Meus queridos e queridas, gostaria de agradecer por tanto amor e suporte. Obrigada por lerem minha estória, a aceitação de vocês é fundamental para que eu continue escrevendo nosso neném. Sinto muito em informar que irei dar uma pausa na escrita por enquanto. Tenho muitas coisas da faculdade para me preocupar, iniciação cientifica, vida social e saúde. Espero sincera compreensão de vocês, afinal, a estória já está quase acabando, preciso focar em coisas mais importantes no momento para depois voltar com maior atenção e inspiração. Peço desculpas por não estar 100% concentrada, e agradeço de coração por todo carinho, por cada comentário, por cada curtida. Não deixem de comentar, expor suas opiniões, trabalho para tentar agradar todo mundo, mesmo que falhe às vezes. Um beijo e um abraço bem apertado em vocês. Não desistam de mim, pois esterei pensando em vocês.
Liability
Pov- Delphine
Lençóis cinzas, cama bagunçada.
Cortinas abertas, janelas trancadas.
Aroma diferente, temperatura quente.
Eu sabia exatamente onde estava, e não era em minha casa, tampouco o apartamento de Cosima. Levantei-me, embrulhei meu corpo nu em um dos lençóis amassados. Não arrumei meu cabelo, senti prazer em estar ali. Ouvi música em tom médio com batidas agitadas, então segui caminho às notas apressadas.
Ele dançava.
Ele, para mim, cozinhava.
E ele não me viu chegando, portanto, seu comportamento natural, durante alguns segundos, fiquei observando. Vestindo uma samba canção preta, pés ao chão, Pallo balançava seus ombros tatuados e remexia seus quadris bronzeados. A música que tocava tinha letra vulgar e grave descontrolado, sons com saxofone, e variados gemidos de uma mulher qualquer.
"Baby, don't you leave my side, don't even try
I'mma go crazy, girl, you saved me
Meditate me, get me piece of mind
It's only she and I, ocean floor, how deep we dive
We be high lookin' for another fuckin' tree to climb"
"Mac Miller?" Questionei ao reconhecer a voz do Rapper.
"Sempre." O homem em minha frente sorriu e acenou com a cabeça.
"O tempo passa e você não muda." Clarifiquei ao observar a bagunça sobre o balcão da cozinha.
"E você continua linda, até mesmo de manhã." Pallo virou-se em minha direção, segurando a frigideira em uma mão e o mesmo sorriso no rosto.
O aroma de ovos com legumes refogados superou a densidade do ar.
"Espero que você ainda goste dos meus mimos." Desligou o fogão, buscou dois pratos, dois garfos, os pousou encima do mesmo balcão bagunçado, alcançou dois copos no escorredor e os encheu com suco de laranja natural.
"Se o sabor for tão gostoso quanto o cheiro, não há com o quê se preocupar." Pisquei provocativamente, antes de degustar o gosto do passado.
E ele continuava familiar.
"Ainda não acredito que estamos aqui, tomando café da manhã em minha cozinha, depois de termos passado a noite juntos." Pallo sempre foi "O Otimista" em nossa relação, eu nunca tive paciência para ser tão feliz assim. Eu vivia com fatos, relatos, jamais ousei fugir da realidade.
Digo, quando dei-me permissão para sonhar, assisti tudo em minha frente desmoronar de repente.
"Eu também não, quais são as chances de algo assim acontecer?" Levei o garfo à boca para disfarçar a satisfação que aquele momento me dava.
"Eu quero te ver mais tarde, Delphine. E se você quiser, eu gostaria de te ver por muito mais tempo." Meu ex-amante nunca foi bom em declarações, lembro-me quando nos despedimos na Inglaterra, ele olhou em meus olhos, disse que me amava e chorou. Eu nunca tinha visto um homem chorar por amor, principalmente quando este sentimento é mútuo.
Eu já havia perdido quase tudo, o quê mais poderia acontecer?
"Posso te ligar mais tarde, então." Concordei em reviver lembranças de maneira física. Não sabia se estava errado ou certo, entretanto, nada parecia melhor do que tentar ser feliz.
Após comermos, banhei-me rapidamente e vesti a mesma roupa. Não tive tempo para passar em casa, eu já estava atrasada- coisa rara e detestável. Pallo havia arrumado a cozinha e quarto quando precisei ir embora. Ele posou um beijo em meus lábios e inalou a pele de meu pescoço. Seus lábios eram tão grossos, tão suculentos, qualquer garota gostaria de experimenta-los. Durante o caminho até o Instituto, tentei organizar a volta que meu mundo havia dado. Ter Pallo novamente em minha vida não era algo que esperava acontecer, e mesmo o querendo, eu já sabia que não ficaríamos juntos, ele seria ar fresco em viagem curta, minha vida será ao lado de Cosima, só preciso entender como chegar lá mais uma vez.
Estacionei meu carro e apressei-me até o laboratório, onde passei a tarde inteira trabalhando ao lado da equipe. Todos pareciam estar contentes com o meu estado de espirito. Sei que meus colegas preocupam-se comigo, então fiz questão de não questionar até onde minha felicidade poderia chegar. Pelo canto de meu olho, observei Dra. Niehaus, distraidamente, trabalhar, algo a incomodava, eu só não sabia se era a Morena, Charlotte ou eu.
Após o expediente, cansada, sentei em minha poltrona e li os relatórios que havia demandado, após alguns minutos chamei pela cientista que os escreveu.
"Dra. Niehaus, li seu relatório e gostaria de saber se posso te ajudar nos próximos procedimentos. Entenderei se não quiser, porém, saiba que estou investida." Seus olhos curiosos não desviavam atenção de minhas roupas. Eles caminharam por mim dos pés à cabeça.
Senti gosto de saudade.
Senti gosto de amor.
"Sim, sem problemas. Estou voltando para o laboratório para checar as proteínas que extraí dos órgãos, quer me acompanhar?" Como dizer não a uma bela moça de alma selvagem?
"Claro! Guie o caminho." Respondi sem hesitar.
Vestimos nossos jalecos e brincamos de ciência, e de esconder sentimentos gritantes.
"Bom, como você deve ter lido, isolei os órgãos doentes e extraí as proteínas, agora o próximo passo é fundir a Hsp70 com as outras proteínas reguladoras, catalizadoras e defensivas, criando uma vacina para ser injetada nos órgãos doentes novamente..." Dra. Niehaus falava com as mãos e boca, elas entravam em conflito, às vezes, para ver quem conseguia falar mais rápido.
"E reverter os sintomas!" Sorri largamente de maneira involuntária, "Você está quase lá, Cosima! Estou muito orgulhosa." Mal pude perceber quando pousei contato carnal.
Eu poderia escrever múltiplos romances sobre a maciez da pele de Cosima. Era algo complemente fora do ordinário, textura de pera, cheiro de maçã verde com uma enorme pitada de arrependimento.
Como deixei tudo acabar?
"Obrigada, mas ainda tenho que testar a vacina nos camundongos depois de inserir nos órgãos de novo, porque provavelmente o experimento renderá duas vacinas, uma que talvez reverta os sintomas e outra que, com certeza, poderá ser fatal a eles." Suas bochechas ganhavam cor, eu ainda a afetava de certa maneira.
"Sim, mas eu te ajudarei, ok?" A distância entre nós era tão pequena, a vontade de toca-la mais era fulminante, em segundos poderíamos perder o controle e nos encontrar novamente.
Mas como nada é como deve ser, ou como gostaríamos que fosse...
Seu celular nos alertou para a realidade.
Ela o atendeu como se tivesse vergonha por estar seguindo em frente. E eu nem precisei estudar seu desconforto, já sabia que ao outro lado da linha era a Morena querendo ter Cosima para si.
Ódio, raiva, ciúme letal...
"Eu preciso ir, você precisa de mim?" Dra. Niehaus não fazia ideia do quanto eu precisava dela, entretanto, ultrapassei os limites de meu egoísmo, não poderia privar a mulher que amo da alegria que um novo amor nos traz.
Engoli litros e litros de ciúme azedo a seco.
Eu não queria, mas eu a deixei ir.
Levei um longo instante para me recompor, pois assistir à partida de quem se ama é incrivelmente doloroso, agora sei como Cosima se sente. Então, após alguns minutos, resolvi pagar uma visita que eu devia em muitas prestações.
O corredor encontra-se em escuridão parcial, e a menina dentro de um enorme aquário estava perdida em devaneios sobre a cama.
Ela não se levantou ao me ver, ficou deitada só esperando a quebra de meu gelo.
"Me perdoe, princesa. Deveria ter vindo aqui antes." Charlotte estava banhada e vestida com seu pijama rosa de bolinhas vermelhas.
"Pensei que não gostasse mais de mim." Confessou em um suspiro carente.
"Jamais! Eu só estava triste, muito triste." Clarifiquei ao sentar-me na cama.
"Cosima também estava triste, muitas vezes ela chorou enquanto me fazia dormir." Eu merecia a angustia sufocando meus ossos.
"Eu sei, sinto muito por tudo o quê causei." Expliquei em palavras vazias um sentimento assustadoramente real.
"Espero que você esteja melhor." Tocou em meu rosto delicadamente, "Senti sua falta."
Meu coração derreteu feito chocolate em banho-Maria.
Envolvi Charlotte em meus braços na promessa de nunca mais magoa-la.
"Fiz uma nova amiga." Soltou-se para revelar a notícia, "Ela também é amiga de Cosima."
O quê? Dra. Niehaus levou a Morena para conhecer Charlotte?
Meu sangue fervia em fogo assassino.
"E você gostou dela?" Questionei engasgando na raiva.
"Sim, mas gosto mais de você." A menina trouxe-me paz e alivio, porém, era difícil não pensar na nova amante de minha amada.
Odeio a forma com a qual o egocentrismo e egoísmo tomam conta de meu ser. Aquela noite passei ao lado de Pallo, mas ainda sentia a dor em saber que Cosima estava com outra mulher.
****
O final semana passou por mim como água passa por riacho inclinado. Foi rápido, foi intenso e ainda continuo a pensar em como tudo muda sem querer.
Após uma sexta-feira ressuscitando lembranças mortas ao som de músicas que eu jamais teria em minha playlist, a madrugada do sábado não insistiu em correr por nós naquela sala de estar cinza, porém colorida.
Pallo tragava sua erva e, sem camisa, evidenciava a estrutura e desenvoltura de seu corpo dançante. Os desenhos tatuados em sua epiderme não tinham história ou estória, não contavam feitos ou originalizavam significados. Em seu peitoral direito, havia uma enorme caravela e ondas bruscas, tudo em preto e cinza. Ainda ao lado direito, seguindo seu ombro até a altura do cotovelo, figuras que formam uma coisa só, um gigante polvo com muitos tentáculos que seguravam a bússola sem ponteiros. Formas geométricas acompanhavam todo o desenho, e no antebraço, cores fracas e quase inexistentes, marcavam o farol contido no camafeu com a caveira na parte de cima. Havia uma frase distribuída nas faixas embaixo desta última imagem: "Loose Lips Sink Ships".
"Lembro do tempo no qual você tinha apenas esta bússola." Apontei com meu indicador encostando naquela pele aromática.
"Pois é, você quem teve a ideia de fazer sem ponteiros, para insinuar que eu não teria direção por seu um rebelde mimado." Exalou a fumaça por entre seus dentes perfeitos.
"E eu estava certa." Roubei a erva de seus dedos.
"Ei! Eu podia ser o mimado, mas a rebelde era você. Lembro de tudo o que você fazia, as drogas que usava, as noites que ficava completamente fora de si, mas ninguém suspeitava de você, por ser uma menina boa. Entretanto, Delphine Cormier sempre foi uma menina má." Estávamos deitados sobre o sofá em forma de "L", o couro preto esfriava a temperatura de nossos corpos excitados.
"Eu te escrevi uma música, sabia?" Questionei colocando o cigarro de maconha dentro no cinzeiro.
"Sério?" Pallo tinha um ego tão grande, quase maior do que sua nítida feição surpresa.
"Sim, e não me orgulho de ter pensado tanto em você." Expliquei o provocando com olhos agressivos.
"Então canta pra mim." Levantou-se, buscou seu violão, o afinou rapidamente e o colocou em meus braços.
"Só estou fazendo isso, porque estou longe da sobriedade." Afirmei mentindo, eu sempre quis ter a oportunidade de cantar esta canção ao homem que destruiu meu jovial coração.
"Qual é o nome?" Perguntou ansioso demais.
"The Guy Is A Curse." Respondi pronta para começar a tocar.
Muitos anos passaram-se desde a última vez que cantei aquele conjunto de palavras em versos e estrofes chicletes. Entretanto, lembrei-me da melodia, dos acordes e da agonia tudo de uma só vez.
Lá menor, Mi menor, Dó maior...
"Black-haired, brown-eyed and with a tattooed body.
Sexy appeal and a big...ego.
Very funny, knows how to dance and how not to be a man.
He's a man a girl should stay away.
But he's got you hypnotized by the way he kisses you,
By the way he touches you,
By the way he makes love to you.
(Chorus)
The guy is a curse that stole my heart.
The guy is a curse that took my soul.
The guy is a curse that takes my sanity away.
The guy is the one that I want to love.
The guy is the one that doesn't wanna be loved.
The guys is the one that I wanna give to.
He's the one I wanna give all my love to.
He's the worst curse."
Eu poderia ter continuado, afinal, a música não acaba após o refrão, ainda tinha o segundo verso, entretanto, cantar algo que escrevi há mais de 10 anos atrás, não foi agradável como pensei que seria.
"Eu não conhecia esse lado seu." Os olhos castanhos de Pallo estavam maiores do que nunca.
"Ninguém conhece, às vezes, nem eu mesma." Acrescentei ao pousar o violão no tapete felpudo e preto.
"Eu amei a música, e estou me sentindo um otário por ter te machucado." Confessou com suas mãos pressionando minha cintura e coxa.
"Eu era jovem e poética, sofria por tudo e logo escrevia sobre tal. Não se sinta tão especial assim." Provoquei mais uma vez.
"Impossível, Cormier." Aproximou-se de mim para levar-me à loucura em degustar o suco de seus lábios carnudos.
A nudez de seu peito tatuado esquentou meu corpo desvairado. Enquanto nossos movimentos iam ganhando força, minha mente cedia a algo que não fazia sentido para mim, porém momentos como aquele faziam-me menos perturbada, menos infeliz, e um pouco mais vulgar.
E assim passei sábado e domingo, mergulhada em um amor antigo que trazia paz ao meu presente, mas que jamais influenciaria meu futuro, pois não era Pallo a pessoa com quem viveria o resto de minha vida. E a saudade Cosima evidenciava isto a cada dia que despertava e adormecia. Sem pressa e, quase sempre, em calmaria.
Em uma quarta-feira, após o expediente, meu amante temporário informou-me sobre um jantar em seu restaurante na sexta-feira da semana. Pallo queria me introduzir a sua irmã, ele não poupava elogios a ela. Moça que apreciava instantes marcantes, fotografava a vida por meio de lentes caras e valiosas. Eu não sabia como recusar tal convite, então aceitei as consequências de uma relação que já passava de seu prazo de validade, pois o rapaz, por mim, apaixonava-se feito o menino mimado de 2002.
O grande dia chegou, e ele mal havia começado para instigar sentimentos absurdamente atormentados em mim. As coisas passaram a desandar logo às dez horas da manhã nublada. Quando cheguei ao Instituto, notei o sorriso de Dra. Niehaus, o qual era nocivo, porém aterrorizante. Cosima transcendia paixão, e esta não era direcionada a mim.
Eu precisava saber mais sobre o que acontecia na vida de minha funcionária, eu necessitava conhecer as razões que a levaram a exibir um sorriso tão são e belo. Então, enquanto a equipe encerrava os trabalhos do dia, chamei pela estagiária amedrontada. A jovem pisou em minha sala, e ali, pude sentir as preocupadas e aflitas batidas de seu subordinado coração.
"Feche a porta, por favor." Demandei ao terminar minha dose de Whisky.
"Como posso lhe ser útil, Dra. Cormier." Mud pronunciou-se de forma disfarçadamente corajosa.
"Quero saber como vai Cosima, quero que me conte sobre sua nova amante." A frase soou ambígua, entretanto, a estagiária sabia exatamente o quê eu estava exigindo.
"Com todo respeito, Dra. Cormier, gostaria de não estar no meio da bagunça de vocês." Surpreendeu-me com tanta audácia sincera.
"No momento, não me importo com o quê você quer ou deixa de querer. Então, por favor, me diga tudo o quê sabe." Ordenei já extremamente impaciente.
"Não, Delphine!" Mud estava prestes a correr sobre campo minado.
"Perdão? Não compreendi." Estava chocada com tamanha coragem.
"É isso aí! Delphine, Cosima sofreu muito após vocês perderem o bebê, e enquanto você encontrava abrigo na bebida e na solidão, Cos estava completamente perdida e se sentindo renegada. Então, deixe ela em paz, pois somente agora ela está começando a sorrir novamente, se permitindo a ser feliz. Você não tem o direito de me obrigar ou me assustar para te dizer o quão feliz sua ex-namorada está." Mud aparentava estar tão raivosa quanto o timbre de sua voz fina e feminina.
"Saia daqui!" Soquei minha mesa com punhos lacrados.
"Siga sua vida, e deixa que Cosima viva sem você." A estagiária acrescentou antes de retirar-se de minha tempestuosa atmosfera.
Busquei por minha garrafa, derramei o conteúdo em meu copo elegante, e em um gole, já não havia mais nada para ser ingerido.
Meu sangue borbulhava, minha mente desenhava momentos repugnantes entre minha Cosima e sua Morena desprezível. A moça de cabelos selvagens, a mim, pertencia, e a hora de rouba-la havia ultrapassado os limites do tempo. Decidi pôr um fim em meu relacionamento com Pallo e não perder um só segundo para reconquistar a mulher que amo.
As imensas janelas de minha sala evidenciavam o cair da noite, o corredor estava quase tão vazio quanto escuro. Senti meu celular vibrar ao sair de minha sala.
"Ei! Já estou aqui com minha irmã, só estamos esperando você e a namoradinha dela." Pallo, às vezes, tinha o dom de me acalmar.
Ele esperava por mim, como terminar tudo sem partiu seu rebelde coração?
"Estou saindo do trabalho, já já estarei com você. Pede um bom vinho para nós." Tentei soar tranquila, mesmo estando completamente devastada por tantas questões.
"Pode deixar, você dorme em casa hoje?" Perguntou esperançoso.
Passar a noite com Pallo em sua casa seria perfeito, assim eu poderia ir embora ou invés de expulsa-lo.
"Sim, dormirei na sua casa hoje. Estou entrando no elevador, vou ficar sem sinal, mas logo eu chego." Ouvi passos sorrateiros atrás de mim, "Beijo."
Encerrei a ligação e fui invadida por um cheiro saudosista e incrivelmente querido por mim.
Cosima estava ao meu lado, também, esperando pelo elevador. A expressão em seu pálido rosto não era amigável, muito menos alegre. Algo a incomodava, algo lhe causou dor e raiva. Eu a conhecia muito bem para não notar suas manifestações tão gritantes.
"Dra. Niehaus, tudo bem?" Procurei entender o quê havia acontecido.
"Tudo." Mas ela foi curta, seca e grossa.
Adentramos o elevador simultaneamente.
"Quando você pretende extrair as proteínas para a vacina?" Busquei por outro assunto até que o gelo fosse quebrado.
"Em breve." Respondeu rispidamente.
"O que aconteceu? Você não parece estar bem." Insisti em entender tamanho desconforto.
"Não, eu estou ótima." Ela recuava cada vez mais, e agora, quem estava furiosa era eu.
"Imagino, até levou sua nova amiga para conhecer Charlotte." Provoquei acertando na ferida que mais doía.
"Logo você traz seu novo amigo para conhece-la também." Odeio psicologia reversa.
"Novo amigo?" Questionei disfarçando a maldita culpa em minha gravidade.
"Sim, esse que você vai ver em alguns minutos." Ela ouviu minha conversa com Pallo ao celular, não havia nada que eu pudesse dizer para inocentar a mim mesma.
"Cosima, eu..." Mesmo assim, tentei.
"Não quero saber, não quero ouvir. Só espero que você esteja feliz, que se encontre." Virou para me encarar, fazendo questão de me desestruturar com o poder que só o seu olhar era capaz de exalar.
O elevador parou, as portas abriram-se.
"Espero que você não o machuque como fez comigo." Suas palavras me feriram propositalmente, e ali, pareceu ser impossível tê-la de volta para mim.
Cosima partiu, entrou em seu carro e dirigiu para longe, ao encontro de seu novo amor, ao desencontro de meu arrependimento, o qual corroeu minhas estranhas feito ácido letal.
Permaneci em meu veículo por alguns minutos, necessitei me recompor. Mesmo estando em frente ao restaurante de Pallo, senti que estava a quilômetros de distância. Meu celular não parava de vibrar, afinal, eu estava muitíssimo atrasada, e quando digo isto, me refiro a exatamente tudo em minha vida.
Tomei coragem ilusória, ajeitei meu cabelo, refiz minha borrada maquiagem, e então caminhei até a porta.
O estabelecimento estava bem-habitado, os funcionários já me conheciam e me respeitavam, um deles me guiou até a mesa onde encontrei Pallo. Ele estava sozinho e sorriu ao entender minha chegada.
"Delphine! Pensei que não fosse vir." Buscou por meu corpo, alcançou meus lábios e levou seu tempo para saborear meu beijo sem sal.
"Onde estão as meninas?" Questionei em curiosidade plástica.
"Ela foram pro bar para te esperar, logo elas voltam." Respondeu transbordando alegria.
"Você não tinha comentado que sua irmã era homossexual." Apontei ao pegar a taça de vinho sobre a mesa.
"Ela curte pessoas, e agora meio que está namorado com essa Americana que conheceu em um bar." Acrescentou duvidando do relacionamento de sua irmã.
"Meio que está namorando?" Repeti suas palavras em tom interrogativo.
"Sim, se antes os relacionamentos eram confusos, imagine os de hoje em dia. Esses jovens sem revolução." Percebi Pallo olhando por cima de meu ombro, e seu sorriso ganhava mais forma e contentamento.
"Ah, então é essa sua namorada." Ao captar a suave voz, virei-me para encarar a moça atrás de mim.
Eu só poderia estar tendo um grande e maligno pesadelo. O destino só poderia estar zombando de minha face, de minha força. Meus olhos não poderiam estar vendo o quê estava bem em minha frente.
A Morena.
A Bela Morena.
E Cosima.
"Cormier, esta é Robyn, minha irmã." Pallo apresentou sem ao menos saber da história que nos envolvia.
A moça não sabia quem eu era, ou se sabia, fingiu não me conhecer.
"Hey! Ouvi muito sobre você! É um prazer." Estendeu sua mão em minha direção, e eu não conseguia desviar meu olhar dos olhos de Cosima, ela estava tão chocada quanto eu. Ela estava tão enciumada quanto eu.
"Prazer." Respondi ainda desatenta a Morena.
"Esta é minha amiga Cosima." Eu adorei ouvir a palavra "amiga", pois era mais do que claro, este relacionamento entre as duas não duraria, eu não iria permitir.
"Preciso ir ao banheiro." Dra. Niehaus mal foi apresentada e já correu para longe de todos.
Pallo, Robyn e eu sentamos à mesa, a cadeira em minha frente estava vazia, quase tanto quanto eu.
"Preciso ir ao banheiro também, com licença." Pronunciei rapidamente para ir ao encontro de minha amada.
Chegando em um ambiente estranho, porém com atmosfera familiar, avistei Cosima debruçada sobre a pia.
"Cos..." Vocalizei antes de ser interrompida.
"Então você está namorado com um cara? Depois de tudo o quê eu tentei fazer, você tem coragem de jogar tudo para o alto e ficar com um cara?" Não sei se ela estava mais raivosa pelo fato de eu estar com outro alguém ou por este alguém ser um homem.
"Me escute, por favor." Insisti ao diminuir a distância entre nós.
"Delphine, eu te amei tanto, eu tentei cuidar de você e do nosso amor, mas você insiste em me fazer desistir de nós." As lágrimas em seu rosto caiam feito água em cachoeira, "O quê ele te deu que eu não pude te dar?"
"Não é assim, Cos. Eu te amo, eu não quero estar com ele." Afirmei ao pegar em suas tremulas mãos.
"Como ousa dizer que me ama? Como você espera que eu acredite?" Busquei por seu rosto entristecido, e ela não recuou dessa vez.
"Sinto muito, meu amor. Estou melhorando, estou tentando encontrar a mulher pela qual você se apaixonou." Expliquei encostando meu nariz com o dela.
"Você nunca deixou de ser a mulher pela qual me apaixonei, da mesma forma como você nunca permanece no mesmo lugar." Afastou-se de mim feito raio apressado.
"O quê você quer dizer?" Questionei confusa.
"Você é uma labilidade, sempre inconstante, instável, desiquilibrada. Amar você é como andar em corda bamba, eu nunca sei até quando estaremos firmes. Amar você é dirigir em velocidade estando vendada, nunca sei se estou indo na direção certa ou quando irei colidir...amar você, às vezes, faz mal pra mim." Sentença por sentença, palavra por palavra, oração por oração, Cosima desabafava enquanto eu desabava.
Eu a destruí tanto assim?
Por que ninguém me avisou?
Por que não pude ver o quê estava fazendo?
"Eu..." Uma lagrima me invadiu, "Eu sinto muito, meu amor."
Dra. Niehaus permaneceu me observando, ela não sentia raiva, apenas ciúme e muita decepção. Foi como se ela tivesse admitido a mim e para si mesma o quão toxico nosso amor chegou a ser.
"Delphine, eu sempre vou te amar, isso não é uma coisa que sou capaz de mudar." Suspirou fundo, assimilou a destruição de meu cerne.
"Mas você não quer ficar comigo." Completei seu pensamento em vocábulos macabros.
"Eu não sei de mais nada." Confessou.
"Eu te entendo, e não vou parar de lutar para te ter de volta. Quebrei tantas promessas, e por isso não farei mais nenhuma." Apontei meu indicador em sua direção, "Só saiba, Cosima, não se esqueça que meu amor pode ser esquisito, mesquinho e um tanto abusivo, mas ele é real, e farei o impossível para ser uma pessoa melhor para você, para mim e para Charlotte." Sequei as gotas salgadas de meu rosto, aproximei-me da estrutura desbalanceada em minha frente, beijei seus lábios sucintamente e fiz meu caminho de volta ao salão.
"Del, o quê foi?" Pallo levantou de seu assento em desespero.
"Nada, só preciso ir embora." Busquei por minha bolsa e mirei meus olhos em Robyn, "Cuide dela por mim, mas não se acostume tanto, não há nada neste mundo que nos separe definitivamente."
Passei pela porta do banheiro e avistei minha amada esperando por algo. Nossos olhos dançaram uma triste canção em meio à escuridão de nossas almas. Saí do restaurante, adentrei meu carro e irrompi em ruinas antigas.
Ela não pôde me esperar.
Ela não quis ser infeliz.
Eu havia a comparado com alguém que nunca tive. E a perfeição nunca vem, ela não existe.
Nós nunca sabemos o que há de errado sem degustar a dor.
E agora eu preciso dela.
E agora eu a quero.
Ela é tudo o quê nunca almejei, aquilo que nunca procurei.
E eu a tinha, e talvez, eu a tenha perdido para um outro alguém.
Tudo o quê vai, volta.
Palavras são ditas, dores são menosprezadas.
A felicidade acena "olá" e vai embora sem se despedir.
Amantes despiam-se em noites frias, e com seus corpos, aqueciam-se. Feitiços, maldições, magia ou macumba. Tudo tem um porquê, um jeito certo de se fazer. Assim como sua música preferida acaba, as páginas de um livro envelhecem, e assim como duas pessoas se apaixonam, elas podem não desejar que tal sentimento as transtornem, as transformem em pessoas apáticas que temem amar por não querer se machucar.
Feitiços, maldições, magia ou macumba. Há um pouco de amor nestas coisas, e há muitas destas inseridas na definição de amor.
Ninguém escolhe a dor que sente. Ninguém opina ao machucar alguém. E, com certeza, ninguém deseja estar morrendo mesmo estando plenamente vivo.
Não existe hora para poesia, não há como saber quando a alma chora ou quando a felicidade vai embora.
Somos bússolas sem ponteiro, barcos desgovernados, crianças aprendendo a caminhar sem ajuda ou sem saber onde iremos parar.
Fim do capítulo
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