta as pessoas falarem bobagens sobre mim ou tia Lívia. Nós nos amamos e amamos você mais que tudo, por isso não vamos ligar nem dar ouvidos para as maldades. Se alguém xingar sua mãe ou você, dizendo coisas feias, não ligue....diga que sua mãe é uma pessoa honesta, trabalhadora, de caráter e que te ama muito, portanto, nada do que eu seja irá mudar ou atrapalhar isso. Isso sim é a verdade sobre nós, meu Amor! Aprenda a dizer para as pessoas: E daí? Minha mãe vive com uma mulher e daí? Elas são felizes, são pessoas boas e me tratam muito bem, que importância tem isso?
- É mesmo. Porque isso chateia tanto eles todos?
- Porque é algo fora do comum. E tudo que foge aquilo que a maioria das pessoas fazem, costumam julgar e falar mal. Só que aqueles que são diferentes também são pessoas boas e merecem viver em paz. Quando você for maior, perceberá melhor o que mamãe está te dizendo agora. Sempre que você quiser conversar comigo sobre isso, fale meu bem! Eu estarei aqui pra ouvir e tentarmos achar juntos uma solução pra qualquer coisa que te faça sofrer, está bem? Não deixe que ninguém te aborreça ou perturbe sem uma resposta firme. Eu te ensino, tá?!
- Tá bom!
E o menino saiu mais alegrinho. Parecia estar mais seguro para enfrentar outras “chateações”.
Os meses que se seguiram ao primeiro confronto com Alberto foram muito difíceis e ao mesmo tempo, cheio de surpresas para Ana e Lívia. Algumas agradáveis e outras nem tanto.
Alberto sempre via o filho em lugares diferentes da casa de Ana ou então vinha até a casa quando tinha certeza de não encontrá-la. Ele também estava muito indignado com toda aquela estória e não sabia como agir direito. Estava com o orgulho ferido e queria muito fazer Ana enxergar a bobagem que estava fazendo. Não se conformava em vê-la com Lívia praticamente morando juntas e pensava que com esse tipo de pressão, de repente conseguiria fazê-la ver que a realidade pra esse tipo de relação pode ser bem difícil. A única arma que tinha era tentar atingir Ana através das pessoas que os cercavam. Por isso fez questão de contar aos Pais e familiares de ambos, bem como aos amigos mais próximos, inclusive Márcia que era sócia de Ana no escritório.
Alberto não economizou em palavras e contava a todos que perguntavam sobre a separação dele e de Ana que havia sido traído com uma outra mulher e por isso ia lutar para ter seu filho junto de si.
Os Pais de Ana ficaram muito abalados com a novidade e foram até a casa dela numa tarde de domingo para ouvirem da filha as explicações para aquela estória. Ao vê-los chegar, Lívia cumprimentou-os e subiu para o quarto a fim de deixar a todos à vontade. Mas não deixou de perceber o cumprimento frio que recebeu. “ Ninguém disse que seria fácil!”
- O que está acontecendo nesta casa, Ana? Alberto nos contou uma história muito esquisita e não conseguimos acreditar nele. Precisamos ouvir de você o que está realmente se passando por aqui!
Disse a Mãe de Ana.
A conversa não foi fácil! Ana contou toda a verdade e ouviu, principalmente de sua Mãe, uma séria de explanações sobre o quanto ela sofreria e faria o filho sofrer com aquela escolha absurda. O Pai mantinha-se quieto e, às vezes balançava a cabeça concordando e outras discordando do que a mulher falava. Ana usou todos os argumentos racionais e emocionais ao seu alcance para justificar sua decisão aos Pais e finalizou dizendo:
- Vocês criaram uma pessoa reta, de muito caráter, muito digna! Eu decidi viver esse Amor, porque é com ela que sou feliz e não vou abrir mão disso por causa de convenções sociais! E sabem quem foi que me ensinou a lutar pelo que sempre quis na vida? Vocês dois! Eu sou uma projeção do que vocês me ensinaram a ser e não vou deixar de ser quem sou por pressão de ninguém! Eu amo vocês e sei que vocês me amam incondicionalmente também, independente se ajo como vocês gostariam ou não. Não peço que entendam as minhas razões e muito menos as minhas emoções, mas espero que pelo menos vocês aceitem o que escolhi pra minha vida. Vou lutar com todas as minhas forças pra manter meu filho comigo e depois que conseguir isso, estarei realizada como pessoa e como mulher!
Mais algumas coisas foram ditas, que soariam repetitivas aqui. A mãe de Ana parecia estar mais inconformada que o Pai. Este abraçou Ana e disse:
- Eu sou um homem do mato, filha! Fui criado meio sem estudo e não sei bem se essas coisas são certas ou erradas. Meu grande medo e da sua mãe também, é que você sofra muito com isso e faça nosso pequeno sofrer também. Mas se você conseguir ficar bem e se sentir feliz assim...só tenho que pedir que Deus a abençoe e nos dê paz!
Beijou a filha e selou ali sua decisão de respeitá-la sempre. A mãe de Lívia, ao ouvir as palavras do marido completou:
- Só espero que isso não seja contra a lei de Deus! Nós te amamos sim, de qualquer jeito, filha! Mas tomara que isso não te traga infelicidade!
E foram embora. Daquele dia em diante, vinham a casa de Ana e ela ia na casa deles, sempre acompanhada de Lívia, que era tratada com respeito, porém com certa reserva. Talvez, um dia, o tempo os deixasse mais à vontade. Não tocaram mais no assunto e evitavam conversar sobre a Audiência. Era algo que deixava a todos tensos e incomodados.
O mesmo se passou com seus irmãos e cunhadas. Alguns foram mais compreensivos, outros mais reticentes. O fato era que as pessoas acabariam por acostumar com a idéia e um dia, poderiam até achar normal aquela relação.
No trabalho Ana foi olhada com estranheza quando um dia chegou ao escritório. Não percebeu nada, pois não podia ver os olhares questionadores, mas Lívia notou cada expressão de curiosidade e algumas de uma leve ironia maldosa. Márcia entrou na sala de ambas e foi logo dizendo:
- O Alberto foi lá em casa ontem e contou um monte de coisas sobre vocês duas. Desculpe abordar esse assunto, Ana, mas acho que é algo que pode vir a influenciar muito em nosso trabalho.
- Pode dizer o que você pensa, Márcia. Somos amigas há muitos anos e você sempre teve total liberdade pra isso.
- Sim, somos muito amigas. E quero que você saiba que continuaremos assim sempre. Eu te adoro, também gosto muito de você Lívia e não me interessa o tipo de relação que vocês duas têm fora do escritório. Eu as respeito do mesmo jeito e admiro mais ainda a coragem de vocês! Vou continuar freqüentando a sua casa, eu e meu marido, e faço questão que vocês estejam sempre com a gente na nossa casa. Mas confesso que a situação aqui no escritório me preocupa bastante!
- Porque? Aconteceu algo?
- Ainda não! Mas Alberto espalhou o que aconteceu entre vocês pra metade da cidade e a outra metade vai ficar sabendo logo, logo! Tenho medo que os clientes comecem a fugir de nós! Seja por preconceito ou por medo de que um escândalo possa atrapalhar sua atuação como advogada!
Ana também tinha essa preocupação:
- Mas alguém já comentou algo ou desistiu de nossos serviços?
- Até agora não! Mas vamos ver até quando!
- Eu tenho uma idéia, Márcia!
Disse Ana com entusiasmo.
- Que idéia?
- Temos duas ações muito importantes, que envolvem muito dinheiro, entre a Prefeitura da cidade e duas Grandes Empresas multinacionais que atuam na cidade, por fraude no recolhimento dos impostos. As ações estão em fase final e em breve teremos uma solução para este caso. Tenho 90% de certeza que ganharemos essas ações. O que precisamos é que assim que as ações forem ganhas, espalharmos propaganda pela cidade alardeando nossa vitória. O Prefeito deve muito ao nosso escritório e não se negará a autorizar que façamos marketing disso. Os clientes vão saber que nosso escritório está indo muito bem e ganhando ações como sempre, sem ser abalado por boatos ou verdades que sejam!
- Grande idéia, Ana! Cliente quer saber de ganhar ação! Que se dane com quem sua advogada dorme! O importante pra eles é o dinheiro no bolso ou a indenização pelo seu dano! Genial essa idéia de fazer propaganda! Podemos até espalhar alguns outdoors pela cidade!
Lívia estava empolgada com a idéia. Ana era muito inteligente e não deixaria tantos anos de trabalho irem para o ralo por causa do preconceito das pessoas. A energia com que Ana fazia as coisas encantava não só Lívia, mas também a todos que a cercavam e não era diferente com os colegas de trabalho. Márcia ficou bem mais relaxada e decidiu pôr mãos à obra e trabalhar com muito mais afinco naqueles dois litígios.
- Soluções práticas como sempre, né Ana? Simples e eficazes! Não é à toa que não me arrependo nem um minuto sequer de trabalhar neste escritório com você! Vamos à luta! Você tem todo o meu apoio, querida! Para qualquer situação, ok?!
E mais uma etapa havia sido passada sem muita preocupação. Ana sabia que a idéia da propaganda daria certo e que sua clientela continuaria fiel, nem que fosse por curiosidade sobre as Doutoras Lésbicas que ganhavam todas.
Em casa, Lívia não teve problemas com os Pais. A mãe, psicóloga, pareceu compreender mais facilmente que o Pai, porém a preocupação com a felicidade da filha era inevitável. O discurso era sempre o mesmo...o quanto sofrido seria enfrentar o preconceito e a maldade das pessoas.
Doutor Olavo ficou um pouco abalado em saber que a filha estava com sua paciente de tantos anos. Gostava muito de Ana, a admirava por sua determinação em ser uma vencedora apesar da cegueira, mas saber que ela estava tendo um caso com sua menina era demais para sua cabeça! Ficou bastante chateado, mas sabia que nada que fizesse demoveria Lívia de sua decisão. Ela parecia estar amando de verdade Ana e não caberia a ele interpor-se entre elas. Que a vida se encarregasse de mostrar as duas o melhor caminho para o bem viver, fosse juntas ou separadas...só o tempo diria se a decisão fora acertada ou não.
Algumas vezes, andava pela rua segurando o braço de Ana, e percebia algumas pessoas olhando na direção delas e fazendo comentários sussurrados. Estavam sendo o alvo principal dos mexericos da pequena cidade nos últimos meses. Eram perfeitas para as bocas fuxiqueiras que precisavam de alguma novidade e de serem alimentadas por acontecimentos fora do ordinário.
Nessas ocasiões, Ana percebia o incômodo de Lívia e costumava dizer:
- Eles vão cansar, meu Amor, acredite! Um dia vai deixar de ser novidade e os olhares inconvenientes irão parar também. Seja paciente e deixe o tempo passar...
Então Lívia dava de ombros e seguia o conselho de Ana. “Um dia vai passar...”
E chega o grande dia do confronto entre Alberto e Ana nos tribunais. A tensão havia se instalado na casa de Ana desde muito cedo. Flavinho parecia senti-la no ar e estava bastante agitado brincando com seu vídeo game de modo mais agressivo que o normal.
Ana estava muito nervosa e preferiu não ir ao escritório naquele dia. Queria tentar se tranqüilizar e estar mais leve para a batalha que viria. A Audiência seria no começo da tarde, logo após o almoço e Lívia pediu que Cininha mantivesse Flavinho entretido enquanto elas iriam para o Fórum. Quando estavam saindo pela porta, o menino agarrou-se às pernas de Ana e disse choroso:
- Mãe, eu não vou ficar com meu Pai! Quero morar aqui com você e com tia Lívia! Eu gosto muito daqui e não me importa o que as pessoas digam, eu quero ficar aqui com vocês!
Ana abraçou o filho e disse:
- Estou indo conversar com o Juiz sobre isso, meu filho. Vou dizer a ele tudo o que você me disse e se ele quiser, podemos levar você até lá outro dia para que você diga isso pra ele, tá bom?
- Tá! Eu falo tudo pra ele, mãe!
- Eu sei, meu Amor! Vamos ver o que ele diz...já volto! Comporte-se e obedeça a Cininha!
Saíram juntas, Ana e Lívia, como sempre estavam nos últimos meses. Não se desgrudavam e não faziam mais a menor questão de tentar esconder o sentimento que as unia dos outros. Dali a minutos seriam expostas diante de um Juiz, de um Curador de Menores e de seus advogados com minúcias de detalhes. Mas o que importava nisso tudo, era a vida de seu filho, era o fato de poder criá-lo ou não. Esse sim seria um marco na sua trajetória e na sua história com Lívia. A decisão que aquele Juiz tomaria seria o ponto chave que determinaria quem venceria aquela batalha: O preconceito ou o Amor incondicional!
A grande luta havia de fato começado...
Fim do capítulo
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