LUZ por Marcya Peres
Capítulo 15
A FUGA...
Lívia nem se deu conta do tempo que ficou ali, parada na frente do Rio, só olhando o curso da água. Não entendia a reação negativa de Ana à sua antecipação de tudo aquilo que ela ia dizer-lhe. Era apenas uma constatação e o modo como Ana ficou aborrecida, deixava Lívia intrigada. “O que será que se passa na cabeça dessa mulher? Que louca! Parecia que ela esperava que eu exigisse uma posição definida dela sobre a gente! Que eu a fizesse escolher entre mim e a família dela! Seria um absurdo! O pior foi aquele babaca ter chegado tão de repente! Me pegou de surpresa e eu saí correndo de lá que nem uma idiota!”
Lívia se sentia péssima em mais uma vez ter presenciado Ana com o marido. Uma coisa era saber que ela era casada, outra era ver esse casamento funcionar no dia a dia. Não suportava ver Alberto dando aquele beijo de “estalinho” na mulher, tão comum entre os casais, mas que tornava-se asqueroso aos olhos de Lívia. O modo como ele falava com ela, a intimidade dos dois, era por demais irritante para Lívia. “Acho que não vou suportar ver tudo isso de tão perto. Talvez seja melhor que Ana me afaste mesmo. Mas vou sofrer demais! Quero estar junto dela, mesmo que o preço seja alto demais! Vou pagar pra ver se agüento!”
Do outro lado da cidade, Ana também revirava-se sem conseguir relaxar. “Ela saiu em disparada quando viu Alberto. Será que foi medo dele ou dela mesma? Eu queria tanto que ela me dissesse um monte de coisas diferentes do que ela me disse! Tudo aquilo já estava em minha mente, era eu quem deveria dizer e não ela! Dela eu queria a Paixão impensada, a impulsividade...queria ter ouvido que ela me queria acima de tudo...talvez eu tivesse feito uma loucura se ela assim quisesse!”
Estranha a mente humana...os sentimentos então, são na maioria das vezes por demais inexplicáveis...como alguém poderia adivinhar o que se passaria na mente e no coração daquelas mulheres?!
Lívia teve uma péssima noite, havia tido um sono muito agitado e acordou por várias vezes durante a noite. O mau humor acordou com Lívia, principalmente ao lembrar-se que Ana não queria que ela ligasse até segunda-feira. Não tinha vontade de fazer nada naquele dia, só pensava em Ana e em como ela estaria. “Será que está dormindo ainda? Será que aquele imbecil está tocando nela? Vou passar o dia andando de um lado para o outro de sua rua, só pra ver se a encontro “por acaso”. Não, ela não irá gostar nada disso. É melhor eu respeitar a vontade dela e não aparecer até segunda. Quem sabe ela também sente a minha falta?!”
E decidiu arrumar algo pra fazer durante o final de semana que a fizesse esquecer, como se isso fosse possível, daquela mulher que era a dona dos seus pensamentos.
Leu bastante, passou horas na frente do computador, pesquisou, bateu papo nos chats, conversou com a família até entediá-los com seus elogios sobre Ana. Recusou atender aos telefonemas de Caio. Ainda não estava preparada para um novo confronto ou para as mesmas explicações. Viu vários filmes em DVD, muita TV também e ouviu uma infinidade de músicas que sempre a faziam lembrar de Ana...do que ambas viveram...parecia que todas as músicas eram para elas! E assim, o fim de semana finalmente passou!
No Domingo à noite sentiu muita vontade de ligar para Ana, usando a desculpa de saber a que horas deveria estar na casa dela para pegá-la. Por diversas vezes chegou a pegar no fone, mas desistiu quando lembrou que Ana pediu que só a contatasse na segunda-feira. Então assim faria!
Na segunda-feira, Lívia acordou com bastante disposição de ir para o trabalho. Queria tanto encontrar logo Ana e saber o que havia decidido com relação a ela no trabalho. “Será que continuaria como sua Assistente ou ela a colocaria com os outros sócios?” Essa possibilidade a deixava muito triste, mas ainda assim era melhor que sair do escritório. Resolveu não ligar para a casa de Ana. Costumavam sair quase sempre no mesmo horário pela manhã, então decidiu ir direto para lá, ao invés de ligar à toa. “Queria ver logo Ana e não perder tempo ao telefone!”
Tocou a campainha e esperou alguém vir. Ninguém apareceu! Tocou novamente, e um minuto depois, outra vez! “ Não é possível! Tem sempre alguém em casa! Mesmo quando Ana e Alberto saem, a Cininha ou a sobrinha dela que a substitui de vez em quando, costumam ficar em casa arrumando as coisas e cuidando do Flavinho. “Onde será que foram? Talvez tenham ido dar uma volta com o pequeno Flávio!”
Mas continuou ali, ainda tentando ver se alguém podia ouvi-la e por milagre abrir a porta para que pudesse encontrar e ver Ana. Mas ninguém apareceu por quase 10 minutos de espera. Lívia não sabia explicar, mas estava muitíssimo incomodada com a ausência de Ana. “Ainda por cima sem me avisar!
Já tinha se virado e estava indo embora, quando a vizinha da casa ao lado avisou:
- Eles não estão! Saíram ontem à noite e estavam levando algumas malas! Parece que foram viajar e pra um lugar meio longe. Parecia até que estavam indo pra Europa!”
O tom de mexerico da vizinha irritou muito Lívia, mas o pior de tudo era saber que Ana havia viajado sem ao menos lhe dar um telefonema pra dizer-lhe isso. “Viajou?! Como?! Pra onde?! Será que foi com Alberto?! E o Flavinho?!” – As perguntas pululavam na mente de Lívia, todas sem resposta. Decidiu ir até a Escolinha de Flávio para saber se o menino havia ido. Lá chegando, descobriu que Ana havia avisado à Diretora, que o menino ficaria alguns dias sem ir à Escola, pois viajariam por um tempo ainda indeterminado.
Lívia tentou arrancar da Diretora algumas respostas para as suas infindáveis perguntas sobre o paradeiro de Ana, mas foi em vão. A mulher sabia tanto quanto ela.
Lembrou, então, que no Escritório alguém deveria saber, afinal Ana não viajaria sem deixar recomendações aos sócios. Dirigiu-se logo para o trabalho, mas quando lá chegou, soube que todos estavam no mesmo barco. Ninguém sabia para onde tinha ido Ana!
Márcia aproximou-se de Lívia e perguntou em tom confidencial:
- Estranho essa viagem repentina de Ana. E o pior de tudo foi avisar a todos em cima da hora. E pelo visto, não avisou você de nada! Logo você que é sua Assistente pessoal! Eu achei que você soubesse de alguma coisa pra me dizer, mas vejo que vou continuar no mistério até Ana voltar.
Lívia estava tão confusa com tudo o que estava acontecendo em sua volta que não conseguia avaliar o que aquela ausência estava significando pra ela. Às vezes sentia raiva, outras preocupação, mas o pior sentimento era o de impotência diante do que Ana tinha feito. “Ela sumiu! Sumiu pra não me ver! Pra não encarar a realidade tão de frente!”
- Mas pelo menos ela falou pra alguém quanto tempo pretende ficar fora?
Márcia perguntou dirigindo-se a todos no Escritório. Silêncio total! Ela então virou-se para Lívia, fez um muxoxo e disse:
- Bem, Lívia. Já que não temos o que fazer com relação a isso, vamos ao que interessa! Sei que Ana te põe a par de tudo o que se passa nesse Escritório e teremos algumas audiências em breve, em processos que estão com vocês. O que preciso é que você me mostre em que pé estão as coisas. Ah, e tem um detalhe...comece a se preparar para fazer audiência, porque sem a Ana aí, nem sempre eu vou poder estar com você e a Denise e o Fábio estão às voltas com processos enrolados e não vão poder te dar atenção. Você acha que está preparada pra isso?
Lívia mal ouvia o que Márcia estava dizendo e disse sem discernir direito o que tinha escutado:
- Acho que sim. Vou fazer o meu melhor. Agora o que faço aqui hoje? Sem a Dra. Ana, eu fico meio perdida. É ela geralmente que mostra o que faremos no dia.
Márcia costumava ser bastante educada, mas o sumiço de Ana a tinha tirado um pouco do sério,por isso não estava tendo muita paciência com Lívia:
- Você deve saber melhor do que eu por onde começar, pois os processos de Ana estão todos com você. Veja aqueles que faltam peças, prepare as petições que estiverem faltando e me traga depois para revisão. Os processos que estiverem pendentes o andamento, vá até o Fórum e veja o que aconteceu com eles, amanhã farei uma análise do que você me apresentar. Desculpe a falta de jeito, Lívia. Mas essas férias de Ana não estavam previstas pra agora. Ela até tinha comentado um tempo atrás que precisava de uma segunda lua-de-mel com o Alberto, mas sinceramente, eu achava que ela avisaria a gente com mais antecedência. Precisávamos de tempo para nos preparar!
Lívia já não raciocinava mais. Esse pensamento invadindo sua mente a transtornava. “Será que Ana tinha viajado para tentar recuperar o casamento?” – E disse num ímpeto para Marica:
- Eu acho melhor ir para o Fórum agora! Vou pegar o andamento de todos os processos que estão pendentes e o restante faço mais tarde.
- Ok, faça o que achar melhor! Só não esqueça de me dar tudo pronto amanhã para analisar o que está faltando para as audiências. Tchau!
Lívia saiu apressada! Precisava sumir dali ou então alguém perceberia sua aflição! Estava muitíssimo aborrecida com tudo o que tinha acontecido, ainda mais Ana sumir sem dar explicações, sem dizer palavra! “ Pior ainda, ela não disse nada para mim! Pras outras pessoas pelo menos ela ligou e avisou que viajaria. Pra mim nem isso! Ela simplesmente desapareceu sem dar um “Tchau” sequer! Isso é muito injusto! Por que ela fez isso comigo?!”
Lívia resolveu dar uma volta pela cidade antes de ir ao Fórum. Precisava concatenar sua mente. Ainda havia seu trabalho pra fazer e não poderia prejudicar isso por conta da impulsividade de Ana. Precisava recompor-se do susto e da decepção que aquela atitude tinha provocado nela. Foi em direção ao Rio, precisava ver a água pra acalmar-se um pouco. Sentou-se na margem, respirou fundo várias vezes seguidas e começou a tentar entender o que Ana tinha feito. “Motivos ela tinha de sobra pra fugir, mas não era uma atitude típica de Ana, que sempre lutou tanto por tudo! Que encarava todos os desafios de frente! Ela poderia te me avisado!” – A mente era invadida a todo o momento por idéias intrusas de Ana com Alberto, a segunda lua-de-mel...- “Não, ela não podia ter ido viajar em lua-de-mel depois de tudo aquilo que nós vivemos juntas! Além do mais eles levaram o Flavinho. Ninguém faz uma viagem romântica com um filho a bordo!”
Lívia ficou um longo tempo olhando a água correr e deixando-se invadir pelos mais diversos tipos de pensamentos e sentimentos. Era mágoa, dor, ciúme, culpa, desejo, saudade...tudo misturado de um jeito que formava um bolo de emoções mal resolvidas. No fim de tudo, ainda havia a saudade. Sim, uma vontade louca de apenas ver Ana...apenas saber que ela está bem e que se danem os motivos da sua fuga...queria apenas vê-la, sabê-la por perto.
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Um pouco distante dali, uma outra pessoa também sofria pela fuga repentina. Era a própria Ana, atormentada pela culpa de não ter falado com Lívia antes de partir. “Eu não deveria ter vindo sem falar com ela pelo menos ao telefone! Ela não vai me perdoar isso! Não fiz com intenção de magoá-la, apenas não tive coragem de dizer que precisava desse tempo longe dela! Como eu ia conseguir manter minha cabeça no lugar com ela ao meu lado todo o tempo! Preciso desses dias com minha família...que saudades da minha irmã!”
Ana estava em São Paulo, Capital. Alberto precisava passar mais algumas semanas por lá e Ana decidira ir com o marido e o filho, em umas férias forçadas. Não era exatamente em São Paulo que imaginara ir em férias. Mas pelo menos lá estaria perto de sua irmã, Alice. Precisava de alguém próximo, que a amasse e pudesse trazer algum conforto para seus conflitos. Não que pensasse em fazer confidências à Alice sobre o que havia acontecido entre ela e Lívia, mas só em tê-la por perto, poder conversar com a irmã, já seria um grande bem!
Flavinho estava muito animado com a viagem súbita e tagarelava sem parar no banco de trás do carro. Alberto não tinha muita paciência com o filho, o que deixava Ana muito aborrecida. Passou parte da viagem mandando o pequeno ficar quieto. Por seu lado, Ana adorava ouvir o filho discorrer sobre tudo o que via da janela do carro:
- Ali Mamãe, tem uma fazenda com um monte de vacas! Eu vejo umas ovelhinhas ali também!
- É mesmo filho! E o Boi, você já encontrou? Costuma ser bem grandão!
- Já vi! Ali, ele está bem ali perto da cerca! A cerca é branquinha mãe!
Ana conversava com o filho e tentava não pensar no que tinha feito. Tentava não pensar em Lívia todo o tempo. Mas era muito difícil! Ela estava tão enraizada em sua mente, coração e corpo, que não passava mais que 10 minutos sem que sua imagem lhe viesse mais uma vez à cabeça.
Chegaram a cidade e foram direto para o flat que a empresa havia posto a disposição de Alberto. Ele estava com um humor péssimo e quis ir logo tomar um banho. Ana aproveitou para ligar pra irmã:
- Alice?! Que saudade! Estou aqui em São Paulo! Eu, Alberto e seu sobrinho lindo!
Alice ficou muito feliz em saber que a irmã estava perto e viria ficar com ela um pouco. Gostava de viver só, mas de vez em quando sentia muita falta da família. Ela não havia casado. Era mais nova que Ana três anos e trabalhava como aeromoça em uma grande companhia aérea
- Que bom que vocês chegaram, estou morrendo de saudades também! Eu queria que vocês ficassem aqui no meu apartamento por uns dias. Você e o Flavinho é claro. Sei que Alberto não vai querer ouvir criança na cabeça dele enquanto estiver nesse apartamentinho. Venha ficar um pouco comigo, vai...
- Tá bom querida. Mas você não tem vôo programado pra essa semana?
- Hoje tenho um trabalho interno pra fazer e preciso ir até a companhia, mas só vou viajar na sexta-feira à noite, para o Japão. Portanto, estarei com quase toda a semana livre pra curtir vocês. Deixa eu falar com meu sobrinho fofo...
Ana passou o telefone pra o filho e foi desarrumar parte das malas. A cadeira dificultava sua locomoção, mas Ana sabia ser safa nas coisas que fazia. Seria bom mesmo ficar uns dias na casa da irmã sob a desculpa de deixar Alberto trabalhar em paz. Ele ficava muito impaciente com o filho e Ana queria mais era ficar um pouco longe dele mesmo. Ela precisava estar longe de Lívia, mas também não se sentia mais à vontade em estar com o marido naquele momento.
Alberto saiu do banheiro e falou:
- Você estava falando com Alice?
- Sim, ela quer que fiquemos com ela esta semana. Acho que será uma boa. Você vai poder ficar em paz trabalhando. Você não queria nos trazer mesmo não é?!
Alberto não fazia a menor questão de esconder seu descontentamento:
- É só trouxe vocês porque você insistiu muito e disse que não ia me atrapalhar. Espero que cumpra sua promessa. As férias são suas e não minhas. Pra piorar ainda tem essa cadeira empacando aonde passa. Preciso de sossego pra me concentrar no trabalho. Dê um jeito de manter o Flavinho quieto. Sua irmã morar aqui vem bem a calhar.
Ana não sentia vontade nenhuma de retrucar Alberto. O jeito grosseiro dele falar já não a incomodava mais. Ela não tinha ânimo algum para discutir e esse era o grande sinal do fracasso em que seu casamento estava entrando. “Nem brigar eu quero mais!”
- Pode deixar que não iremos atrapalhar você, Doutor Alberto! E pra começar já estamos de saída. Filho, vamos almoçar num lugar bem legal? Deixo você escolher o que quer comer, desde que não seja Macdonald’s.
- Ah, Mãe! Era justamente lá que eu queria comer...
- Então tá bom! Só por hoje viu? Nada de comer lá nos próximos 15 dias, ouviu bem?!
O menino veio em direção a Mãe pulando de alegria.
- Mas Mãe, como vamos passear com você nessa cadeira de rodas?
- Não se preocupe, meu bem. O motorista do táxi ajuda a mamãe. Além disso eu tenho o meu homenzinho aqui que é bem forte e vai ajudar a empurrar a cadeira, né?!
- Oba! Eu vou poder empurrar na rua também?
O menino estava animado com a possibilidade de mostrar suas habilidades a todos.
- Claro que sim. Conto com você!
Após o almoço, foram para o Parque Ibirapuera e por lá ficaram até o anoitecer. Quando voltaram para o flat, ambos estavam exaustos e loucos por um banho. Ficaram vendo filme infantil no DVD e adormeceram juntos, abraçados, com um cansaço bom vencendo-os. Ana nem percebeu a hora que Alberto chegou. Só notou que devia ser bem tarde. Ouviu-o reclamar pelo menino estar na cama, no lugar dele, com Ana e foi dormir na sala.
No dia seguinte, após o café da manhã, Ana e o filho foram para a casa de Alice. Alberto já havia saído e nem falou com a mulher. Ele estava muito irritado com a presença deles e Ana ficou imaginando, desconfiada, porque: “Será que Alberto tem alguma amante e nós dois estamos aqui atrapalhando? Mas ele sempre foi tão correto comigo! Por isso não, eu também sempre fui honestíssima com ele, até me apaixonar...não, acho que ele não tem amante, ele está é chateado, afinal eu também estou muito diferente com ele...”
Interessante era ver que aquele pensamento não incomodava Ana. Se Alberto tivesse uma amante, aquilo não seria um grande choque pra ela, não doeria tanto como se fosse há alguns meses atrás. “Mais uma prova que meu casamento vai afundar, mais cedo ou mais tarde. Se é que já não afundou e estamos apenas nos segurando nas tábuas de salvação que nem náufragos.”
Chegaram na casa de Alice e esta os recebeu com muita alegria. Ana sempre se deu bem com a irmã e depois que ficou cega, Alice tornou-se ainda mais gentil e amiga como forma de compensar o infortúnio de sua queria Ana. Havia ido morar em São Paulo para realizar seu grande sonho, que era ganhar a vida voando. Nas férias costumava viajar pelo mundo, pois o fato de trabalhar em uma companhia aérea facilitava, por isso às vezes ficava muito tempo sem ver os Pais, Ana e os irmãos. Adorava todos eles, mas escolhera um outro estilo de vida e era bem feliz daquele jeito. Ainda não havia dado sorte de encontrar alguém com quem quisesse dividir a vida. Já havia namorado bastante, sendo que o último relacionamento durara 2 anos. Agora estava só, bem, não exatamente só, tinha um flerte com um Piloto da companhia, com quem já havia voado uma vez, mas não tinham o tempo necessário para fazer valer o romance. Os horários não encaixavam!
- Meus Amores! Que saudades! Que bom que vou ter até o final da semana pra curtir bastante vocês! Mas o que houve com seu pé Ana?
- Uma torção quando estava lá em Campos do Jordão a trabalho. Vou ter que usar essa cadeira enquanto não puder pisar no chão. Já viu cega andando de muletas?
- Mas e o Fred? O que fez com aquele cachorro?
- Está lá na casa do Papai e da Mamãe. Você sabe que eles o adoram e cuidam dele muito bem. Enquanto eu estiver nesta cadeira, não vou andar com o Fred.
Alice abraçou e beijou a irmã com muito carinho. Acomodou-os no quarto e começaram a colocar a conversa em dia. Queria saber como estavam todos e tudo o que havia acontecido desde a última vez em que se viram, há quase cinco meses durante as festas de fim de Ano.
Ana pôs a irmã a par de tudo, apenas omitindo os acontecimentos relacionados à Lívia, obviamente. Mencionou que tinha uma nova Assistente, mas parou por aí e não entrou em detalhes com medo do que poderia deixar escapar. A irmã a conhecia muito bem e logo notaria algo diferente em relação ao sentimento que ela nutria por Lívia.
Os dias com a irmã estavam sendo muito agradáveis. Durante o dia saíam muito pela cidade. Ana não lembrava quantos lugares interessantes São Paulo tinha a oferecer aos seus visitantes. Foram a parques, museus, galerias, ótimos restaurantes, cafés. Flavinho se divertia muito e a tia o mimava o tempo todo o enchendo de presentes.
Pelo menos enquanto estava com eles, Ana não tinha muito tempo pra ficar pensando sem parar em Lívia e no que fazer de sua vida. Mas muitas vezes a irmã a pegou com a cabeça bem longe dali, perdida em seus próprios conflitos internos e intrigou-se com aquilo:
- Desculpe me intrometer, mas além de irmãs, somos amigas também e tenho que te perguntar...tem algo errado com seu casamento, Ana?
Ana foi pega de surpresa. Ainda não estava preparada pra falar sobre isso com ninguém, mas Alice era tão próxima, tão amiga...
- Está sim e você percebeu logo né?! Me conhece tão bem! Não estamos num momento muito bom!
- Mas não é só isso. Eu também percebi que você está diferente por outra coisa. Tem algo no ar que não consigo perceber o que é, mas tem mais coisa aí...
Ana sentia muito medo em falar sobre tudo aquilo. Eram emoções fortes demais pra compartilhar assim com alguém. Sabia que Alice não era preconceituosa, mas enquanto acontece na casa do vizinho, com a irmã, mãe ou filha dos outros, é uma coisa; em casa, sentir na própria família, já muda de figura.
- Mana, aconteceu algo na minha vida sim que está mudando tudo o que vinha sentindo em relação ao meu marido e ao meu casamento. Tô sofrendo muito e não sei o que fazer. Não sei nem se deveria estar dizendo essas coisas pra você, mas você é minha irmãzinha querida e sei que por mais errada que eu esteja, você jamais vai me condenar...
Ana olhou na direção que estava o filho. Este brincava com o vídeo game que havia ganho da tia. Não prestava atenção em nada em volta que não fosse o jogo. Ainda assim Alice percebeu a preocupação da irmã e abaixou o tom de voz:
- Me conte Ana. Diga o que está te afligindo. Esses dias que você ficou por aqui notei o quanto você está sofrendo e mesmo que eu não possa fazer nada pra melhorar a sua situação, pelo menos vou poder ajudá-la te ouvindo. Dividir ajuda a diminuir o tamanho do problema.
- Eu sei. Mas o caso é tão delicado que não sei nem como começar. Só tenho uma coisa a te pedir...por favor, não me condene. Não me faça sentir pior do que estou...
- Minha irmã, claro que não vou condená-la. Prometo que só vou ouvi-la e mesmo que não concorde com você, vou apoiar o que você achar melhor pra sua vida.
Alice aproximou-se mais ainda da irmã e continuou num tom de confidência:
- Já sei até o que é...você tem um amante!
Ana sentiu o coração pular quase na boca. Ela sabia a verdade. Só não podia adivinhar que o amante era do sex* feminino. Decidiu que falaria o que lhe viesse à boca, sem pensar...
- Você acertou em parte. Não é exatamente um amante que eu tenho, pois aconteceu somente durante três dias, na viagem a Campos do Jordão. Não é nada continuo!
Alice estava boquiaberta, mas tinha um risinho nos lábios:
- Quem diria hein, Dra. Ana! Você sempre tão corretinha, pulando a cerca!
Depois arrependeu-se do gracejo:
- Desculpe minha irmã. O assunto é sério e eu fico aqui de gracinhas! Mas me fale mais sobre ele...como o conheceu? Não foi em Campos do Jordão que você torceu o pé?
Ana respirou fundo e prosseguiu:
- Foi lá mesmo. Nós fomos juntos pra lá.
- Você foram juntos? Então ele é lá da nossa cidade?
- Sim.
- Eu o conheço Ana? Quem é?
Alice não se agüentava de curiosidade.
- Não, você não o conhece. E já que estou aqui te fazendo a confidência da minha vida, que seja completa e sem mentiras. Você sabe que não tolero mentiras. Não é “Ele”, é “Ela”! Pronto falei!
Alice emudeceu! Ficou estatelada olhando para a irmã como em estado de choque. Imaginar Ana com um amante já era muito pra sua cabeça, mas saber que esse amante era uma mulher era demais da conta! Era surreal!
- Alice, eu imagino que você deva estar chocada com essa revelação. Mas não tenho com quem me abrir, com quem falar sobre isso e estou ficando louca com essa situação. Não sei o que fazer e desde então venho me consumindo diariamente em dúvida, em dor...sabia que vim pra cá pra fugir dela? Precisava estar longe dela pra poder pensar. Não consigo pôr as idéias em ordem quando estou perto dela. E ultimamente, só quero estar ao lado dela! Desculpe se te decepcionei de algum modo. Mas são meus sentimentos e posso até estar fugindo dela, mas não tenho como fugir deles.
Ana procurou a mão da irmã e a segurou:
- Me dê sua mão. Preciso saber o que você está sentindo. Me diga, por favor...fale comigo!
Alice soltou um longo suspiro. Não sabia o que pensar. Sabia apenas que sua irmã estava sofrendo e isso sim era algo terrível. Apertou a mão de Ana e disse:
- Estou sem palavras Ana. Não sei o que te dizer sobre isso...você ter um amante já me causava espanto, pois você sempre foi tão correta e parecia se dar muito bem com Alberto...mas saber que esse seu amante na verdade é uma mulher, me deixa abismada. Não por preconceito, porque tenho um bando de amigos e amigas Gays lá no trabalho, mas por ser você Ana! Você que sempre foi hetero...dedicada ao seu casamento, sua família...você que sempre soube muito bem o que quis e de repente numa situação como essa é incrível! Fico imaginando o turbilhão que você deve sentir aí dentro desse peito, minha irmã! Agora sim, posso entender seu sofrimento que eu só sentia no ar....
Alice abraçou a irmã e Ana sentiu um imenso conforto naquele abraço tão carinhoso, tão amigo. Era tudo o que ela precisava naquele momento. Alguém que pudesse estar com ela sem recriminações, sem acusá-la de ser irresponsável ou leviana. Alguém que apenas a ouvisse e compreendesse o seu sofrimento. E com aquele abraço afetuoso, descobriu que esse alguém era sua querida irmã Alice. Deixou as lágrimas rolarem pelo seu rosto sem vergonha alguma em esconder seus sentimentos. Sabia que não precisava parecer forte pra Alice. Ela a conhecia profundamente e saber que não haveria julgamento das suas atitudes era muito bom. Aquela moça a estava acolhendo não apenas no seu abraço, mas na sua alma bondosa.
- Oh, minha irmã. Eu adoro você e sua dor é minha dor também. Eu quero saber todos os detalhes dessa história, mas fique tranqüila que não será pra julgar seu comportamento nem recriminá-la por nada. Eu quero que você possa contar comigo para o que der e vier, seja qual for sua decisão, eu vou sempre estar ao seu lado!
Ouvir aquilo era muito melhor do que Ana havia sonhado. A irmã estava sendo muitíssimo generosa e certamente estariam muito mais ligadas ainda após aqueles dias juntas. A confissão as aproximaria de um jeito que estilo de vida nenhum poderia afastar.
E Ana contou tudo á Alice. Sem vergonha, sem pudores, sem pensar em ser repreendida ou acusada de algo feio ou vexatório. Contou desde o começo, como conheceu Lívia, o tempo que ficaram juntas nas montanhas, até o último encontro na casa de Ana. Alice ouviu tudo em silêncio, deixava transparecer suas emoções apenas no modo como apertava as mãos de Ana em alguns momentos da narrativa.
Após ouvir tudo, beijou a Ana no rosto e disse:
- Independente do que acontecer daqui em diante Ana, você será sempre minha irmã querida. Só tome cuidado com Alberto. Os homens podem ser muito vingativos quando são preteridos. Ele pode querer se vingar tirando a guarda do Flavinho de você.
Ana espantou-se com o comentário da irmã:
- Mas porque você está me dizendo isso! Não disse que vou me separar de Alberto!
Alice sorriu:
- Nem precisa me dizer isso, Ana. Conhecendo como te conheço, sei que você não irá levar essa situação por muito tempo. Se o que você sente por essa moça for verdadeiro e da parte dela também, tenho a ligeira impressão que você não irá deixar esse sentimento virar pó. Não a Ana determinada e forte que eu conheço. Você só está fugindo agora para pensar melhor. Vai voltar e resolver logo essa situação. Não sei se irá arriscar tanto por uma Paixão avassaladora, mas com Ela ou sem Ela, uma coisa é fato...com Alberto você não vai ficar! Pelo que me contou, seu casamento está no começo do fim e dificilmente você irá reconstruí-lo com um sentimento tão forte por outra pessoa. Pense nisso!
A sensatez de Alice impressionou Ana. A irmã havia amadurecido muito desde que saíra de casa e tinha muita razão na sua análise. Ana não era mulher de viver um conflito muito tempo sem tentar resolvê-lo. O resultado dessa decisão é que Ana temia e não sabia ao certo o que poderia advir dela.
Uma coisa sabia ao certo. Sua relação com a irmã jamais seria a mesma. Tudo aquilo as tinha aproximado de um jeito que tornava aquele amor fraternal muito mais especial ainda. Despediu-se da irmã com afetuosos beijos e abraços e recolheu-se com o filho. No dia seguinte teriam que voltar para o flat e isso dava um certo desânimo em Ana.
No dia seguinte, Alice estava se arrumando para ir trabalhar, quando viu Ana chegar a sala já na cadeira, sendo empurrada pelo filho e com as malas no colo.
- Sabe Ana. Eu tive pensando...não seria melhor você ficar aqui direto até eu voltar? Sei que você vai ficar uns dias ainda aqui em São Paulo e eu adoraria voltar e encontrar vocês aqui. Você pode encontrar o Alberto no final de semana, mas dormir aqui até quando tiver que voltar. Acho que o próprio Alberto vai adorar a idéia!
Flavinho pulou de alegria e pediu a mãe segurando na manga de sua blusa:
- Ah, mãezinha. Vamos ficar! Eu adoro ficar aqui...é pertinho do parque e vou poder andar com os patins que a tia me deu. Aí vou poder te empurrar melhor nessa cadeira não acha?
Ana pensou por um momento e decidiu, virando-se para a irmã:
- Se você acha que não iremos atrapalhar, eu aceito! Vou ligar para Alberto agora mesmo avisando. Também acho que ele vai gostar...
- Que ótimo, vou chegar no meio da semana que vem e quero encontrá-los por aqui ainda...
Despediu-se deles e foi para o trabalho. Havia passado metade da noite em claro, sem conseguir dormir, só pensando nos problemas que a irmã estava enfrentando. Pior seria o que ela ainda viria a enfrentar no futuro. -“Optasse ou não pelo amor que parecia sentir por Lívia, ela certamente teria um confronto com Alberto. Ele era um cara muito orgulhoso, não aceitaria um chute no traseiro sem tentar retaliar Ana. E aí sim residia o perigo!”
Alberto ficou aliviado em saber que Ana continuaria na casa da irmã. Poderia encontrá-los no final de semana e passeariam um pouco juntos. Não estava com paciência pra aturar mulher com criança a tiracolo e ainda por cima numa cadeira de rodas. “Ei, tá aí uma boa desculpa pra dizer a uma paquerinha! ‘Eu sou um pobre coitado, com a mulher entrevada num cadeira de rodas e ainda por cima cega! Preciso de alguém pra cuidar de mim, uma mulher de verdade! Já estou separado de corpos, apenas fico com ela por pena!’ Bela desculpa seria, aposto que conseguiria tocar o coração de alguma ninfetinha carente!”
Alberto tinha intenções, mas a verdade é que não consumava sua vontade porque não queria a separação. Tinham muitos bens em comum e sua vida de casado era muito cômoda. –“Não precisava se separar! Bastava arranjar alguém pra diversificar no sex*!” - Além disso tinha o filho, as famílias dos dois lados que cobrariam. “Bem seria um saco! E apesar de vivermos algo meio sem graça, eu ainda gosto de Ana. Não quero deixá-la, estou acostumado com ela e ela comigo, seria um sofrimento desnecessário pra todos nós!”
No final de semana, a família resolveu ficar junta. Alberto procurava ser mais paciente com o filho e todos foram ao planetário no sábado. No domingo foram jogar bola no parque e Alberto ajudou o filho com os patins. Flavinho não cabia em si de tanto contentamento e Ana sentia uma pontada de remorso cada vez que via os dois se divertindo juntos. Mas pensar em voltar a ter uma vida sexual com Alberto era muito difícil pra ela. Não sabia como ia se portar diante dele quando ele a quisesse na cama. Por enquanto tinha como dar a desculpa do pé machucado, mas e depois? Alice tinha razão, ela não agüentaria por muito tempo aquela situação.
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Na pequena cidade, Lívia vivia os piores dias de sua vida. Ana não ligava para o Escritório, parecia querer desligar-se de tudo e de todos. Ela sabia muito bem o motivo, mas não tinha idéia de qual seria a decisão que Ana tomaria quando de sua volta. Passava os dias mergulhada no trabalho. Márcia ajudou-a muito nesse aspecto, sem saber. Dava a Lívia bastante trabalho e a fez finalmente debutar em uma audiência, sob sua supervisão é claro! Lívia saiu-se muito bem e pensou em como teria sido bom ter Ana ao lado dela naquele momento, para ver o quanto tinha aprendido com ela, pra ter orgulho de sua discípula.
Mas os dias passavam e Ana não dava sinal algum de onde estava e nem de quando voltaria. Isso angustiava Lívia de um jeito que ela nem pensava direito nas suas ações. Chegou um dia a ir até a casa dos Pais de Ana para saber notícias dela. Mas a Mãe dela parecia ter sido bem instruída, pois não deu nem uma pista sequer. Viu que o cão-guia, Fred, estava com eles, então isso significava que ela tinha ido para um lugar onde não poderia levá-lo e que talvez demorasse...”será que saiu do País mesmo?”
O final de semana se arrastou e mais uma vez ela teve trabalho pra não encontrar com Caio. Ele insistia que deveriam conversar, mas Lívia precisava ver Ana primeiro...não queria ser cruel com Caio, mas angustiada do jeito que andava, era bem provável que agiria desse jeito com ele.
A nova semana começou e a única coisa que pensava era em Ana e em como estava sentindo a falta dela. “Uma semana sem vê-la! Meu Deus, que saudade! Como meu peito dói com a falta que essa mulher me faz!”
E assim ela transcorreu sem muita diferença para a outra semana. Apenas a saudade que sentia de Ana crescia a cada dia. Às vezes parecia que ia ser insuportável a dor, mas aí vinha a esperança de ver Ana chegando no Escritório ou ligando para sua casa de repente...e assim, os dias passavam e ela ia suportando...sofrendo...chorando à noite, no quarto escuro, pra ninguém ver...
Fim do capítulo
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