Capítulo 11
Lívia
Ok, eu realmente não estava preparada para ouvir isso, nem acreditava nessa possibilidade. Na verdade, eu nunca projetei um futuro longo, apesar da Nanda ficar comigo desde sempre, ela gostava de p*nis. Sim, isso mesmo. Não sei ao certo se ela já esteve com outras mulheres, mas homens não foram poucos. Isso não vem ao caso agora.
Ela me olhava intrigada pela demora, talvez, só talvez, a Maria Fernanda tivesse tanta certeza do meu amor que não conseguia absorver a ideia de que eu poderia não aceitar, e a sua frustração e surpresa refletiram em seu rosto de forma tão evidente que eu quase fiquei comovida.
- Você não quer?
Eu soltei um longo suspiro. Os olhos dela se preencheram de lágrimas, talvez de tristeza, ou de vergonha. Provavelmente mais de vergonha mesmo, ego ferido sabe? Não ser desejada o suficiente ao ponto d’eu me sentir a mais lisonjeada das mulheres e aceitar rapidamente o seu pedido. Apesar de amá-la sempre reconheci seus defeitos, e a parca modéstia era um deles.
No entanto, toda essa reflexão foi inútil, porque no final das contas ela estava certa, eu não resistia, nem nunca quis resistir. Era bom demais saber que a dançarina me queria, ainda que eu não tivesse plena certeza do seu amor por mim. E antes que me perguntem “Como não? Estão a dez anos juntas!”, isso não importa muito, os maiores sacrifícios sempre foram meus, eu corria atrás e na imensa maioria das vezes ela só me procurava quando queria sex*.
- Eu pensei que você queria, que você me amasse – murmurou baixinho, mais para si que para mim. Os olhos baixos, as mãos abraçando os próprios braços, caminhou até a janela e ficou de costas para mim.
A loura abriu a janela e se debruçou sobre ela, o vento despenteou seus cabelos e trouxe a fragrância do seu perfume até mim. Eu a amo e a amarei eternamente, talvez isso seja suficiente para nós.
Suspirei novamente e fui até a loura, a abracei por trás e encachei meu rosto na curva de seu pescoço, senti-a enrijecer.
- É claro que eu aceito, meu amor – sussurrei baixinho. Foi a vez dela soltar um longo suspiro, seu corpo tinha pequenos espasmos. Ela virou, seus olhos molhados e lábios levemente trêmulos foram beijados por mim.
- Por que demorou tanto para responder? Tem dúvida se me ama? – inqueriu com a voz rouca.
- Não, só estava pensando uma coisa.
- O que? – eu mordi os lábios – hum, pela sua cara coisa boa não é.
- Não é nada, besteira minha. – me desenrolei dela e caminhei para o sofá.
- Não, não, não. Você não ia demorar esse tempo todo para me responder por besteira, diga logo o que foi. – se sentou no meu colo e cruzou os braços. A Nanda estava só de calcinha e blusão de dormir então aquele contato com o corpo dela já reduzia pela metade a minha capacidade de raciocínio.
- Não fique chateada, ok?! – ela fez um som nasal e eu prossegui – talvez eu não tenha tanta certeza de que...só talvez tá bom?! – ela bufou impaciente – enfim, de que você me ama.
- O que? – ela gritou na minha cara e se levantou – você quer o que, que eu escreva na minha testa que eu te amo? Que eu ande com uma coleira escrito “Lívia”, já sei, vou jogar pétalas de flores em cima de você no meio da rua, como a moça da novela.
- Não, Nanda, para. – segurei seus braços e a trouxe para mim, abracei-a apesar dela não me abraçar de volta e beijei o topo da sua cabeça – eu falei que era besteira.
- Lívia, quero te perguntar uma coisa – eu tive uma sensação angustiante com essa frase, não sei ao certo o porquê.
- Diga, meu bem. – respondi pacientemente enquanto brincava com os fios do seu cabelo.
- Você me trairia? – eu tomei um susto, que pergunta descabida era essa?!
- Por que você está me perguntando isso? – ela revirou os olhos e se levantou.
- Porque eu quero saber, oras! Qual a dificuldade em responder isso? – percebi irritação na sua voz.
- Desde quando você duvida da minha fidelidade? – agora a irritada era eu. Nunca dei motivos para essa mulher duvidar de mim, me sentia ultrajada com esse questionamento.
- É tão difícil assim me responder isso? Tá devendo alguma coisa Lívia? – ela me encarava quase como se eu tivesse culpa de algo, mas eu não tinha. E como eu sou idiota, e não tinha coisa pior para falar, dei o golpe de misericórdia.
- Maria Fernanda eu não sou você! – óbvio que eu sabia que não devia ter dito isso, até onde eu sei a dançarina não tem sido infiel, mas o histórico de escrotidão era dela.
- Você nunca vai me perdoar né?! – me questionou vermelha de raiva e com lágrimas nos olhos.
- Na verdade Nanda, não há do que perdoar! – passei as mãos no meu cabelos e os ajeitei para trás – você nunca me foi infiel, quando você dormia com outras pessoas a gente não tinha compromisso.
- Mas eu te machuquei, te usei, tratei você quase que como um objeto – baixou os olhos e segurou os próprios dedos. – você deve ter alguma mágoa.
- Sabe Nanda, pelo visto mais do que o meu perdão, você precisa perdoar a si mesma. – coloquei as mãos em seus ombros e me afastei em direção ao quarto.
Após ir ao banheiro, deitei-me na cama preparada para dormir, quando a Nanda não satisfeita se encostou na beira da porta e me olhando de forma penetrante falou:
- Você ainda não me respondeu. – fez uma pausa – você me trairia Lívia?
- Eu não te trairia por vingança, se é essa sua dúvida – virei as costas para a porta, incomodada. Por algum motivo eu me sentia desconfortável com isso.
Ela deu um longo suspiro e voltou para a sala. Já eram pouco mais de 05:00 horas quando eu levantei e vi a loura deitada toda torta no sofá da sala, chateei-me ao ponto de apagar na cama, pequenos raios de sol clareavam o céu ainda escuro, os cabelos parcialmente em seu rosto, e o sono tranquilo lhe davam um ar ainda adolescente.
Eu não resisti e nas pontas dos dedos fui até o quarto buscar meu celular para tirar uma foto. Me abaixei e após eternizar aquela imagem pelas lentes do aparelho, a peguei no colo e carreguei até a cama, ela se espreguiçou e agarrou meu travesseiro cheirando-o, eu sorri.
Meu sono tinha evaporado, na realidade deitei-me cedo na noite anterior e acordei bem disposta, resolvi ir direto para o escritório adiantar uns projetos e aproveitaria para ir mais cedo para a academia, já a alguns dias eu pretendia começar a natação, na verdade, eu era asmática por isso sempre fiz exercício e a natação era uma paixão da infância que eu parei na adolescência por besteira, não me sentia bem com o meu corpo, coisa da idade.
Arrumei minha mochila, fiz uma vitamina de banana, deixei um copo na geladeira para a minha namorada, e fui para o local de labor. Por ser muito cedo o escritório estava vazio ainda, na realidade nem o sol tinha acordado direito, o porteiro até estranhou a minha presença, coitado acho que o acordei com o meu “bom dia!”, ele quase caiu da cadeira.
Já analisava o terceiro projeto quando minha secretária entrou na sala se desculpando pelo atraso, todos nós temos problemas, fatalidades, maus momentos ela poderia também ter os dela, dispensei-a sem mais problemas, mas ao chegar à porta ela retornou com um pacote pardo nas mãos e uma expressão duvidosa no rosto.
- Lívia, eu esqueci de falar, surgiu esse pacote para ti a alguns dias atrás. Eu fiquei na dúvida se devia entregar porque não há remetente e eu não me recordo de nenhum entregador, mas como não pertence a mim achei melhor dar-te assim você pode destiná-lo de melhor forma.
- Nossa que bizarro! – olhei o envelope em minhas mãos, e novamente tive uma sensação incomoda. – pode ir dona Rose, vou ver o que tem aqui. Muito obrigada!
A senhora retirou-se do recinto e eu fitei aquele pacote na minha mesa por breves 5 minutos na dúvida se abri-lo-ia ou não. O problema é que eu sou curiosa, mais que isso, sou masoquista e ainda que eu saiba que algo vai me machucar eu não consigo simplesmente passar por cima, eu tenho que desvendar, buscar detalhes.
Ao pôr as mãos naquele pedaço de papel eu senti uma energia ruim, e justamente por isso eu quis abri-lo, porque eu não posso viver na ignorância, não posso aceitar ser ludibriada. Obviamente se fosse algo bom estaria assinado, se fosse uma surpresa agradável não seria encaminhado de forma obscura, a pessoa com certeza gostaria de se identificar.
O envelope continha fotos da Nanda beijando um rapaz, pelo plano de fundo eu sabia que tinha ocorrido no Rio, também conheço a cidade e para completar nós já estávamos juntas, eu observei que seu vestuário era composto por roupas compradas na véspera da viagem, em um dia tedioso em que ela me carregou para o shopping e me fez andar incansavelmente até estar plenamente satisfeita.
A frustração e a raiva apoderaram-se do meu peito, imediatamente eu realizei duas ligações, a primeira para a minha analista, sim, depois daquele episódio da surra resolvi procurar algum tipo de ajuda especializada, e agora eu precisaria demais disso, justamente para não sair voando para torcer o pescoço da Maria Fernanda, e o outro para Tarso, um amigo da polícia que me atendeu no terceiro toque.
- A que devo a honra dessa majestosa ligação?! – ri com a ironia dele.
- Idiota! Lembra daquele favor que você estava me devendo?
- Meu Deus Lívia, a gente era adolescente, não sei como você ainda lembra disso – exaltou com um leve tom dramático.
- Nunca esquecerei de você nu, tapando a sua pequena vergonha com as mãos na porta de minha casa.
- Hey, pequena não! Sempre fui um homem agraciado por Deus! – revirei os olhos. Como se Deus com tanta coisa para fazer fosse se preocupar com o membro alheio. – tá, mas diz ai o que você quer.
- Preciso que seja realizado uma perícia em umas fotos.
- Só isso? Pensei que era para dar um susto em algum maluco. Beleza, que tal um chopinho e você me entrega as fotografias?
- Não posso, tenho compromisso. Mas a gente pode almoçar junto.
- Positivo, aqui perto da delegacia tem um lugar para comer.
- Nada de podrão hein, Tarso?!
- Relaxe doutora, é de boa!
- Tá certo, 13:00 horas eu passo ai.
Desliguei o aparelho e voltei a mirar as fotos em minha mesa, respirei fundo mas ainda assim não conseguia controlar minha raiva. Joguei a xícara de café em uma das paredes, com o estrondo um dos outros engenheiros enfiou a cabeça na porta da minha sala.
- Tá tudo bem ai?
- Tá sim, Alex. Foi só um acidente – suspirei enquanto jogava a cabeça para trás.
Alex ingressou na minha sala e mirou as fotos na mesa, nem tentei esconder ele já tinha visto mesmo. Puxou uma das cadeiras sentou-se, alisou o cavanhaque bem feito e sentenciou enquanto cruzava as pernas.
- Duas opções.
- Ãhn? – olhei-o sem entender.
Apontou para as fotos em cima da mesa e continuou.
- Você tem duas opções, ou você perdoa e não toca no assunto com ela, ou você termina de vez. Não há meio termo em uma traição.
- Eu não sei perdoar, mas amo alucinadamente essa mulher.
- Oh sim, disso ninguém nesse escritório tem dúvidas – sorrio enquanto cruzava as mãos abaixo no queixo.
- E se eu perdoar e ela me trair de novo? Me fizer de idiota? – perguntei com lágrimas nos olhos.
- Se pensas dessa forma é porque de fato não cogitas a possibilidade de perdoá-la. – o engenheiro levantou-se ajeitou o paletó grafite e seguiu até a porta – pense bem, talvez perdoá-la doa menos do que perdê-la para sempre.
Por volta das 12:30 horas, meti os óculos escuros no rosto e saí do escritório para encontrar com Tarso. Até que a lanchonete que ele me levou não era ruim. Após uma conversa tranquila, relembrando alguns fatos do colegial, chegamos ao assunto de meu interesse.
- São essas as fotos que você quer que sejam periciadas? – indagou tirando-as do envelope, arqueou as sobrancelhas – Mas essa é a Fernanda? – eu confirmei com a cabeça – Vocês ainda ficam?
- Sim, desde aquela época – ele soltou um assobio.
- Nossa, ela ficou gata hein? – eu rumei uma bola de papel nele que desviou rindo. – e se for verdade você vai fazer o que?
- Não sei.
- Olhe, eu sou seu amigo, mas não me chame para acobertar um homicídio. – revirei os olhos.
- Quanto tempo até saber o resultado?
- Como eu sou seu “brother” uns 2 dias, talvez até menos, é que as vezes rola umas coisas de urgências lá, e tals.
- Tudo bem.
- Mas óh vou querer um mega projeto para a minha próxima casa viu?! – deu risada.
- Vai ganhar na loteria? Porque o que você ganha como policial não dá nem para reformar sua casa.
Ele resmungou alguma coisa ainda antes d’eu sair rindo.
Eu esperava uma resposta de Tarso a quase uma semana, e nada dele se manifestar. Nesse período eu tentei evitar um pouco minha namorada, tinha receio de ter algum arroubo intempestivo sem razão, aliás, fiz questão de comparecer as minhas sessões com a analista para me sentir mais confortável nesse momento e com menor tendência agressiva. A natação me ajudava bastante também, eu gastava energia e me sentia mais relaxada ao final do dia.
Já eram quase 18:00 horas da sexta quando meu celular tocou, não reconheci o número.
- Alô!
- Lívia, é o Tarso – meu coração veio na garganta – já tenho o resultado da perícia.
- E ai? Diz logo Tarso! – exclamei exaltada.
- As fotos são verdadeiras, não houve montagem! – me falou com pesar.
Eu caí sentada na cadeira, o celular foi ao chão. A partir daquele momento eu realmente não sabia o que iria fazer.
Fim do capítulo
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