Capítulo 10
Fernanda
- Quem é Maria?
Olha, quando um ex-traficante reincidente é parado pela polícia, ele pode até estar limpo, mas tenha certeza que ele próprio vai duvidar da sua honestidade, e ainda que tenha certeza de sua inocência dará indícios de culpa. Por que? Porque é o seu comportamento habitual, e é tão comum que nem ele acredita nele mesmo, então se auto sabota.
Foi o que eu fiz, entrei em pânico. Como eu explicaria que eu deixei um fotografo gato me beijar, mas eu não queria? Que eu subi o morro com uma carioca deliciosa, mas não fiz nada e só peguei o número dela porque queria amizade? Logo eu. E o que eu falei? A maior confissão de todas:
- Amor, não é nada disso que você está pensando.
A Lívia me fitou furiosa, rasgou o papel eu mil pedacinhos e jogou pela janela do apartamento. Mal sabia ela que eu já tinha registrado o número da carioca quando estava dentro do avião.
Minha delicada namorada no ápice de sua maturidade fez o que? Tirou o roupão e fez questão de atender o entregador de pizza só de calcinha e sutiã. Eu fiquei catatônica, nem tive coragem de discutir, o rapaz quase adolescente, da cara cheia de espinha e cabelinho de “cuia”, ficou completamente surpreso e admirado. Tenho certeza que vi uma ereç*o desenhada na calça de tecido fino.
Eu saí puxando aquela idiota para dentro do apartamento porque a bonita resolveu conversar com o menino acerca do joguinho nerd dele, e o abestalhado achando que ela estava dando mole para ele.
- Que porr* que você está fazendo? – perguntei depois de bater a porta na cara do motoboy.
Lívia simplesmente deu de ombros, pegou a caixa da pizza e sentou no sofá com a tv ligada num desses filmes violentos que ela gosta, eu revirei os olhos e sentei ao lado dela.
Ela deixou eu pegar dois pedaços de pizza de calabresa, mas nem olhou para a minha cara. Porque me ignorar ia resolver os nossos problemas né?! Oh Deus!
- Lívia, vamos conversar?
Ela nem me olhou. Pegou o controle e colocou o volume do filme no máximo, e eram gritos, tiros e carros batendo, eu não suportava aquilo, preferi me retirar da sala se não ia rumar a porr* naquela palhaça.
Deitei na cama deliciosa da Lívia e abracei seu travesseiro com força, será que iríamos viver essa gangorra de emoções o resto da vida? Sinceramente, as vezes era bem cansativo.
E como desgraça pouca é bobagem, eu ouvi do quarto meu celular tocar. As pisadas da Lívia demonstraram sua irritação. Ela viu a porta fechada, deu duas batidas e saiu. Alguns segundos depois eu abri a porta, meu celular estava no chão, a luz já tinha apagado, Maria me ligou.
Eu sei que eu não deveria ter mandado mensagem assim tão rápido, e até de forma impensada, mas ela foi tão atenciosa que eu quis retribuir. Nem foi nada demais, só uma frase simples “Oi, tô embarcando agora. Obrigada por tudo! ”. Céus, que mal há nisso?! Agora eu te pergunto, a Lívia vai entender? Não, óbvio que não. Na verdade, talvez até entenderia se fosse outra pessoa, não eu.
Optei por não retornar à ligação, não naquele momento. Adormeci assistindo “Os simpsons”.
Acordei e estava um sol lindo lá fora, olhei ao redor e nem sinal da Lívia. Saí do quarto toda descabelada, coçando o olho e o que eu encontro? Uma morena delícia, só com um biquíni azul marinho, terminando de passar protetor solar em suas pernas.
- Vai à praia? – perguntei com o dedo na boca, ainda avaliando o “material” a minha frente.
Ela me ignorou, eu revirei os olhos.
- Larga de ser infantil, Lívia! Que coisa. – ela parou fitou meus olhos. Séria. Eu engoli em seco. Ela veio em minha direção e parou a centímetros de mim.
- O que você quer saber, Maria Fernanda?
- Só se você vai à praia – falei com uma gagueira aparente. Eu nunca comentei isso anteriormente, mas a Lívia é consideravelmente maior que eu, mais forte, e tem uma cara de mau. Geralmente eu me esqueço, porque ela é sempre um amor comigo, mas quando ela quer ser perversa, dá medo. Muito medo.
- Não, vou ao escritório – a ironia dela deu um soco no meu estômago.
- Você vai à praia com quem? – fingi que ignorei a ironia.
- Com uma loura linda – ela falou isso com um olhar cruel. Fiquei na dúvida.
- Eu? – foi a vez dela revirar os olhos e me olhar com desdém.
- Óbvio que não. – como assim “óbvio que não”? Eu sou loura e sou linda. Claro que podia ser eu. – então quem é?
- Se eu não preciso saber das suas amizades, você não precisa saber das minhas – respondeu já da porta – ah, pra você não dizer que eu sou uma mãe irresponsável, eu comprei um frasco das vitaminas que o médico passou, tá na primeira gaveta do armário, faça o favor de toma-las. – e saiu, anote-se só com uma canga branca amarrada na cintura.
Ok, foi lindo ouvir a minha engenheira falar que seria mãe do meu filho, mas no momento eu estava muito nervosa para racionalizar esse fato. Peguei meu celular e disquei o número mais conhecido da minha agenda.
- Racha, vai dormir pelo amor de Deus! – ouvi-o reclamar do outro lado da linha.
- Você vai ter a oportunidade única de estrear aquela sunguinha linda que comprou lá em São Paulo. Nós vamos à praia.
- Nós, não sei disso não. Por que a ogra caramelo não vai com você?
- Ãhn, bem, não dá para ela ir comigo – fiz uma pausa – eu preciso tomar sol, toda aquela coisa de vitamina D. Depois eu tô desmaiando ai, você vai ficar com remorso.
Depois de muitos resmungos meu amigo aceitou ir à praia comigo, o difícil seria adivinhar em qual praia minha namorada estava. Com 30 minutos de atraso do horário combinado, Pepê chegou à minha casa.
Por óbvio ele percebeu que algo estava errado, já que eu não conseguia decidir em qual praia nós iríamos. Eu tive que contar a realidade dos fatos. Claro que meu amigo reclamou, me xingou, mas acabou até se divertindo com a história.
- Faz assim, a gente desce aqui e dá uma caminhadinha, e vê se a Lívia está por uma dessas cabanas. – eu dei um beijo na bochecha de meu amigo que me olhou com desgosto. – nossa cada boy que tem aqui, hein?! Ainda bem que você me tirou de casa. – falou enquanto olhava um grupo de rapazes brincando de frescobol.
De fato, os rapazes eram bonitos, mas sinceramente? Não estava nem aí. A gente parou em um ambulante para comprar uma água de coco. Ficamos observando um casal na beira da água discutindo.
- Nossa, ele parece ser um grosso, mas é gostoso viu? – meu amigo mais mordia o canudinho que tomava a água – engraçado, se existisse a personificação da versão masculina da Lívia seria esse rapaz. Moreno, alto, forte, traços finos, a sobrancelha meio arqueada, até o arco do sorriso é igual.
De longe eu não tinha reparado, no entanto, ao sair da água a sensação de familiaridade começou a gritar dentro de mim, e não era por ele ser parecido com minha namorada, era por outro motivo. Eu congelei. Quando o moreno passou por nós ainda deu uma piscada indecente, e um sorriso malicioso, era uma cópia fiel da engenheira, porém, o olhar transmitia uma maldade diferentemente da doçura que transcende da minha mulher.
Logo depois, a insuportável da Bruna passou por nós, com os olhos vermelhos e uma nítida cara de choro, por incrível que pareça era a dançarina quem discutia com o clone da Lívia. Malmente nos deu um “bom dia” sem graça e saiu quase que correndo atrás do moço.
- Nossa que babado hein? O paquerinha da Bruna é um selvagem delicioso e só faltou cair matando em você.
Eu respirei fundo tentando me recuperar. Fitei meu amigo que me olhou preocupado.
- O que foi, Nanda? Você tá passando mal? Senta aqui – me puxou para a areia. Eu segurei os braços dele.
- É ele, Pedro.
- É ele o que? – diante da minha falta de resposta, meu amigo sacou o celular – eu vou ligar pra Lívia.
- Não. – puxei o celular da mão dele – não faz isso.
- Então me explica o que está acontecendo! – me pediu aflito.
- Ele é o pai do meu filho!
Meu amigo arregalou os olhos, quem teve que sentar na areia foi ele. Me olhava sem acreditar.
- Como você tem certeza? – eu olhei para ele. Qual é? Eu não saberia quem é o pai do meu filho? – você se relacionou com outras pessoas naquele período. – tentou se explicar.
- Eu sei porque ele foi o único que eu transei sem camisinha, eu sei que foi irresponsável, e foi por causa da Lívia.
- Olha Nanda, você sabe que eu implico muito com a ogrinha, mas dessa vez ela realmente não tem nada a ver com isso.
- Tem sim. – tentei forçar a memória para lembrar, e alguns flashes vieram – eu estava muito bêbada, como você viu ele é a cópia da Lívia, então quando eu transei com ele não era um desconhecido que eu via...
- Era a engenheira – ele concluiu e eu abaixei a cabeça. – você sabe que tem que contar a ele da criança né? – eu sacudi a cabeça – tem sim Nanda, não é um direito seu, e sim do bebê e do próprio pai.
- Eu sei, mas, eu nem sei quem ele é, se vai ser uma boa referência para o meu filho, e se ele quiser tirá-lo de mim? – meu filho podia ser ainda uma tangerininha mas eu o queria para mim.
- Não fale besteira, não se tira um filho da mãe assim – ele fez uma pausa – converse com a Lívia, eu tenho certeza que ela vai te apoiar.
- Falando nela, vamos que eu ainda tenho que achá-la. – falei já me levantando da areia.
- Sei, você quer é saber quem é a loura bonita que está com ela. – eu fechei a cara para meu amigo que riu.
Não demorou muito e eu avistei uma deusa sair da água, sabe propaganda de perfume que a mulher sai do mar só de biquíni arrumando os cabelos, e as gotos de água se desenrolam pelo corpo dela? Então, foi essa cena mesmo.
- Querida, fecha a boca para eu não me afogar na sua baba, por favor? – eu revirei os olhos para o Pedro.
A Lívia não me viu, se encaminhou para a barraca que tinha uma mulher sentada, da onde eu estava não dava para ver direito quem era, a moça estava de costas para gente, no entanto, parecia ser mais velha.
Sem raciocinar eu aumentei os passos em direção a mulher, já estava pronta para fazer um escândalo.
- Quer dizer que é com essa mulher que você está...mãe? – já estava aos berros quando vi o rosto tão conhecido se virar para mim – eu não sabia que era a senhora. – sussurrei com vergonha. A Lívia me fitava com ar de vitória e ironia. Aquela mulher estava me destruindo hoje.
- Maria Fernanda, que comportamento é esse, minha filha? Chegar assim, aos gritos nos lugares, foi essa a educação que eu te dei?
- Não mãe, é que a Lívia simplesmente saiu e não me disse com quem, só falou que era uma loura bonita e eu pensei que...
- Que ela estava com outra – minha mãe sentenciou – você não confia na sua namorada? – eu baixei os olhos – minha filha, vida de casal é muito complicada e vocês precisam aprender a confiar uma na outra, ainda mais com uma criança a caminho. – ela se levantou e tirou a saída de praia que vestia – vou dar um mergulho – ah, a propósito, obrigada pelo elogio, minha nora! Você é uma mulher muito gentil! – a Lívia sorriu encabulada para minha mãe, que notadamente se derretia pela minha mulher.
O Pedro resolveu acompanhar minha mãe e ficamos só eu e a Lívia na barraca, não lembro de um clima tão ruim entre nós desde, desde...desde nunca.
- Lívia... – tentei iniciar uma conversa, mas a morena me cortou.
- Não, fica calada! Eu só quero ter paz. Portanto, se quiser ficar aqui, fique, mas eu não quero ouvir uma palavra sua. – eu engoli em seco. A morena colocou os óculos escuros, puxou sua cadeira para fora do sombreiro e se entregou ao sol. A mim só restava admirar aquela cena.
Ok. Fiquei calada, mas já que ela podia expor aquele corpo todo por que eu não poderia expor o meu? Tirei o resto da roupa e me deitei da espreguiçadeira de bruços. E dormi.
Acordei sentindo algo gelado e mãos delicadas massageando minhas costas.
- Briga, briga, mas não larga o osso né, ogrinha? – ouvi Pepê implicar com a engenheira.
- A Maria Fernanda é muito branquinha, uma insolação poderia prejudicar, ainda que indiretamente, o bebê. Só por conta dele eu estou fazendo isso, se ela não tivesse grávida podia ficar em carne viva que eu não me levantava – meu amigo explodiu numa gargalhada.
- Oh Lívia, vai mentir para os preso, tu é louca nessa galega! – ela xingou-o e continuo o serviço quieta.
Continuei a fingir que dormia. Não demorou nem 10 minutos e eu senti alguém me cutucando.
- Maria Fernanda? Acorda! – resmunguei alguma coisa e senti um canudinho na minha boca – bebe, é um suquinho de laranja, você precisa se hidratar.
- Ai meu senhor que enjoo – não sei o que ela fez só ouvi o grito do meu amigo – ai sua ogra! Sai de cima de mim, sai!
Eu abri o olho devagar, mas não consegui manter meu disfarce, explodi em uma gargalhada quando vi a Lívia sentada sobre o Pedro dominando os braços dele e dando beijinhos pelo seu rosto, e ele desesperado pelo ataque.
- Para amor! – falei, ela sorria, mas seu sorriso morreu ao olhar para mim. Sério. Dessa vez eu estava muito na merd*. A Lívia estava muito brava comigo, e eu nem podia me defender, fiz tudo errado.
Lívia se levantou, sem olhar para mim me informou que minha mãe já tinha ido para casa.
- Eu já estou indo também – completou a morena ao se levantar da cadeira de plástico.
- Então vamos todos – Pepê declarou – Nanda, me dá a chave do meu carro que está em sua bolsa.
- Ela vai voltar com você! – eu olhei confusa para a engenheira. Tudo bem, ela estava chateada, mas me impedir de ir à casa dela já era demais.
- Vou com você sim.
- Não vai.
- Lívia, a Fernanda passou mal nestante. Você sabe que início de gravidez é perigoso, você não acha melhor você ficar com ela? Só pra garantir? – a Lívia permanecia séria – olha, deixa eu levo você para a casa de seus pais Nanda, pelo menos lá vai ter quem cuide do bebê.
- Ei, eu cuido do bebê – ela falou séria – ela vai comigo. Vou pagar a conta, vão se arrumando aí.
- Nanda, pelo amor de Deus, a Lívia ama essa criança mesmo não sendo dela, mesmo que ainda não tenha nascido – sussurrou baixinho – por favor, arruma essa bagunça tá bom? – beijou minha bochecha e se foi.
Chegamos em casa no final da tarde, a Lívia tomou banho rápido e antes d’eu entrar no banheiro ela já tinha saído.
Tomei um banho longo, mas é aquela coisa eu sou branquinha então ao contrário da Lívia que fica com um bronzeado delicioso eu fico vermelha que nem um tomate. Saí do banheiro enrolada na toalha e com um creme nas mãos.
- Passa nas minhas costas? – eu ouvi o resmungo dela mas nem liguei. Ela era louca nas minhas costas mesmo, cada um joga com as armas que tem não é? E a Lívia não havia deixado de me amar da noite para o dia.
A engenheira deslizou as mãos com experiência por minha pele, começando pelos ombros até o fim das minhas costas, e antes que ela retirasse as mãos de mim eu puxei seus braços, e seus dedos acarinharam minha barriga. E antes que ela tentasse sair eu me encostei em seu peito e aumentei o volume da televisão. Lívia ficou em silêncio, nós assistimos o filme inteiro.
Gostaria de fazer um parêntese, apesar da minha engenheira ser fechada, séria, ela sempre foi muito sensível, portanto, chorava até ao assistir animação, e nesse caso não seria diferente. Era um desenho lindo que tratava sobre as emoções de uma adolescente que mudou de cidade e toda aquela fase de transformação natural da puberdade, enfim...ao final do filme a Lívia estava em lágrimas.
- Liv, é só um filme – tentei acalmá-la. Eu sei que ela é chorona, mas estava demais.
- Não é isso! – eu fiquei claramente com um incógnita na cabeça – Nanda, eu não aguento mais. As coisas não estão dando certo entre a gente desse jeito.
- Você quer terminar Lívia? É isso? – meu peito apertou, mas eu precisava saber, não queria ninguém comigo por pena, ou só porque eu estava grávida.
- Não, eu só...só tô cansada de tanta briga, confusão, a gente não consegue confiar uma na outra, como criaremos um filho nessa guerra que é nosso relacionamento?
Eu engoli em seco, não sabia responder aquela questão. Nunca fui muito adepta a relacionamentos, isso é muito claro.
- Lívia, eu não sei, a única coisa que eu posso dizer é que eu te amo, e que eu quero ficar contigo para sempre. – alisei o rosto úmido, que refletia a angustia e o medo – você é o meu amor, e você vai ser a melhor mãe do mundo! – ela sorriu.
De repente eu senti a necessidade de fazer uma coisa que eu nunca pensei na vida, um impulso gostoso desses que nós temos quando resolvemos o enigma. Uma solução simples que estava na nossa frente e demoramos a perceber e quando percebemos dá uma sensação de alivio.
Então, no meio da sala escura, iluminada apenas pelo letreiro transmitido pela televisão, e meio nua, eu tomei uma das decisões mais acertadas da minha vida, segurei uma das mãos da minha namorada e perguntei:
- Liv, você quer casar comigo?
Fim do capítulo
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