Mini- Capítulo
Capítulo 10: LIÇÃO 8 – RECONHEÇA O FINAL DE UMA BATALHA
Nova semana se iniciava, e lá ia eu para enfrentar minhas próprias guerras. Encarar Beatriz, mostrar uma superioridade que eu não sabia de onde tirar, dar explicações a Clarisse pelo episódio do dia anterior, já que eu não cumpri minha palavra de liga-la no mesmo dia, acabei indo mesmo visitar meus pais, e como se não bastasse esses enfrentamentos, ainda me restava o mais doce, e mais intrigante: reencontrar Marcela.
Patrícia foi a primeira a me cumprimentar na sala dos professores no departamento de Farmácia:
-- Lu! Nossa, eu estava ansiosa pra que você chegasse!
-- Oi Paty, cheguei.
-- Como você está? Não tivemos tempo de conversar, eu estou tão constrangida, me sentindo tão culpada, insisti para que você fosse, e acabei te expondo a uma situação chata...
-- Paty, você não me expôs a nada, quem fez isso foram outras pessoas, inclusive eu.
-- Ficou um climão entre as duas...
-- Paty, posso te pedir uma coisa?
-- Claro, Lu.
-- Não vamos mais falar nesse assunto, tudo bem?
-- Claro, tudo bem Luiza, é melhor mesmo.
-- Eu acho melhor me apressar, o maior tempo que conseguir evitar encontrar nossa cara coordenadora de curso, melhor pra mim...
-- Sua pressa, não adiantou nada, amiga...
Patrícia olhou em direção à porta, institivamente olhei na mesma direção, e vi Beatriz chegando. Dessa vez, não respondi nem mesmo ao cumprimento formal dela. Esperei ela seguir para sala dela, ignorando o olhar dela sobre mim, e saí da sala, me tremendo confesso. O abalo não tinha mais o gosto do término, e sim, o sabor de raiva, indignação e vergonha, por ter me permitido uma recaída tão dantesca como a que tive por ela.
Meu horário de almoço foi reservado para finalizar a prova que seria a primeira parte do processo seletivo para o GRUFARMA, as inscrições se encerrariam naquele dia, logo, saberíamos quantos candidatos teríamos para as quatro vagas disponibilizadas.
A tarde me reservava o reencontro com Marcela. Confesso minha ansiedade. Mentalmente, comecei a exercitar a ideia que justificasse tamanha ânsia, que não se explicasse com meu encantamento por aquela aluna. Pensei: talvez, se meus pais não tivessem resolvido parar a ter filhos depois de mim, eu teria uma irmã da idade de Marcela, era isso, tinha uma afeição fraternal pela menina, uma afinidade. Bastaram alguns segundos para eu reconhecer o quão ridícula era minha justificativa, e o quão incestuosa também ela começava a se configurar.
Em meio aos meus pensamentos um tanto quanto perturbadores, não vi o tempo passar, perdi a hora do almoço, e só fui desperta pela chegada de Beatriz na minha sala no laboratório.
-- Procurei você no refeitório, e na sala dos professores, não te encontrei, imaginei que estivesse escondida aqui.
-- Não estou escondida. Estou trabalhando.
-- A gente precisa conversar, Luiza.
-- A gente? Engano seu, você pode querer me dizer algo, eu não, então, não tem “a gente”.
-- Luiza, não seja intransigente. Nós precisamos sim conversar. Nós somos colegas de trabalho, tivemos um relacionamento, você não pode me hostilizar assim, como fez logo cedo...
-- Eu não posso? Claro que eu posso! Eu posso agir com você da forma que eu quiser, sem ter que me apegar a nenhum tipo de política de boa vizinhança, porque você, Beatriz, perdeu o direito de esperar de mim até respeito, que dirá polidez!
Eu já estava exaltada a essa altura, levantei-me e indiquei a porta para Beatriz.
-- Não tenho mais nada a conversar com você, nada do que você tenha a me dizer me interessa ouvir. Saia da minha sala, por favor.
-- Luiza...
-- Agora, Beatriz!
Chegando enfim a hora da aula de Farmacologia na sala de Marcela, encontrei-a sentada no lugar de sempre, mal me encarou. Deduzi que estaria envergonhada pelo que acontecera. Confesso minha atitude protecionista: naquele dia, não a provoquei, não lhe dirigi perguntas, respeitei a ressaca moral da minha nova pupila, ou pelo menos, candidata a isso.
A aula se encerrou, e os alunos me cercaram, ansiosos por respostas sobre a seleção do grupo de pesquisa:
-- Professora, a concorrência?! E a prova? Será mesmo amanhã?!
Basicamente, as perguntas feitas ao mesmo tempo, tinham a mesma curiosidade. Sorri, no fundo, aquela empolgação me contagiava, o contato com os discentes ávidos pela pesquisa, era uma das minhas principais motivações para continuar estimulando a pesquisa, mesmo, sendo uma tarefa árdua, cheia de percalços burocráticos e financeiros.
-- Pessoal, a concorrência está até razoável, temos cinquenta e oito candidatos, a mais alta até hoje, e sim, a prova será amanhã pela manhã, no auditório 2.
Alguns minutos de algazarra, e apesar de me deliciar com aquele ânimo todo, eu buscava Marcela entre os alunos, sem encontrá-la. Aos poucos os alunos foram se dispersando. E a vi, sentada, no mesmo lugar que estava na aula. Tentei esconder minha satisfação ao vê-la.
-- Ainda de ressaca, Marcela?
Uma expressão de insatisfação se fez, e imediatamente me arrependi do início infeliz do diálogo com a menina.
-- Não, professora Luiza. Estava esperando a galera vazar para que eu pudesse agradecer mais uma vez a senhora, pela gentileza no fim de semana.
-- Estava tão calada durante a aula...
-- E a senhora logo deduziu que fosse por causa do meu porre na calourada ne?
-- Marcela, eu...
-- Eu estava calada na sua aula, porque estou realmente cansada, mas, antes que a senhora ache que é ressaca, eu estou exausta, porque passei meu domingo estudando para a seleção do grupo de pesquisa, eu sabia que seria concorrida.
-- Você quer me convencer que passou o domingo de ressaca, estudando?
Outra vez o arrependimento bateu à minha porta. Marcela baixou a cabeça, levantou-se e se aproximou, encarando-me, respondeu:
-- Improvável para a senhora? Talvez ache que eu não sou do tipo que estuda, mas, do tipo que bebe todas e fica com qualquer um não é?
-- Não disse isso, Marcela.
-- Mas, pensou... E eu repito, passei o domingo estudando, não tive ressaca, parece, que fui muito bem cuidada, nem parece que tomei todas no sábado. E por isso, eu queria agradecer a senhora. Valeu, professora Luiza, muito obrigada.
Faltou-me as palavras, fiquei estática. Situação surreal: eu intimidada por uma menina, que sem o menor esforço, dava uma mostra da sua força e segurança diante de mim, uma mulher, até ali, imune ao charme jovial dos alunos.
Tive alguns minutos solitários naquela sala vazia, o suficiente para nutrir uma raiva descomunal de mim mesma. Tudo bem vai... Inexplicável também. Eu não entendia porque me autopunia tanto pela forma como tratei Marcela, afinal de contas, não disse nada demais. Joguei meu material na bolsa, aliás, não joguei, soquei os papéis resmungando:
-- Quis dar uma de moralista engraçadinha, Luiza? Ofendeu a garota sem necessidade! Como se a menina não tivesse motivo o suficiente para estar constrangida diante da professora!
Mais inexplicável ainda, foi minha atitude que se seguiu: parti dali, em busca de Marcela. Não tinha ideia de onde encontra-la, olhei em volta, na direção dos grupinhos de alunos que rotineiramente papeavam pelos corredores, escadas e não achava o alvo da minha procura. Profundamente frustrada, nem mesmo passei pelo laboratório como era meu costume, fui direto para o estacionamento do campus, intencionando ir para casa, sem escalas para encontros com colegas, especialmente com Clarisse, que certamente recomeçaria o inquérito iniciado no dia anterior.
Enquanto acomodava minhas coisas no banco traseiro do carro, avistei Marcela de longe, entrando em um carro, pelo lado do motorista. Nem hesitei. Fui em sua direção o mais rápido que pude, só que essa categoria de rapidez para mim, era uma velocidade perigosa e porque não dizer cômica? Pois é, foi cômico, especialmente quando meu salto ficou preso entre os ladrilhos em meio aos meus berros:
-- Marcela! Espera!
A menina me olhou surpresa, logicamente estranhando a professora séria e sempre tão comedida, andando em passos desequilibrados, uma vez que deixei um dos sapatos presos, e segui com apenas um deles nos pés.
Marcela acompanhou meu trajeto com um grande ponto de interrogação no rosto, que logo deu lugar aquele sorriso arrebatador, ele me desarmava, me desestruturava: FATO!
Se eu estava nervosa, beirando o ridículo, mancando com uma perna com uns 10 centímetros a menos que a outra, diante do sorriso dela, desabei, para meu azar ou sorte, nos braços ágeis da garota.
Momento único, reações improváveis para uma mulher como eu diante de uma menina: desconjuntada, sem palavras diante de Marcela.
Fim do capítulo
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