Capítulo 06 - Feitiço
Emma saiu pela porta e meu coração continuava batendo loucamente. Eu sentia calafrios por todo o corpo, mesmo com todo aquele pessoal entrando e conversando alto. Depois de algum tempo, voltei a minha carteira e fiquei mexendo na caneta azul sem parar. Estava agitada, ansiosa e ainda excitada. Podia sentir minha própria respiração descontrolada e sem mais nem menos, o professor – que se parecia muito com meu avô materno – chamou meu nome em alto e bom som. Dei um pulo na carteira, como se tivesse visto um fantasma.
Alguns garotos riram de mim, pude notar isso enquanto caminhava até a porta da sala. Uma mulher tinha vindo até nossa sala para dar algum tipo de recado – pra mim, possivelmente – e eu nem havia reparado em sua chegada, tamanha era minha desordem hormonal. Ela era baixinha, um pouco acima do peso e tinha os cabelos negros presos em um rabo-de-cavalo.
- Você é a Camila? – ela perguntou simpática, mostrando os dentes com aparelho
- Sim. – respondi um pouco preocupada
- A professora Emmanuelle pediu que eu entregasse esse livro. Disse que é pra te ajudar a se adaptar melhor aqui na universidade.
Olhei para o livro depois de pegá-lo em minhas mãos, agradeci a mulher e voltei ao meu lugar. Não estava entendendo nada! Era um romance de Jane Austen, um clássico, provavelmente uma edição antiga, pois a capa estava bem surrada. Mas isso não fazia muito sentido... Porque um livro? Porque Jane Austen? Orgulho e Preconceito não tem nada a ver com Emma. Fiz cara feia durante a aula toda, tentando codificar aquilo tudo.
- Ela vai me deixar louca! – falei em voz alta, tirando a atenção de alguns colegas ao meu lado, que começavam a me achar esquisita.
Nanda me cutucou com a caneta e perguntou o que estava acontecendo; eu desconversei. Disse que era algo sobre a matrícula e voltamos a prestar atenção na explicação do professor, que já estava passando da hora de ir atrás da aposentadoria.
Nem vi a aula passar. Na verdade, não consegui parar de pensar em Emma um segundo sequer. Arrumei o material e sai assim que fomos liberados. Nanda me ofereceu carona, disse que não tinha importância alguma mudar a rota de sua casa, mas eu neguei e disse que achava melhor ir de ônibus mesmo, pois parava na porta de casa praticamente.
Sentei em um dos últimos bancos, como sempre fazia. Coloquei os fones de ouvido e fiquei reparando na galera saindo da universidade... Era um clima bem diferente de onde eu estudava. Suspirei enchendo de ar os pulmões e encarei o livro no meu colo, por cima do caderno.
- Mas que diabos! – o peguei nas mãos – Ela devia ter me mandado um livro de putaria, não isso. O Kama sutra, talvez. – ri de mim mesma, era uma cogitação plausível.
Depois me dei conta de que seria muito estranho uma professora mandar um livro com nuances sexuais para uma aluna e me aquietei até chegar em casa. Deveria ser algum tipo de jogo dela, desses que eu não compreendo direito. Talvez ela estivesse querendo passar um ar de professora exemplar, já que havia se aproximado – sem querer, querendo – de modo inapropriado de sua mais nova aluna. Senti meu estômago enrijecer só de me lembrar de sua boca em minha bucet*, mergulhada, sem pudor algum, como se o meu fosse o melhor gosto do mundo.
Quase perdi o ponto! Desci correndo, esbarrando em todo mundo. Minha casa estava em ordem. Quer dizer, a minha ordem. Eu nunca fui de deixar tudo extremamente organizado. Digamos que eu me encontrava na minha bagunça. Me joguei no sofá, coloquei os pés em cima do puff e liguei a televisão. Estava passando jornal, algo sobre um tiroteio terrorista. Desliguei depois de argumentar em meus pensamentos nos valores humanos que o homem havia perdido. Olhei para o lado e vi novamente o livro, ali, me encarando.
“Ajudar a me adaptar na nova universidade” – repeti em voz alta o recado que ela havia deixado com a inspetora.
Folhei um pouco e vi um papel cair em meu colo. “Provavelmente um marcador de páginas” – pensei ingênua.
Abri o papel e dei de cara com uma letra linda, perfeitamente desenhada... E assinada por Emma.
"Rua Antônio Tiveron Marques, 1187
- Jardim Monte Belo
Esteja amanhã nesse endereço às 21:00hrs.
Será minha acompanhante.
Traje Social/Erótico
Ass. Emmanuelle."
- Erótico? – falei um pouco atordoada – Como assim erótico?
Milhares de fantasias passaram na minha cabeça. Fantasias mesmo, dessas de couro que esse povo usa. Eu não tinha nada daquilo! Como que ela vai me convidando assim pra algo do qual eu nem sei o que é?
Meu coração voltou a acelerar. Passei os dedos por cima da letra de Emma, como se pudesse de alguma forma, tocá-la. Enquanto minhas falanges tocavam cada palavra, eu sentia meu corpo responder ao meu desejo mais insano. Porque aquela mulher me deixava daquele jeito? E mesmo sem saber, sem ter informação adicional alguma, fiquei empolgada em ser sua acompanhante. Meu sex* fervia por baixo da calça jeans, só de pensar que poderia ser algo perigoso ou extremamente proibido. Talvez um lugar parecido com a boate Freedom?
Tomei uma ducha gelada para refrescar minha mente. Ainda com o cabelo molhado, deitei minha cabeça no travesseiro com a intenção de pegar no sono o mais rápido possível para ir atrás de alguma roupa “erótica” pela manhã. Mas espera, era terça feira, eu tinha uma aula muito importante de libras... Dormi pensando em como pediria para Paula me passar a matéria perdida. Óbvio que eu estaria lá na hora marcada, jamais perderia a oportunidade de ter aquela mulher fazendo o que quiser de mim.
Às dez da manhã já estava na frente de uma loja que encontrei pela internet. Era especializada em trajes sexuais e despudorados. Tive que digitar algumas coisas sexualmente loucas no google para encontrá-la.
A mulher me mostrou quase a loja inteira, mas ela parecia não entender que não era nada sexy para reascender a chama do meu casamento ou para uma festa a fantasia. Por fim, ela me apresentou uma “arara” de roupas eróticas de BDSM e eu fiquei hipnotizada por longos minutos.
Saí da loja satisfeita, mas ainda pensando na coragem que precisaria pra vestir aquilo. Provavelmente usaria um sobretudo por cima, igual Emma fez no dia que nos conhecemos. Andava pelas ruas da cidade com minha sacola, sem que ninguém soubesse que eu era uma verdadeira vadia, prestes a ser dominada pela mulher mais gostosa que já havia visto na minha vida.
Cheguei em casa só a tarde, pois precisei pagar algumas contas e fazer compras pra casa. Estava cansada e suada, mas mesmo assim a animação não saia de mim! Liguei para as meninas e coloquei as fofocas em dia: Roberta estava saindo com um homem casado envolvido com política e Júlia resolveu permanecer casta até o verdadeiro amor a encontrar. Rimos muito.
Saí de casa eufórica! Vesti a roupa que comprei mais cedo e por cima um sobretudo que ia apenas até meus joelhos. Não cobria tudo como o de Emma, mas dava “pro gasto”. Coloquei também uma sandália de salto alto preta, muito elegante e alguns apetrechos como brincos e cílios postiços.
Cheguei no endereço com muita pontualidade. Porém, a casa estava escura, com os portões eletrônicos fechados e um carro muito suspeito estava parado na frente. Era um audi preto, com todos os vidros fumê. Paguei o taxista e caminhei com certo receio. Quando cheguei perto da porta do passageiro, o vidro se abriu, igual acontece nos filmes de espiões.
- Entra. – disse depois de abaixar o volume do rádio e me olhar nos olhos
Era Emma,; linda, sentada no banco do motorista.
Dei um sorriso bobo e abri a porta conforme o ordenado. Sentei colocando minha bolsa pequena no colo e virei o rosto para olhar a fonte daquele perfume magnífico que inundava a atmosfera do carro.
- Não é aqui que vamos... – ela ligou o carro, girando a chave – É só um ponto de encontro.
Seus olhos estavam atentos no trânsito, pelo retrovisor central.
- Imaginei. – respondi um pouco baixo.
Minhas mãos suavam enquanto seguravam a bolsa. O nervoso e a adrenalina me dominavam.
Fomos em silêncio até um residencial charmoso e muito requintado. Eu nunca tinha ido ali antes. Emma estava de batom vermelho, desses que tiram o fôlego de qualquer um. E sua maquiagem era leve, em um tom amarronzado, degradê. O cabelo estava parcialmente solto, preso no centro com algumas presilhas brilhantes. E para a minha surpresa, ela estava de vestido longo e bege, destoando completamente de mim. Me senti um pouco estranha, mas eu tinha certeza de ter seguido as recomendações do bilhete.
Saímos do carro e caminhamos até uma porta de madeira imensa. Emma tocou o interfome três vezes, ainda em silêncio.
Ouvi o som da porta sendo destrancada, mas ninguém veio nos receber. Era uma porta eletrônica, provavelmente. Antes de passarmos por ela, Emma segurou meu braço, pra que eu parasse de andar e a ouvisse.
- É uma festa fechada. Vão ter algumas pessoas interessadas em você... – ela me olhou de baixo acima – Mas quero que fique ciente de que você é minha. – ela pousou os olhos nos meus com uma feição séria.
- Sua? – perguntei querendo rir, mas me segurei.
- Minha. – ela disse dando um certo sorriso malicioso no canto da boca – Não se atreva a fugir do meu ponto de visão, entendeu?
Ela soltou meu braço, olhou para os lados e antes que eu pudesse responder, aproximou sua boca do meu ouvido...
- Se comporte e logo será recompensada.
Ela mordeu meu pescoço antes de se afastar. Fiquei completamente imóvel e precisei ouvi-la me chamar, já de dentro da casa, para que entendesse que era para entrar. Eu estava em uma espécie de feitiço... E queria que fosse perpétuo.
Fim do capítulo
Foto da Camila vestida com a roupa da festa no post do grupo do Lettera.
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