Capítulo 8: LIÇÃO Nº6 - E SE CAIR SEIS VEZES, LEVANTE SETE
Não sei se foi ou sorte ou não para mim, mas, pelo resto da semana, não precisei voltar à coordenação do curso de farmácia, e assim, meu reencontro com Beatriz não aconteceu. Trocamos algumas mensagens ainda, mas, mantive minha postura. Propositalmente também evite meus amigos, especialmente Clarisse. Sentia-me envergonhada, culpada. Ed e Cris, ainda inocente acerca da minha recaída, tiveram uma semana atribulada no trabalho, acho que foi sorte minha também.
Mas, o reencontro com Marcela não evitei, até mesmo porque esse não queria evitar. Antes de começar a aula de farmacologia, ela surgiu me ajudando a carregar o meu material no corredor, bem próximo a sua sala.
-- Como a senhora se virou sem meus cuidados esses dias?
-- Oooi?
Como não gaguejar? Os cuidados dela?! Quem dera! Era isso mesmo Luiza? Queria os cuidados de Marcela? No meio daquela lambança emocional que me metera, o único momento no qual eu não estava preocupada com a dramaticidade da minha situação com Beatriz, era na presença de Marcela, isso era no mínimo estranho.
-- Sem meus cuidados de socorrista, professora! Não teve nenhum acidente, nenhuma queda?
Pensei sozinha “Ah se você soubesse das minhas quedas, Marcela...”. Ri dos meus próprios pensamentos e respondi:
-- Não, até agora.
-- Mas, se acontecer, que aconteça agora, que estou bem aqui do lado da senhora.
Ah que sorriso lindo! Que vontade eu tive de “cair” de novo nos braços dela.
-- Tudo certo então. – Respondi com um sorriso, bobo, claro.
-- Já me inscrevi na seleção do GRUFARMA, estou ansiosa para ser pesquisadora da senhora!
-- Prepare-se para a prova de seleção então.
-- Já estou me preparando, nem tenho medo quanto a isso!
Poderia soar petulante, mas, a segurança e auto confiança de Marcela, parecia ser um ingrediente a mais no conjunto de charme que ela esbanjava.
-- E a senhora, estou contando com sua presença na nossa calourada, não pense que me esqueci não!
Marcela disse abrindo a porta da sala para mim.
-- Separe uns convites para mim, ao menos contribuo com vocês comprando-os. – Disse sem graça.
-- Assim não quero! O que conta de verdade é a presença da senhora, poxa professora...
Sorri, acomodando meu material na mesa.
-- Separe os convites, no final da aula você me entrega.
No emaranhado de confusões que minha cabeça estava, a presença de Marcela com toda sua jovialidade me colocava em uma linha tênue entre a leveza e o senso do ridículo, por desejar estar tão perto de uma menina e do seu universo pueril.
Mais ridícula era minha atitude quase involuntária de buscar Marcela em meio aos outros alunos enquanto ministrava aula. Para minha surpresa e incômodo, ela saiu na metade da minha aula, eu, comumente nunca liguei para isso de outros alunos, mas, vindo dela, senti como uma ofensa. No final da aula Jéssica me procurou, sempre tímida, considerando nosso retrospecto.
-- Professora, a Marcela pediu para justificar, teve que sair para resolver uns pepinos da festa, ela é da comissão de formatura, volta e meia aparece um problema na mão dela... Ela não queria atrapalhar a aula e pediu que eu avisasse.
-- Ok, tudo bem, mas diga-lhe que esses problemas não podem interferir nas aulas dela. – Disse, visivelmente contrariada.
-- Claro. Ela me pediu também para entregar esses convites da festa, a senhora vai?
-- Ainda não sei, mas, vou comprar uns convites, me dá cinco.
Não fazia a menor ideia de quem eu levaria, por que afinal de contas, não tinha a menor convicção de que iria para uma festa de alunos, minha única motivação era agradar Marcela, e isso me assustava, parecia que mesmo sem querer, eu atraía encrenca para minha vida. Saindo da sala, encontrei Patrícia.
-- Já ia te ligar, queria te convidar para meu aniversário!
-- Ah Paty, eu vi no “face” que seria esses dias... Tenho memória ruim, desculpa. Quando será? Ou já foi? – Perguntei sem graça.
-- O dia mesmo, é domingo, Lu. Mas vou comemorar sábado, churrasquinho na piscina, só para os mais chegados.
-- Paty... Eu agradeço seu convite, adoraria ir, mas, você sabe que...
-- Luiza... – Patrícia me interrompeu – Eu gostaria muito da sua presença, mas, vou entender se você não e sentir à vontade pelos outros convidados. No entanto, vou te adiantar que a Alicinha não vai. A Bia acabou de me dizer que ela só volta domingo.
Certamente, com toda sensibilidade e inteligência que tinha percebeu o alívio na minha expressão. Na minha tola interpretação, acreditei piamente que o universo conspirava a favor de mim e Beatriz. Meu programa de sábado não seria no meio da juventude de alunos, mas, no meio que me era mais familiar, entre os amigos de Beatriz que acabaram sendo meus amigos também.
Troquei algumas mensagens com Beatriz nos dias que antecederam o churrasco do aniversário de Patrícia, todas cheias de reticências, mas, denotavam a saudade que ambas sentíamos. Clarisse mal me respondia as mensagens de “whatsapp”, sempre com respostas vagas, frias, ou pior, emotions que nada contribuíam em nosso diálogo.
Na sexta-feira, encontrei Cris e Ed, em um barzinho tradicional. Como supunha, Clarisse não comentara nada a respeito do meu deslize mais recente. Noite divertida com eles, mas meu pensamento continuava em Beatriz, e pior, ansiosa por reencontrá-la em um ambiente neutro, amigo, que ia nos remeter ao nosso cenário de namoro.
Com esse pensamento, me produzi para dar continuidade a meu projeto de reconquistar Beatriz. Cheguei ao churrasco sozinha. Reencontrei os amigos de Bia, alguns eram mais próximos a mim, e foram receptivos, desde o término do nosso namoro não os via, e logo, emendamos um papo animado, leve. Continha minha ansiedade, a cada carro que chegava, eu olhava buscando Beatriz.
E toda minha expectativa se transformou em uma situação angustiante. Para minha surpresa, e de Patrícia também, Beatriz chegou, acompanhada de Alicinha. O olhar de espanto da aniversariante em outra situação seria cômico. Patrícia me encarava com uma grande interrogação na face, da mesma forma olhou para Bia, essa por sua vez, estava visivelmente constrangida, enquanto Alicinha, distribuía simpatia até me ver. Nesse momento, a expressão de Alicinha se modificou, como um reflexo de auto proteção, eu desviei o olhar, depois me afastei da vista dela.
Depois de fazer seu papel de anfitriã, Patrícia se aproximou de mim, com toda discrição, que era característica dela.
-- Lu, eu juro que eu não sabia. Ela acabou de dizer que voltou antes para fazer uma surpresa à Bia...
-- Paty, relaxa, está tudo bem, eu sei que você não sabia, paciência... – Interrompi, tentando acalmar Patrícia.
-- Luiza, eu não sei o que está acontecendo entre vocês, mas, estou do seu lado, seja o que for, ok?
Sorri, era apenas o que podia fazer. Meu sorriso amarelo poupou maiores explicações. Minha pretensão era permanecer mais uma meia hora e sair de fininho, mas, a vida, como sempre fazendo piada das minhas desgraças, tinha planos diferentes para mim.
Quando saía do banheiro, objetivando ir embora da festa despercebida, eis que Murphy deu as caras, agora penso se foi mesmo culpa dele, ou se não foi a própria Alicinha a esperar uma oportunidade de estar sozinha comigo. Ela estava lá, encostada em uma pilastra.
-- Oi, Luiza.
-- Oi, Alicinha.
Continuei caminhando, para evitar um diálogo. No entanto, foi inútil.
-- Estava mesmo querendo falar com você, que bom que você está aqui, evita que eu a procure na universidade, a Bia, não ia gostar que eu levasse nossos problemas para o ambiente de trabalho dela.
Certamente, devo ter empalidecido. Imaginei mil hipóteses, em nenhuma delas, aquela conversa ia ser boa para mim.
-- “Nossos problemas”? Mas que problemas? De quem? - Indaguei controlando minha voz trêmula.
-- Meu e da Bia, claro. De quem mais seria?
-- Não sei, Alicinha. Se os problemas são seus com Beatriz, não posso supor o que você teria a falar comigo. – Disfarcei meu nervosismo.
-- Você é sonsa heim?
A hostilidade se apresentou de maneira evidente. Agora Alicinha deixava evidente que o teor da conversa me envolvia diretamente, supus que Beatriz revelara nosso reencontro, e de certa forma isso me deixou satisfeita, deduzi que nossa recaída teve repercussão no relacionamento delas.
-- Posso saber o motivo dessa ofensa gratuita? – Perguntei visivelmente nervosa.
-- Não é gratuita e você sabe disso! Voltei um dia antes da minha viagem com papai, pressentindo que havia algo errado com minha noiva, e eu suspeitava que essa tristeza dela, tinha um fundo de culpa seu, e eu estava certa!
Esse foi o momento, que me transformei em uma folha de papel A4.
-- Beatriz está triste por minha culpa? – Instiguei tentando sondar.
-- Você está usando do seu prestígio acadêmico para se vingar da Bia, prejudicando-a no doutorado. Primeiro fechou as portas para ela no grupo de pesquisa, agora deve estar pressionando o orientador dela que é seu amigo, para desestabilizá-la!
-- Eu... O quê? É disso que você está falando?
Não sei se suspirava aliviada ou se ria da defesa de apaixonada de Alicinha. Mas, enquanto eu franzia o cenho tentando compreender aquela situação, percebi a chegada de Beatriz, essa, estava tão pálida quanto eu, anunciando sua “culpa no cartório”.
-- Não imaginava pelas coisas que a Bia me narrava a seu respeito, sobre sua integridade, generosidade, que coubesse tanto recalque! Coincidentemente depois do nosso noivado, esse orientador dela está pressionando a minha noiva a cumprir prazos e não sei o que mais... Não entendo desse mundo aí de pesquisadores, onde o ego e o corporativismo de vocês se esbarra, mas, eu não vou permitir que você prejudique o crescimento da minha noiva na carreira dela! Ela será minha mulher e você vai ter que aceitar isso, que não tem mais poder sobre ela!
Aquela característica peculiar da minha personalidade de rir quando nervosa, agora, fazia todo sentido, rir era a coisa mais logica a fazer depois de ouvir aquele despautério, atitude que inflamou a ira de Alicinha.
-- O que foi? Está me achando com cara de palhaça? Por que essa risada? Está nervosinha? Achava que eu não tinha peito pra te enfrentar? – Alicinha berrou, se sacudindo.
-- Desculpe-me Alicinha, mas tenho que concordar com você. Realmente você não entende nada desse “mundo de pesquisadores” – Fiz o gesto das aspas – Eu não tenho o menor interesse em prejudicar o doutorado da Beatriz, sou co-orientadora dela, meu nome está na pesquisa dela. O que fiz foi apenas parar de ajudar, o que é compreensível, e eu julgo que ela seja capaz de fazer o trabalho sem mim.
Falei firme, com mais propriedade, não podia me deixar levar pelo nervosismo, por que afinal, a enganada ali, não era eu. Minhas palavras, confesso, proferi com petulância, contribuíram para aumentar a irritação de Alicinha.
-- Você se acha não é? Mas não passa de uma professora, porque tem um título de doutora acha que é alguma coisa... Uma professorazinha, e que levou um belo par de chifres!
Minha petulância desceu ladeira abaixo junto com minha segurança e propriedade, se tinha algo que me tirava o foco era barraco, tinha verdadeiro pavor de ser protagonista de cenas, aquela, era inédita. Encarei Beatriz que a essa altura já tinha os olhos marejados.
-- Sua noiva também é uma professora, e nem o título tem ainda de doutora, pelo que vejo, precisa dessa professorazinha aqui para tê-lo, mesmo depois de chifrá-la com a rainha do gado, que ironia não?
Não mudei meu tom de voz, apesar de sentir os olhos encherem-se de lágrimas. Alicinha parecia fumaçar pelos olhos, aos berros ela retrucou enquanto Patrícia já se aproximava atraída pelos gritos da noiva da amiga:
-- Quanto você quer? Qual é seu preço para deixar minha mulher em paz? Fala!
Se minha estrutura já estava balançada, aquela pergunta ofensiva, me fez cambalear, ainda sim, respondi:
-- Você quer que eu diga o preço em dólar, ou em cabeça de gado? Arrobas?
Alicinha se deu ao direito de se ofender, e por pouco não partiu para agressão física, se não fosse a intervenção da dona da festa.
-- O que está acontecendo aqui, gente? Que gritos são esses? Alicinha o que houve? Que descontrole é esse?
Patrícia disse trincando os dentes, com as sobrancelhas contraídas.
-- Paty, me deixa! Estou negociando aqui a paz da minha mulher, que essa daí está tirando! A Bia depois dessa sonsa empatar o doutorado dela, vive pelos cantos desconfiada, distante, estou lutando pela felicidade da sua amiga! Vamos, diga seu preço, Luiza!
Patrícia me olhava atônita, igualmente encarava Beatriz, e foi para esta que direcionei meu olhar e minha pergunta:
-- Você não vai dizer nada, Beatriz?
Bia, deixou uma lágrima escorrer pelo rosto, e permaneceu muda. Naquele momento, minha admiração por ela esmaeceu. Certamente, parte do meu amor por ela foi junto. A postura de Beatriz me envergonhou, tive nojo de sua covardia, e certeza do desmazelo dela com meus sentimentos.
-- A conversa é comigo, Luiza! – Alicinha bradou, afastando Beatriz para trás dela.
-- Você se engana, Alicinha, como você se engana. Não tenho nada a conversar com você, e nem com você, Beatriz, não mais.
Nesse momento procurei minha ex-namorada com o olhar, mas, seguramente, o peso da vergonha sobre suas pálpebras não deixou que ela sequer erguesse os olhos para mim.
-- Patrícia, perdoe-me, mas, preciso ir agora.
Sai da chácara de Patrícia, destroçada. Dirigi sem rumo, tentando digerir a humilhação que acabara de passar, nem as lágrimas consegui deixar escorrer, ficaram presas, entaladas, tive vergonha de mim mesma, como permiti que Beatriz me machucasse mais uma vez? Não conseguia culpa-la por minha dor, só tinha uma pessoa responsável por ela: eu mesma.
Entrei em ruas desconhecidas, parei algumas vezes, gritei, bradei esmurrando o volante do carro, queria colocar para fora aquele aperto, aquele ultraje. Pensei em ligar para Cris e simplesmente encher a cara, até vomitar tudo que me sufocava. Enquanto tentava alcançar meu celular na bolsa, deixei-a cair, espalhando no banco do passageiro os convites da calourada que comprei a Marcela.
Não pode ter sido o acaso. Foi o que pensei. Encarei os convites por alguns minutos, e decidi: preciso ir, quero os cuidados de Marcela.
O pensamento era insano, mas, só o fato de pensar em Marcela, já me dava um novo ânimo. Segui para o endereço indicado nos convites, cheguei no final da tarde. Tarefa difícil: descer do carro. Podia ouvir o som do pagode que vinha do clube, dezenas de carros estacionados, alguns com casais dentro, nos populares “amassos”, outra meia dúzia de grupinhos encostados pelo lado de fora com latas de cervejas nas mãos. E aí, cadê minha coragem de descer e enfrentar a “garotada”? Meu comportamento reto como professora, tomou posse de mim, e me sentir ridícula. Devo ter passado meia hora ali estacionada, até decidir dar partida, e ir embora. Dirigi em marcha lenta, olhando para dentro do clube, observando a motivação, quando uma jovem caiu no capô do meu carro.
Assustada desci do carro, temendo ter machucado gravemente a menina. Quando desci, a moça já estava de pé, se apoiando no carro.
-- Você está bem? Não entendo bem disso, mas acho que você deve continuar deitada...
Nervosa nem conseguia olhar para o rosto da garota, procurando os machucados nas pernas, quando a voz familiar me surpreendeu:
-- Keep calm professora, eu sou a socorrista de plantão, estou bem.
Marcela ajeitava os cabelos, afastando as madeixas do rosto, falando com a voz lenta.
-- Meu Deus! Marcela!
Aproximei-me para assegurar de perto que não haviam mesmo machucados.
-- Vamos para o hospital, fazer raio X, ver se quebrou algo...
-- Professora, relaxa! Só encostei, é que me desequilibrei, a senhora estava com o carro quase parado!
Marcela ria tranquilamente, enquanto eu, estava apavorada. Ela segurou meus ombros e disse firme:
-- Estou bem! A senhora não me machucou!
Os olhos esverdeados de Marcela estavam vermelhos. Senti o forte hálito de álcool também.
-- Tem certeza, Marcela?
-- Sim, não foi a senhora que me machucou.
Mais calma, pude observar com mais atenção Marcela, exibindo suas lindas pernas branquinhas, naquele mini short, uma camiseta despojada, e sandálias rasteiras.
-- A senhora está chegando agora não é?! Quase não acredito quando vi seu carro, estava na portaria!
Marcela dava sinais de embriaguez, estava mais simpática do que o normal. E lutava para ficar parada.
-- Acho que tem gente que já bebeu demais né?
Brinquei, em resposta, Marcela fez uma careta engraçada. Ouvi buzinas e só então me lembrei que estava com o carro parado na rua, interrompendo a passagem de outros.
-- Vamos tirar seu carro da pista, antes que a senhora receba xingamentos injustos!
Marcela caminhou até o meu carro e entrou pela porta do passageiro, e se sentou:
-- Vamos?
Eu olhava para Marcela, não sei se encantada, ou provocada pelo atrevimento dela. Rapidamente, apressada pelas buzinas, entrei no carro, e Marcela apontou uma vaga para estacionar. A garota desceu do carro, animada, e eu, completamente envolvida por sua presença, já nem pensava no que acontecera horas atrás comigo.
-- Toma uma tequila comigo, professora?
-- Tequila?! Menina! Isso é muito forte!
-- Ah! Não me chama de menina! Não sou menina!
Imediatamente lembrei-me das outras vezes que Marcela me fez o mesmo pedido.
-- Só mania de falar, Marcela. Desculpe-me.
-- Desculpo se tomar uma tequila comigo! – Marcela fez bico.
-- Tudo bem, vamos lá!
Devo ter perdido o juízo, junto com a minha vergonha. Topar tomar a bebida que eu batizei de “satanás engarrafado” com uma garota que me encantava, me atraía como imã, isso não podia ter um resultado sensato, mas, sensatez era a última coisa que eu procurava naquele momento.
-- Formou! Senti firmeza, professora!
Marcela me deu um sorriso cheio de charme e eu devolvi, certamente pela primeira vez, de maneira desarmada. O clima descontraído foi desfeito bruscamente, Marcela foi tomada por um garoto, que lhe roubou um beijo, agarrando-a pela cintura.
-- Porr*, tá maluco? – Marcela disse, empurrando o garoto.
-- Qual é, Mah? Vai fazer doce agora?
-- Que mané fazer doce?! Acha que é só chegar me agarrando assim Henrique?
-- Ah Marcela! Provoca, provoca, só pra me deixar doido né? Na hora H, posa de santa!
-- Você é pancado da cabeça, isso sim!
Marcela fez um gesto qualquer e fez sinal para que continuasse a segui-la. Confesso que vê-la sendo beijada me perturbou. Não sei se posso definir como ciúmes, perdi o fôlego, senti um aperto esquisito no peito. A reação de Marcela, trouxe me um pouco de alívio, mas logo, senti uma nova angústia crescer.
Henrique segurou Marcela pelo braço com violência, tentando forçar outro beijo, foi empurrado com força pela garota que bradou:
-- Ei! Você tá vacilando!
-- Para porr*! Eu te conheço pow, pega geral, agora vai se fazer de difícil?
-- Eu o que? Tá maluco? Ah vai te catar Henrique! Bebeu que nem um gambá e fica dizendo merd* aí!
-- Marcela, qual é! Tá querendo enganar quem? Todo mundo sabe quem você é!
-- Ah vá se ferrar!
Marcela já demonstrava sinais de desconforto e irritação. Meu primeiro impulso foi de protege-la, defende-la, mas, ao que me parecia, ela sabia fazê-lo muito bem sozinha.
-- Ah eu espero você beber um pouco mais, vai, daqui a pouco você está mais fácil como sempre fica...
O comentário cafajeste irritou Marcela a ponto de despertar sua fúria. O rosto ruborizou-se, e ela empurrou o peito do garoto com as duas mãos, fazendo-o perder o equilíbrio e cair por cima de um dos carros estacionados.
-- Maluca! - O rapaz berrou, furioso.
-- Fique longe de mim, saí daqui pianinho! Acha que pode comigo? Eu te detono pra todo mundo seu mané!
-- Pancada você é! Eu heim!
Nesse momento outros colegas se aproximavam e afastaram Henrique dali. Marcela mantinha sua postura de ira, no entanto, bastou que os colegas se distanciassem dali, para se desarmar e mostrar sua fragilidade naquela situação. Vi seus olhos marejarem, com algum temor de invadir sua intimidade, fiquei perto dela o suficiente para perguntar em voz baixa:
-- Está tudo bem?
-- Não...
Procurei os olhos de Marcela, e fui invadida pela vontade de cuidar dela, agora, era minha vez. Abracei-a, foi um gesto impulsivo, mas, entendi que ela precisava dele, me apertou forte, senti as lágrimas dela molharem meu ombro.
-- Está tudo bem, garotos ficam mais bobos quando estão bêbados.
-- Eu não sou essa menina fácil não, professora!
-- Ei! – Puxei o rosto dela e segurei seu queixo – Vai deixar que um menino idiota te abale? Essa não é a Marcela que eu conheço!
Eu queria mergulhar naqueles olhos, queria prendê-la em meus braços, queria tirar com a mão aquilo que a machucava, mal me lembrei da minha própria dor.
-- Professora, me tira daqui?
-- Oi? – Assustei-me com o pedido.
-- Não quero voltar lá pra dentro... Ah, só me deixa em um ponto de ônibus, ou em um táxi...
-- Para, para... Não precisa se explicar, eu te tiro daqui sim.
Não sei exatamente o que se passava na cabeça de Marcela, mas seu pedido foi para mim imperativo. Em outra circunstância, fantasiaria que a frase :“me tira daqui” teria outra conotação, mas, a vulnerabilidade da garota não permitiu que eu enxergasse qualquer malícia, ela precisava de cuidado, e carinho, o qual já tinha me destinado, era hora de retribuir.
Fim do capítulo
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