Capítulo 31: "Nem sempre convém virarmos a página, por vezes, é preciso rasgá-la!" (Achille Chavée)
Capítulo 31
Estava preparada para fazer qualquer coisa para provar meu amor por ela. Mas, Marina só podia estar brincando. Ela mais do que qualquer outra pessoa no mundo sabia que eu não poderia sair do Brasil naquele momento. Como deixaria meu pai à beira da morte?
- Demorou, Valentina! - quebrou o silêncio profundo que caiu sobre nós.
- Como você pode querer uma prova dessas? Como quer que eu vá com você sabendo que meu pai está morrendo? Quer que eu o deixe aqui, sozinho?
- Valentina Siqueira Campos... - Marina começou com uma calma completamente enervante para mim. - Você ainda não entendeu, não é? Quando se ama alguém, de verdade, não há obstáculos, fronteiras, pessoas ou situações que nos separe da pessoa amada!
Doce sabedoria aquela. Mas, no momento, para mim, ela era tolamente falha.
- Você não me ama. - ela deu de ombros. - Eu também não te amo, apesar de gostar muito de você. Agora, aquela morena fabulosa, e perdoe-me por dizer-lhe isso, extremamente gostosa, que você teima em chamar de amiga... aquela sim te ama! O amor dela por você salta-lhe aos olhos e qualquer pessoa que se aproxime de vocês consegue perceber isso.
Bom, se a intenção dela era me dar um fora estava conseguindo. Estava conseguindo também acabar com meu almoço. Não tentei disfarçar minha tristeza nem a vontade que eu tinha de acabar logo com aquele encontro.
Quanto a Marina, o que sentia naquele momento era uma espécie de raiva por ela estar sendo tão cega e tão sem coração. O almoço acabou tão logo foi servido. Não consegui comer nada nem engatar uma conversa fiada, apesar dos esforços de Marina para melhorar o clima.
Assim, logo que o garçom trouxe a conta, coloquei algumas notas sobre a mesa e, levantando-me sem olhá-la, resmunguei um:
- Pode deixar que pego um táxi... - e saí sem me preocupar em ser elegante, fina, educada, ou qualquer outra coisa que ela pudesse esperar de mim naquele momento tão dolorido.
Não apareci na mansão àquela noite, pois sabia da intenção de papai de um novo jantar para suas convidadas. Tudo o que eu mais desejava era ficar sozinha e curtir meu coração despedaçado. Mesmo assim, liguei para papai depois de engolir alguma coisa como jantar e, não dando chance de ele me passar um belo sermão, disse que tinha um compromisso.
De propósito, tinha levado algumas pastas para a casa e, embora não estivesse com cabeça para estudar coisa alguma, obriguei-me a conferir alguns processos para tentar tirar as mulheres que me infernizavam do pensamento.
Já passava de uma da madrugada quando fui para a cama. E meu sono foi um verdadeiro pesadelo. Acordei na manhã do sábado sentindo-me péssima. Pulei da cama e decidi correr um pouco no parque perto de casa. Àquela hora eu o teria mais vazio e muito mais tranquilo.
Por quase duas horas fiquei por ali... caminhando e depois correndo em volta das quadras de areia. Ofegante e suada entrei no hall do meu prédio e fui direto falar com Manuel que molhava algumas plantas no jardim de inverno.
- Bom-dia, Manuel?
- Bom-dia, dona Valentina! - retribuiu-me o cumprimento e o sorriso.
- Minha secretária está para chegar com alguns documentos. Assim que ela chegar, não precisa interfonar, sim? Diz para ela subir, por favor.
- Pode deixar, dona Valentina. - o homem assentiu.
Subi e fui para debaixo da ducha forte. Quando preparava o café, a campanha tocou. Era Eva, com certeza. Mas, para minha surpresa, quem estava à minha porta não era ela.
- Louise?!
- Bom-dia, Valentina. Posso entrar? - A garota parecia tímida e aparentava estar bastante acalorada.
- Claro! Por favor! - afastei-me.
O que aquela garota estava fazendo na minha porta? Louise entrou e, caminhando para perto da enorme janela de minha sala, virou-se com um sorriso no rosto juvenil.
- Muito lindo seu apartamento.
- Obrigada. - agradeci ainda perplexa com a presença dela ali.
O apito da cafeteira desviou nossa atenção para a cozinha.
- Já tomou café da manhã? - perguntei-lhe, pois ainda era muito cedo.
Ela sorriu e disse timidamente:
- Ainda não...
- Então, vamos tomar café! - convidei-a tomando suas mãos entre as minhas. Fomos para o outro lado do grande balcão que dividia o ambiente.
- Você deve estar se perguntando o que vim fazer aqui, não é? - perguntou enquanto eu colocava na mesa os pães, as frutas, a cafeteira e a jarra de suco para o nosso desjejum.
- Na verdade, sim... - respondi encarando-a. - Por favor, sente-se.
- É verdade o que Marina me contou? - o forte sotaque que havia naquela voz, ainda bastante infantil, confundia-me um pouco.
- O que foi que ela lhe contou? - quis saber servindo-lhe um copo de suco.
- Que você brigou com ela porque vamos embora! - Louise pegou o copo de suco e tomou um gole.
- Mais ou menos isso... - respondi ainda sem entender o porquê daquela visita inesperada.
Louise serviu-se de uma grossa fatia de mamão.
- As frutas do Brasil, além de belíssimas, são muito apetitosas... - disse parecendo desviar-se um pouco do assunto que a trouxera aqui. - Posso te fazer uma pergunta, Valentina?
Como eu estava com a xícara do café fumegante na boca, apenas resmunguei:
- Huhum...
- Você vai deixar Marina ir embora assim? - ela colocou um pedaço do mamão na boca.
Depositei calmamente minha xícara no pires e, coçando a parte interna do meu pescoço, pensei durante um segundo antes de responder.
- Louise... - limpei a garganta antes de me fazer entender, sem querer ser indelicada com a pobre garota. - Eu sei que você tem a melhor das intenções, mas, sinceramente, penso esse seja um assunto só meu e de Marina.
Louise, mastigando agora uma torrada transbordando de geleia, concordou com um gesto sutil de cabeça. Eu olhava para ela e toda aquela inocência mexia comigo... Acho que, por mais atirada que eu seja, não conseguiria aparecer em pleno café da manhã na casa de uma "praticamente desconhecida" e discutir o relacionamento amoroso dela.
Louise, depois de terminar de mastigar a torrada, limpou a boca com o guardanapo e recolocou-o novamente sobre o colo.
- Você tem toda razão. Eu também não me sentiria à vontade de discutir um assunto tão íntimo com uma completa desconhecida.
A garota, apesar de novinha, era bastante madura.
- Acontece que a desconhecida "em questão"... - e se apontou - É a pessoa mais agradecida por uma das partes envolvidas!
Ainda não sabia onde Louise queria chegar... e ela compreendia isso.
- Você ainda não conhece a "verdadeira" Marina Cintra! - Louise parecia estar bastante segura do que dizia. - Enquanto eu a conheço bem. Pra dizer a verdade, eu a conheço melhor do que ela própria.
Eu esquecia, ali, o meu café da manhã.
- Posso te fazer outra pergunta? - ela perguntou.
Soltei uma espécie de riso e mudei minha posição na cadeira. Aquela conversa iria longe.
Assenti com a cabeça.
- Você ama Marina?
Isso era ir longe demais. Mas respirei fundo e respondi:
- Amo. Amo muito! Mas ela não acredita no meu amor. E também não importa porque ela não me ama!
Louise sorriu enigmática.
- Não posso te assegurar do amor dela, mas posso te dizer que nunca em minha vida vi Marina tão contente. Você é a primeira mulher com quem ela quis ter algo mais sério desde que minha "querida e despreocupada" mãezinha morreu. - sua voz ganhou um tom cínico ao descrever a própria mãe. - E olha que não lhe faltam pretendentes.
Fechei meus olhos e senti uma vontade enorme de acabar com aquilo.
- Não posso continuar com isso, Louise. É tudo muito complicado e não seria justo com Marina falar de seu passado sem que ela esteja presente e...
- Justo com Marina? Valentina, me escute... - pela primeira vez desde que entrou em minha casa Louise parecia ter dificuldades em escolher as palavras. - Você só faz bem para ela!
- O que quer dizer com isso, Louise?
- Marina passa a imagem de invulnerável, poderosa, calma...
- Mas ela é tudo isso. - interrompi-a desejando acabar logo com aquela conversa.
- Sim, ela é! Mas depois de ter seu coração estraçalhado pelos inúmeros casos de Cibele, mantém seus verdadeiros sentimentos escondidos, cultivando apenas essa imagem externa, superior e inviolável.
Meu espanto foi visível e Louise, ao perceber isso, respirou fundo e continuou:
- Acredite, Valentina, você começou a mudar isso, trazendo para fora a necessidade que ela tem de ter seu coração ocupado por um amor verdadeiro e fiel. - o olhar azul e límpido de Louise parecia me implorar uma chance para a pessoa que ela considerava verdadeiramente. - Talvez seja mais correto que você acabe o que começou.
- Não, não! Isso é impossível. Marina não acredita no meu amor. - balancei a cabeça sentindo-me completamente insegura. - Ela parece uma porta que se mantém fechada para mim.
- Então arrombe esta porta! - Louise sugeriu com a voz totalmente serena.
Olhei para aqueles olhos inocentes e muito doces. Ela parecia achar aquilo muito fácil. Quem me dera ter aquela mesma serenidade...
Por segundos imaginei que Louise podia ter puxado à mãe na aparência física. E se isso fosse verdade, Cibele tinha sido uma mulher muito bonita. E, insegura como eu me encontrava, não seria páreo para tal beleza.
- Mulheres não arrombam portas, Louise! - retruquei aceitando meu fracasso.
- Arrombam sim!!! - ela exclamou do alto da sua sabedoria juvenil. - Ainda que levem algum tempo.
Encarei aquela garota bastante segura pela idade que tinha. Parecia haver, por trás daquelas palavras veementes, algo escondido que ela não queria revelar. Mas me sentia tão fraca que não tinha vontade de saber. Pelo menos, não naquele momento.
- É, talvez você tenha razão. - murmurei exausta.
Louise levantou-se.
- Tenho que ir agora. Seja qual for sua decisão, por favor, não deixe Marina saber que estive aqui incomodando você. Ela certamente me reprovaria. Mas devo muito mais a Marina do que possa imaginar e tudo o que mais quero nesta vida é vê-la feliz.
Levantei-me também.
- Não se preocupe, não direi nada.
Segui Louise até a porta e, quando ela se virou para se despedir, disse-me:
- Obrigada pelo café delicioso, e desculpe-me por vir sem avisar... - e beijando-me o rosto sentenciou: - Se eu fosse você não a deixava ir embora assim! Ah sim... nosso voo é as dezessete horas.
Retribuí-lhe os beijos, o abraço carinhoso e, com um sorriso meio bobo de canto dos lábios, despedi-me:
- Adeus, Louise!
Fim do capítulo
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