Capítulo 12: LIÇÃO 10: SEGUE O SOM, PISE LEVE E NÃO RETROCEDA.
Beatriz não me deu tempo para me refazer do susto. Sem cerimônia fechou a porta e seguiu falando, enquanto se aproximava de mim, sentada no sofá com o notebook sobre as pernas.
-- Eu tentei falar com você na universidade, mas, você se recusou veementemente, não vi escolha se não vir aqui.
-- O que te faz pensar que aqui na minha casa, eu iria falar com você?
-- Não insisti lá pra que não tomasse ares de escândalo, você estava tão alterada...
-- Ah, e invadir minha casa foi sua alternativa pra não me “alterar” mais?
-- Não invadi, eu usei as chaves, que ainda estavam comigo. Se eu anunciasse que estava subindo, você não me receberia.
-- Então você sabe que não é bem-vinda, nem no meu laboratório, nem na minha casa, nem na minha vida!
Joguei o notebook no sofá e me levantei, irritada.
-- Nosso contato será puramente profissional Beatriz, estava agora mesmo lendo seu material da tese, responderei por e-mail, não quero nada mais além disso, quero você longe de mim, você, sua noivinha e os bois dela bem longe!
-- Luiza, calma. Tenta me escutar, alguns minutos, só preciso disso.
-- Você já me tirou muito tempo, não tenho mais nenhum minuto pra você, que dirá alguns. Vá embora Beatriz. Eu vou olhar o que me mandou e cumprir minha obrigação com você e com seu orientador.
-- Luiza, você verá que a tese está pronta, e está no e-mail as duas cartas de aceite dos artigos que enviamos. O Marcos deve ter te mandado e-mail pedindo sugestões pros nomes da banca de qualificação.
-- Você terminou tudo então?
-- Fiz o que me sugeriu, paguei um estatístico, bem, não foi fácil, mas fui bem orientada por você, e depois das correções da banca de qualificação, poderei finalmente defender minha tese, graças a você.
-- Que bom, então nosso contato está encerrado.
Falei tentando disfarçar minha surpresa, não esperava que Beatriz concluísse a tese sozinha, e nem muito menos que me procurasse depois disso.
-- Luiza, não está. Nós tivemos uma história, até semana passada, essa história deu mostras que ainda não acabou, precisamos sim conversar, como duas mulheres adultas que somos.
-- A mostra da semana passada, foi exatamente do contrário que você acha. O que aconteceu semana passada foi a prova de que essa história acabou.
-- Não... Está latente, e você está aí ferida, mostrando sua dor nessa irritação toda comigo e Alicinha.
A irritação era legítima, mas, eu conseguia ver com muita nitidez que não restava mais amor naquela dor. Era mais o amor próprio que ressurgia, e ele sim, estava ferido.
-- Beatriz o que você está vendo é cansaço! Já deu! Você, ela, tudo isso me cansa! Isso não é dor, é exaustão. Não quero mais para mim, o que tive com você nas últimas semanas, nem tampouco retomar o que tínhamos.
-- Luiza...
Beatriz se aproximou, e eu, imediatamente a afastei, ela então recuou.
-- Beatriz, para...
-- Deixa eu te falar, pelo menos tentar te explicar... Aquilo que aconteceu no aniversário da Patrícia foi inesperado. Eu estava completamente perdida nos meus sentimentos, estar com você, nossa intimidade, aquela cumplicidade que tínhamos, essa coisa de pele tão forte entre nós, reascendeu tudo, eu fiquei confusa!
Eu me desarmei, escutei com atenção o que Beatriz falava.
-- A Alicinha chegou antes do esperado, eu nem contava que ela estaria aqui para o aniversário da Patrícia, eu estava ansiosa na verdade para encontrar com você lá... Mas, ela chegou... Eu estava confusa, acho que involuntariamente a rejeitei, e não tive coragem de dizer os motivos reais, acabei dando uma desculpa, para ganhar mais tempo, e disse que estava preocupada com minha tese, com os prazos e estava com dificuldades de concluir sem sua ajuda.
-- Beatriz ela me ofendeu na sua frente, e você sequer tentou me defender com alguma desculpa esfarrapada desse tipo que você usou com ela!
-- Eu sei! Fiquei perdida, não sabia o que falar pra minimizar aquele constrangimento, mas, me apavorei, quando percebi sua mágoa e a Alicinha tão descontrolada, não podia falar nada a nosso respeito, eu já tinha sido uma filha da mãe com você, e seria com ela também...
-- Ah! Agora você melhorou tudo Beatriz, tudo! Já que você já tinha sido uma puta sacana comigo, então tudo bem ser de novo, não é mesmo? Uma humilhação a mais, uma a menos, a Luiza aguenta! Foi isso que você pensou?
-- Não! Eu pensei que você entenderia que eu não podia nos expor daquela forma, que qualquer conversa com Alicinha, não podia envolver você! Eu já tinha te machucado demais, não podia colocar você de novo no foco da fúria de Alicinha, quis te proteger...
-- Mentira Beatriz... Você é dissimulada. Não queria se ferrar com Alicinha, e achava que poderia me manipular com esse discurso aí de mulher dividida com crise de consciência. O que você quer afinal?
-- Quero que você me entenda, e em nome do que tivemos, me dê um tempo pra resolver isso tudo...
-- Espera um pouco, quando você fala em resolver isso tudo, quer dizer exatamente o que?
-- Resolver as coisas, organizar meus sentimentos, tentar sair dessa história com Alicinha de uma maneira íntegra e então...
-- Não estou ouvindo isso... - Resmunguei perplexa.
-- Luiza eu percebi o quanto ainda te amo, o quanto ainda te quero! Eu me arrependo muito de ter me envolvido com Alicinha, me deixei levar por um momento infantil, nosso relacionamento estava conturbado e ela apareceu... Eu precisava viver aquilo para reconhecer quão forte é nosso amor...
-- Cala a boca... Quanta baboseira você fala! Eu, eu, eu... Tudo gira em torno das suas necessidades! Como você consegue ser tão narcisista? Quer sair de maneira íntegra da relação com Alicinha, quer que eu entenda isso, mas está se lixando para a situação que me deixou não é mesmo? Onde estava essa sua integridade toda comigo? Esse amor que descobriu, estava escondido onde? Nosso relacionamento não estava conturbado, se bem me lembro, nossas discussões giravam em torno da sua implicância em escolher um apartamento para morarmos juntas.
-- Então, eu estava sufocada, você me pressionando para dar um passo maior, e eu estava vulnerável...
-- Parou! Essa conversa não faz o menor sentido, nem no tempo, nem na conjuntura atual. Você só mudou seus argumentos para explicar sua traição, o outro argumento era mais nobre: “eu me apaixonei por Alicinha de novo, na verdade acho que nunca a esqueci”, é menos canalha do que o que está me dizendo agora.
-- Mas, Lu, eu estou te dizendo que te amo, que quero reconstruir nossa história...
-- E eu estou te dizendo, que não há nada para ser reconstruído. Você tem todo tempo do mundo pra se resolver com Alicinha, com você mesma, mas, me tire dos seus argumentos e dos seus planos.
-- Você já me esqueceu?
-- Já? Você me deu um pé na bunda, noivou com outra e me pergunta se eu “já” te esqueci?
-- Estou abrindo meu coração, reconhecendo meu erro, e te dizendo que vou terminar com Alicinha para voltar para você!
-- E eu estou te dizendo, eu não acredito em você! Já lutei demais por você, fiz tudo que podia e não podia pra te agradar e não tardou para você me trocar por outra, se acovardou diante dela, me machucou de novo, essa batalha já acabou para mim.
-- Luiza, olha pra mim...
Beatriz segurou meu rosto, não pude evitar encará-la.
-- Eu errei, você é a mulher da minha vida, ainda não é hora de desistir de nós, dessa batalha como você disse.
-- Agora, é sua vez de lutar, se eu realmente sou a mulher que você ama, lute por mim e mostre que ainda é a mesma mulher que me apaixonei, e não essa mulher que não sabe o que quer, nem o que sente.
Fui firme. Seria hipócrita se negasse que minha história com Beatriz ainda tinha uma chama, no entanto, não era mais suficiente para mim. Aprendi a duras penas que eu não podia me conformar com qualquer migalha de afeto, A inconstância de Bia não cabia mais no meu contexto de vida. No fundo, eu acreditava que Beatriz não lutaria por mim, lancei o desafio convicta de que ela não levaria a sério.
-- Eu vou lutar. Vou te reconquistar, me reencontrar, e te ter de volta.
Beatriz selou a promessa com um beijo nos meus lábios e deu as costas, deixando sobre o centro da sala as chaves.
-- Vou esperar você me dar essas chaves de novo.
Foi um alívio para mim quando ela bateu a porta. Ela não era uma qualquer, mexia comigo, o sofrimento que passei quando ela me deixou era proporcional ao quanto a amei, ou será que ainda amava? Meses atrás, eu estava jogada em um quarto escuro, torcendo para que Bia voltasse para mim, e agora, não estava convencida que o relacionamento com ela me preencheria, a separação deixou evidente as lacunas que existiam entre nós.
Essas conclusões ou novas dúvidas, se configuravam em um passo de maturidade, de sobriedade que aqueles meses de aprendizado me trouxeram quando Beatriz me deixou. Tudo bem que essa tal maturidade era questionável quando o assunto era minha paixonite por uma aluna. Naquele momento, eu enxergava esse sentimento pela garota como um devaneio, uma fantasia, não ousei sair desse campo, era o mais prudente.
O dia seguinte me reservava as entrevistas dos alunos aprovados nas duas primeiras etapas. Não sabíamos das pontuações dos candidatos, assim, ficaria mais justa essa etapa. Eu e o professor Aurélio seguíamos os critérios pré-estabelecidos por nós, os docentes, buscávamos identificação com a linha de pesquisa, compromisso, além do potencial para iniciativas.
Era um grupo diversificado, entre alunos da medicina, farmácia e biomedicina. No final da manhã, uma surpresa me deixou sem fala, ao chamar o candidato das 11h: Marcela.
-- Bom dia.
Marcela nos cumprimentou. Aurélio respondeu, e eu, bem, eu não consegui nem balbuciar, apenas acenei com a cabeça. Fiquei trêmula, me atrapalhei com os formulários, acabei por derrubar alguns da mesa, Aurélio como cavalheiro que era, se apressou em apanhá-los.
Eu me perguntava o que Marcela fazia ali, já que na noite anterior o colega afirmou que ela não passara na prova escrita. Constrangida em indagar sobre a informação na frente de Aurélio, perguntei:
-- Você é a candidata desse horário mesmo, Marcela?
-- De acordo com o site, sim, professora.
Dessa forma, iniciei a entrevista, contendo meu olhar de fascínio para a menina, tarefa difícil, o magnetismo exercia todo seu poder físico sobre mim, imaginou lutar contra a física? Então, era assim que eu me sentia, lutando contra as leis do universo...
O dia de trabalho chegou ao fim, restava a mim e aos colegas docentes, a computação dos pontos das três etapas e finalmente conhecer e divulgar os novos membros do grupo de pesquisa. Para minha surpresa, quem surgiu como primeira colocada na seleção foi um nome doce aos meus ouvidos: Marcela.
Juro que segurei o impulso de bater palminha feito foca do “Sea World”. Lancei a lista no sistema, empolgada, minha vontade era de dar a notícia pessoalmente à minha nova e brilhante aspirante à pesquisadora: QUE LINDO!
Adorei o novo título que consegui para Marcela. Aliás, ela conseguiu, de maneira incontestável! Eu, mesmo sem mérito nenhum, estava radiante de orgulho dela. Sai da universidade, torcendo para encontrar aquele grupo de alunos, mas, os corredores estavam vazios. Teria que esperar até a sexta-feira, teria aula na turma de medicina, veria ela e os colegas que comemoraram antecipadamente o sucesso no processo seletivo.
Como eu imaginava, os alunos aprovados, me aguardavam na porta da sala naquele frenesi. Parabenizei a todos, publicamente na sala, antes de iniciar a aula. Procurei o canto de sempre que Marcela ocupava, não a encontrei. Justamente naquele dia, ela faltou minha aula. Não resisti, perguntei ao final da aula a Jéssica:
-- Sua amiga que passou em primeiro lugar não veio? Exageraram na comemoração de novo ontem?
-- Ah não professora, não comemoramos ainda, nem deu tempo, mas, parece que deu sorte nossa antecipação não é mesmo? A Marcela, não sei porque faltou, não me deu notícias hoje.
-- Eu entendi que ela não tinha passado na prova escrita, pelo que seu colega adiantou na pizzaria.
-- Ele ia dizer que a Marcela não passou, ela humilhou a gente, gabaritando a prova.
-- Ah...
Só então percebi que eu fui mal educada e interrompi o rapaz naquela noite, antes que ele completasse a frase. Disfarcei minha frustração pela ausência de Marcela, parabenizando a amiga dela pela aprovação no mesmo processo seletivo.
No mesmo dia recebi outra boa notícia do meu orientador: o relatório das atividades do pós-doutorado foram aceitas, e consolidaria assim minha linha de pesquisa, o título era uma questão de tempo.
Duas batidas na porta, e Clarisse entrou no meu escritório.
-- Já é noite, e hoje é sexta-feira! O que você faz aqui ainda?
-- Poderia te fazer a mesma pergunta.
--Ah, eu, na minha ingenuidade burra, marquei uma reunião com os alunos do meu grupo de pesquisa, imagina né? Apareceram dois alunos.
-- Professora! Reunião de pesquisa com alunos no final da tarde de sexta? Pelo amor né? Mas, pera, um dos alunos te deu essas rosas de consolo?
Clarisse segurava um buquê de rosas, inevitável não perceber.
-- Ah! Acha mesmo que algum aluno pensaria nisso?
-- Então... Foi da assistente social bonitinha? Ainda está rendendo esse rolo? É namoro mesmo?
Clarisse revirou os olhos, bufou e disse:
-- Quem dera! A bonitinha como você disse, simplesmente sumiu do mapa. As rosas, são para você!
-- O que?
-- É, o entregador estava perdido aqui pelos corredores, eu recebi, já que estava vindo para cá.
-- Quem mandou? - Perguntei assustada.
-- Não sei né! Acha que eu seria tão indiscreta e invasiva assim? Não abri o cartão.
Clarisse empurrou na minha direção o buquê. E ficou de braços cruzados, de prontidão, esperando que eu abrisse o cartão e revelasse o remetente. Eu mesma, estava curiosa, e eis que leio silenciosamente o cartão:
-- “Eu não vou desistir de você. Estarei sempre por perto, para que não se esqueça disso. Bia”
-- Então? Vai me dizer quem é florista aí?
-- Beatriz...
-- Mentira! O que deu nela? Como assim?
-- Longa história, está com tempo? E outra coisa... Nada de brigar comigo! - Levantei-me segurando o buquê.
-- Ai, assim você me faz parecer uma chata intransigente...
Clarisse fez bico, eu a abracei com um dos braços e beijei seu rosto, já que na outra mão estava o buquê.
-- Chata sim! Sempre!
Disse em tom de brincadeira e dei-lhe outro beijo no rosto para amenizar o xingamento. Para minha surpresa, Marcela surgiu na porta, flagrando a cena de carinho entre eu e minha amiga.
-- Desculpa, professora, a porta estava aberta... – Marcela disse, visivelmente constrangida.
-- Marcela? Oi! Entre, fique à vontade, não tem que se desculpar, afinal, esse laboratório será seu local de trabalho também.
Falei rápido, me afastando de Clarisse, quase como um impulso. Olhando para os lados, Marcela emendou:
-- É, eu não pude vir no período da manhã pra aula e... Enfim, estava passando por aqui e vi a luz acesa, imaginei que a senhora estivesse aqui, passei pra dar um “oi”, não queria atrapalhar.
-- Atrapalhar? Atrapalhar o que? Eu queria mesmo te ver! – Indaguei alheia ao que Marcela se referia.
-- Queria? – Marcela perguntou, ruborizada.
-- Sim, claro! Parabenizar você! Primeiro lugar na seleção! Olha, nunca tive uma candidata assim, será uma excelente pesquisadora, grande ganho pro GRUFARMA.
-- Não importa a colocação, o importante é que eu entrei, e vou poder aprender muito com a senhora.
-- Será um período de muito aprendizado, com certeza.
Eu estava tão abobada com a presença de Marcela, que até me esqueci que estava com aquele buquê na mão, e também da outra pessoa na sala: Clarisse.
-- Parabéns, Marcela. Você vai mesmo aprender muito com a professora Luiza.
Clarisse estendeu a mão cumprimentando Marcela, só aí me lembrei da presença dela, e da repercussão daquela visita.
-- Obrigada.
Marcela respondeu sem jeito. E eu, joguei o buquê na lixeira, atitude que logicamente chamou a atenção das duas.
-- Bom, então, eu vou indo, está tarde, nos vemos segunda-feira, tem reunião do grupo não é? A Jéssica comentou.
-- Sim, no final da tarde.
Respondi, agora, tensa, sob o olhar atento de Clarisse. Marcela saiu lentamente, se despedindo de maneira mais formal. Depois que ela saiu, aquele olhar atento, se transformou em inquisidor.
-- Ok, você pode me explicar o que acabou de acontecer aqui?
-- Como assim? – Meu buço já suava.
-- Luiza! Uma aluna te procurar aqui, essa hora, em plena sexta? Pera... Essa é a sua hóspede? Claro! Marcela, foi esse o nome que você disse na sua casa!
-- Não, você está enganada, eu disse Graziela...
-- E eu, tenho cara de idiota né?! Para né!
-- Ai Clarisse, eu que peço, para! Aconteceu nada aqui.
-- Luiza, você está se encrencando, e escondendo tudo, por que? Primeiro, eu encontro essa menina dormindo na sua cama e você desconversa, foge de mim, na verdade. Depois você, me fala que a Beatriz voltou à sua vida e ela até te manda rosas! Coroando a encrenca: a menina que estava na sua cama, aparece no seu escritório essa hora, com uma carinha toda de encantada e você se estabanando pra explicar...
-- Você acha que ela estava com carinha de encantada? – Perguntei tímida.
-- Meu Deus! Luiza! Você está flertando com essa menina?!
-- Não!
-- Ainda bem, porque se você estivesse, ia estar bem encrencada, a cara dela quando viu a gente, você me abraçando, um buquê de rosas na mão... Deve estar achando que nós temos alguma coisa...
-- Será? – O pavor ficou visível.
-- Seria tão ruim assim, se ela pensasse isso?
As indagações de Clarisse sondavam minhas reações.
-- Não... Não é isso, é que não quero burburinhos pelos corredores que as professoras estão se pegando dentro da universidade...
-- Então, a Marcela é fofoqueira?
-- Não! Imagina!
-- Claro que não, a Marcela não é dessas!
-- Não mesmo!
Minha pronta defesa de Marcela foi mais uma das minhas reações bem analisadas por Clarisse, que não perdeu tempo:
-- Luiza, você está apaixonada por essa menina!
Titubeei mas me refiz para responder:
-- Que apaixonada?! Você está doida?
-- Não, você é que está!
-- Clarisse, presta atenção: eu não estou apaixonada coisa nenhuma, especialmente por uma aluna! Estou encrencada sim, mas, é a mesma encrenca de anos, o nome da encrenca não é Marcela, é Beatriz.
-- Acha que consegue me enganar?
-- Espera eu te contar tudo, aí você tira suas conclusões, e para de falar tanta sandice!
Naquela noite, Clarisse foi comigo para minha casa, preparamos um jantar enquanto eu narrava toda minha epopeia com Beatriz. Diante de tantos acontecimentos, não foi difícil fazê-la acreditar que minha encrenca era mesmo só minha ex.
Ao final da noite, estava convicta de que pelo menos com Clarisse, eu conseguira contornar a situação, no entanto, a hipótese de Marcela ter deduzido que eu e minha amiga éramos mais que amigas me deixou inquieta.
O final de semana passou lento, estava ansiosa para reencontrar Marcela. O domingo me reservou um programa comum entre mim e meus amigos: praia. Não escapei de repetir os motivos das minhas consecutivas fugas de conversas do tipo confessionário com eles nas últimas semanas. Usei a mesma desculpa, que afinal, não era mentira: Beatriz.
Na segunda-feira, eu mais parecia estar me arrumando para uma noite de paquera do que para um dia de trabalho. Podia ouvir as frases feitas do Ed:
--“Pra diva, toda calçada vira passarela, meu bem! Qualquer cenário vira palco pra um espetáculo, vai e arrasa!”.
Com esse pensamento gay, dei uma caprichada no visual e parti para universidade. Eu mesma não entendia minha motivação, mas, cedi. Patrícia como sempre, estava pronta para levantar minha autoestima, o problema é que ela fez isso justamente quando Beatriz adentrava a sala dos professores:
-- Nossa, que produção heim? Algum motivo especial, Lu?
A cara de Beatriz evidenciava um sorriso vitorioso. Certamente, ela julgava que o motivo especial era ela, egocêntrica como era, deve ter concluído que minha produção era uma resposta ao buquê de rosas enviado por ela na sexta-feira.
-- Imagina Paty, tem nada de produção, essa sou eu de verdade, quando não estou assim, é que você tem que estranhar, diva é diva todo dia não é mesmo?
Patrícia gargalhou concordando. Enquanto isso, Beatriz mandava mensagem para meu celular:
-- “Linda como sempre, mais do que qualquer rosa”.
Ai que piegas! Como não percebi que Beatriz era tão clichê? Pensei até em responder com um desaforo, dar aquele “simancol”, mas, preferi ignorar. O problema é que eu não consigo acumular duas funções ao mesmo tempo: ser diva e ao mesmo tempo não ser uma ameaça à segurança das pessoas e a minha própria.
Segurando minha caneca térmica de café com uma mão e na outra apagando a mensagem de Beatriz, me estabaquei com uma aluna, derramando o café em nós duas. Como uma grande piada do destino, de novo meu acidente teve a mesma vítima: Marcela.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]