Capítulo 6 Descobertas, sonhos e devaneios.
Observando da janela as belezas e peculiaridades que compunham aquela cidade inspiradora, Cosima se deixou afundar no confortável e espaçoso banco daquele veículo impressionante. Se pegou questionando quanto sua orientadora deveria ganhar de salário, afinal, uma limusine de última geração como aquela certamente era caríssima, e ainda com um motorista particular?! Okay que ainda tinha as obras publicadas, que por sinal eram fantásticas, mas mesmo assim... ‘’Deixe de ser enxerida!’’ Repreendeu-se por aquele pensamento bisbilhoteiro, novamente voltando sua atenção para as sensações confusas e intrigantes - e envolventes - que experimentara há poucos instantes atrás.
“Que porr* foi aquilo, Cosima?” Apertou os olhos com força, balançando a cabeça como para fazer a porcaria do seu cérebro voltar a funcionar com coerência e bom senso. Aquele questionamento latej*v* dentro dela tanto quanto a maldita dor em seu pé, dedo, tanto faz! Não conseguia definir em palavras ou mesmo compreender as sensações absurdas e desconhecidas que a atingiram assim que pôs os olhos em sua orientadora. – Desorientadora... – Sussurrou com divertimento na voz, tão baixinho que mal sabia se tinha de fato proferido a palavra.
Tentava repetir para si mesma que aquele inferno de situação não passava de uma profunda admiração ao intelecto brilhante de Delphine. Embora nem mesmo esse deslumbramento fosse uma justificativa plausível e aceitável para explicar as mais íntimas, loucas e ansiosas reações que teve quando experimentou os braços de sua professora. ‘’Isso é uma puta loucura, Niehaus!!!!’’ Ela não permitiria aquilo! Não podia.
- Com licença. – O jovem motorista falou, despertando-a de seus devaneios enquanto a encarava pelo retrovisor do carro. – Deseja alguma coisa? Alguma bebida? ‘’A sua chefe, talvez...’’ - O que? Puta que pariu! Cosima horrorizou-se com aquele pensamento, mas conseguiu disfarçar! Ela claramente estava enlouquecendo, só podia.
- Huummm, bem que eu gostaria, mas provavelmente serei medicada e isso não seria muito legal, né? – Deu um meio sorriso decepcionado. Ela devia estar mesmo precisando de uma bebida. - Na verdade, eu estou começando a ficar é com fome. Que tal esquecermos o hospital e sairmos para comer? – Sua voz era um charminho, surpreendendo Felix que quase sorriu, Cosima era divertida.
- Huum... – Fingiu ponderar, criando uma pontinha de esperança em Cos. A Sra. Cormier o mataria se ele não a levasse ao hospital. Era claro que aquilo estava fora de cogitação. – Que tal... vamos fazer assim: Passamos no hospital primeiro e depois eu a levo aonde a Srta. desejar. Temos um acordo?
Cosima riu daquela situação. Felix tinha acabado de barganhar com ela como se ela fosse uma criança de 10 anos! Cos entrou na brincadeira, colocando o dedo indicador em seu queixo e fingindo pensar. – Me parece um bom acordo... negócio fechado! – Felix balançou a cabeça retribuindo o sorriso de forma espontânea.
O motorista simpatizou de imediato com aquela jovem e linda mulher! Já trabalhava a alguns anos para a Sra. Cormier, assim como o seu pai trabalhou para a mãe dela e... em todo o tempo em que foi seu motorista, não se lembrava de ter levado mais ninguém naquele carro, além da sua chefe obviamente e de Helena. Essa constatação aguçou sua curiosidade a níveis alarmantes, o que já era um forte traço de sua personalidade. Acabou novamente encarando aquela figura pelo retrovisor. Apesar de não se atrair por mulheres, Felix a achou verdadeiramente bonita e realmente agradável. Quem seria ela?
Chegaram com rapidez ao Assistance – Hôpitaux de Paris, um hospital universitário que era referência em várias especialidades na cidade. Felix estacionou o carro logo após a rampa de emergência e solicitou uma cadeira de rodas a um enfermeiro que aguardava na entrada. Cosima tentou protestar contra aquele gesto, mas foi só ensaiar em dividir o peso de seu corpo entre os dois pés para rapidinho mudar de ideia. A dor infernal esfregava em sua cara a necessidade de aguardar aquela cadeira.
Sendo empurrada pelo jovem rapaz, Cos pensou no quão improvável e inusitada era aquela situação. Num piscar de olhos, Felix já estava falando com uma bonita senhora na recepção de entrada. A pele dela era negra, de um tom invejável e maravilhoso. Cos não conseguiu compreender o que ele dizia, mas notou a cara de espanto e o olhar surpreso que a mulher lançou em sua direção, imediatamente sacando o telefone do gancho e, sem nenhuma demora, liberando o atendimento de dela.
- Tão rápido assim? - Cos comentou alarmada. Felix piscou para ela e sorriu em resposta.
Com exceção das placas em francês, aquele hospital não diferia em nada do Centro Médico Pacífico da Califórnia, onde conheceu Shay. Era o mesmo tumulto habitual como normalmente eram as emergências de hospitais que atendiam todo tipo de gente. Shay. Essa comparação direcionou o pensamento de Cos para ela, sua namorada e o quão longe estavam. Pensou em ligar e contar sobre o seu incidente. Lembrou-se de uma conversa que tiveram nas vésperas da viagem, quando Shay recomendou com veemência que ela tivesse cuidado, já que ela não estaria lá para ser sua médica particular e Cos definitivamente possuía o desastre e o mau jeito em seu DNA! Sorriu com a lembrança e decidiu que ligaria para ela assim que estivesse em casa.
O jovem motorista andava ao lado de Cosima enquanto ela era levada por um enfermeiro de pele morena, cujo o nome ela não compreendia muito bem. Muito provavelmente era mais um imigrante naquele país. Felix não saia de seu lado em momento algum, embora checasse o celular com bastante frequência. Estaria falando com ela? Cos preferiu nem pensar. Os três entraram num amplo e moderno elevador e subiram vários andares.
- Eu já vou ser atendida? – Voltou a questionar com um certo incomodo na voz – Tenho certeza que existem pessoas em casos mais urgentes que o meu e que precisam de prioridade. Eu posso aguardar! Não é como se minha perna fosse cair, né? – Ela encarava o enfermeiro e depois olhou para Felix, que apenas a olhava de volta com uma expressão curiosa e um tanto divertida no rosto. Era um lindo rapaz, de pele clara e cabelos impecavelmente cortados em um penteado moderno. Seu senso de moda deveria ser fenomenal também, o que Cos especulou quando observou melhor o que ele vestia. A roupa social combinava impecavelmente com o pesado sobretudo verde muito escuro e um charmoso lenço preto no pescoço, realçando o topete estiloso em seu penteado.
Já fazendo uma careta por ter sido ignorada com sucesso pelos dois, Cosima teve sua resposta assim que as portas do elevador se abriram. Um homem grisalho utilizando óculos de aros finos e um jaleco que parecia ser novinho em folha, já estava a sua espera.
- Boa noite Srta. Niehaus. – Cumprimentou Cosima num firme aperto de mão. Sou o Dr. Morrin, ortopedista e especialista em membros inferiores. Em que posso ajuda-la? –Assim que o médico se afastou para dar passagem a eles, Cosima pode visualizar um amplo e moderno corredor com móveis sofisticados e equipamentos de última geração. Cos arregalou os olhos, mas logo se recompôs. Parecia estar em outro hospital, um muito mais luxuoso do que o de minutos atrás. Estava atenta a cada detalhe do novo ambiente e então se deparou com uma ostensiva placa de metal dourado sobre um fundo de mármore cinza com os dizeres:
“Ala Mme Genevieve Cormier”
Assim que Felix percebeu o queixo caído de Cosima, logo se prontificou a explica-la. Curvou-se próximo ao seu ouvido, falando mais baixo do que Cos julgou ser necessário e precisou se esforçar para ouvi-lo.
- É a mãe da Sra. Delphine. Ela foi médica aqui por muitos anos e hoje é acionista majoritária desse hospital. – Confidenciou. ‘’Puta merd*!’’ Cos arregalou ainda mais os olhos e já sentia sua boca se abrir de novo, involuntariamente. – Então é por isso... – Sussurrou para si mesma, começando a constatar a origem da vida incrivelmente luxuosa que sua orientadora possuía. Ela não fazia a menor ideia!
Com rapidez e agilidade, Cosima teve seu pé minunciosamente examinado, passando por exames de raio Xe tomografia, afim de terem um diagnóstico mais completo. Ela já começava a se preocupar com o futuro de seu dedinho quando o Dr. Morrin retornou com o resultado dos exames.
Felizmente era apenas um destroncamento de seu dedo mínimo e, antes mesmo que pudesse falar qualquer coisa, o médico recolocou o ossinho no lugar num movimento rápido, deixando Cos sem fôlego e pronta para gritar. Para sua surpresa, a ação cessou quase que imediatamente a dor maldita que vinha sentindo, graças as Deusas.
Por precaução, o Dr. Colocou uma pequena tala e solicitou o uso de uma bota de proteção pelas próximas 48 horas. Ainda receitou um analgésico caso a dor voltasse e pediu para que Cosima repousasse o máximo possível pelos próximos dois dias. Todo o atendimento e procedimento não durou mais do que uma hora e logo Cosima estava sendo empurrada em direção ao carro enquanto papeava com Felix sobre amenidades. A empatia e simpatia entre os dois foi instantânea e sincera.
Felix já ia direcionando a cadeira de Cos para a porta de trás quando ela começou a protestar!
- Não precisa, Feê!. Posso te chamar assim, não é? – Antes mesmo que ele fosse capaz de falar um A, Cos prosseguiu. – Vou na frente com você, assim podemos continuar conversando! – O tom de voz dela era animado e divertido, fazendo Felix sorrir e fingir uma cara de espanto. Aquela garota era completamente diferente de sua patroa. Cosima expressava uma simplicidade e humildade desconcertantes em casa gesto que fluía dela. Não o olhava com ar de superioridade, muito pelo contrário. Não que a Sra. Cormier o olhasse com desdém e soberba, não era isso, mas, Delphine era mais estritamente profissional e preferia manter certa distância. Cosima e ele pareciam ser amigos a muito mais tempo e ambos adoraram essa sensação. Tão logo o carro partiu, retomaram a conversa alegre e descontraída.
- Eii, você ainda não decidiu aonde vamos comer? – Perguntou o motorista. – Até eu já estou faminto, Cos!
- Ata! Eu sou a turista aqui Feê, lembra? Vamos, me surpreenda...! – Disse com verdadeiro entusiasmo na voz e em seguida fez um biquinho, completando. – Só que... será que poderia ser algo em que pudéssemos pegar e levar pra casa? Estou moída! – Abriu aquele sorriso capaz de aquecer qualquer coração. – Nem precisa pedir duas vezes, querida! - Felix respondeu, exagerando na cordialidade e fazendo Cos gargalhar.
Pouco tempo depois, estavam parando em frente ao pequeno prédio que já era o novo endereço de Cosima. Todos dois ainda estavam gargalhando da cara do garçom do restaurante indiano que foi descaradamente paquerado por Felix!
- Nunca vi uma abordagem tão sutil! - Ironizou Cosima enquanto gargalhava. Ela ficava linda se divertindo tanto.
- Aaaah! Não vem que não tem! O que importa é que já tenho companhia para a minha folga! – Ria e brincava seu mais novo amigo, acenando seu celular e fazendo cara de convencido, onde a pouco o jovem indiano havia salvo o seu número.
Mesmo depois de um tempo estacionado, Cosima continuava dentro do carro, exatamente por estar adorando a companhia de Felix. A recíproca era completamente verdadeira.
- Cos... – O tom era firme e confiante. A intimidade já estava estabelecida! Não poderia ser diferente com eles, eram duas almas alegres e espontâneas. – Adorei conhece-la, de verdade. E óh, me deixe saber quando estiver afim de cair na noite comigo! Você precisa descobrir o que as francesas têm a lhe oferecer. – Felix mostrou os dentes numa ousadia escancarada e o convite fez Cosima sorrir e corar levemente.
- Feê! Eu já disse que tenho namorada! Comporte-se! - A repreensão exagerada na voz de Cosima fez Felix gargalhar.
- Sim, mas ela está a um oceano de distância, querida! – Deu uma piscada sugestiva e engraçada, fazendo Cos rir e acenar a cabeça de maneira negativa. Ele só podia estar louco com essa história de cair na balada com francesas! Conferiu as horas.
- Então, já está na minha hora e na sua também, mocinho. Monopolizei demais o seu tempo e acho que... minha professora não vai gostar nada disso. - Ele revirou os olhos e fingiu ultraje.
- Nem considerei isso como parte do meu trabalho, acredita? – Afirmou, dando um beijo em cada bochecha dela.
- É realmente muito bom fazer um amigo nesse grande velho mundo. – Cos sorriu, realmente feliz por ter conhecido o jovem e agradabilíssimo motorista de sua orientadora. – Muito obrigada e tenha uma ótima noite, Feê. – Disse, já abrindo a porta do carro para sair quando se assustou com a batida da porta do motorista. Ele já estava dando a volta para ajuda-la.
- Ficou doida? Nem pense que vou deixa-la subir sozinha. Pelo visto não existe elevador no teu prédio, né? - Enquanto falava ele já abria a porta e a ajudava a sair do carro.
- Argh... - Cos suspirou frustrada. Detestava se sentir dependente de qualquer pessoa, mas as atuais circunstâncias a limitavam e, apesar de não estar sentindo mais aquela dor horrorosa no pé, não queria correr o risco de piorar a sua situação. Aquela porcaria de dedinho precisava melhorar rápido. Graças as Deusas chegaram ao seu andar, mesmo que com certa dificuldade. Felix ainda insistiu em ajuda-la a entrar, mas Cos protestou dizendo que ele já havia feito o bastante e que realmente não era necessário. Uma nova rodada de despedidas e agradecimentos aconteceu e, quando Felix alcançou o segundo degrau da escada de frente à porta de Cos, virou-se para encara-la com um semblante curioso e pensativo no rosto bonito.
- Quer ouvir uma coisa muito interessante? A segunda mais interessante do dia de hoje, já que a primeira foi conhecer melhor você. – Cosima sorriu deliciada e encarou o novo amigo.
- É claro que sim, desembucha!
- Nunca... jamais a Sra. Cormier emprestou o seu carro particular a alguém. Você realmente deve ser especial, garota. – E lá estava a piscadinha de olho que Cos já havia se familiarizado, seguida de um beijinho lançado. ‘’como é que é???’’
A revelação do seu mais novo amigo a atingiu como um soco no estômago, trazendo à tona e com toda a força as absurdas sensações que insistiam em acompanhá-la nas últimas horas. Foi como uma avalanche. Sentiu um leve tremor nas pernas e sabia que suas mãos estavam geladas. Sua boca se entreabriu e seu corpo não obedecia. O que isso significava? O que poderia significar? E por que ela estava reagindo daquele jeito? Que merd*! Com grande esforço, se obrigou a entrar em casa e fechar a porta.
Ali, parada em meio ao perfeito caos em que sua sala se encontrava, concluiu que o período de tempo que passaria ali seria repleto de muita confusão. – 9 longos meses... puta que pariu. – Sua voz não passava de um sussurro. Achou melhor concentrar sua energia no caminho mais fácil e óbvio. O que ela pensava sentir nada mais era do que uma atração forte. – muito forte, forte pra cacete – Okay, Cos sabia que era um tipo de sapiossexual¹. Sempre fora profundamente atraída por mulheres inteligentes, era quase um fetiche. Mas isso??!! Essas sensações em relação à sua professora já estavam ficando ridículas. Ela precisava se controlar.
- É Niehaus, só pode ser isso. É claro que é isso, não é? Delphine é brilhante e ... – tentadora e sensual e inacreditavelmente atraente - e... é o intelecto dela que mexe comigo, não tem nada de errado nisso, certo? – Ela verbalizava aquelas palavras numa tranquilidade desesperada, para ver se lhes atribuía o poder e a materialidade desejada e muito necessária. Gesticulava de maneira frenética e só não estava andando de um lado para o outro por estar com aquele trambolho na perna, tamanha era sua aflição. Também se forçou a acreditar que muito daquela palhaçada se devia a saudade que já começava a sentir de Shay. Seria mesmo? Tinha que ser, pelo amor de Ártemis!
Bufou, suspirando exasperada. Sabia que jamais tinha gostado de alguém ao ponto de sentir falta. Será que Shay seria a primeira mulher a verdadeiramente alcançar e ocupar seu coração? Com tantas perguntas martelando em sua cabeça, atravessou a sala andando a uma distância segura do maldito sofá, seguindo pelo pequeno corredor e entrando no quarto.
Já tirava suas roupas e concentrou-se em retirar a bota imobilizadora, quase correndo em direção ao banheiro. Abriu o chuveiro e agradeceu o calor e a pressão da água que percorria seu corpo. Com as duas mãos espalmadas na parede, sentindo a agua cair, Cosima mantinha seus olhos fechados. Estava exausta e confusa. Sempre obteve o controle sobre si mesma e de suas emoções e não estava entendo absolutamente nada daquela loucura toda. ‘’Que porr* é essa? Controle-se, Cosima. Controle-se’’. Resolveu sair do tão ansiado banho e sentia cada fragmento de seu corpo reclamar, gritando por repouso.
Vestiu o primeiro pijama que encontrou na mala e foi comer um pouco da comida indiana, que por sinal estava deliciosa, tratando de guardar o nome daquele restaurante para vontades futuras. Cos ainda não havia verificado os detalhes de seu aconchegante loft, mas certamente não o faria naquele momento, já que mal conseguia se manter de pé. O cansaço acabou vencendo a fome ainda não saciada. Estava tão exausta que só conseguiu se arrastar até um pequeno armário embutido para pegar um grosso cobertor e se jogar na cama. Agradeceu pelo sistema de aquecimento do apartamento ser perfeito e implorou para que o sono a abraçasse com rapidez. A inconsciência chegou quase de imediato e ela adormeceu.
******
Uma melodia ritmada ecoava um pouco distante. Cosima não conhecia aquela canção. Olhou ao redor para tentar localizar-se, mas tudo era muito escuro e vazio. Tentou sentir aquele ambiente e pouco tempo depois, uma leve e adocicada fragrância invadiu seus sentidos. Um outro segundo se passou e ela sentiu a frieza do piso sob seus pés descalços, parecia pisar em algum tipo de pedra rústica, porém muito bem polida, já que o piso não machucava seus pés. Gostou daquela sensação, era boa e reconfortante.
No segundo seguinte, focou seus olhos num pequeno risco de luz localizado um pouco mais a sua frente. Interessante. Percebeu se tratar de uma fresta de luz, daquelas que vazavam por um espaço mínimo entre a porta e o batente. Sim, era uma porta, certo? Decidiu seguir até lá. Assim que chegou, tateou a superfície na busca por alguma maçaneta, aquela porta precisava se abrir.
Sua visão foi completamente desfocada pela luz que a atingiu. Aos poucos, Cos foi tentando se situar. ‘’Aonde estou?’’ A música ficou mais alta e ela se viu em uma sala ampla com poucos móveis. Só então percebeu vozes acompanhando aquela melodia. Eram vozes femininas. Não conseguia compreender a letra cantada e os dizeres pareciam um antigo idioma. Certamente era algo que ela jamais ouvira.
Alguma coisa a impelia a chegar até a origem da música e Cosima acabou se deixando guiar por ela. Saiu do que parecia uma construção antiga, alcançando o que parecia ser um alto muro plantado. ‘’Trepadeira?’’ Cogitou. Não sabia ao certo o que pensar, mas logo constatou tratar-se de um labirinto vivo. A música vinha de algum lugar a frente e ficava mais alta a cada passo dado. Sem ao menos esperar, as batidas de seu coração sincronizaram-se com a incrível melodia e ela pôde observar a cena diante de seus olhos, contemplando-a.
No centro de um amplo espaço aberto no labirinto, Cosima avistou um grupo numeroso de mulheres que dançavam enquanto outras tocavam instrumentos rústicos e antigos e entoavam uma linda cantiga. Todas vestiam túnicas de um lilás escuro e marcante, com um ostensivo capuz cobrindo suas cabeças.
A principio, parecia que aquelas mulheres não tinham percebido sua presença, imersas naquela dança cadenciada e, até certo ponto, muito sensual. Pareciam estar em algum tipo de transe. A maneira como dançavam e se dedicavam era intensa demais, estavam completamente entregues. Somente quando a melodia atingiu o seu ápice que o inimaginável aconteceu. Todas elas, simultaneamente abriram suas túnicas, revelando a nudez hipnotizante e inesperada. Nesse exato momento, se viraram para Cos e encararam. Sem saber o que pensar, sentiu uma energia devastadora e percebeu que também estava nua.
- ... Que merd* é essa? – Sussurrou para si mesma e antes que pudesse obter qualquer resposta, sua atenção foi capturada por uma estridente sirene.
Era o alarme de seu celular, despertando-a de maneira assustada. “Droga, mais uma porr* de sonho estranho”. Sentou-se na ponta da cama sentindo-se levemente tonta, já desligando aquele barulho infernal. Tentou relembrar os detalhes de seu sonho e se perguntou o que significava tudo aquilo. Que porr* era aquilo? Ela enlouqueceu de vez? Como em um estalo, um pensamento lhe ocorreu.
Num pulo, já estava de pé enrolando-se com sua coberta, notando estar mais frio naquela manhã. Correu até uma de suas malas e, de dentro de uma delas, sacou uma grossa pasta que salvaguardava um de seus pertences mais valiosos – se não o mais valioso - e a principal fonte de seu projeto de pesquisa. Um raríssimo livro com uma capa de couro escuro e páginas feitas de um fino tipo de linho. Todas costuradas manualmente e escritas com uma grafia rebuscada e absurdamente elegante num francês clássico.
Percorreu algumas páginas com domínio de quem conhecia todo o seu conteúdo de cor, logo encontrando o trecho que buscava. Com uma fantástica riqueza de detalhes, o ritual com o qual havia acabado de sonhar estava descrito naquele livro. Cos respirou fundo, abraçando sua valiosa fonte de sabedoria. Ela precisava descansar e relaxar. Seu inconsciente estava à beira da insanidade.
De forma inevitável, relembrou a estranha e curiosa maneira como aquele livro havia chegado até ela e, principalmente, a exigência do solicitado sigilo absoluto a respeito do mesmo. De cara, Cos percebeu tratar-se de algo extremamente raro e importante, dado a riqueza de conteúdo e o tempo decorrente ao qual fora escrito. Lembrou-se também do quanto havia relutado em utilizá-lo como uma fonte de pesquisa, já que não tinha como comprovar sua legitimidade. Entretanto, seu instinto gritava, dizendo tratar-se de uma obra única e inestimável que merecia ser explorada com ardor, encaixando-se com perfeição no tema abordado em seu pós-doutorado.
Suspirou, visivelmente aliviada, concluindo que não estava de fato enlouquecendo com aqueles estranhos sonhos. Só estava cansada e pressionada. Riu da situação ao encarar de forma pensativa e intrigante as informações contidas na capa:
Melanie Varguer & Evelyne Chermont - Signos e Símbolos do Sagrado Feminino na Ordem do Labrys. Paris, 1658.
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Glossário:
1 Sapiossexual - Aquele que é atraído sexualmente pela inteligência, visão de mundo, bagagem de conhecimento e/ou nível cultural alheio.
Fim do capítulo
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olivia
Em: 06/09/2018
Bom dia autora , estou louca , ou fascinada por , esta complicada obra literaria ! Afinal , é ficção misturada com conhecimentos e pesquisa?começeu ler ontem esperando uma consulta, mas a curiosidade esta me matando, primeiro traduz para mim por favor o título do romance , pois mal falo o português. De onde onde você surgiu criatura ? Tem fundamemento que a Dalphini sinta tant o. terror por sei lá quem, só que Cos , esta sendo usada pelo tal mostro!! Ja passei mil vezes pelo seu romance amei a capa pois , sou fã de artes, como a minha autora favorita sumiu A Thaa, amo aquela menina , ela me cativou com seus romances cheios beleza,glamour,amor tortura , enredo arrojado! Você me surpreedeu , não sou adolecente,sou bem madura brincando de jovem!!! Parabéns!!! Bjs
Resposta do autor:
Olá, perdão pela demora na resposta.
Que bom que estais fascinada com o meu pequeno deb=vaneio.
Quanto a trama, é ficção sim, mas sou historiadora e pesquisadora da História das Mulheres.
O título significa Um Amor Extraordinário. E existem motivos seríssimos para Delphine temer o Lamartine e vice-versa rs... Leia mais e verás.
Abraços
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